'De que tipo de Frente o proletariado brasileiro necessita?' (Leonardo Damasceno)

A fim de construir o embrião do Poder Popular para contrapor o Estado burguês, necessitamos de unidade de ação e a essa altura do campeonato, sabemos que isso só se dá por meio da polêmica pública, contudo não há um debate consensuado por nós acerca das práticas e da linha política do PCR.

'De que tipo de Frente o proletariado brasileiro necessita?' (Leonardo Damasceno)
John Ross Campbell, Josef Stalin e Georgi Dimitrov no 7° e úlitmo Congresso da Internacional Comunista (IC) em 1935. O último seria apontado Secretário Geral da IC e a dirigiria até a sua dissolução.(Sueddeutsche Zeitung Photo / Alamy Stock Photo)

Por Leonardo Damasceno para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Primeiramente, gostaria de esclarecer que preferiria debater sobre a inclusão de florestas do meu estado (Pará) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)[1], o avanço de políticas de privatização da água pelo governador Helder Barbalho[2], os rumos da política paraense sob o conchavo de Edmilson Rodrigues (PSOL) com Helder Barbalho (MDB)[3] ou sobre a conjuntura na América do Sul visto imperialismo estadunidense na fronteira entre Guiana e Venezuela[4]. Porém, não é novidade que a luta de classes é impiedosa e ininterrupta, já que a urgência dos assuntos supracitados não exclui a necessidade de iniciar o debate sobre sectarismo, esquerdismo e oportunismo presentes nos Partidos Comunistas: especificamente, no Complexo Partidário do Partido Comunista Revolucionário (CP-PCR). Na verdade, a fim de construir o embrião do Poder Popular de cotidianamente para contrapor o Estado burguês, necessitamos de unidade de ação e a essa altura do campeonato, sabemos que isso só se dá por meio da polêmica pública, contudo não há um debate consensuado por nós acerca das práticas e da linha política do PCR.

E para as pessoas que lerão esta tribuna (a sociedade burguesa no geral, nosso complexo partidário ou o complexo do PCR) que possam vir a considerar minhas críticas ríspidas, exageradas ou que não concordem com minha escolha por um debate público, deixo o Discurso em defesa da tática da Internacional Comunista de Vladimir Ilyich Ulianov Lênin no III Congresso da Internacional Comunista, sempre atual, falar por mim:

“Não devemos ocultar nossos erros diante do inimigo. Quem temer isto, não é revolucionário. Ao contrário, se declararmos abertamente aos operários: ‘sim, temos cometido erros’, isto significará que no futuro tais erros não têm de se repetir e saberemos escolher melhor o momento”.[5]

O que significa que quem se coloca como um partido de vanguarda deve dar a cara a tapa à sua classe e a nós, enquanto militantes de outra organização e classe trabalhadora. Lênin nunca formulou a estrutura organizativa seguindo um método burocrático, mas como o resultado de uma organização viva concebida sob intensa luta ideológica, assim devemos exercer a liberdade total de crítica entre os nossos, especialmente quando os nossos se comportam como adversários políticos, pois aí usaremos a oportunidade para educar as massas e demarcar nossa posição. Um momento de educação também para os propagandistas do PCR que, na conjuntura do fascismo, encorajavam a classe trabalhadora a se organizar em seu partido e no PCB, uma atitude louvável não fosse a brecha para interpretação de que temos uma linha política próxima (ou que automaticamente compartilhamos o mesmo campo) - o que poderia ser aceitável na conjuntura anterior, mas no governo liberal de Lula não se verifica na concretude.

Em tempo, a resposta a esta tribuna determinará se há Centralismo Democrático ou a concepção menchevique (tão predominante no Brasil no último século até no PCB e graças a interpretações de correntes leninistas, como o hoxhaismo e o maoísmo) no CP-PCR. Caso minhas críticas públicas não abalem a militância do complexo do Partido Comunista Revolucionário, constantemente temperada na luta de classes, será o primeiro caso.

Assim, contextualizo regionalmente as posturas esquerdistas do PCR aqui no Pará que sempre me faziam indagar o porquê de uma organização, que se diz continuar o marxismo-leninismo, agir da seguinte forma:

  • Presença garantida em atos, atividades e frentes construídas por forças de esquerda, mas total descaso na construção das mesmas (salvo as atividades de seus partidos e coletivos).
  • Sua militância, aparentemente sob anuência de dirigentes, age de maneira sectária e quase como uma torcida de futebol sob a justificativa de ser uma resposta à postura do PCB-RR (o que é falso).
  • Como optam por não construir coletivamente, tentam ganhar no grito em diversas ocasiões (Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba e preparativos do CONUNE), o que apenas demonstrou seu esquerdismo.
  • E o relato mais assombroso: a total falta de disciplina de dirigentes de seu complexo, que tentam intimidar (no limite do que é considerado assédio moral) nossa militância em diversas oportunidades.
  • Postergam tentativas de diálogo para elucidar essas questões.
  • O acirramento da luta de classes, sob a aparência da ação imperialista na Amazônia, do alargamento do desmonte feito pelo Arcabouço Fiscal de Lula/Haddad e de tantos outros exemplos, não impediu seus dirigentes, no último novembro, de convocar nossa militância para seus atos. Sim, um ato fortemente esquerdista quando o necessário seria formar um bloco de oposição ao neoliberalismo de Lula.

No entanto, para minha surpresa, no Complexo Partidário do PCB-RR Pará (CP-PCB-RR), ainda há quem nos aconselhe a formar uma aliança tática com o PCR sob a justificativa de que “somos do mesmo campo” e que tais tensionamentos foram causados por nós! Tal pedido de aproximação tática tem como base o boicote das juventudes liberais de esquerda (notavelmente o Juntos!) à nossa militância e que o único aliado restante seria o PCR. No entanto, mesmo considerando a enorme dificuldade de se colocar como oposição à majoritária da UNE (PCdoB) sob a conjuntura atual, não podemos atribuir como verdade que construímos o Poder Popular de forma orgânica com o PCR, como demonstrarei adiante.

Finalizo esta longa introdução também justificando “por que eu” entre tantas pessoas me propus a escrever sobre: eu fui apenas mais um que se organizou , em parte, graças ao excelente trabalho de AgitProp do PCR e para mim nunca ficou claro o que nos delimitava até verificar na prática, “prática” que já me fez ser vítima da atitude excessiva de seus dirigentes e acompanhar sua postura perante uma nova conjuntura onde já não basta apenas o partido antifascista do Brasil como principal palavra de ordem. Após debate em meu organismo de base, foi deliberado que eu produzisse esta tribuna para elucidar o seguinte:

  1. O que é o Complexo Partidário do Partido Comunista Revolucionário (CP-PCR).
  2. A linha política do PCR.
  3. Distinção com o PCB-RR.

Para isso, tomarei como base a tribuna Análise e Crítica à UP/PCR, de autoria de militância da UJC, disponível na edição de 07 de junho de 2023 do Caderno de Contribuições Dinarco Reis Filho (recomendo fortemente a leitura).

O que é o CP-PCR?

O Complexo Partidário do Partido Comunista Revolucionário é composto por coletivos, uma juventude que abarca dois movimentos (secundarista e universitário) e dois partidos. Grifei a quantidade, pois, neste caso, aparência reflete a essência e sim, trata-se de uma contradição. A fim de fluidez, tratarei dos organismos na ordem exposta acima.

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)

Segundo consta em seu Jornal Luta nos Bairros[6], o coletivo foi fundado em 1999 e carrega a bandeira da reforma urbana e do socialismo como alternativa para a construção de uma nova sociedade.

Uma nota pessoal sobre o MLB: considero o coletivo mais forte do complexo justamente porque se propõe a construir o Poder Popular (não Poder Dual) e busca organizar a classe trabalhadora. Ações que merecem todo apoio e solidariedade desenvolvidas pelo MLB são Natal Sem Fome e Sem Miséria, Ocupações de redes de supermercado em capitais brasileiras. E trago um excerto das conclusões de As Propostas do MLB para Reforma Urbana, com as quais tenho concordância:

[...] para conquistar a reforma urbana que queremos precisamos avançar no trabalho de massas do MLB: fazer mais ocupações, garantir a resistência e impedir os despejos; desenvolver o trabalho comunitário nos bairros populares e organizar lutas pelo direito à saúde, educação, creche, transporte, pelos direitos das mulheres, etc.; ampliar a capacidade de organização, mobilização e ação do movimento nas grandes cidades, em especial nas capitais; articular as lutas isoladas por moradia e outros direitos; aumentar a propaganda das ideias e propostas do MLB e crescer a nossa organização, pois o caminho da vitória passa por um movimento grande e organizado. O MLB sempre buscou a construção de uma reforma urbana que enfrente e resolva os graves problemas das nossas cidades e fortaleça a luta pelo poder popular e pelo socialismo no Brasil. Temos avançado nesse sentido, mas ainda há muito a fazer.[7] [Grifos meus]

Aponto aqui a primeira contradição com a formulação estratégica do PCR que será discutido mais adiante.

Movimento Luta de Classes (MLC)

O coletivo se define como “uma organização sindical classista e revolucionária que atua junto aos trabalhadores e trabalhadoras, servidoras e servidores públicos, autônomas e autônomos (trabalhadores informais) e resgata a luta e a história do movimento sindical no país. Criado em 2005, o MLC foi resultado da união de A Verdade Operária, que organizava operários da construção civil, têxtil e calçados, além dos trabalhadores da limpeza urbana e comércio, com atuação nos estados de Pernambuco e Paraíba, com o Movimento Luta de Classes, que atuava entre os metalúrgicos e servidores públicos estaduais e federais, no estado do Rio de Janeiro.” [8]

O MLC realizou seu 2° Congresso Nacional em agosto de 2023, onde foi deliberada a Resolução Política do 2º Congresso do Movimento Luta de Classes (MLC), qual discutirei o seguinte trecho:

[...] Em 2018, foi realizado um crime contra os trabalhadores brasileiros, a fascista Reforma Trabalhista. Esta reforma retirou vários de nossos direitos. O 2º Congresso do MLC reafirma o compromisso de que não descansaremos enquanto a reforma não for revogada. Vamos trabalhar diariamente para convencer operários e operárias de todo o país para a necessidade de revogar a Reforma Trabalhista[...].[9] [Grifos meus]

Aliada a essa referência, há outras indicações de textos de Georgi Mikhailovich Dimitrov sobre fascismo no site do MLC[10].

Movimento de Mulheres Olga Benário (MMOB)

Segundo militância do complexo[11], as ocupações de mulheres do Movimento Olga Benário têm basicamente 3 funções: acolhimento de mulheres que passem por qualquer situação de violência, formação política e denúncia da especulação imobiliária nos grandes centros urbanos.

Até onde pude apurar, o MMOB não tem suas próprias resoluções, assim, entendo o movimento como acima como uma tentativa de concretização do Poder Dual, o que o PCR entende como Poder Popular, não entrega o poder nas mãos das trabalhadoras mas almeja crescer o seu coletivo.

Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (FENET):

A UJC, após seu IX Congresso, decidiu não disputar mais a FENET e desde então, o CP-PCR aparenta hegemonizar a federação, cujo 6° Congresso ocorreu em 2022[12].

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Coletivo cristão fundado contra os massacres no campo provocados durante a ditadura empresarial-militar “para ser um serviço à causa dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e de ser um suporte para a sua organização. O homem e a mulher do campo são os que definem os rumos a seguir, seus objetivos e metas. Eles e elas são os protagonistas de sua própria história. A CPT os acompanha, não cegamente, mas com espírito crítico”, segundo seu site[13].

A relação entre CPT e o CP-PCR aparentemente é inexistente, tendo como evidência apenas uma referência no site do A Verdade. No entanto, vale a menção a fim de obtermos mais informações.

União da Juventude Rebelião (UJR)

É a juventude do PCR e se autodefine da seguinte forma:

[...] Criada em 1995, a União da Juventude Rebelião (UJR) é uma organização de juventude brasileira que reúne jovens de todas as regiões do país e está presente em diversos estados com o propósito de lutar por uma revolução socialista no Brasil e no mundo [...]

A partir dessa vivência podemos desenvolver um vigoroso movimento de massas da juventude contra o fascismo e em defesa dos seus direitos e pelo poder popular.

Enquanto juventude do Partido Comunista Revolucionário (PCR), sabemos de forma muito clara o perigo do fascismo e o que ele representa. Foi o fascismo que torturou e assassinou nossos camaradas Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo, Amaro Félix e Amara Luis de Carvalho; foram os fascistas que mataram covardemente Iara Iavelberg, Helenira (Preta) Resende, Lamarca, Manoel Fiel Filho e centenas de jovens que lutaram contra a ditadura militar fascista no Brasil. Foi ainda o fascismo que piorou a vida do nosso povo, que aumentou a dívida externa e a dependência do Brasil dos países imperialistas.

Por isso, a UJR é uma importante trincheira de luta contra esse inimigo da democracia, contra o capitalismo e pelos direitos da juventude e por um Brasil livre, soberano e socialista.[14] [Grifos meus]

Os heróis assassinados pela ditadura empresarial-militar são devida e constantemente lembrados em todos os espaços de luta do complexo, como também eternizados na canção de Don L[15].

No entanto, por mais duro que seja, é importante destacar mais referências ao fascismo (como forma alternativa de exploração) e também que o fato da UJR se colocar como uma escola de socialismo é referência direta ao texto A União da Juventude Operária deve ser uma Escola do Socialismo de Georgi Dimitrov, indicado em seu Programa de Formação na Quarentena[16]. Significa que a formação da juventude do PCR bebe unicamente da fonte de Dimitrov? Não, embora seja digno de nota e de estranheza que um texto que contenha o excerto abaixo, seja recomendado sem nenhuma ressalva:

[...]Esta parte da juventude é importante também desde o ponto de vista nacional. Elas serão mães e delas dependerão que geração darão à nova Bulgária como mães. Como filiadas a UJO, se são honradas, cultas, formadas politicamente e de corpo são, elas serão boas mães amanhã. São elas que serão as companheiras de nossos jovens de nossos ativistas. Muito depende do feito, que companheira serão de seus esposos na vida familiar [...] [17]

Movimento Rebele-se

O movimento disputa a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) contra a majoritária (UJS/PCdoB)[18]. Faço um apontamento que, apesar de velado, nas Teses do Movimento Rebele-se ao 44° Congresso da UBES fica evidente o aceno a Dimitrov no apego a democracia (mas qual?).

Movimento Correnteza

Consiste da subdivisão da UJR que disputa o ensino superior, público e privado. Chamo atenção para o fato de qualquer pessoa que defenda uma universidade popular possa fazer parte do Correnteza. A inexistência de um processo de recrutamento que explique de maneira clara a sua linha política e a relação do movimento com o PCR/UJR enevoa o entendimento da comunidade universitária. Assim, é propício o comportamento de seita (torcida de futebol, anteriormente citado) e o distanciamento dos símbolos do próprio PCR quando lhe convém, como quando optam por uma falsa neutralidade política em sua estética. Tal como ocorre com o Rebele-se, há um apego à democracia (qual?) como disposto em suas teses ao 59° Congresso da UNE (CONUNE)[19].

Partido Comunista Revolucionário (PCR)

É o partido mais antigo do complexo (fundado em 1966), advindo do racha entre PCB e PCdoB, criticando o oportunismo de direita do primeiro (alinhamento ao revisionismo do PCUS) e considerando o último como oportunista de esquerda (alinhamento ao esquerdismo do PCCh). Ao romper com PCdoB, publicam sua Carta de 12 Pontos[20] onde consideravam que as principais contradições na sociedade brasileira se encontravam no campo, na região nordeste, assim eram adeptos da tática de guerra prolongada, se aproveitando do pouco desenvolvimento das forças repressivas burguesas no campo. Obviamente a conjuntura atual mudou e o partido considera a contradição capital x trabalho a principal e definindo a sua estratégia como a da revolução socialista, conforme Teses do Comitê Central aprovadas no IIIº Congresso do PCR, realizado em 2003[21].

A partir do III° Congresso, informações sobre resoluções congressuais ficam retidas à sua militância, logo não conseguimos atualizar nenhum dado. Sabemos que foram realizados ao todo seis congressos, o congresso IV ocorreu entre 2007 e 2008, os congressos V e VI em 2013 e 2019[22].

No entanto, nada nos impede de recorrer a fontes públicas para nos atualizar sobre o PCR. Primeiramente, trago a declaração de seu militante histórico e membro do Comitê central Edival Nunes Cajá ao Breno Altman, em 2022:

[...] Você sabe que o PCR é um partido clandestino. Não pediu legalização nem vai pedir, porque ele trabalha para conquistar o povo, organizar o povo, para uma revolução popular. E sabemos que o governo capitalista, a primeira coisa que faz com um partido que tem um programa como o nosso, é descaracterizar o programa para que ele seja registrado.[23]

Camaradas, se restava alguma dúvida de que o esquerdismo no PCR aqui no Pará não é fruto de federalismo, mas presente em sua estrutura partidária, a declaração de Cajá bate o martelo.

Ainda sobre a situação atual do PCR, trago uma declaração de Léo Péricles, quando questionado por Breno Altman “Qual é a relação da UP com o antigo PCR?”:

Nós temos uma boa relação, inclusive militantes do PCR atuaram e atuam na UP. O PCR ele tem outros objetivos, ele nem é an… ele existe, né? É uma organização que existe hoje no Brasil e tem outros objetivos. Inclusive um deles é que eles não se propõem a se registrar, a se tornar um partido legal, por vários princípios importantes que a gente entende e respeita bastante. Agora, tem militantes do PCR que atuam… O PCR jogou um peso importante também na nossa criação e a UP está se desenvolvendo como um novo partido institucional no Brasil, e que teve um papel, na nossa opinião, um papel histórico, importante, de ajudar numa reorganização da esquerda sobre outro polo.[24]

Camaradas, faço coro a militância da UJC que redigiu a tribuna a qual me baseio e reitero que a declaração de Léo Péricles é um paralelo com o liquidacionismo promovido por Plekhánov de 1907 a 1917 para retirar o POSDR da ilegalidade[25]. Tal qual o comunista russo, Péricles se refere ao PCR como um velho partido e como justificável a existência de uma organização eleitoreira que apague o caráter leninista da anterior.

É o segundo partido do complexo, fundado em 2016 visando ocupar o vácuo institucional deixado pela falência do social liberalismo petista. O programa da UP é o mesmo do PCR, acrescido de pontos como: pelo fim da polícia militar; fim de qualquer repressão aos movimentos sociais; punição exemplar para os torturadores e assassinos da ditadura, revisão imediata da Lei da Anistia; todo apoio à luta pela Memória, Verdade e Justiça.

Acrescento, tranquilamente, que a existência da UP só se justifica enquanto liquidacionismo do marxismo-leninismo do PCR e quem chega a essa conclusão é o próprio partido em seu documento Em Defesa da Ditadura do Proletariado, do Centralismo Democrático e Contra o Oportunismo na Luta Política do Comitê Central, de 2000:

[...] Assim, podemos fazer a revolução triunfar mesmo com um partido muito pequeno, mesmo com uma vanguarda pequena, desde que essa vanguarda não seja amorfa, mas sim uma vanguarda unida, disciplinada, coesa, firme e conte com o apoio e a simpatia da maioria das massas. Também no Que Fazer? Lênin, ao expor as diferenças entre as organizações de massas e de vanguarda, em nenhum momento fala da necessidade de um terceiro tipo de organização novinha em folha. Pelo contrário, Lênin fala de dois tipos de organização: as organizações de massas e a organização de vanguarda e estabelece as diferenças entre elas.[26] [Grifos meus]

Ainda no mesmo documento, o CC do PCR disserta:

[...] Já a organização da vanguarda, deve englobar antes  de tudo os revolucionários e não deve ser muito extensa. Por que então vamos criar um terceiro tipo de organização que nem é de massa nem é de vanguarda e não tem definição ideológica ou pensa que não tem? A organização de que os comunistas necessitam é uma organização de vanguarda, de revolucionários. [Grifos meus]

Ora, Cajá vem a público 6 anos após a fundação de um partido sem tipo definido (a UP) e diz que o PCR nunca irá se legalizar justamente para não ter seu programa descaracterizado. Então, o que explica o programa do PCR ser o mesmo da UP senão a existência da última ser uma tentativa do liquidacionismo do primeiro, pois vai de encontro às resoluções da III IC e da própria teoria organizativa de Lênin?

Afirmo que a existência da UP é uma contradição entre ela e o PCR, mas como a realidade é móvel, o processo de liquidação do marxismo-leninismo ainda não está dado, mas se desenhando em uma conjuntura que tende a proteger a democracia burguesa, favorecendo o liquidacionismo, e o PCR com seu esquerdismo se retrai ainda mais.

Caso ainda haja quem não reconheça a gravidade que é a virada eleitoreira de um partido do tipo leninista, a militância da UJC destaca o documento A Estrutura, os Métodos e a Ação dos Partidos Comunistas da III Internacional Comunista, de 1921:

2. Não pode haver uma forma de organização imutável e absolutamente conveniente para todos os partidos comunistas. As condições da luta proletária se transformam constantemente e, conforme essas transformações, as organizações da vanguarda do proletariado devem também procurar constantemente formas novas e adequadas. As particularidades históricas de cada país determinam também formas especiais de organização para os diferentes países.

Sobre esta base deve se desenvolver a organização dos Partidos Comunistas e não tender à formação de algum novo partido modelo no lugar daquele já existente ou procurar uma forma de organização absolutamente correta ou com estatutos ideais.[27] [Grifos meus]

A tribuna de autoria da UJC, na qual me baseio fortemente, já analisou isso e conclui que todas as estruturas da UP são subordinadas da institucionalidade. Para mais informações, basta checar o Estatuto da Unidade Popular (que oficialmente esqueceu o socialismo em seu nome) no site do TSE[28].

Antes de passar para o tópico seguinte, necessito indagar: assim como acontece com o Movimento Correnteza e sua ampla abertura organizativa, o que define a militância da UP? E mais, existe alguma distinção entre pessoas filiadas e militantes? O que guia esse critério, será a institucionalidade ou a prática revolucionária?

Aqui, não irei recorrer à institucionalidade, mas ao bolchevique Evguiéni Bronislávovitch Pachukanis em seu ensaio de 1925 da brochura Um passo em frente, dois passos atrás de Lenin. Especificamente, trago a análise de Pachukanis sobre a polêmica de Lênin com os mencheviques sobre o estatuto do Partido, no Segundo Congresso do POSDR e após ele:

[...] Os oponentes de Lenin simplesmente negavam a possibilidade de uma formulação sob a qual o Partido se apresentasse como algo melhor definido que a totalidade das pessoas que consideravam-se, a qualquer momento, membros do Partido. Nenhuma regra, por exemplo, Axerold disse, pode proibir que círculos de jovens revolucionários e pessoas individuais se autoproclamem social-democratas e até mesmo se considerem parte do Partido. Lenin revelou facilmente o absurdo desse argumento:

“[...] Proibir certos círculos e pessoas de “se considerarem parte do Partido” é possível e necessário quando esses círculos e pessoas são perigosos para os assuntos do Partido, corrompem-no e desorganizam-no. Seria cômico falar do Partido como um todo, como um montante político, se não pudesse ‘proibir por decreto’ um círculo ‘que se considera parte’ do todo! [...]” [29]

Trouxe Pachukanis e Lênin para ilustrar o que verifico no contexto do movimento estudantil com UP/Correnteza, o oportunismo político de não formular para quem se interessa pelo partido se fazem parte do mesmo ou não. Como citado anteriormente, não há um processo de recrutamento longo e formal para o Movimento Correnteza, mas agravando o quadro, até onde pude apurar, também não há para a Unidade Popular. Basicamente, pessoas interessadas preenchem um formulário e estão aptas a votar em seus congressos, nos quais, coincidentemente, são eleitos como dirigentes a militância consolidada dos dois partidos e dos coletivos. Segue transcrição de falas de filiados da UP no congresso municipal de Belém:

[...] E a gente precisa compreender a importância que tem cada trabalho, cada tarefa que a gente constrói no dia-a-dia, as brigadas do Jornal A Verdade, para que a gente possa de fato propagar o programa que vai mudar a realidade do nosso povo. E esse programa só quem pode apresentar é a Unidade Popular nesse país hoje [...]

[...] Por isso a gente precisa que todos os filiados da UP entendam que a tarefa de construir, de consolidar, de qualificar nossa militância é de todo mundo.[30] [Grifos meus]

Mas qual o programa que a companheira se refere? Será que seria um programa diferente do que consta nos documentos públicos do PCR? Como discutido anteriormente, não! E por que, já que se trata do programa do PCR, o próprio não o propaga? Outra companheira se refere à sua base, ora como filiados, ora como militância, fica o questionamento, se na ausência de um processo longo e formal de recrutamento, há uma clara diretriz que mostre que essas pessoas são filiadas, pois como vimos, a institucionalidade subordina a estrutura organizativa na Unidade Popular Pelo Socialismo (faço a gentileza de lembrar às companheiras que esqueceram de mencionar a importante palavra Socialismo).

Ainda sobre o meu incômodo sobre a aparente subordinação da estratégia ao programa nas falas das filiadas da UP, trago novamente Lênin no ensaio de Pachukanis, referindo-se venenosamente aos mencheviques do Iskra sobre o oportunismo na questão da organização (que) foi logicamente expresso na defesa da primazia do “conteúdo” sobre a forma e na colocação do programa e táticas antes da adoção do estatuto; do “desenvolvimento real” sobre as “definições legais”:

“O conteúdo é mais importante que a forma, e o programa e táticas são mais importantes que a organização. Grandes e profundas verdades. O programa é de fato mais importante que as táticas, táticas são mais importantes que organizações. O alfabeto é mais importante que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a sintaxe – mas o que pode ser dito das pessoas que, tendo falhado no exame da sintaxe, agora se vangloriam e orgulham-se de terem sido retidos em uma turma inferior por outro ano?”

Ainda na referida postagem de Instagram da Unidade Popular Pará, a legenda é finalizada com os seguintes dizeres: Filie-se na UP, o Partido Antifascista do Brasil. Trataremos a seguir do porquê de se declarar um Partido Antifascista, demonstrar apego à democracia burguesa, descentralizando as pautas proletárias, é um giro à direita.

A linha política do PCR

Se o proletariado tivesse que esperar até que o perigo fascista desaparecesse para lutar pela ditadura do proletariado, então poderia esperar eternamente.[31] [Grifos meus]

Inicio a seção trazendo August Thalheimer em seu artigo Marx, Engels e Lenin e a Frente Popular, escrito em 1936, um ano após o 7° e último Congresso da Internacional Comunista (IC), visto que ainda detém uma atualidade enorme ao fundamentar as diferenças entre a tática proletária de frente única e a tática pequeno-burguesa da Frente Popular (concebida e advogada principalmente por Georgi Dimitrov).

Contextualizando, após o 4° Congresso da IC, os Partidos Comunistas (PCs) adotaram uma tática chamada Frente Única, que consistia em uma plataforma comum com a social-democracia (referindo-se à esquerda reformista) na qual os PCs ainda teriam um programa mínimo de lutas para a retomada de uma perspectiva revolucionária. Essa tática é envolta em polêmicas, pois não há um consenso quanto a efetividade de sua prática.

E por qual motivo houve a adoção dessa tática? Devido à ascensão de uma forma cada vez mais reacionária da classe burguesa, o nazifascismo. Nesta tribuna, não pretendo detalhar qual definição de fascismo que considerarei, mas trago a breve discussão de Thalheimer sobre o fenômeno, presente no artigo supracitado:

A barbaridade medieval do fascismo não constitui nenhuma recomposição de classes feudais, nenhuma negação do capitalismo, mas expressa apenas que a classe capitalista tornou-se cada vez mais pobre e reacionária e que o progresso da sociedade humana de hoje somente pode ocorrer por meio da revolução proletária. Assim, na luta contra o fascismo, está fora de questão tratar como camaradas coligados organizações ou grupos de burgueses. Em segundo lugar, Marx e Engels, também no período da revolução burguesa, quando a burguesia ainda desempenhava um papel progressista, comportaram-se diante dela de uma maneira totalmente distinta da dos líderes atuais da IC [Dimitrov] em relação aos grupos da burguesia com quem mantiveram ou pretendem manter acordos na frente popular. [Grifos meus]

E Thalheimer critica tanto a teoria ultraesquerdista do “socialfascismo” quanto a teoria ultradireitista da Frente Popular. Os adeptos da primeira não distinguiam a democracia burguesa do fascismo e para eles “todos os partidos, exceto o Partido Comunista, eram descritos como fascistas. Todos os conflitos e divergências entre eles eram expressão de uma comédia previamente acordada”. Para a direção da IC da época, Georgi Dimitrov, o ultradireitismo da Frente Popular consistia que “[...] na política diária do Partido Comunista, o ponto de vista de classe especial do proletariado desapareça dentro de um mar de frases democráticas vulgares. O fascismo aparece dentro da política de frente popular não como uma forma de domínio da burguesia como classe, mas como ‘ditadura dos elementos mais imperialistas, mais chauvinistas do capital financeiro’ (resolução do VII Congresso da Internacional), como obra das ‘duzentas famílias’ dos grandes capitalistas mais ricos (como na França), contra quem é possível colocar, numa frente de luta unificada, o ‘povo’, isto é: operários, pequenos burgueses e também a massa dos burgueses que não pertencem aos elementos mais imperialistas e mais chauvinistas do capital, burgueses radicais na França, burgueses liberais, clérigos e capitalistas católicos, assim como oficiais do exército do Reich e monarquistas na Alemanha”.

Na prática, para os adeptos (daquela época e de hoje) da Frente Popular era como se existisse uma distinção entre imperialistas democráticos e fascistas. O próprio PCB, durante a Segunda Guerra Mundial, desconsiderou o caráter interimperialista da guerra e orientava sua militância a ir lutar na guerra, conforme consta em seu site:

[...] Recuperando-se das perdas orgânicas dos anos imediatamente anteriores, o Partido, que exigira a participação do Brasil na guerra contra o nazifascismo e orientara seus militantes a se incorporar à Força Expedicionária Brasileira (muitos deles voltariam do campo de batalha reconhecidos oficialmente como heróis), se reestruturou, por meio da célebre Conferência da Mantiqueira, realizada em agosto de 1943.[32]

Já no século XXI, o PCB, apesar de em suas resoluções congressuais, contrapor-se a tática etapista e pequeno burguesa da Frente Popular de Dimitrov, na atual conjuntura não se expressa como um partido de oposição ao liberalismo de Lula (um giro à direita flagrante que levou ao nosso racha), pois ajudamos a reestabelecer a democracia burguesa como um fim em si.

A Frente Popular de Dimitrov se encontra na raiz dos problemas de degeneração da maioria dos PCs, como aponta Francisco Martins Rodrigues em seu livro Anti-Dimitrov -1935/1985 - meio século de derrotas da revolução ao apontar que o que Dimitrov propõe nada mais é do que um falso debate:

Trata-se de uma falsa questão, que só influencia aqueles que, como Dimitrov, veem a luta contra o fascismo como uma excepção à luta de classes «normal» e abdicam, em pânico, do marxismo.

[...]A escolha para o proletariado não se punha pois, ao contrário do que disse Dimitrov, entre democracia burguesa ou fascismo, mas entre luta revolucionária ou luta reformista contra o fascismo. A falsa alternativa a que amarrou os comunistas — «se não querem o nazismo, aceitem a democracia burguesa» — foi a forma de fazer desaparecer a verdadeira alternativa que estava posta: antifascismo revolucionário, para acabar com o capitalismo, ou antifascismo reformista, para o remendar.[33] [Grifos meus]

Mas e a UP? Bem, trago um trecho da análise de conjuntura sobre as eleições burguesas de 2014 de Luiz Falcão, Editor-Chefe do Órgão de Imprensa do PCR (o Jornal A Verdade), para justificar a criação da Unidade Popular:

Desse modo, as eleições impõem a urgência dos revolucionários terem um instrumento político que possa efetivamente disputar esses milhões de eleitores e levar até eles uma mensagem revolucionária, de transformações, um partido que efetivamente não seja apenas eleitoral, mas que se apresente em todas as lutas dos trabalhadores e do povo, que seja reconhecido por eles e faça das eleições uma alavanca para a emancipação do proletariado, para a revolução, como defende a Unidade Popular pelo Socialismo.[34] [Grifos meus]

Antes de prosseguir em meu ponto, trago também as palavras de Léo Péricles (Presidente da UP) e Thiago Santos (Presidente da UP PE) em 2015 sobre a criação da UP:

Assim funciona a falsa democracia em que vivemos: a pressão econômica exercida pelas classes possuidoras do capital (que foram derrotadas nas eleições) se impõe contra o desejo do povo manifestado nas urnas. Só radicalizando a democracia e entregando todo o controle dos órgãos públicos e da economia à maioria da população, ou seja, aos trabalhadores, poderemos implantar um modelo econômico e um governo voltados para os interesses sociais, e não para o lucro dos capitalistas banqueiros e grandes empresas que formam a classe minoritária. Ou seja, uma democracia socialista. Mas essa democracia só poderá ser alcançada com uma revolução popular, que vai nos livrar da exploração capitalista.[35] [Grifos Meus]

Fica nítido que no entendimento dos companheiros do PCR/UP há a possibilidade de radicalizar a democracia ou até pular toda a etapa de construção de um embrião de Poder Popular para aí, sim, chegarmos um uma forma de Poder Dual. Simplificando, os companheiros almejam o reformismo.

Georgi Dimitrov permeia toda a estrutura partidária do PCR, desde referência organizacional, posicionamento ultradireitista em relação ao fenômeno nazifascista, descentralização dos interesses proletários ao retirar do horizonte imediato a revolução socialista, uso despolitizante da palavra democracia e um apego à mesma, priorização em reestruturar a “normalidade” da exploração burguesa em oposição ao fascismo (como se o último fosse um elemento externo à burguesia).

Fica mais nítido ainda quando analisamos as palavras de ordem contra o fascismo e a favor do povo, o partido antifascista do Brasil, contra o fascismo, construa o socialismo. Em minha opinião, o mais escandaloso é o fato que o nome Unidade Popular é uma clara alusão a Frente Popular e ao discurso Unidade Operária, presente no livro a luta pela unidade da classe operária contra o fascismo[36] de Dimitrov.

Assim, é fundamental que: nossa militância esteja  apar da linha revisionista (como criticaram corretamente em sua fundação) a que o CP-PCR se aproxima, para deliberar qualquer aproximação tática; a militância e pessoas filiadas do CP-PCR também saibam que constroem não um partido revolucionário do tipo leninista, mas que estão em um processo de liquidacionismo do espírito marxista-leninista e que se essas pessoas não lutarem internamente, pelo jeito que vão às coisas, formarão tendências revolucionárias dentro de um partido de massas, cujo objetivo imediato será disputar o eleitorado pequeno-burguês desapontado com os limites da social-democracia.

E quem aponta para esse perigo não sou eu, mas novamente e para fechar esta penúltima seção, August Thalheimer comentando sobre a genialidade tática de Marx e Engels durante a Revolução Europeia de 1848:

Vemos como estavam distanciados Marx e Engels das concepções em que se baseiam hoje a política de frente popular. No ano de 1850, quando na Alemanha, após a derrota da revolução, dominava a pior reação, exigiam que os comunistas criticassem o programa da democracia pequeno-burguesa e as ilusões democrático-burguesas. Eles eram contrários a que, em nome da constituição de uma oposição mais ampla possível contra o poder dominante e o seu terror, se colocassem para trás as reivindicações de classe do proletariado. Eles não chegaram à ideia de se comprometer com a república parlamentar-burguesa, reivindicada pela democracia pequeno-burguesa, e sim exigiram, para o caso da revolução, a formação de governos locais de trabalhadores, isto é, de sovietes, como poderíamos dizer hoje, para então conduzir a revolução burguesa da forma mais resoluta para o seu final e realizar a transição para a revolução proletária.

Esses poucos exemplos bastam para mostrar que a política de frente popular é uma grande negação dos ensinamentos táticos de Marx e Engels [e de Lênin]. [Grifos meus]

Distinção com o PCB-RR

Como referência, utilizarei o Caderno de Teses para o XVII Congresso do PCB-RR[37] que, apesar de ainda não ter sido debatido congressualmente, representa tudo que consideramos de avançado de congressos anteriores. Assim, a estratégia e a tática do PCB-RR consistem majoritariamente em Bloco Revolucionário e Poder Popular.

Infelizmente e desconsiderando sua clandestinidade como justificativa para tal, em relação ao PCR, as resoluções congressuais do VI Congresso se encontram restritas a militância. Mesmo não sendo o ideal, tomarei como referência as resoluções de seu III Congresso, já referenciado anteriormente, onde podemos resumir sua estratégia e tática em três partes: Programa, Governo Revolucionário do Proletariado e Poder Popular.

Não adentrarei nas resoluções do PCR, mas destacarei onde conflitamos mais, na prática: Poder Popular e alianças táticas.

Primeiramente, é necessário confirmar a atualidade dessa definição, mas segundo as teses de seu III Congresso, o PCR considera Poder Popular como o PCB considera o Poder Dual:

Para tanto, serão criados como órgãos do poder popular: o concelho popular nas fábricas, nas escolas, nas universidades, nos bairros, na cidade, nos Estados e no país, de maneira a garantir que o poder popular seja realmente expressão da democracia das massas. Assim, apoiado no poder criativo e na capacidade de trabalho e de realização do povo brasileiro, os trabalhadores brasileiros construirão um novo poder, cabendo às massas o poder de destituir todo representante que trair seus interesses. Dessa maneira, os conselhos populares exercerão o poder no país com a participação direta do povo e sem abuso de nenhuma espécie do poder econômico.

O que a resolução acima descreve seria algo como um soviete e não a construção do soviete, possibilitando o surgimento de um imobilismo tático (a espera eterna de um contexto revolucionário) que poderia levar ao oportunismo. Como exemplo, em Belém, estudantes universitários, juntamente com camaradas da UJC, criaram um movimento independente para lutar contra o avanço do neoliberalismo na universidade. É de conhecimento público que o Correnteza/UJR não construiu e pior, ainda quis tomar para si possíveis méritos da luta, preterindo a construção do Poder Popular daquela comunidade universitária.

E antes de comentar sobre a teoria e prática do PCR em relação ao Poder Dual, o PCB-RR considera Poder Popular como o seguinte:

§37 Compreendemos o Poder Popular como a materialização da hegemonia do proletariado em seu processo de luta rumo à sua constituição como classe dominante. É, portanto, o pilar fundamental da construção da ditadura do proletariado, surgido do seio das lutas dos explorados e oprimidos em confrontação com o poder burguês. A sua constituição, assentada nos instrumentos de luta da classe trabalhadora organizada, é a expressão da dualidade de poderes e se apoia diretamente na ofensiva revolucionária pela construção do socialismo-comunismo. [Grifos meus]

Camaradas, se uma comunidade universitária desejar lutar, seja por moradia, ou seja, por melhorias no seu restaurante e isso não for considerado uma construção cotidiana (ainda que bastante embrionária) de Poder Popular, nossas teses congressuais estão incompletas e debaterei nas etapas para uma resolução que realmente reflita a realidade brasileira.

Ainda, o que leva a militância da UJR/Correnteza a deslegitimar uma luta que surge no seio dos explorados que não o oportunismo político? Porque segundo a sua própria definição de Poder Dual, as ocupações do MLB (e o que consta em suas propostas) também não são Poder Popular. Ou o são, por serem construídas pelo seu complexo partidário?

Como já exposto, Georgi Dimitrov se faz presente na estrutura organizativa do PCR, de forma que sua tática subordina sua estratégia, como fica claro em suas opções por seguir a Frente Popular e por combater o fascismo em prol da democracia burguesa.

E o que diz o PCB-RR sobre alianças táticas? Primeiramente que alertamos para o perigo que é a Frente Popular, por agir contra a hegemonia proletária de forma que “dissolve os interesses econômicos particulares do proletariado no interior da política democrática da pequena-burguesia”. A frente que debateremos em nosso XVII é a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista:

§26 Em seu XIV Congresso, o Partido Comunista Brasileiro definiu como tarefa estratégica a “construção da Frente Anticapitalista e Antiimperialista”, entendida como um “polo político socialista de massas”, “no campo da esquerda orientada ao socialismo, com a ruptura do capitalismo e não com reformas”. (A estratégia e a tática da revolução socialista no Brasil, parágrafo 92.) Em seu XVI Congresso, o PCB aponta “para a necessidade de constituição de uma frente política de caráter permanente, organizada em torno de um programa capaz de dar unidade às lutas anticapitalistas e de oposição às manifestações do imperialismo no Brasil e no mundo”, e frisa que tal Frente “não pode ser confundida com uma frente eleitoral” (Programa de Lutas para implementação da estratégia socialista no Brasil, parágrafos 95 e 96.)

No entanto, o PCB-RR reconhece que não houve uma formulação exata sobre a hegemonia do próprio partido em meio a esta Frente. Na concretude, manifestamos uma postura reboquista, onde afastávamos a estratégia da revolução socialista do horizonte e não demarcávamos os interesses da classe trabalhadora nesse período de alianças, indo contra nossas próprias resoluções e de encontro a Frente Popular de Dimitrov!

Por fim, em resposta ao título desta tribuna, penso que mais do que nunca, é necessária uma Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista, fruto da análise objetiva de todas as ramificações do que é chamado de esquerda hoje no Brasil. Escrevi esta tribuna objetivando contribuir para essa análise em relação ao PCR para concentrarmos as táticas no que nos une, conhecendo primeiro o que nos delimita.

Saudações comunistas!


Referências

[1] Governo concederá à iniciativa privada administração e exploração de florestas no Pará. Valor, 2023. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/11/29/governo-concedera-a-iniciativa-privada-administracao-e-exploracao-de-florestas-no-para.ghtml

[2] A água é um direito universal, não uma mercadoria!. Em Defesa do Comunismo, 2023. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/a-agua-e-um-direito-universal-nao-uma-mercadoria/

[3] Leal. M. Balanços e perspectivas sobre os conchavos entre a prefeitura de Belém e o governo do estado do Pará: a quem interessa os acordões? Em Defesa do Comunismo, 2023. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/balancos-e-perspectivas-sobre-os-conchavos-entre-a-prefeitura-de-belem-e-o-governo-do-estado-do-para-a-quem-interessa-os-acordoes/

[4] Estanislau. L. Venezuela e Guiana vivem escalada de tensão por disputa de território na fronteira; entenda o caso. Brasil de Fato, 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/16/venezuela-e-guiana-vivem-escalada-de-tensao-por-disputa-de-territorio-na-fronteira-entenda-o-caso

[5] Lênin. V. I. Discurso em defesa da tática da Internacional Comunista. Edições Avante! 1977. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1921/07/12.htm

[6] MLB completa 15 anos de luta pela reforma urbana e pelo socialismo. Jornal Luta Nos Bairros, 2014. Disponível em: https://www.mlbbrasil.org/_files/ugd/ab3c6b_20f8f7c0b3d3436785be5bea3497f5a5.pdf

[7] Morar dignamente é um direito humano! As propostas do MLB para a reforma urbana. Escola Nacional Eliana Silva, Cadernos de Formação Política, 2019. Disponível em: https://cf43681a-3793-425c-8778-25cc7b380065.filesusr.com/ugd/ab3c6b_aadf96cd4c2a40b39fc1490b2e81959c.pdf

[8] Quem somos? Movimento Luta de Classes, 2023. Disponível em: https://www.mlcbrasil.com/sobre

[9] Vieira. P. MLC reúne centenas de sindicalistas em seu 2º Congresso Nacional. A Verdade, 2023. Disponível em: https://averdade.org.br/2023/09/mlc-reune-centenas-de-sindicalistas-em-seu-2o-congresso-nacional/

[10] Artigos. Movimento Luta de Classes, 2023. Disponível em: https://www.mlcbrasil.com/artigos

[11] Borges. L. No Pará, Movimento de Mulheres Olga Benario barra despejo de Ocupação Rayana Alves. A Verdade, 2023. Disponível em: No Pará, Movimento de Mulheres Olga Benario barra despejo de Ocupação Rayana Alves - A Verdade

[12] FENET realiza seminário nacional e convoca seu 6º Congresso. A Verdade, 2022. Disponível em: https://averdade.org.br/2022/12/fenet-realiza-seminario-nacional-e-convoca-seu-6o-congresso/

[13] Histórico. Comissão Pastoral da Terra, 2010. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/sobre-nos/historico

[14] 26 anos de luta pela revolução socialista!. União da Juventude Rebelião, 2023. Disponível em: https://www.rebeliao.org/historia

[15] Don L. Volta da vitória / citação: us mano e as mina (xis). Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4Jv3cvNgyks

[16] Marxismo e a Juventude: Programa de Formação na Quarentena. A Verdade, 2020. Disponível em: https://www.rebeliao.org/post/marxismo-e-a-juventude-programa-de-forma%C3%A7%C3%A3o-na-quarentena

[17] Dimitrov. G. M. A União da Juventude Operária deve ser uma escola do socialismo. 1946. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1946/03/01.htm

[18] Por uma UBES rebelde e combativa! Estudantes na rua pelo Fora Bolsonaro! União da Juventude Rebelião, 2022. Disponível em: https://www.rebeliao.org/post/por-uma-ubes-rebelde-e-combativa-estudantes-na-rua-pelo-fora-bolsonaro

[19] Por uma UNE de luta e democrática. Movimento Correnteza, 2023. Disponível em: https://www.correnteza.org/post/por-uma-une-de-luta-e-democr%C3%A1tica

[20] Lisboa. M. Carta de 12 Pontos aos Comunistas Revolucionários. Centro de Documentação Maoísta, 1966. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lisboa/1966/mes/carta.htm

[21] O PCR e a Revolução Brasileira. Teses do Comitê Central aprovadas no IIIº Congresso do PCR, 2003. Disponível em: https://pcrbrasil.org/wp-content/uploads/2010/06/O-PCR-e-a-Revolu%C3%A7%C3%A3o-Brasileira.pdf

[22] 6º Congresso do PCR: unidade para lutar pela Revolução Socialista. A Verdade, 2020. Disponível em: https://averdade.org.br/2020/01/6o-congresso-do-pcr-unidade-para-lutar-pela-revolucao-socialista/

[23] Edval Nunes Cajá: o que defende o partido comunista revolucionário? Opera Mundi, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bfiKYNJXyhc

[24] Leonardo Péricles: Por que luta para ser presidente? Opera Mundi, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xgeC2hocqXg

[25] Lênin. V. I. Partido Ilegal e Trabalho Legal. Edições Avante! 1984. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1912/11/18-01.htm

[26] Comitê Central do PCR. Em Defesa da Ditadura do Proletariado, do Centralismo Democrático e Contra o Oportunismo na Luta Política. Partido Comunista Revolucionário, 2000. Disponível em: https://pcrbrasil.org/wp-content/uploads/2010/06/EM-DEFESA-DA-DITADURA-DO-PROLETARIADO.pdf

[27] A Estrutura, os Métodos e a Ação dos Partidos Comunistas. III Internacional Comunista, 1921. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/1921/congresso/estrutura.htm

[28] Estatuto da Unidade Popular. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2019. Disponível em: https://www.tse.jus.br/++theme++justica_eleitoral/pdfjs/web/viewer.html?file=https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse/arquivos/tse-estatuto-unidade-popular/@@download/file/TSE_estatuto_unidade_popular_deferido-10-12-2019.pdf

[29] Pachukanis. E. B. Lenin e os problemas do direito. LavraPalavra, 2018. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2018/06/26/lenin-e-os-problemas-do-direito/

[30] O 3° Congresso Municipal Da Unidade Popular em Belém. Instagram da Unidade Popular PA, 2023.Disponível em: https://www.instagram.com/reel/Cxv_XBUu7Te/?igshid=ZDBjMWI0ZjMxOQ%3D%3D

[31] Thalheimer. A. Sobre o fascismo. Centro de Estudos Victor Meyer, 2009. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/thalheimer/ano/mes/fascismo.pdf

[32] Partidão e ilegalidade. Partido Comunista Brasileiro, 2023. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/29871

[33] Rodrigues. F. M. Anti-Dimitrov -1935/1985 - meio século de derrotas da revolução. LavraPalavra, 2020. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/1985/anti-dimitrov/index.htm

[34] Falcão. L. Lições das eleições de 2014. E agora, o que fazer?. A Verdade, 2014. Disponível em: https://averdade.org.br/2014/11/licoes-das-eleicoes-de-2014-e-agora-o-que-fazer/

[35] Péricles. L. Santos. T. É preciso acelerar a construção da UP. A verdade, 2014. Disponível em: https://averdade.org.br/2015/10/e-preciso-acelerar-a-construcao-da-up/

[36] Dimitrov. G. M. A luta pela unidade da classe operária contra o fascismo. Editora História - Aldeia Global, 1978. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1935/fascismo/index.htm

[37] Comissão Política Nacional. Caderno de Teses do XVII Congresso Extraordinário do PCB-Reconstrução Revolucionária. Em Defesa do Comunismo, 2023. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/caderno-de-teses-xvii-congresso-extraordinario/