Cerco policial no Allianz Parque é símbolo da elitização do futebol brasileiro
A modernização veio acompanhada da segregação da torcida, afastando trabalhadores do estádio através de preços abusivos, somado ao policiamento ostensivo em bares e estabelecimentos locais.

Por Guilherme Sá | Redação
Implementado ainda em 2016, na gestão do ex-presidente Paulo Nobre, o cerco realizado pela Polícia Militar ao Allianz Parque, estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras, será ampliado nos próximos jogos do clube a pedido de Leila Pereira, atual presidente. Em vídeo divulgado pelo 4° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano no último sábado (08), a medida é amparada na lei estadual nº 14.590 e impôs a restrição do acesso às ruas Palestra Itália, Diana e Caraíbas “a moradores, portadores de ingresso, trabalhadores do evento e pessoas em atividade na região.”
O conflito entre diretoria e torcida pela garantia de acesso ao Allianz Parque e seu entorno vem há quase uma década recrudescendo. Seguindo uma tendência nacional, a modernização das instalações do clube veio acompanhada da segregação da torcida, afastando trabalhadores do estádio através de preços abusivos do ingresso, somado ao policiamento ostensivo, reprimindo a concentração de torcedores que assistem aos jogos nos bares e outros estabelecimentos locais.
Ainda em 2016, o então presidente do Palmeiras, Paulo Nobre, manifestou ser favorável ao cerco realizado pela PM, incentivando a medida, alegando a diminuição dos furtos e a ação dos chamados cambistas, que negociam ingressos para os jogos de modo a extraviar o lucro da bilheteria do clube. Com o passar dos anos, contudo, o cerco foi sendo expandido e, com a ascensão de Leila Pereira, a medida chegou ao patamar atual, onde apenas os frequentadores do estádio têm acesso às ruas.

A segregação do espaço historicamente ocupado pela torcida em dias de jogos vem acompanhado do recente aumento dos ingressos para o jogo da semifinal do campeonato paulista, contra o São Paulo, onde o mais barato chega a R$220,00.
Desde 2015, ano em que o Allianz Parque foi inaugurado, deixando para trás o antigo Parque Antarctica, o Palmeiras aparece liderando o ranking dos preços dos tickets médios em diversas oportunidades, dividindo o posto com Flamengo e Corinthians.
Apenas de janeiro de 2024 à janeiro de 2025, o valor dos ingressos do Allianz Parque foi mais do que 10 vezes maior do que a inflação acumulada no período (4,56%), fazendo com que os preços cobrados durante o Campeonato Paulista deste ano superassem mesmo o valor cobrado durante o Brasileirão de 2024, que possui um público mais amplo por se tratar de uma competição nacional.
Com a elitização dos estádios e o afastamento da classe trabalhadora destes espaços, o cenário tende ainda a piorar com a restrição às alternativas locais para acompanhar os jogos. Ainda em 2023, torcedores protestaram em frente à sede social do clube cobrando a diretoria pelo mal desempenho em campo e pelos preços abusivos.

Tendo como base jurídica a lei estadual nº 14.590, promulgada ainda em 2011, portanto no governo de Geraldo Alckmin, então no PSDB, a medida tomada nos arredores do Allianz Parque não se aplica a nenhum outro estádio da capital paulista, nem mesmo aos frequentes shows realizados no estádio, o que escancara o caráter segregacionista da medida, incentivada pela diretoria do clube.
Comprometendo-se a diminuir o preço do ingresso e inaugurar o setor popular no Allianz no período eleitoral, Leila Pereira e a diretoria vêm atuando a favor da marginalização da torcida. Em 2023, Leila chegou a afirmar em entrevista que “quem não pode pagar R$50,00 para ir ao Allianz Parque, não vai”. Hoje, porém, R$50,00 está longe de ser o valor necessário para entrar no estádio.
Nos últimos anos, com a venda de direitos de nomes de estádios como “Morumbis”, “Mercado Livre” Arena Pacaembu e “Neo Química” Arena, além do aumento abusivo dos preços dos ingressos, camisas e outros artigos, além da contínua repressão policial, o futebol brasileiro segue o caminho da completa elitização, moldando-o para o mercado.
Em meio a essa tendência, os estádios (arenas) e seus entornos têm se transformado em verdadeiros laboratórios para a burguesia, que utiliza estratégias variadas para moldar o futebol em uma mercadoria cada vez mais rentável. Aproveitando-se das contradições e desigualdades presentes na sociedade, essa classe busca capitalizar sobre a paixão popular pelo esporte, manipulando as dinâmicas de classe e reforçando práticas que segregam e hierarquizam os torcedores. Essa lógica, que prioriza o lucro acima de tudo, acaba por esvaziar o caráter popular e democrático do futebol, transformando-o em um espetáculo elitizado, distante das raízes que o tornaram um fenômeno cultural e social de massas.