Dez anos da Lei do Feminicídio: o que mudou no Brasil?
No dia 09 de março completaram-se dez anos desde a publicação da Lei nº 13.104/2015, que tipifica o feminicídio. Uma década depois, país vive aumento do punitivismo e aumento recorde nos casos de violência de gênero.

Por Redação
No dia 09 de março deste ano completaram-se dez anos desde a publicação da Lei nº 13.104/2015, sancionada pela então presidenta da República Dilma Rousseff (PT), que tipifica o feminicídio. Através dessa lei, o assassinato de mulheres por discriminação de gênero foi classificado como crime no âmbito do homicídio qualificado. À época, a lei foi considerada um avanço político, legislativo e social pela então representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman e “uma vitória do movimento feminista”, segundo Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Conforme afirmou a ex-presidenta na cerimônia de assinatura da lei, morriam, em média, 15 mulheres por dia no país vítimas de violência naquele período, o que significava mais de 5.400 mulheres por ano. Para a então deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), "a sanção do crime do feminicídio, ao ampliar a pena e impedir que haja vantagens para o assassino, sem dúvida nenhuma, vai fazer com que os homens pensem mais se devem matar a mulher apenas por ela ser mulher". O que mudou no país dez anos após a publicação da lei?
Aumento do punitivismo
Já no dia 09 de outubro do ano passado, o presidente Lula (PT) sancionou a Lei n° 14.994/2024, que eleva a pena mínima de feminicídios de 12 para 20 anos, e a pena máxima de 30 para 40 anos. Além de ampliar a lista de situações agravantes que podem acarretar num período de reclusão, o texto também inclui o feminicídio na Lei dos Crimes Hediondos e aumenta a pena para descumprimento de medida protetiva de urgência, dentro dos dispositivos da Lei Maria da Penha.
Em 2022, o Ministério da Justiça e Segurança Pública coordenou a operação Maria da Penha entre os meses de agosto e setembro, que resultou em 12.396 prisões por violência doméstica e feminicídio em apenas um mês. No ano anterior, a mesma operação já havia realizado cerca de 14,1 mil detenções. Apesar da falta de dados atualizados prejudicar o acompanhamento dos casos, o último dado do Ministério da Justiça, de 2017, registrava 4.829 novos casos de feminicídio nos tribunais, o dobro do ano anterior, e um total de mais de 10 mil processos aguardando resolução.
O relatório “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que congrega processos de violência doméstica, familiar e feminicídio, aponta que 640.867 mil novos processos destes tipos deram entrada no sistema judicial brasileiro em 2022, e 399.228 mil sentenças foram proferidas no mesmo ano.
Aumento da violência
A efetividade da elevação de penas, que inicialmente já eram mais rigorosas do que casos de homicídio simples (6 a 20 anos de reclusão), no combate a este tipo de crime, contudo, é questionável. De acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que apresenta as informações do ano de 2023, o número de feminicídios aumentou 0,8% em comparação com os dados de 2022. Isto representa não apenas o número mais alto desde a publicação da Lei do Feminicídio em 2015, como é o segundo ano consecutivo de aumento dessa violência no país.
Esse aumento também foi acompanhado de uma alta generalizada de todos os tipos de violência de gênero, como estupros (6,5%), violência doméstica (9,8%), assédio e importunação sexual (28,5% e 48,7%, respectivamente), violência psicológica (33,8%), etc. Desde 2016, primeiro ano que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) passou a registrar feminicídios em seus anuários, o crescimento foi de mais de 136%, numa escalada cujo registro só foi prejudicado em um único ano, pelas adversidades da pandemia. Para fins comparativos, considerou-se a metodologia proposta pelo FBSP.

Recordes de violência nos estados
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), até outubro de 2024 o Brasil teria registrado queda de 5,1% nos índices de feminicídio em comparação com o ano de 2023. Os dados, porém, não contemplam os meses de novembro e dezembro, e apresentam discrepâncias com as informações do FBSP ao afirmar uma queda de quase 2% entre 2022 e 2023 enquanto o Anuário de Segurança Pública registra um leve aumento dos casos.
Já alguns estados registraram números recordes de violência de gênero. São Paulo registrou 253 casos de feminicídio em 2024, 32 a mais do que no ano anterior e o maior índice desde 2015. Também foi recorde o número de estupros: 14.579 casos, sendo 11.169 deles (76%) estupros de vulneráveis, isto é, quando a vítima é menor de 14 anos. O governo do estado, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), liberou apenas R$900 mil de verba para as políticas de combate à violência e violência contra a mulher da Secretaria de Segurança Pública ao longo de 2024, de um total previsto de R$ 26 milhões. Já para o ano de 2025, o governador confirmou apenas R$ 16 milhões para a Secretaria de Políticas para a Mulher, de um total previsto anteriormente em R$ 36 milhões. Destes R$ 16 milhões, cerca de R$ 10 milhões se traduzem em gastos administrativos.
O Rio Grande do Sul registrou 72 vítimas em 2024, uma queda de 15,3% em comparação com 2023, enquanto Santa Catarina registrou 51 feminicídios. Já os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também registraram aumentos, com 45 e 37 vítimas, respectivamente.