'Dois dias que abalaram todo mundo: RR no Rio Grande do Sul' (Vesúvio)

Na verdade, observo que o que se deu no estado, foi justamente luta de classes. Temos uma juventude urbana, estudante, leninista, que não seja reconhece mais nos velhos dirigentes e desejava um centralismo democrático verdadeiro, com ampla polêmica interna.

'Dois dias que abalaram todo mundo: RR no Rio Grande do Sul' (Vesúvio)
"Houve camaradas que se sentiram excluídos, ou mesmo, traídos. Do meu ponto de vista limitado, confesso, não vi ali nada demais. Qualquer nuance interpessoal passou batida por mim, como um submarino invisível ao radar."

Por Vesúvio para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Sou um fantasma sem célula.

Recém chegado, ingressei no partido em 1º de maio deste ano. Logo de cara, peguei a maior crise interna da organização nas últimas três décadas. Quer dizer, sendo bastante honesto, para mim não “pegou” muito, mas para muita gente pegou.

PARAFUSO SOLTO

Não vim do movimento estudantil. Sou um homem trintão, que nunca teve histórico de militância ou qualquer passagem por sindicatos.

A minha visão “marxista”, ainda que lambuzada de neoliberalismo, foi a que eu tive como base bem lá atrás, durante a adolescência, através de professores trotskistas de Ensino Médio e na minha, agora já distante, graduação em História. Uma profissão que mal exerci — hoje trabalho como assistente editorial e redator.

Vez ou outra, é costume parafrasear Lenin, quando este diz que o partido, ao seguir uma linha correta, quando sua ação prático-teórica tem respaldo da verdade, transforma-se em uma imã não só de apelo popular, mas também arrasta para si os setores médios da população. Pois bem. Gosto de acreditar que sou um mais um parafusinho de metal solto do maquinário, atraído pelo campo magnético dos acertos recentes de um círculo de propaganda em expansão.

Quando eu me mudei do interior de Minas para Porto Alegre por questões de trabalho, levei a sério a ladainha de que texto na internet não é militância. Saí caçando comunistas pela cidade. Não com a finalidade que geralmente se dá a essa ação, mas para me juntar às sua fileiras. Visitei o Memorial Luís Carlos Prestes. Fui ao Armazém do Campo. Finalmente encontrei o que procurava, — de maneira tão desajeitada — em uma palestra do camarada Landi na UFRGS.

Fique aqui registrado: eu, e um tímido casal de artistas, éramos provavelmente os únicos não-estudantes nas entranhas da universidade. O casal, finalmente havia encontrado alguma estabilidade na classe média. Eu, nascido em berço d’ouro, mas de família decadente, proletarizada, só a essa altura da vida adulta também começo a respirar, me manter de pé. O que eu e o casal tínhamos em comum é que queríamos nos unir ao esforço do partido. Para além das ideias, tínhamos conquistado agora uma realidade material que nos permitia fazer isso.

Não os vi mais, mas ainda estou por aqui.

A essa altura do campeonato, cheguei no partido sem idealismo. O fato de eu ter testemunhado que toda a “esquerda radical” de Porto Alegre cabe em um barco não me desanimou. A desorganização geral do partido não me desanimou. A evidente falta de inserção de massas não me desanimou.

Vivemos em um mundo que passou todos os anos desde a queda do Muro de Berlim em um pântano ideológico onde publicamente mal se falava em comunismo, e quando se falava, se falava mal. Eu estaria sendo muito ingênuo e imediatista se esperasse encontrar uma situação diferente.

Mas por quê escolhi militar no PCB? Ter um século de história, um panteão de nomes heróicos, tem seu charme, confesso, mas isso ficou longe de ser decisivo. Após longos meses lendo, estudando e consumindo conteúdo de diversos comunicadores, me vi na necessidade de escolher uma linha política.

Respeitava e admirava todo mundo do movimento, mas quem ao meu ver acertava em suas análises, quem ia de encontro às minhas próprias ideias, era o infame Jones Manoel. Este mesmo Jones que se apresentava marxista-leninista com firmeza, convicção e constantemente tecia críticas aos outros, aos seus e, mais importante, a si mesmo. Outros comunicadores também ligados à UJC e ao PCB pareciam ter uma linha parecida. Então, sem dúvidas, é onde eu pertencia. Só não sabia ainda que dentro deste partido já se formavam inevitavelmente dois.

Em minha antiga célula morta, estávamos no início de começar a reativar e reestruturar esta unidade Sindical Popular (que, convenhámos, não era “sindical” muito menos “popular”, pensamos em renomeá-la para não passar vergonha). Mal estávamos compondo secretários e ensaiando construir pontes com alguns movimentos locais — o de preservação pela antiga residência do escritor comunista Dyonélio Machado, o Jornal Boca de Rua, organizador da população sem-teto —  quando “a crise” veio.

Toda liderança que me trouxe para o partido acabou expurgada e foi parar na tal Reconstrução Revolucionária, com manifesto e tudo. Isso, novamente, me deixou poucas dúvidas de para onde seguir. Não me interessa muito, pessoalmente, a questão de há quanto tempo a cisão existia ou não. As repetidas tentativas fracassadas de manter a unidade e criar espaço para disputa interna. Porque no frigir dos ovos, tudo diz respeito à mesma questão básica: linha política.

O que propunha o outro lado, os velhos pecebistas do comitê central? Só analisando seus discursos e ações posso especular. O que foi decidido no último congresso, não davam lá muitos indícios de apoiar. Suas circulares são um amontoado confuso de jargões e palavras de ordem vazias.

Esteja eu correto ou não, o que estes membros de carteirinha do “partidão” parecem defender se resume a:

  1. Supressão do debate interno em nome de uma noção vaga de unidade e um conceito deturpado de centralismo-democrático.
  2. Uma partido de massas nostálgico e eleitoreiro com uma sigla “vintage”, inserido dentro de uma esquerda ampla e em prol de um conceito genérico de democracia.
  3. Garantir respeitabilidade para alguns dirigentes do partido em círculos acadêmicos.
  4. Ficar à reboco do reacionarismo russo ou do enigma chinês, em vez de perseguir um projeto próprio e soberano de país e juntos ao movimento internacionalista.
  5. Colocar a culpa de absolutamente tudo o que fazem errado no “jovem” e “nas redes sociais”.

Se assim é, nem precisariam se dar o trabalho de uma expulsão futura do partido, pois faria o favor a mim mesmo de sair!

Mas, se tudo isso me parecia evidente, será que a maioria dos camaradas mais veteranos concordava comigo? Enormes sinais da resposta ser “sim” se pegarmos como única base o da área metropolitana para discutir a vida partidária.

Os expurgos foram suspensos pelo comitê regional. Demos uma banana para os dirigentes no resto do país. Se buscou inicialmente um XVII Congresso extraordinário a ser realizado num prazo de 6 meses, estancando um processo de ruptura que, para muitos, ainda parecia evitável naquele momento. Aqui no Rio Grande do Sul, a “ala direita” é que se viu isolada e acabou se autoexcluindo do partido. Apesar de tudo, uma posição mais definitiva, só seria consolidada necessariamente com um ativo estadual.

Foi nesta posição de basicamente um observador —  com direito a voz, que exerci esporadicamente, à minha maneira bagunçada —  que participei deste ativo do estado, que ocorreu nos dias 16 e 17 de setembro. Reunião no qual a maioria dos comunistas gaúchos votou por aderir à Reconstrução Revolucionária, escolheu um Comitê Regional provisório e duas representantes para o ativo nacional.

Tudo o que eu era francamente a favor.


E continuo, profundamente convencido, otimista, de que, se ainda não conquistamos muito até agora, também não me parece termos perdido grande coisa, a não ser, talvez, algumas amarras.

Porém, é preciso deixar claro: a programática prevista para o ativo não rodou liso. Nem foi indolor para uma parte significativa da camaradagem que estava à minha volta. Como testemunha do que se deu nestes dois dias,  em um primeiro momento tentarei analisá-los tanto quanto possível dentro da minha capacidade.

Depois, colocarei para jogo algumas propostas.


O SÁBADO

A organização de pré-debates qualificados para o ativo por parte de nossas células foi — devido ao caos da crise e à inorganicidade geral — muito ruim ou inexistente.

Também se optou por iniciar os trabalhos com um espaço de formação sobre a história de crises partidárias. Embora a tarefa tenha sido tocada como possível pelo camarada que a apanhou no ar e botou no colo, esta preliminar enorme mostrou-se ampla demais, superficial e pouco produtiva. Custou horas que se mostrariam vitais no dia seguinte.

Foi imediatamente após isso que começamos as primeiras inscrições. A maneira como cada comunista pede seu direito de falar e ser ouvido por um punhado de minutos. Mal começou, porém, e várias pessoas presentes se surpreenderam com a leitura de uma carta aberta, que, segundo elas deduziam, demonstrava uma espécie de conchavo entre antigas figuras da dirigencia estudantil e do comitê regional, uma articulação prévia pela reconstrução revolucionária, de qual, mesmo muitos que a haviam apoiado desde um primeiro momento, não tinham tomado conhecimento.

Houve camaradas que se sentiram excluídos, ou mesmo, traídos. Do meu ponto de vista limitado, confesso, não vi ali nada demais. Qualquer nuance interpessoal passou batida por mim, como um submarino invisível ao radar.

Ou, como posso dizer? Alguém que tenta arbitrar uma briga entre duas pessoas a respeito de uma cebola que foi deixada semi-devorada em um potinho destampado no canto da geladeira. Desavisado que, na verdade, estas duas pessoas são amantes há muito anos, a briga não é bem sobre o fedor lacrimogêneo deixado no refrigerador, e que esta cebola tem muitíssimas camadas.

Ao meu ver, o fato de tal carta existir, era uma consequência lógica de um processo de clandestinidade dentro de um órgão com repressão interna. Eu fui um dos que aderiu mentalmente à reconstrução e, obviamente, também não estava sabendo ou incluído neste processo.

Porém, a nominata de velhos nomes, a falta de transparência, trouxe à tona uma mágoa infinita e aparentemente há já muito represada. Principalmente, observo, entre os núcleos compostos dos assim chamados jovens trabalhadores e nas células do interior do estado.

Sem um direcionamento, logo o resto do sábado descambou para um arlequim de opiniões sobre tudo e, ao mesmo tempo, sobre nada. Um palco onde se deu vazão há um sem número angústias, que por mais subjetivamente válidas, perderam-se como palavras ao vento, sem que se chegasse a qualquer síntese imediata, devido à pressa e à marcha incansável do relógio.

Chegou-se enfim a decisões importantes, mas tomadas quase sem conexão com todo o debate anterior. Já tarde da noite com toda a militância apodrecida pelo cansaço.

Para piorar, e encerrar em uma nota amarga, pairava sobre nós como um fantasma, o fato de que camaradas vindos de uma cidade a 10 martirizantes horas de viagem de ônibus, haviam sofrido um assalto — mais uma prova sintomática de que falhamos com a camaradagem do interior, ao não lembrá-los dos perigos de navegar o centro porto-alegrense.

A quem deseja dar sua contribuição para ajudar a aliviar a situação destes camaradas, que perderam celulares, documentos e dinheiro, deixo aqui os PIX para quem quiser fazer uma contribuição, mesmo simbólica ( W. Carlos, Nubank, 55 996119834 e C. Schons, Banco do Brasil, 03680919026).

O DOMINGO

A eleição do novo comitê regional provisório iniciou o dia, com um listão de nomes que embora aprovado, foi infestado de destaques (contra e a favor).

Como camaradas bem colocaram, algumas das objeções focavam na falta de experiência ou inorganicidade dos nominados, mas isto trazia um evidente paradoxo.

Horas e horas de discussão anteriores, onde esta mesmas pessoas, apontavam, justamente, o desequilíbrio de poder político entre a militância que só estuda e aquela que trabalha. Ou, pasmem, quem concilia estudo e trabalhoS, no plural.

A contradição entre querer uma proletarização do partido, em que a nossa classe possa olhar para os dirigentes e se enxergar tal qual um espelho, em que se tenha inserção no morro, no quilombo, na aldeia e no asfalto, mas, ao mesmo tempo, negar a oportunidade a novas potenciais lideranças o processo de adquirir experiência da melhor forma: sendo forjado no fogo da batalha, no acerto, no erro. Tomando riscos.

O resto do dia girou em torno de uma malfadada tentativa de convencimento da adesão da célula Caxias do Sul de permanecer com a RR. Esta franja do nosso partido originário, por um efeito colateral benéfico do federalismo e do descaso do antigo comitê pelo interior, havia conseguido graças à sua liberdade relativa, às próprias custas e esforço, tal qual um Iugoslávia gaudéria, desenvolver um trabalho ímpar de iniciativas sociais e presença junto a trabalhadores da área serrana.

Contudo, não se conseguiu construir um consenso junto às camaradas caxienses. E, em um processo ainda marcado de mágoa, ressentimento, sensação de exclusão, logo qualquer tentativa de retomar o debate viu encerrada em uma epidemia de choros e soluços que se espalhou entre a militância. O ativo terminou sem que esta questão foi concluída, e falo “terminou”, mas foi foi mais como um recipiente que se esvazia aos poucos, sem sobrar nada.

Reitero. Considero tudo que foi votado e decidido, uma vitória e avanço.

Mas o sentimento geral, com a não adesão de Caxias em um primeiro momento, e a notícia dada anteriormente da não adesão do coletivo negro Minervino de Oliveira à reconstrução, hastearam a meio mastro a nossa bandeira, fizeram despencar a moral e fizeram setores da militância afundarem na desesperança.

Uma vitória com sabor de derrota.


O FUTURO

Entretanto, parafraseando, ao meu ver, uma acertada fala da camarada Guerra, proferida próxima ao fim do ativo, não podemos ficar em um eterno carrossel. Analisemos o que se errou, procuremos corrigir o curso.

É lamentável se não conseguimos trazer conosco quadros competentes e importantes, mas também é verdadeiro que um partido profissional e de vanguarda, como nos propomos a ser em um futuro breve, não pode depender de quaisquer quadros. Da minha parte, como um desertor da fé católica, não abandonei a minha velha religião para ficar chafurdando em autopiedade e culpa paralisante, que são inúteis.

Em nada serve à nossa causa que a mais competente militância com inserção de massa fique, se não está claro para ela o que queremos, ou as pessoas dentro dela não estão firmemente convictas dos objetivos e do alinhamento do nosso velho novo partido aos seus interesses de classe.

Na verdade, observo que o que se deu no estado, foi justamente luta de classes. Temos uma juventude urbana, estudante, leninista, que não seja reconhece mais nos velhos dirigentes e desejava um centralismo democrático verdadeiro, com ampla polêmica interna. Mas estas lideranças, ao mesmo tempo, não são representantes de quem só trabalha, não está nos círculos universitários, não é classe média, ou mora no interior. Observando por este ângulo, não surpreende, portanto, as hesitações quando a adesão à RR.

Mas se tem algo que aprendi fazendo terapia é como as ações do outro estão além de nós. Devemos focar naquilo que de fato controlamos. Aquilo que podemos mudar: a nós mesmos.

Eis algumas proposições e reflexões:

  • Em vista do pouco tempo, recursos e grande energia despendida, todo ativo estadual deveria ser melhor organizado. Células deveriam organizar pré-debates qualificados, que não devem em absoluto restringir o debate geral como uma camisa de força, mas deveriam, ao menos, guiá-lo.
  • Espaços de formação são espaços de formação. Espaços de deliberação são de deliberação. Vamos desde já abandonar o cacoete de academicista “de humanas” em fazer prelúdios enormes. Análises de conjuntura são vitais para nosso trabalho, mas por isso mesmo não podem ser feitas de maneira corrida e pouco qualificada. Ou pior, como um suposto embasamento teórico para legitimar a posição de qualquer grupo.
  • Como alternativa, quando necessária uma certa contextualização para um debate, que se redijam textos necessariamente claros, diretos, enxutos, informativos precisos a serem distribuídos à militância como um todo, antes que ela se reúna. Contendo, também, indicações de outras leituras para quem deseja se aprofundar.  E que seja calculado no tempo do ativo, um tempinho de margem para leitura destes textos, para incluir quem por conta de sua rotina ou inúmeros outros motivos, não pode fazer a leitura prévia.
  • Quaisquer camaradas têm direito a recorrer a cartas como formas de comunicação em eventos do quais não puderem participar, mas proponho que elas sejam de cunho individual, sucinto (o que não quer dizer desapaixonado ou formal). Nunca, porém, uma pré-proposta articulada em grupo. Conversas anteriores entre camaradas de células, que se conhecem, sobre a pauta de ativos e reuniões são inevitáveis, não vejo nada de absurdo nisso. Mas deixemos para discutir e debater organicamente nas células e durante o ativo, tudo o que for possível.
  • Chegar com algo já pronto pode ser prático por um lado, mas também, na prática, exclui quem contava unicamente com aquele espaço para deliberar e defender sua posição. Como se viu, pode ser lido politicamente como “amiguismo” entre dirigentes, independente deste ser o caso e da intenção ser boa ou não. Deixemos esta prática apenas para algum caso quando ela seja estritamente necessária (a ser esclarecida e justificada perante a militância). Não me parece a princípio que seja proveitosa ou essencial.
  • Discurso de comunista sem paixão é como comer batata frita amanhecida, fria e sem sal. Acredito que ninguém do movimento defenda isso. Mas fazendo um parêntese importante, como uma camarada colocou a título de desabafo entre um copo de cerveja o outro, durante o bar obrigatório que se seguia à ressaca moral do ativo, é verdade que temos um certo paternalismo em nosso meio. Basta que o proverbial “Camarada Homem” saiba falar bonito e abra a boca para que ele receba uma chuva de pétalas, um tapete vermelho seja estendido, vários convites a posições importantes sejam feitos. Com um neurodivergente cujo domínio da oralidade varia entre o brilhante e o ininteligível eu me identifico. Isso me abriu os olhos. Acho que vale sempre se autoquestionar se estamos usando de fato nosso tempo para expor um argumento, ou usando a inscrição como um palco para performance.
  • Se não resolve tudo, acredito que deveríamos considerar incluir rétorica, para além da menor ou maior aptidão natural de cada indivíduo, nos nosso processos de formação e treinamento. Não quero dizer com isso que espero que cada militante se tornará o próximo Lênin, mas acredito que há potencial nessa medida para diminuir o desequilíbrio de poder, qualificar debates, fortalecer a democracia interna e nos dar ferramentas melhor para entender, contrapor, ou endossar, os discursos um dos outros.
  • Fora do parêntese, mas ainda sobre desigualdade de de poder, eu me coloco favorável a adoção de cotas para nossas diligências, não por “fetiche com pobre” ou por nossos bom sentimentos, mas porque, pragmaticamente, se quisermos avançar no nosso projeto, a dirigência deve representar não apenas minorias excluídas ou com pouca voz, mas também a maioria da população brasileira que não é representada politicamente. Podemos eternamente lamentar que temos em nossas fileiras poucas pessoas negras, LGBTQUIA+, mulheres e outra franjas historicamente marginalizadas ocupando cargos-chave ou de liderança, mas o fato é que nos temos.
  • Nada vai mudar da noite para o dia. Continuaremos nos próximos anos a ser um partido ainda historicamente “branco”. Mas não custa nada fazer uma sondagem para ver quais camaradas têm interesse e potencial (não necessariamente experiência ou qualificação, mas a possibilidade de atingi-lo) e incluí-las no topo de uma nominata. Conforme cada área, quando necessário e requisitado, camaradas mais veteranos ou de boa qualificação podem ser colocados em linhas auxiliares e de mentoria a essas lideranças. Se formos esperar sempre as condições ideais para fazer, este que têm se chamado (não sem ironia) de “giro proletário”, isso nunca vai acontecer.
  • Ao meu ver TODAS as células do estado precisam imediatamente ser reformuladas, mantendo ou modificando as que se mantém ativas ou orgânicas, mas recompondo todo o restante do zero. É ao meu ver imprescindível o critério geográfico e de proximidade do membros. Em um partido de vanguarda profissional, como já afirmei antes, todo quadro deve ser necessariamente substituível, mas consideremos que, no momento, nossos maiores inimigos no capitalismo tardio são a lógica ultraindividualista do liberalismo na qual qual fomos criados, a uberização e a solidão urbana, não a repressão ou a polícia czarista. (Ou, pelo menos, ainda não)! A fomentação de encontros mais frequentes e organicidade em espaços presenciais e ambientes coletivos, fomenta que estas células aprendam a trabalhar em equipe: uma carência eterna dos nossos quadros de classe média.
  • Toda célula também precisa necessariamente ser construída de forma a já ter secretariados completos e começar a cotizar conforme a possibilidade de cada camarada. Não precisamos esperar a definição de uma estratégia norteadora do partido para começar a juntar recursos. Qualquer seja a que decidirmos, vamos precisar deles. Quanto aos secretariados, se mesmo se após muito quebrar a cabeça não consegue se fechar isso, a prioridade daquela célula passaria imediatamente a ser organizar um processo de recrutamento e formação para se autocompletar, seguindo orientações monitorada pelo CR.
  • Por falar em CR, cheira à política idosa a composição de um comitê tão grande. Quantidade pode transmitir uma sensação de maior versatilidade, mas muita vezes, se mostra mais como um ambiente propício à burocratização onde camaradas repassam tarefas indesejadas entre si como se estivessem segurando uma brasa ardente.
  • Acredito que o número ideal, para quando elegermos um comitê não mais provisório, giraria em torno de 12 pessoas. Se funcionou para Jesus Cristo e Fidel Castro, também deve nos atender bem! Com duas ressalvas: além da já mencionada necessidade de cotas para garantir a representatividade do grupo, também é preciso cuidar da realidade regional. Como um CR composto por lideranças da área metropolitana vai dar conta de atender às demandas do interior? Se necessário extrapolar esse número, para que tudo isso seja contemplado, que isso não nos restrinja.
  • Quanto à questão de crimes, infrações e opressões internas, não tenho acúmulo para discutir isso, mas esta excelente tribuna publicada por Dan Almeida, Juliana S. e Mariana Amaral tem. Sugiro que a metodologia geral delineada nela seja futuramente adotada como nossa diretriz para o estado e o país.
  • Sobre quem ainda está indeciso com a adesão a RR: ficar ou ir não deve ser uma questão moral. É possível ficar com o velho PCB-CC ou aderir a RR. Buscar uma autoconstrução ou se dedicar a outras formas de militância (como a sindical). Até mesmo simplesmente parar tudo e se dedicar a própria vida. Do ponto de vista subjetivo, tudo isso é válido. Não deve ser objeto de julgamento de camaradas. Entretanto, precisa haver clareza daquilo que se quer. A reconstrução defende uma linha política leninista e revolucionária.
  • Nunca estive em uma revolução, e acho que ninguém aqui esteve, mas se tudo aquilo que eu estudei na vida faz algum sentido, tenho certeza de que elas não são bonitas. Acredito, e por isso falo abertamente, dentro inclusive da legalidade burguesa, que quem fará a revolução, não seremos nós. Será sempre o povo, diante de uma situação histórica limite.
  • Em caso contrário não é uma revolução, é um golpe. O que um partido vanguarda se propõe é a organizar e formar politicamente a classe trabalhadora, dar o direcionamento e insumos para que quando uma gigantesca crise social estoura “evolua” para uma crise revolucionária. Se o estado burguês deseja evitar a crise sem romper a legalidade ou endurecer sua repressão (ações que podem ser fomentadoras da própria crise ou criadoras da crise em si!) deve abrir amplas concessões à classe trabalhadora. Este é um dos inúmeras características que nos diferencia dos despótas de 1964 e dos alucinados do 8 de Janeiro de 2023, para além de uma caricatura feita por liberais com base em supostas semelhanças formais, entre as pontas opostas do eixo político esquerda-direita.
  • Mas, mesmo assim, uma revolução nunca vai ser algo limpo e mentalmente saudável. Não se engane, pessoas vão morrer. Escolhas difíceis precisarão ser feitas. Nem Lênin, Stálin e Trotsky eram “boas pessoas” no sentido da palavra que nos acostumamos. Hoje ouço dizer que alguns de nós não confiam mais em seus camaradas, mas, honestamente, no mundo em que vivemos devemos mesmo confiar piamente e sem reservas em alguém? O que nos move é um bom sentimento ralo de esperança em um mundo melhor, ou o ódio pela burguesia da qual nenhum de nós, por mais posições de vantagem tenha, faz parte? Qual nível de convicção foi necessário na União Soviética para travar uma guerra civil interna pra industrializar o campo porque, era a única maneira de acabar com as fomes a longo prazo e se armar diante da contra-revolução inevitável? Como dormiu a noite o soldado que matou à ponta de baioneta os filhos do czar? Quando o Zumbi destituiu Ganga Zumba e manteve a república palmarina insubmissa por mais uma década, será que foi tido como um exemplo de amabilidade? Quanta firmeza e estômago muitos guerrilheiros na época da ditadura tiveram para não entregar camaradas mesmo sendo torturados, ou ainda, deixar que poucos camaradas a quem amavam fossem apanhados, para não colocar em risco, informações vitais e à resistência como um todo?
  • O que precisa mover o comunista não é uma fé abstrata ou um sentimento de superioridade moral! É ter convicção científica na enorme tarefa de construir de um sociedade em que políticas públicas e capacidade de produção estejam a serviço dos interesses do 8 bilhões de pessoas (e contando), não segundo os caprichos de menos de 3 mil indíviduos. É a única escolha viável se quisermos construir algo melhor das cinzas de um colapso socio-econômico-ambiental, que pode atingir seu ápice amanhã ou ainda no fim deste século. Eu não quero camaradas se alistando para serem mártires, quero vencer. E acredito que camaradas sobrecarregados deveriam desde já ter direito do temporário afastamento de tarefas e  suspensão de cotização caso desejem (mas com plena manutenção de voz e voto no partido). Há também outras formas de apoiar o partido sem ser linha de frente. E mesmo o tipo de revolucionário profissional que queremos formar, deve ter direito a “férias” e aposentadoria desta vocação quando achar que seu tempo chegou, seu limite chegou, sua contribuição foi dada.  Sair do partido neste momento, ou hesitar, não é um problema. Mas, concluo esta tribuna, dizendo que a partir do momento que se escolhe aderir a reconstrução revolucionária, deve se ter clareza e firmeza do que queremos. Do preço que isso custará.

Foda-se ser partidão!

Recomecemos, mesmo imperfeitos, mesmo poucos, mas que pouco a pouco, saibamos pavimentar o caminho de nossa vitória.