'Enquanto isso, no Rio Grande do Sul…' (Vesúvio)
O problema, camaradas, não é nunca a dramaticidade e urgência da conjuntura que aflige o estado. O problema é sempre prévio: não temos uma estrutura mínima de prontidão para responder a isso. Ou a qualquer coisa na verdade.
Por Vesúvio para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Nossa questão organizativa está longe de ser algo menor.
Eu não digo isso para advogar por braços cruzados nem para fazer um elogio da inércia. Quem ler este texto, até o final, entenderá que é muito pelo contrário.
Também não estou abordando aqui a questão de como o Partido irá atuar nas eleições. A excelente tribuna de Ju Sieg e Vinícius Okada já representou muito bem meus pensamentos acerca disso.
Só queria enfatizar, de maneira geral, que é um erro ignorar nossa situação pós-cisão, olhar para a conjuntura externa, esquecer da interna. Isso vai na contramão de uma análise concreta da realidade.
Ainda mais, se estamos falando do Rio Grande do Sul.
Lembro que quando o camarada Jones Manoel esteve aqui, no início de dezembro, para dar uma palestra, em meio a uma rápida conversa de bar, perguntei a ele a quantas andava a reconstrução revolucionária em Pernambuco. Declarou-se por fora do assunto. Explicou que pedira para ser liberado de seu papel estadual para operar a nível nacional.
Já quero defender aqui, muito justificadamente, ao meu ver.
O homem é uma máquina. Viajando de norte a sul, soltando trocentos vídeos por dia, às vezes pautando debates importantíssimos praticamente sozinho dentro do campo de comunicadores marxistas do país.
Eu não consigo pedir deste camarada, que tanto admiro, responsável pela minha radicalização, para também ser a grande babá dos comunistas em todos os níveis.
Quando criticamos o tal do “personalismo”, não é exatamente isso que defendemos; que a construção partidária transcende, e não depende, exclusivamente de um único indivíduo?
Mas como disse ao Jones naquele mesmo dia:
— Bom, perguntei, porque aqui está bem ruim!
Recentemente chocou o Órgão Central do Partido a “completa falta de formulações” da militância do estado acerca dos desastres climáticos e a perda, com nossa inação, de uma oportunidade histórica de pautar a reestatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica. Ainda que a bronca seja cirúrgica de tão correta, acredito que a surpresa em si veio apenas porque o resto do país observa a gauchada com uma luneta.
Se nos enxergassem de perto, iam ver quem, na verdade, seria uma grande tolice esperar isso de nós. Porque o que estavam vendo era uma ilusão de ótica.
Não existe atualmente partido marxista-leninista no Rio Grande do Sul. E, começo a me perguntar, se já existiu, fora de algum passado mítico que a minha geração não testemunhou. O que tínhamos aqui com o antigo comitê e a juventude comunista era, por tudo o que testemunhei até agora, vocês muito me perdoem a franqueza, mas, no máximo, um delírio coletivo.
Hoje, das aproximadamente doze células que nos compõem no estado, mais da metade chafurda na inorganicidade, desorganização e indisciplina.
Elas inexistem na prática.
Somos um partido de gente, ou muito jovem, ou muito velha. E terrivelmente pequeno-burgueses, mesmo quando não temos uma cifra no banco e posses que justifique tal comportamento.
O nosso CR é enorme, mas vazio. Burocrático ao extremo. A linha de comunicação do Império Inca do século dezesseis era mais rápida e eficiente, ao passo que estes ainda tinham vantagem de se ver mais do que a gente, que nos resumimos a umas mensagens esparsas no Telegram.
Mas, olha só, eu devo ser mesmo fodido da cabeça, porque sabe, vim aqui não só para noticiar isso, o que devia ser óbvio, mas para dizer que, apesar de tudo, eu acredito vigorosamente na porra deste partido.
Ou melhor, na capacidade que temos de criar um.
Há nem três meses, por exemplo, quando o camarada Jorge assumiu a Comissão de Finanças, não existiam finanças. Pelo menos, não a nível partidário. A maioria da militância simplesmente não cotizava. O padrão era ficar olhando para o teto para ver se algo ia acontecer, ruminar filosoficamente enquanto se coçava o queixo, sobre “linha política”.
E, aí, TALVEZ, cotizar.
Porém, camaradas, nada é mais pequeno burguês do que ficar de fora, esperando para ver o que vai acontecer, enquanto o resto da militância dá o sangue para pôr em ordem a casa. E quase nada vai acontecer sem dinheiro.
Neste meio tempo, nós da Comissão de Finanças, com uma campanha tardia, imperfeita, com parâmetros, admito, a princípio confusos — mas sempre, sempre, sempre tendo desde o príncipio a intenção primeira de ser uma campanha com caráter agitativo e para “quebrar a inércia” — conseguimos sair de um zero bem redondo no caixa recorde, batendo a meta estipulada.
Logramos, durante o processo, pressionar camaradas veteranos extremamente irregulares, que envolviam práticas abomináveis, e rompimento da unidade de ação (ou a velha e boa sabotagem) a se afastar das suas funções financeiras.
Com o fluxo de caixa gerado, garantimos.
- Nossa sede na capital.
- A profissionalização de uma camarada.
- Os fundos para realizar nossas etapas do XVII° congresso.
Neste período também conheci camaradas incríveis, gente de ótima formação, oratória incrível, de comprometimento sem par. Talento não nos falta por aqui.
O que falta, de fato, é nos organizar.
Vejam, o problema é que ainda temos uma militância crua, mal formada, ou completamente traumatizada, que só agora, após o filtro de mil e uma deserções, parece começar a encontrar um chão firme onde pisar.
O problema, camaradas, não é nunca a dramaticidade e urgência da conjuntura que nos aflige. O problema é sempre prévio: não temos uma estrutura mínima de prontidão para responder a isso. Ou a qualquer coisa na verdade.
Pautas para reivindicarmos e desenvolver um trabalho em cima nunca vão nos faltar. Todo dia o gaúcho descobre que algo alagou, algo queimou, desabou ou que privatizaram o ar que ele respira — só para ficar nos quatro elementos! Direitos perdidos são quase como ler o horóscopo, neste imensos lobby de imobiliária e supermercado que é o governo Melo/Leite.
O que precisamos é estar preparados para atender estas demandas. De maneira orgânica. Muito mais que tentar compensar esta inorganicidade de maneira artificial, se metendo em tudo que é protesto, só para expiar nossa culpa cristã, para provar para o resto da esquerda, e para nós mesmos, que a gente “existe”.
Embora, notem, este preparo necessariamente passará por uma maior atuação nossa nas ruas, atos e movimentos sindicais.
O que eu proponho para sair deste antro estreito:
- Investirmos, pesadamente, qualitativamente, em recrutamento e formação. Somente quadros novos, arejados e bem formados vão ajudar a recompor efetivamente as nossas fileiras, principalmente, as secretarias.
- Organizar e sistematizar nosso recrutamento. O que nos adiantaria que 1000 pessoas batessem AGORA na nossa porta, se não temos um aparato adequado para recebê-las? E, com isso, não quero dizer que falte gente querendo se unir a nós. Há recrutamentos bons e recentes demonstrando que isso não é o caso.
- Uma simplificação brutal da nossa estrutura de células. Porque atualmente temos camaradas talentosos e orgânicos, dispersos por organismos quase mortos, ou núcleos isolados do resto. É preciso, assim que possível, eleger e compor um comitê local menor e mais eficiente, ao mesmo tempo que, na área metropolitana, urge reduzir o número de células.
- O ideal ao meu ver, e eu sei que é uma ideia controversa, seria ter (neste momento específico) uma única célula tronco na capital, com reuniões presenciais e semanais, dividida em formação teórica sólida, e atividades de campo (também formativas). A atuação desta vanguarda deve ser prioritariamente formar núcleos que darão nascimento a novas células, na medida que mantém seus próprios militantes orgânicos e afiados para atuar.
- Destacarmos como tarefa uma brigada jornalística para produzir, ao menos, um texto ao mês, com uma boa análise da conjuntura estadual. E, enfatizo, jornalística, porque não adianta ter apenas habilidades de redator (meu caso), mas precisamos de pessoas que tem agilidade na busca de fontes e dados, além de um mínimo de formação teórica sólida dentro partido (infelizmente, ainda não é o meu caso!).
- Criar uma tarefa periódica e permanente de panfletagem, na capital e no interior. Existem infinitas oportunidades de dialogar com a classe trabalhadora, que não envolvem estar no ato da vez.
- E, quando estes atos vierem, já teremos pessoas mobilizadas para atendê-los.
Nestes meses que orbitam em torno do Congresso, proponho ao Rio Grande do Sul focar em uma construção efetiva do Partido. Falo em construção, e não reconstrução, porque o legado que temos é simbólico: não vamos deixar que ele nos iluda, achando que temos uma estrutura partidária já pronta, que é só tirar da embalagem e sair usando.
Um dia, espero, que a exemplo do que fizeram os comunistas turcos, durante o terremoto em seu país, tenhamos a capacidade não só de fazer uma análise da conjuntura, mas de estar lá para ajudar, no dia seguinte.
Lutando, ombro a ombro com a nossa classe, em suas trincheiras eternas.