'Após ler em meu face: resposta à tribuna ‘Bordiguistas, me respondam’' (Reinaldo Soares)
Justamente pela insatisfação na resposta dada, o estudo, a pesquisa e o aprofundamento do tema se tornam necessários para saber se realmente é o que parece ou se a questão é mais complicada do que foi apresentada.
Por Reinaldo Soares para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Na tribuna intitulada “Bordiguistas, me respondam” [1], o camarada “Glushkovinho” se propõe a sintetizar o debate sobre o “bordiguismo” feito até o presente momento nas tribunas preparatórias do XVII Congresso (Extraordinário) do Partido e nas redes sociais, que são um veículo de discussão des militantes da organização.
Apesar de profundas discordâncias com a linha teórico-política que o autor apresenta nesta e em outras tribunas [2], gostaria de me deter mais especificamente sobre a estrutura do texto e alguns aspectos que podem não parecer centrais. Com isso, não pretendo aqui responder sobre as indagações a respeito da vida e obra de Amadeo Bordiga, mas sim me debruçar acerca da forma pela qual o camarada apresenta suas questões para o conjunto da militância.
O camarada anuncia, em seu primeiro parágrafo, que busca “sintetizar” o debate, entretanto, no segundo parágrafo, assume não saber nada “dessa tradição política” (sic). Acredito que essa é uma postura irresponsável, afinal, o trabalho de mera sintetização de um debate não requer um conhecimento aprofundado do que o envolve, contudo, entendo ser pouco produtivo. Afinal, o que se ganha com uma simples esquematização dos argumentos centrais se não se tem uma compreensão do que está por trás deles? Me parece uma tarefa mecanicista e de pouco saldo político tanto para o camarada quanto para o conjunto da organização. Digo mais: acredito que o camarada não sistematiza debate algum em sua tribuna.
No terceiro parágrafo, o camarada apresenta que “Pelo o que pode ver, o Bordiguismo parece (!) uma corrente do comunismo que nunca fez nada de significante”. Me deterei brevemente nesta frase pois acredito que ela encobre uma questão política de fundo importante: o desprezo pela produção teórica e a militância de autores(as) pelo fato de “não terem feito revolução alguma”.
Em primeiro momento, essa posição pode ter um caráter bastante infantil. Mas, para além disso, é útil para encobrir posições centristas em nosso meio: a negação de figuras que foram “derrotadas” no passado pressupõe a adesão/simpatia às posições da linha “vitoriosa”. Mas, se formos bons marxistas, compreendemos que a vitória de determinadas posições/linhas não significa sua justeza. Caso contrário, esqueçamos tudo o que foi dito e escrito nos últimos 40 anos: voltemos ao pântano centrista e podemos nos reintegrar às fileiras do PCB-CC.
Para melhor compreender esse raciocínio, gostaria de recuperar uma breve reflexão feita pelo camarada Leonardo Frosi Ávila em um artigo que escreveu para o blog LavraPalavra:
“Como todos sabemos, a IC não foi capaz de fazer a revolução européia que deveria vir em ajuda da revolução bolchevique. Portanto, ao invés de difamar figuras marginalizadas do movimento comunista internacional, convinha estudá-la criticamente.” [3]
Apesar de breve, acredito que a citação nos ajude a compreender o seguinte: o fato do italiano Bordiga não ter conseguido organizar nenhuma revolução vitoriosa (ou algo de “grande relevância”) não desqualifica suas contribuições ao movimento operário. Se formos seguir essa linha de raciocínio, jogaremos no lixo inúmeros teóricos(as) que nunca conseguiram fazer algo de “grande relevância”.
Mas, falar que Bordiga não fez nada de relevante já se aproxima da ignorância: o italiano foi o primeiro secretário-geral do PCd’I (e o foi por ter sido a principal voz no congresso de fundação do Partido em Livorno) e contribuiu ativamente com a Internacional Comunista. Constatar isso não significa nenhuma simpatia para com a figura, é meramente um esforço de sinceridade intelectual.
Dito isso, convido o camarada “Glushkovinho” a seguir um interessante ensinamento de Mao Zedong acerca dos estudos:
“A menos que tu tenhas investigado um problema, tu serás privado do direito de falar sobre ele. Isto não é muito duro? Não é de modo algum. Quando tu não investigas um problema, os fatos presentes e sua história passada, e nada sabe sobre seus fundamentos, o que queres tu digas sobre isto, sem dúvida será um disparate. Falar bobagem não resolve problemas, como todos sabem, então porque é injusto privar a ti do direito de falar? Alguns camaradas sempre mantêm os olhos fechados e falam besteiras, e para um comunista é vergonhoso. Como um comunista pode manter os olhos fechados e falar besteiras?
Não vai fazer!
Não vai fazer!
Tu deves investigar!
Tu não deves falar bobagens!” [4]
Boa parte das questões apresentadas pelo camarada seriam esclarecidas se tivesse seguido este ensinamento do Grande Timoneiro. Isso vale não só para a frase em questão (“o Bordiguismo parece ser uma corrente do comunismo que nunca fez nada significante”), mas também para as perguntas que são apresentadas no final do texto.
Prosseguindo, no quarto parágrafo, o camarada enuncia uma frase que beira o inaceitável. O camarada coloca que só está colocando as coisas nesses termos porque “é o que o resto do partido pensa de vocês” (sic). Em momento algum (até onde meu limitado conhecimento vai) Glushkovinho foi nomeado porta-voz do Partido para que pudesse fazer tal declaração sem fundamentação qualquer. Pouco me importa quantas pessoas concordam com o camarada nesse quesito: tal declaração só poderia ser feita no caso de uma ampla discussão interna e a aprovação de algum documento acerca do tema. De resto, em hipótese alguma qualquer camarada pode se colocar nessa posição sobre um tema que não foi debatido. A partir de qual momento alguma pessoa das nossas fileiras se torna apta a falar em nome do Partido a respeito de um tema que nunca foi debatido e encaminhado internamente? A atitude, além de presunçosa, demonstra incompreensão sobre quais são os posicionamentos do Partido e quais não são os posicionamentos do Partido e, portanto, se encontram em aberto.
Diga-se de passagem: curioso convite para o diálogo! Que tom menos receptivo para o debate!
A partir desse momento, o camarada enuncia cinco “perguntas” (que são mais afirmações confusas e dispersas com alguns questionamentos do que perguntas de fato) aos “bordiguistas” sobre “o que eles acham de certas coisas, para que fique explícito para todos qual é o cerne dessa discussão” (sic).
Primeiramente, o camarada questiona a validade da polêmica feita nas redes sociais sobre a publicação das teses escritas por Gramsci no Congresso de Lyon e a não publicação das teses escritas por Bordiga no mesmo congresso. Ele diz “supera que dói menos”. Particularmente, me é lamentável que um camarada reaja dessa forma aos questionamentos feito por outres militantes. Entendo que o camarada pode discordar das questões levantadas e apresentar seus argumentos contra eles, justificando a não publicação do referido documento. Mas, dizer “supera que dói menos” é de uma infantilidade incabível às Tribunas Preparatórias do XVII Congresso (Extraordinário) e qualquer outro espaço da militância comunista. Essa é a última forma que qualquer camarada deve reagir às críticas feitas por determinados segmentos da militância. Não é só infantil, é típico de um burocrata que não consegue argumentar e discutir politicamente o porquê de determinado documento ser ou não publicado.
No que se refere às tribunas do camarada F. Ornelas e da camarada Gata Soviética e João, tenho acordo geral (discordâncias pontuais que não entendo como necessárias de descrição na presente tribuna) com o camarada Glushkovinho. A tribuna do camarada F. Ornelas parece não entender a proposta da camarada Gata Soviética e do João e, ao meu ver, praticamente não dialoga com o que foi escrito. A tribuna sobre centralismo orgânico é bastante importante como um ponto de partida para o estudo crítico das contribuições de Amadeo Bordiga, ainda que seja insuficiente por conta própria. Alguns pontos poderiam ser melhor elaborados como, por exemplo, no que o centralismo orgânico nega o centralismo democrático e porque nós precisamos do centralismo orgânico e não do democrático.
Agora, sobre o quarto ponto levantado pelo camarada: se afastar de um estudo crítico de uma linha teórica por conta de uma insatisfação advinda de uma conversa no twitter com um “adepto” me é bastante estranho, ainda mais quando alguém se denomina marxista. Entendo que o contrário seria o mais natural: justamente pela insatisfação na resposta dada, o estudo, a pesquisa e o aprofundamento do tema se tornam necessários para saber se realmente é o que parece ou se a questão é mais complicada do que foi apresentada. Na esmagadora maioria das vezes, a segunda alternativa é verdadeira.
Ainda sobre o quarto ponto, gostaria de advertir ao camarada para não tomar o Twitter e as discussões que lá são feitas enquanto a realidade e o que de fato acontece no Partido. O fato de existir um suposto “grande barulho bordiguista” no Twitter e transformar isso num alarde para o Partido reflete uma confusão da realidade com as redes sociais. As redes sociais exprimem uma parte da realidade, mas não toda, e a parte que exprimem, geralmente é distorcida.
Por último, mas não menos importante, gostaria de sugerir fortemente que o camarada não use a Wikipedia enquanto fonte. O marxists.org [5] tem uma página inteiramente dedicada a Amadeo Bordiga e acredito que seja mais proveitoso para todes que, qualquer crítica, comentário, reflexão sobre ele (ou qualquer outro autor) seja feito com base no que ele escreveu, e não no que foi dito na Wikipedia ou no Twitter.
Notas
1- 'Bordiguistas, me respondam', camarada Glushkovinho, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/bordiguistas-me-respondam/
2- Ver, por exemplo, ‘Twitter: O reduto dos covardes, do individualismo e da indisciplina’, camarada Glushkovinho, disponível em:
3- ‘Notas sobre um “anti-esquerdismo” trotskista’, Leonardo Frosi Ávila, disponível em:
https://lavrapalavra.com/2021/08/13/notas-sobre-um-anti-esquerdismo-trotskista/
4- ‘Oposição ao Culto de Livros’, Mao Zedong, disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/mao/1930/mes/livros.htm
5- ‘Amadeo Bordiga foi o último comunista a desafiar Stalin na cara dele’, entrevista com David Broder, disponível em: