IPEN aprova concessões de infraestrutura à iniciativa privada

A portaria foi aprovada pelo Conselho Técnico-Administrativo (CTA), com diretrizes para que espaços e instrumentos ociosos sejam alugados. A medida corresponde a ações que visam o sucateamento da instituição de pesquisa. 

IPEN aprova concessões de infraestrutura à iniciativa privada
Vista aérea do Instituto Nacional de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Reprodução/Foto: Roberto Fraga (Jornal da USP).

Por Kause Chaves e Ive Morgado | Redação

No dia 13 de dezembro de 2024 foi instituído um programa de concessão dos espaços do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) à iniciativa privada. A portaria foi aprovada pelo Conselho Técnico-Administrativo (CTA), com diretrizes para que espaços e instrumentos ociosos sejam alugados. A medida corresponde a ações que visam o sucateamento da instituição de pesquisa. 

O IPEN faz parte de um conjunto de instituições que foram criadas como parte do Programa Nuclear Brasileiro, para que se desenvolvesse tecnologia nuclear de forma autônoma no país. O instituto já teve mais de 4.000 servidores públicos para a realização das mais diversas pesquisas. Mas hoje, trabalham apenas 1.408. Além disso, é responsável por realizar pesquisas no reator IEA-R1, que produz radioisótopos farmacêuticos (para tratamentos de câncer, por exemplo), pesquisas em saúde, química e meio ambiente, das quais se enquadra riscos em gestão de resíduos, materiais, nanotecnologia, energia sustentável, energia nuclear, dentre outros.

Na última década, funcionários do IPEN, entraram em greve pelo menos quatro vezes, denunciando o desmonte da instituição e reivindicando melhores condições de trabalho. Houve mobilizações que paralisaram as atividades em 2009, 2011, 2015, 2016 e 2022, a grande maioria dessas mobilizações foi pela retomada de pagamento de salários, aumento de contratações e reposição de quadro. Em abril de 2024, se juntaram às jornadas de lutas dos funcionários públicos que ocorreram em todo o Brasil. Os funcionários conseguiram um reajuste salarial aquém do necessário, imposto pelo governo, sem margens para negociações, como consequência da política econômica da austeridade fiscal.

São inúmeras as evidências do sucateamento do instituto, com um quadro de funcionários reduzido, com jornadas de trabalho mais precarizadas, gerando sobrecarga nos atuais funcionários. Este cenário não irá se modificar com o recente concurso da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), pois as 150 vagas são insuficientes. Como consequência, há espaços e equipamentos que não operam da forma mais eficiente possível, causando períodos de ociosidade.

A concessão aprovada pelo CTA do IPEN possui concordância com a Política de Inovação do CNEN, aprovada em 2019. Assim, a portaria possui continuidade e aplica essa política geral ao local, permitindo que a infraestrutura do IPEN possa ser utilizada por terceiros. Ou seja, espaços físicos, prédios, salas, obras inconclusas, laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes no IPEN/CNEN e os Centros de Pesquisa vão poder ser cedidos à iniciativa privada, através de um edital de outorga.

A condição para a concessão é que se comprove total ou parcialmente a ociosidade da infraestrutura. Ociosidade que existe devido ao sucateamento e falta de funcionários, assim, um problema artificialmente produzido, é supostamente solucionado pela iniciativa privada. A principal justificativa para a concessão é de que a capacidade produtiva dos centros de pesquisa estatais não estaria suprindo a demanda do mercado público e privado da saúde, que tem aumentado consideravelmente dado o aumento nos diagnósticos de câncer.

No entanto, o que o histórico de mobilizações dos trabalhadores do IPEN indica é um profundo desmonte desses centros de pesquisa, favorecendo as propostas de privatização. Mesmo com essas questões, o IPEN sozinho produzia mais da metade dos radiofármacos utilizados no país, enquanto a iniciativa privada que já possui autorização para produzir materiais radioativos de “meia-vida baixa” não produz suficiente para suprir a demanda por não ser lucrativo.

Portanto, não podendo executar uma privatização plena, devido à trava constitucional, o que vem sendo feito é um processo já bastante conhecido de desidratação do investimento público, abandono de estruturas, perseguição à funcionários mais politizados e terceirização em setores meio, abrindo espaço para que a privatização apareça como última alternativa.

Em declaração, Fábio, pesquisador de Iniciação científica no IPEN, esclareceu:

É uma área enorme que emprega físicos, químicos, farmacêuticos, biólogos, além de estudantes de mestrado, doutorado, IC. Eu faço IC lá. De maneira geral é uma estrutura pública importante e de interesse estadual/nacional para a produção e desenvolvimento de radiofármacos e tecnologias nucleares de maneira geral, além da gestão de rejeitos radioativos e radioproteção.

O que está acontecendo é uma privatização por aluguel. É basicamente o mercado externo usar de uma estrutura pública sobre a qual ele não colocou dinheiro nenhum para produzir um bem que vai dar lucro apenas a um grupo, e tudo isso feito sob condições que foram criadas por uma falta de investimento sistemática que deixa de empregar muita gente, muitos físicos inclusive.

A Constituição Federal de 1988, estabelece parâmetros e responsabilidades para uso da Energia Nuclear no país, como o monopólio estatal sobre a pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares e seus derivados. Podendo somente serem realizadas atividades pacíficas e sob regime de autorização para uso na medicina, indústria e comércio. Tais liberações mediante autorização foram inseridas via emendas constitucionais na última década.

Tais referências são diretamente ameaçadas com o avanço da privatização no setor, dado que, ao ter a concessão do maior produtor de radioisótopos do país, o monopólio estatal e, portanto, as possibilidades de planejamento social para seu uso ficam limitadas.

Radioisótopos ou radiofármacos são substâncias que emitem radiação e são usadas no diagnóstico e no tratamento de diversas doenças, principalmente o câncer. Atualmente o SUS é o principal comprador desse tipo de insumo e fornece tratamento gratuito para a população brasileira.

A produção e processamento de radiofármacos pelas estatais brasileiras contribui com a complexificação industrial do país, e sua expansão tem a capacidade de geração de empregos com maiores salários devido ao nível de especialização exigido. Além disso, a elaboração de pesquisas de base e desenvolvimento de novos radioisótopos passam pelas Universidades Públicas e demais instituições vinculadas ao CNEN, dessa forma, privatizar o aparelho produtivo do IPEN indica uma transferência de recursos na etapa em que já não há riscos consideráveis no investimento. O setor estatal fica com todo o custo de formação de corpo técnico qualificado, com os riscos acidentais e o setor privado fica com os lucros daquela produção já eficiente.