Governo Federal sobe o tom contra as bets no Brasil

Diante dos dados do Banco Central que apontam gasto de R$ 3 bilhões de beneficiários do Bolsa Família em apostas online via Pix no mês de agosto, governo federal endurece o discurso contra as casas de apostas esportivas.

Governo Federal sobe o tom contra as bets no Brasil
Augusto Melo em frente a publicidade da VaiDeBet, casa de aposta banida pelo Ministério da Fazenda, e que rescindiu com o clube em junho. Foto: Reprodução: Jozzu/Agência Corinthians.

Por Redação

O Governo Federal planeja para a próxima semana o bloqueio total a formas de pagamento como cartão de crédito e cartão do Bolsa Família nos sites de apostas que não estiverem regularizados. Na segunda-feira (30), o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que cerca de 600 casas de apostas não solicitaram autorização para funcionamento no Brasil e terão os sites bloqueados em território nacional pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

O ministro assinalou que os usuários dessas casas de apostas deverão solicitar imediatamente a restituição do dinheiro depositado nas plataformas. A posição mais firme do governo foi tomada após o Banco Central confirmar que, apenas em agosto, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas online por meio do Pix. Neste sentido, o Presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, chegou a defender que a transferência via Pix para empresas de bets seja proibida. O montante equivale a 20% de todo o valor repassado pelo programa no mês.

De acordo com o Estudo Especial nº 119/2024, conduzido pelo Banco Central a pedido do Senador Omar José Abdel Aziz, o mercado de apostas online no Brasil movimentou um volume expressivo em 2024, com destaque para o impacto econômico dessa atividade sobre diferentes camadas da população.

Em agosto de 2024, as empresas de apostas online no Brasil movimentaram cerca de R$ 20,8 bilhões em transferências recebidas via Pix. Esse montante inclui tanto empresas formalmente registradas no setor de jogos de azar (CNAE 9200-3/99), quanto outras identificadas por suas características de transações financeiras. Os valores totais mensais variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões ao longo do ano, e estima-se que aproximadamente 15% dessas quantias sejam retidas pelas empresas como lucro, com o restante sendo distribuído aos ganhadores na forma de prêmios.

O valor médio mensal arrecadado pelas loterias em 2024, por exemplo, foi de R$ 1,9 bilhão, bem inferior ao volume movimentado pelas apostas online. As empresas de apostas não cadastradas no CNAE específico do setor apresentaram uma arrecadação significativamente maior, com uma média mensal de R$ 235,7 milhões por CNPJ, em contraste com os R$ 140.128 mil por CNPJ das casas lotéricas.

O estudo estima que cerca de 24 milhões de pessoas físicas realizaram ao menos uma transferência via Pix para empresas de apostas ao longo do período analisado. O perfil dos apostadores revela a prevalência de indivíduos jovens, especialmente entre 20 e 30 anos, embora pessoas de diferentes faixas etárias também participem. O valor médio das transferências aumenta com a idade: apostadores mais jovens gastam cerca de R$ 100 por mês, enquanto os mais velhos podem gastar mais de R$ 3.000 mensais.

O governo também discute a implementação das propostas de tributação das bets. Para as apostas de quota fixa, a legislação estabeleceu uma taxa de fiscalização mensal de agentes operadores das apostas, aplicada sobre a arrecadação após a dedução dos prêmios e do imposto de renda, que varia de acordo com faixas de arrecadação. A Lei nº 14.790 de 2023 também prevê o recolhimento sobre o ganho líquido anual com apostas no Imposto de Renda.

Conforme já noticiado, entre as maiores empresas que atuam no ramo no Brasil, 55% têm proprietários ou sedes na Europa, 16% são brasileiras, 22% não possuem informações claras sobre seus sócios e uma tem um sócio principal australiano. Das empresas brasileiras, metade está sob investigação por suspeitas de lavagem de dinheiro, fraude e esquema de pirâmide. As cinco plataformas mais acessadas no país – Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet e 1xbet – têm todas origem europeia.

Na análise dos proprietários das empresas, é aferido que a maioria dessas empresas opera sob a legislação de Curaçao, paraíso fiscal no Caribe arrolado na Instrução Normativa da RFB nº 1037 de 2010, que determina os países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados.

Apesar da iniciativa do governo em regulamentar a atividade das apostas esportivas no Brasil, 199 marcas de bets continuam autorizadas a continuar operando no país, após a publicação na noite desta terça-feira (1) das listas nacional e estaduais. Essas marcas são administradas por 95 empresas que solicitaram autorização até o dia 30 de setembro e cumpriram os requisitos estipulados para manterem suas atividades no país.

Das marcas autorizadas, 193 são operadas por 89 empresas em âmbito nacional, enquanto seis empresas têm permissão para atuar de forma regional, sendo cinco no Paraná e uma no Maranhão. As maiores casas de apostas do país continuam credenciadas, entretanto, destacam-se grandes empresas que estão irregulares, como a Esportes da Sorte e a VaiDeBet. A Esportes da Sorte, empresa anunciante da Rede Globo, esteve em relevância na mídia, quando viabilizou a contratação do jogador Memphis Depay, e é detentora de contratos com clubes das Séries A e B que ultrapassam os R$ 500 milhões, sendo patrocinadora de grandes clubes do futebol nacional, como o Corinthians, Athletico-PR, Bahia e Grêmio e o Ceará. Já a VaiDeBet ganhou os holofotes conforme investigada a relação com o cantor Gusttavo Lima, e quando rescindiu o contrato que tinha com o Corinthians. Além do Corinthians, Athletico-PR e Bahia, atualmente patrocinados pela Esportes da Sorte, o Juventude também é patrocinado por empresa não autorizada pelo governo, a Stake Bet.

Camisa do Bahia com patrocínio em destaque da Esportes da Sorte. Foto: Reprodução: Esporte Clube Bahia.

As apostas online que não solicitaram autorização terão até 10 de outubro para permanecer no ar, período concedido para que os apostadores retirem o dinheiro depositado. A partir de 11 de outubro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) bloqueará as páginas.

Apesar da regulamentação do governo, a situação das bets ainda é preocupante no país. Sediadas em países europeus, as maiores empresas que hoje monopolizam o ramo continuarão suas atividades corriqueiramente em território nacional, e continuarão gozando de ampla operação e publicidade, sendo patrocinadoras de campeonatos, clubes de futebol e programação de emissoras de televisão. A regulamentação isolada enquanto política pública também não é eficaz na prevenção ao uso compulsivo e nocivo das apostas esportivas. O governo anunciou que deverá avançar na pauta nos próximos dias, mas se entende que as propostas discutidas, como o reforço da educação financeira, não combatem o problema na rigidez que o discurso do executivo federal sugere.