Equador: entre o narcotráfico e o neoliberalismo

Nos últimos anos a violência no Equador aumentou expressivamente. De acordo com dados do Instituto Igarapé, houve um aumento de 288% na taxa de homicídios, chegando à terceira maior de toda a América Latina.

Equador: entre o narcotráfico e o neoliberalismo
Militar equatoriano patrulha as ruas de Quito durante as eleições de Agosto de 2023. Foto de: Anadolu Images

Por Konrado

A crise no Equador atinge novos patamares

O presidente equatoriano, Daniel Noboa, declarou Estado de Emergência por 60 dias nesta segunda-feira, 8 de Janeiro, após uma escalada de violência entre grupos narcotraficantes e as forças de repressão do estado. Ao longo desta semana, combates foram reportados nas principais cidades do país, em especial em Guayaquil, cidade portuária, que é o centro econômico da nação.

Muitas das prisões superlotadas do país passaram por motins, e mais de 130 guardas prisionais e outros funcionários foram feitos reféns por presidiários. Uma estação de TV foi invadida durante uma transmissão ao vivo e os jornalistas também foram feitos reféns. O cenário se desenvolveu após a aparente fuga do notório líder da gangue Los Choneros, Adolfo “Fito” Macias, no último domingo. Acredita-se que a gangue tenha ligação direta com o Cartel de Sinaloa, um dos grupos narcotraficantes mais poderosos do México. Noboa nomeou 22 gangues como “organizações terroristas”, tornando-as alvos militares oficiais.

“Estamos em guerra e não podemos ceder diante desses grupos terroristas”, disse Noboa à estação de Rádio Canela na quarta-feira.

Nos últimos anos, a violência no Equador aumentou expressivamente. De acordo com dados do Instituto Igarapé, houve um aumento de 288% na taxa de homicídios, saltando de 6,9 assassinatos para cada 100,000 habitantes em 2019 para 26,7 em 2022, chegando à terceira maior taxa de homicídios de toda a América do Sul.

A ligação da escalada de violência nos últimos anos com a disputa do país por grupos narcotraficantes internacionais se tornou consenso nas principais agências burguesas de notícia, apontando que o Equador se tornou um centro continental de processamento de cocaína. Mas uma abordagem unilateral não basta para compreender o cenário político e socioeconômico equatoriano.

O país de cerca de 17 milhões de habitantes está atolado numa profunda crise econômica. Segundo dados do governo, o Produto Interno Bruto (PIB) teve uma queda de 7,5% em 2020, apesar de uma pequena recuperação nos últimos dois anos. Cerca de um terço dos equatorianos vive atualmente na pobreza. Isso está diretamente ligado com o aumento da mobilização de organizações indígenas e sindicais no país, realizando grandes protestos em 2022 e 2023 contra a exploração de novas jazidas de petróleo descobertas na Amazônia equatoriana.

O Estado de Emergência aciona os militares e a polícia para patrulharem as ruas, impõe um toque de recolher entre as 23h e as 05h da manhã, e confere às autoridades o poder de restringir a liberdade de circulação e reunião. O último presidente do país, o banqueiro Guillermo Lasso, também utilizou frequentemente os estados de emergência ao longo de seu governo, sendo criticado por instrumentalizá-los para desmobilizar protestos. No ano passado, José Miguel Vivanco, diretor da divisão para a América Latina da Human Rights Watch (HRW), alertou contra a presença de militares nas ruas, destacando que "as forças armadas são treinadas para a guerra, não para controlar a ordem pública e o crime."

A que interesses responde a política de Daniel Noboa?

Empossado em novembro, Daniel Noboa (35) é herdeiro de um império empresarial bananeiro. Ele é nascido em Miami, filho de um empresário famoso no cenário político equatoriano: “Alvarito” Noboa concorreu à presidência do país 5 vezes, sem sucesso. Ele foi eleito pela Ação Democrática Nacional, coligação criada para lançar a sua candidatura nas eleições presidenciais de 2023, composta pelos partidos burgueses Povo, Igualdade e Democracia (PID) e MOVER. A vice de Noboa também é empresária, a conservadora Verónica Abad Rojas.

Noboa servirá apenas 18 meses, consequência de uma das eleições mais tumultuosas da história equatoriana recente. O ex-presidente Guillermo Lasso dissolveu o parlamento em maio de 2023 como vias de evadir um julgamento por corrupção, provocando uma eleição geral antecipada para evitar um possível impeachment. O assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio em 9 de Agosto, que havia sofrido ameaças da gangue Los Choneros, fez o debate público ser fortemente pautado pelo tema da segurança pública e do narcotráfico.

Durante toda sua campanha, Noboa disse que queria criar prisões flutuantes em barcaças em alto mar para isolar os presos mais violentos, bem como a expansão e construção de novas prisões de segurança máxima. “Para combater a violência devemos combater o desemprego; o país precisa de empregos e para criá-los enviarei reformas urgentes à assembleia”, disse Noboa durante seu discurso inaugural da presidência.

Para além da classificação dos grupos narcotraficantes como terroristas, e portanto alvos militares, fala-se também da deportação de prisioneiros estrangeiros. Há cerca de 1.500 colombianos presos no Equador, segundo Noboa, e que se somados aos presos peruanos e venezuelanos representam 90% dos estrangeiros presos. Mas é possível que o pretexto sirva para endurecer políticas conservadoras e discursos xenofóbicos, e que todas as pessoas que tenham problemas com a permanência legal possam eventualmente ser deportadas.

“Estamos investindo mais nessas 1.500 pessoas do que no café da manhã escolar para nossas crianças”, afirmou o presidente.

Repercussão internacional

O Ministro da Justiça colombiano, Nestor Osuna, questionado sobre a possibilidade de deportação em massa, disse a jornalistas que as sentenças equatorianas só seriam reconhecidas na Colômbia se os prisioneiros chegarem através de repatriamento formal, acordado com as autoridades colombianas. Se os presidiários colombianos forem simplesmente expulsos, só serão presos aqueles que tiverem acusações pendentes no país.

A Colômbia também disse na quarta-feira que aumentaria a sua presença militar e reforçaria o controle ao longo da sua fronteira de quase 600 quilômetros com o Equador. O governo peruano introduziu Estado de Emergência nos territórios do norte, que fazem fronteira com o Equador e a Colômbia, e estabeleceu medidas similares, controle da migração reforçado e envio de destacamentos policiais e do exército para a região.

No Brasil, o diretor-geral da polícia federal anunciou criação formal de uma Adidância (local de trabalho) da PF em Quito, capital do Equador, com presença de pelo menos dois policiais federais brasileiros. Também foi levantada a possibilidade da polícia federal fornecer para o país efetivos policiais, além de oferecer suporte na área de inteligência, como troca de informações e equipamentos. O Brasil compõe a Ameripol, uma organização de 13 países americanos criada para a cooperação internacional de polícias, similar a Polícia Internacional (Interpol), e convocou uma reunião extraordinária para debater a situação equatoriana.

Os Estados Unidos também se prestaram para a assistência militar. A atual situação tornou-se um pretexto para a administração de Daniel Noboa aumentar o investimento no aparelho de segurança em parceria com os EUA, com anúncio de troca de equipamentos militares de fabricação soviética por novos modelos americanos no valor total de US$ 200 milhões.

A troca será realizada como parte de um “grande pacote de ajuda” dos Estados Unidos, estabelecido em acordo surpreendentemente rápido com a embaixada americana imediatamente após o início dos tumultos. Ao mesmo tempo, especula-se que os equipamentos soviéticos entregues pelo Equador entrarão muito em breve em serviço nas Forças Armadas da Ucrânia.

“Condenamos veementemente os recentes ataques criminosos de grupos armados no Equador contra instituições privadas, públicas e governamentais”, disse o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan numa publicação na rede social X, antigo Twitter.

Também o porta-voz de segurança nacional da Casa Branca, John Kirby, disse a uma coletiva de imprensa que os Estados Unidos estavam a monitorizar a situação e estariam dispostos a “tomar medidas concretas para melhorar a nossa cooperação" com o governo equatoriano para lidar com a violência e o seu impacto na população, incluindo ajuda investigativa. Não há planos para os militares dos EUA enviarem tropas, acrescentou.

Até agora, o Partido Comunista do Equador não se manifestou sobre os recentes acontecimentos.