BR 319: Latifundiários incendeiam a Amazônia e Governo Federal joga a gasolina
A decisão enfrenta críticas de movimentos populares e socioambientais, que alertam para o risco de o empreendimento agravar as queimadas na floresta amazônica e intensificar a estiagem nos rios da região.
Por Redação
Em visita ao estado do Amazonas no dia 10 de setembro, o presidente Lula (PT) anunciou a retomada das negociações para a reconstrução da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A decisão enfrenta críticas de movimentos populares e socioambientais, que alertam para o risco de o empreendimento agravar as queimadas na floresta amazônica e intensificar a estiagem nos rios da região.
A BR-319 interliga 22 municípios da região do interflúvio dos Rios Madeira e Purus. Conforme a própria Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em declaração dada à CPI das ONGs em 2023, essa obra seria ambiental e economicamente inviável, uma vez que seu trajeto atravessa uma das proporções mais bem preservadas de floresta amazônica e facilitaria em grande medida a prática de atividades como o desmatamento e a garimpagem na região.
As promessas de que a pavimentação da rodovia seriam acompanhadas de uma forte fiscalização, por parte do Ministro da Casa Civil, contrastam com o abandono das instituições de defesa ambiental, já tratados no nosso jornal.
Além disso, outras circunstâncias, como o aumento da concentração de terras verificado pelo Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, após 14 anos de governos da frente popular, e os números recordes do Plano Safra de 2024, um programa de concessão de empréstimos a juros irrisórios para grandes latifundiários, revelam que a política do governo é menos combater a crise climática e mais agravar o problema.
A BR-319 facilitaria o percurso da grilagem, pois os criminosos da região AMACRO (a região com o maior número de degradação) teriam acesso a áreas de floresta. O governo neoliberal de Lula-Alckmin considera a reconstrução essencial para o desenvolvimento da região mesmo que represente uma ofensiva aos povos indígenas e suas terras.
Em 2024 os brasileiros estão sobrevivendo à seca mais extensa já registrada no país, de acordo com uma tendência de alta documentada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). No interior do Estado do Amazonas, diversas comunidades, dependentes do transporte fluvial, estão isoladas em face da abrupta diminuição no nível dos rios, para muitos o único meio viável para acessar serviços básicos de educação e saúde e até para obter água potável. O mesmo acontece com o Rio Madeira em Rondônia.
Os impactos da BR-319 no meio-ambiente
A BR-319, com 885 km de extensão, foi inaugurada em 1976 pela ditadura empresarial-militar sem nenhum licenciamento ambiental. No entanto, sua operação foi curta: em 1988, o trecho central — foco das atuais disputas — foi abandonado devido à falta de viabilidade econômica. O baixo volume de tráfego não justificava os elevados custos de manutenção, e a rodovia acabou se tornando intransitável. Com o tempo, a floresta amazônica se regenerou, cobrindo boa parte do asfalto. No governo Dilma, um projeto de manutenção foi iniciado, mas o resultado foi o aumento do desmatamento e a proliferação de ocupações irregulares na região.
No projeto, a BR-319 se conectaria com outras rodovias já planejadas, como a AM-366 e AM-343, o que significaria expor um enorme bloco de florestas a oeste do rio Purus, na região chamada Trans-Purus, o que teria grandes implicações climáticas.
Essa região é fundamental para a reciclagem da água, metade da água dos ditos “rios voadores” são dos vapores das chuvas da região, a qual transporta toda essa água para outras regiões do Brasil, como o Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Além disso, a região possui um enorme estoque de carbono, que se emitido pelas derrubadas das florestas, é suficiente para empurrar o clima global ao ponto de não-retorno, diz Philip Fearnside, pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
Além disso, o relatório do Grupo de Trabalho da BR-319, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), cita a BR-163 (Santarém-Cuiabá) como exemplo para ações de governança. A região impactada pela BR-163 virou um antro de desmatamento ilegal, extração de madeiras, garimpagem, grilagem de terra e invasão de Terras Indígenas.
Em estudo realizado em parceria com o Censipam, o biólogo e pesquisador Lucas Ferrante mostrou que, se a BR-319 for pavimentada, não haverá contingente suficiente para fiscalizar a região. Reconstruir e pavimentar uma rodovia como a BR-319, sabendo que o Estado não tem a presença necessária na região, impactará negativamente, de forma intensa, o conjunto de ações relacionadas ao combate ao desmatamento e às queimadas, à proteção de Unidades de Conservação e ao enfrentamento das mudanças climáticas.
A medida também ignora os impactos em outras políticas públicas, como a proteção dos povos indígenas isolados, sistematicamente ignorados nas decisões a respeito da rodovia e em medidas que possam garantir segurança de seus direitos, como a demarcação de suas terras, bem como no que diz respeito ao uso e ocupação do solo, no que tange principalmente a sua transformação.
Posição do governo federal
Em defesa da reconstrução da BR-319, Lula argumenta que a rodovia não tinha, antes da crise hídrica, a importância que tem hoje, pois o Rio Madeira ainda não havia secado e que agora com a seca não poderia deixar duas capitais isoladas. O presidente deixa subentendido seu compromisso com o setor privado ao dizer que, além das conversas para essa retomada envolver diversos ministérios do Executivo Federal e governos locais, também tratará “com quem mais for necessário” e que convocará qualquer especialista em qualquer lugar no mundo para discutir o que deve ser feito para o empreendimento ser realizado sem danificar a floresta que está muito preservada naquela região.
Apesar do discurso preocupado com a proteção ambiental durante a construção, o Governo Lula-Alckmin não tomou providências quando foi alertado pelo Governo do Amazonas sobre o risco de uma grande estiagem em todo o estado, em abril deste ano.
Lula afirmou que a pavimentação da BR-319 beneficiaria povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros e extrativistas, permitindo que essas comunidades vivessem de forma autossustentável, gerando renda a partir da preservação da Amazônia.
É interessante compreendermos também quais são as motivações por trás da retomada desse empreendimento, considerando que houveram ações para pressionar o Governo Federal em razão das queimadas e estiagem. Porém, quando representantes do governo chegaram em Manaus, políticos e veículos de comunicação locais defenderam com unhas e dentes a reconstrução da BR-319, mesmo já sendo claro os riscos da obra.