Governo Lula tem posição vacilante sobre comunidades terapêuticas
Uma das preocupações atuais do movimento de luta antimanicomial no Brasil são as comunidades terapêuticas e a posição vacilante do governo Lula em relação à elas. Essas instituições são como asilos, e têm sido alvo de denúncias de graves violações de direitos humanos.
Por Redação
O dia 18 de maio marca os 23 anos da Reforma Psiquiátrica no país. Em 2001 foi instituída a Lei Antimanicomial (Lei 10.216, de 2001), que aborda a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redefine o modelo de atendimento em saúde mental. Essa legislação determinou o fechamento progressivo dos manicômios e estabeleceu que cabe ao Estado desenvolver a política de saúde mental, oferecer assistência e promover ações de saúde para aqueles com transtornos psicossociais. Uma das preocupações atuais do movimento de luta antimanicomial no Brasil são as comunidades terapêuticas e a posição vacilante do governo Lula em relação à elas. Essas instituições são como asilos, e têm sido alvo de denúncias de graves violações de direitos humanos.
Em um movimento acertado, o governo Lula realizou recentemente uma redução de 80% nos contratos com comunidades terapêuticas em todo o Brasil. Essa decisão reduz o número de instituições recebendo apoio financeiro federal, de 500 credenciadas para 100 com contratos firmados. Porém, se posicionando contra essas reduções, o Ministério de Desenvolvimento Social planeja propor ao Congresso Nacional um incremento de R$ 180 milhões no orçamento. Atualmente, a pasta comandada por Wellington Dias do PT paga R$ 38 por dia por pessoa atendida nessas comunidades terapêuticas que possuem convênio com o governo.
Além disso, o governo federal também criou um grupo de trabalho interministerial com o objetivo de tirar adolescentes das comunidades terapêuticas, seguindo uma resolução do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas aprovada em março. Essa resolução proíbe o atendimento de adolescentes por essas instituições, alterando uma norma de 2020 do governo de Jair Bolsonaro, que permitia tal prática. Seguindo em posição contrária, a única pasta a votar contra a proibição do atendimento de adolescentes em comunidades terapêuticas foi o Ministério do Desenvolvimento Social, demonstrando uma discordância interna sobre essas políticas.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) celebrou essa nova posição do governo Lula sobre as comunidades terapêuticas, as quais ela chama de “verdadeiros manicômios contemporâneos”: “Há tempos, venho denunciando ao lado dos movimentos da luta antimanicomial, ativistas e pesquisadores da pauta da saúde mental, médicos, psicólogos, assistentes sociais e usuários do SUS [Sistema Único de Saúde] e do SUAS, o crescimento no número dessas instituições em todo território nacional, bem como das denúncias gravíssimas de violações de direitos humanos que parecem inerentes às CTs”, escreveu a deputada nas redes sociais.
A celebração da parlamentar, bem como o histórico do planalto nos últimos anos, leva a notar que o governo Lula possui uma posição vacilante em relação às comunidades terapêuticas, mesmo com todas as pressões dos movimentos sociais de luta antimanicomial. Se atualmente parece que hoje o único ministro lutando contra a redução dessas instituições é Wellington Dias, anteriormente ele tinha apoio do próprio Lula nessas políticas.
Em janeiro de 2023, Lula criou um setor específico para comunidades terapêuticas atendendo prontamente a pedidos de entidades religiosas, principalmente as evangélicas. O Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas no entanto teve uma vida curta neste formato. Lula em maio de 2023, voltou atrás e ampliou a pasta para atender outras questões, renomeado para Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas. Até recentemente, o governo Lula financiou quase 15 mil vagas nessas comunidades terapêuticas no país, com mais de R$ 50 milhões sendo repassados para esses espaços.
De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), em sua maioria as comunidades terapêuticas são instituições privadas e de natureza religiosa e têm se beneficiado de um sistema de tratamento que impõe a abstinência como a única meta, desconsiderando a redução de danos. Muitas dessas instituições operam sem a supervisão adequada e têm histórico de violações de direitos humanos, incluindo agressões e torturas. Em vez de promover a reintegração social, muitas vezes mantêm os indivíduos isolados da comunidade. A falta de transparência e a relação próxima com setores políticos e religiosos também levantam preocupações sobre sua eficácia e ética.
Historicamente, o movimento antimanicomial defende um modelo de cuidado através das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS). Este modelo inclui serviços como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD III), Consultórios na Rua e Unidades de Acolhimento, que são considerados mais efetivos para a inclusão social e cuidado de pessoas em uso de substâncias. As RAPS promovem o cuidado evitando o isolamento e a institucionalização. Oferecem uma abordagem integral e equitativa, garantindo acesso universal ao cuidado. Promovem a inclusão social, ajudando na reintegração comunitária. Adotam estratégias de redução de danos, reconhecidas internacionalmente como eficazes para a dependência química. Integradas ao SUS e SUAS, as RAPS são rigorosamente supervisionadas e baseadas em evidências científicas e recomendações internacionais.