As propostas para saúde mental nas eleições municipais de Fortaleza

Enquanto a burguesia fortalezense e classes médias podem pagar por serviços da rede privada, as camadas pobres constantemente se veem forçadas a buscar por hospitais mentais ou Comunidades Terapêuticas — que nada são além de novas formas de nomear os manicômios. 

As propostas para saúde mental nas eleições municipais de Fortaleza
Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto fica em Messejana. Reprodução/Foto: Fábio Lima/O Povo.

No último dia 20 de setembro, no auditório da reitoria da Universidade Federal do Ceará, foi realizada uma roda de conversa entre os candidatos à prefeitura de Fortaleza sobre "Saúde Mental e as Eleições Municipais de Fortaleza", organizada pela Frente Cearense de Luta Antimanicomial. É importante notar que, tendo todos os candidatos à prefeitura no primeiro turno sido convidados, somente os candidatos Chico Malta (PCB) — este o único presencialmente, enquanto os seguintes por meio de representantes —, José Sarto (PDT), Evandro Leitão (PT) e Técio Nunes (PSOL) apareceram ao evento. Nem George (SOLIDARIEDADE) nem Zé Batista (PSTU) compareceram.

Contando com a presença não somente de políticos e movimentos sociais, o evento também foi frequentado por diversos usuários do serviço, assim como médicos e trabalhadores da saúde, que lidam com a precarização e suas dificuldades todos os dias. É de grande importância que a discussão sobre saúde mental seja realizada em conjunto e diretamente com os mais diversos setores da classe trabalhadora, tanto com usuários diretos e indiretos como pelos profissionais, principalmente quando este tema, dentro de uma lógica neoliberal, vem sendo empurrado cada vez mais para o âmbito do privado. No entanto, entendemos que não podemos pensar na saúde mental como algo isolado. É uma questão de saúde pública; e a saúde da nossa classe não pode continuar sendo discutida em gabinetes onde a participação popular é inexistente ou, quando muito, meramente simbólica.

A Saúde Mental em Fortaleza

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que integra o Sistema Único de Saúde (SUS), é uma política nacional de saúde mental que busca conectar serviços e equipamentos variados, como por exemplo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que buscam uma assistência multiprofissional e cuidado terapêutico aos usuários, conforme sua situação particular. Os CAPS possuem uma equipe diversificada que trabalha conjuntamente para prestar a melhor assistência aos usuários do serviço. Isto tudo em teoria.

Há diversos mandatos da prefeitura, a RAPS vem sendo sucateada em Fortaleza. Apesar das promessas de mudanças e de mais investimentos feitas pelo atual prefeito e ex-candidato à prefeitura José Sarto, as últimas três gestões, todas de seu partido, demonstram um enorme descaso com os serviços de saúde mental comunitária. Cada vez mais precarizados, com enormes filas de espera para atendimentos, falta de remédios psiquiátricos e uma precária estrutura física, contando inclusive com falta de materiais básicos para a realização dos grupos de arteterapia — assim como a diminuição, há anos, no serviço de artistas educadores — em algumas regionais, a marca deixada pela atual gestão desses serviços é a de dramática falta generalizada de recursos.

O Hospital de Saúde Mental de Fortaleza, principal aparelho de emergência psiquiátrica que funciona 24 horas na rede pública, enfrenta também o processo de desmonte e desinvestimento: capacidade inferior à demanda de pacientes, estrutura deteriorada e ultrapassada, sem acessibilidade em diversas áreas, falta de bebedouros e pouquíssimos banheiros (quando não quebrados), animais circulando dentro do hospital, problemas de higienização (mau cheiro e sujeira), chegando a, por longo período, sequer possuir forma de contato entre pacientes e hospital devido à quebra do único telefone, como relatou a mãe de uma usuária, que perdeu um importante procedimento por não ter sido avisada (devido à falta de meios) e, quando buscou o hospital, só poderia remarcar para quase um ano depois!

Contando com somente 15 CAPS em Fortaleza, incluindo CAPS gerais, infantis e Álcool e Drogas (AD), eles compreendem 9 das 12 regionais administrativas da Capital; de forma mais alarmante, nessas três regionais que faltam, são 31 bairros, com 703 mil habitantes, onde não há nenhum CAPS (qualquer que seja o tipo). Para um município com 2,4 milhões de pessoas, em que quase um quarto não tem o serviço em sua proximidade, se torna impossível que toda a população tenha um acesso digno à saúde mental.

A disponibilidade de profissionais é tão baixa — para uma demanda altíssima, numa população cada vez mais adoecida — que uma das usuárias do serviço chegou a afirmar, durante a roda, que “psicólogo, no CAPS da Regional III, é um palavrão!”. Há a urgente necessidade da contratação de mais profissionais — assim como a regularização dos vínculos empregatícios, hoje precarizados, por meio do concurso público —, o que é impedido pelo controle dos gastos públicos e pela política de arrocho fiscal e Teto de Gastos, que desde o governo golpista de Temer, passando por Bolsonaro-Mourão, é agora mantida (ainda que mude a forma, mantém-se o conteúdo) pelo governo Lula-Alckmin. É impedindo e cortando os gastos com serviços essenciais à população brasileira (como saúde), ao mesmo tempo em que concede bilhões e bilhões para o agronegócio e outros setores da burguesia brasileira e internacional, que o Governo Federal nos mostra de que lado realmente está.

Assim, enquanto a burguesia fortalezense e classes médias podem pagar por serviços da rede privada, as camadas pobres constantemente se veem forçadas, em casos de sofrimento psíquico grave, a buscar por hospitais mentais ou, ainda pior, Comunidades Terapêuticas — que nada são além de novas formas de nomear os manicômios. 

As Comunidades Terapêuticas

Por óbvio, os ex-candidatos fascistas como Eduardo Girão (NOVO) e Capitão Wagner (UNIÃO), assim como o candidato André Fernandes (PL), não estiveram presentes na roda de conversa: sua política obscurantista apoia abertamente os calabouços manicomiais conhecidos como Comunidades Terapêuticas e apoiam a privatização da saúde, entregando o setor nas mãos vorazes do lucro capitalista em detrimento da classe trabalhadora. E mesmo aqueles que estiveram à mesa, como a representação de José Sarto (PDT) ou Evandro Leitão (PT), candidato no segundo turno, não podem oferecer mais que meias-promessas: basta olhar a chamada “Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas”, composta por 184 deputados federais de partidos desde o PT, PDT, PSB até NOVO, UNIÃO e PL. Como se comprometer a uma luta — consequente, que dê resultados — contra a lógica manicomial quando representantes destes partidos na câmara dos deputados firmam, pelo contrário, o compromisso com as Comunidades Terapêuticas? Impossível.

As Comunidades Terapêuticas são a junção de uma cadeia, uma igreja e um hospital psiquiátrico — pegando o pior de cada um. Nesses locais, denúncias de violações de direitos humanos são comuns. O descaso é tanto que o acesso a dados sobre as pessoas que são internadas lá é extremamente dificultado ou os dados são omitidos, tendo em vista as torturas, e coação por meio de aparatos religiosos que ocorrem cotidianamente nesses serviços. Dessa forma, dependentes químicos, pessoas da população LGBTI+, e outras populações marginalizadas são arrastadas, por vezes contra a vontade própria, e segregadas nesses espaços em um verdadeiro processo de higienização social orquestrado pelo governo municipal e estadual, contando com a presença de grupos religiosos (principalmente evangélicos) para realizar esse projeto de exclusão. E pior ainda: muitas delas são financiadas pelo Estado brasileiro.

O que fazer?

Engana-se quem pensa que os comunistas não têm propostas para a saúde mental! Muito pelo contrário, desde nossa Plataforma Municipal apresentamos uma série de pontos que se articulam diretamente com a melhoria, imediata e a longo prazo, da RAPS e dos CAPS.

Buscamos, no primeiro turno, apoiar os candidatos que ferrenhamente defendiam o piso salarial da enfermagem, área de extrema importância para o cuidado em saúde mental, assim como defendiam os pisos constitucionais da saúde — ameaçados pelo governo federal. No âmbito municipal, onde os eleitos neste período poderão incidir diretamente, defendemos a imediata reversão de todas as privatizações, concessões, terceirizações e “parcerias” que transferem recursos públicos para a exploração da iniciativa privada, o que significa o fim das Organizações Sociais na saúde; lutamos pelo também imediato fim da lógica manicomial no sistema público de saúde, fechando todas as Comunidades Terapêuticas e interrompendo as internações compulsórias.

Para a contratação de mais profissionais, não basta parar por aí: entendendo que a saúde mental também não é um fator isolado do meio social, também pautamos o fim da escala 6x1 (começando pelos servidores públicos municipais), que causa adoecimento psíquico ao não permitir que o trabalhador tenha o mínimo de tempo para algo que não seja seu trabalho. Seguindo nessa linha, também apontamos que é impossível falar de saúde mental sem falar de acesso à educação, moradia, segurança e tantos outros direitos básicos que grande parte da população do município não tem acesso.

As Eleições Municipais

O segundo turno em Fortaleza nos coloca entre a cruz e a espada, com ambas as candidaturas representando a burguesia, não possuindo acordo com nossa plataforma municipal nem com as pautas imediatas da classe trabalhadora.

André Fernandes em seu programa busca explicitamente aumentar o número de relações com as Organizações Sociais e demais empresas privadas em todos os setores, incluindo a saúde, e o aumento de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Evandro Leitão, por outro lado, se limita a propor uma ampliação dos CAPS, além de “centros itinerantes de convivência e cuidado”. Ou seja: nenhum dos dois combaterá diretamente as comunidades terapêuticas — André Fernandes, porém, sendo um apoiador: chegando a participar de eventos promovidos pela Associação Cearense de Comunidades Terapêuticas —, nenhum luta contra a influência da esfera privada na saúde — o candidato fascista, pelo contrário, pauta isto como programa de governo —, nenhum está disposto a levar a cabo a luta pela melhoria efetiva da saúde mental da população fortalezense.

Entretanto, consideramos haver uma diferença qualitativa entre os dois candidatos: de um lado, o fascista André Fernandes, um dos autores do PL 1904, defensor da militarização e armamento da Guarda Municipal; e, de outro, o social-liberal Evandro Leitão, que seguirá com a política neoliberal de arrocho fiscal do Teto de Gastos a nível municipal. Nos é posta a escolha entre dois inimigos distintos, com consequências distintas: portanto, entendendo que teremos melhores condições de avançar com a luta de classes em um governo social-liberal do que em um fascista, indicamos o voto útil em Evandro Leitão, com firme resolução de que estamos em polos radicalmente opostos, mantendo nossa independência política sem nos deixar confundir ou diluir com o campo democrático-popular, muito menos nos iludir com o que sua vitória representa, e, por isso, seremos oposição desde o primeiro dia de seu governo.

Além disso, os comunistas se comprometem a lutar pela saúde mental de forma plena, não aceitando conciliações com modelos de saúde asilares, manicomiais e privatistas.