'A UJC não é uma escola de quadros, uma resposta ao camarada Gabriel Tavares' (L. Queen)

É evidente que a UJC “oxigena o Partido com militantes já experientes e previamente preparados”, mas não porque ela é uma escola de quadros, mas simplesmente porque estes militantes já foram militantes por muitos anos.

'A UJC não é uma escola de quadros, uma resposta ao camarada Gabriel Tavares' (L. Queen)
"Se queremos especializar a militância, devemos parar de tratar a formação como se fosse a obrigação de todo núcleo ter um secretário de formação que é o encarregado de “ensinar os camaradas”. Isso não é especialização! Precisamos de ter um setor especialmente encarregado desta função no Partido, uma verdadeira escola de formação."

Por L. Queen para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Recentemente me deparei com uma tribuna do camarada Gabriel Tavares intitulada “Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural: uma crítica da autocrítica”, em que ele discute principalmente os caminhos que a UJC tomará, mas também tece breves comentários a respeito da unificação das CRs da UJC com os CRPs do PCB-RR. Em sua tribuna, o camarada define a UJC da seguinte forma:

  1. Uma escola de quadros para o Partido (isso não significa que camaradas não possam se formar durante sua trajetória no partido, mesmo sem ter tido experiência prévia de militância, mas a juventude oxigena o Partido com militantes já experientes e previamente preparados, com condições de dirigir o Partido e os movimentos de massa - como já ocorre atualmente);
  2. Uma organização que tem maior possibilidade para experimentar metodologias e ações, contribuindo com as formulações partidárias, com menores prejuízos políticos em caso de eventuais erros;
  3. Ferramenta de intervenção nas lutas políticas específicas da juventude trabalhadora brasileira, que formulando a partir das especificidades da juventude, vai ter melhores condições de inserir-se entre ela e organizá-la;
  4. Parte da Reconstrução Revolucionária, com plenos direitos de participação em espaços deliberativos e tarefas partidárias, mas garantida sua especificidade e autonomia.

Embora não tenha ficado claro para mim como a “alteração da relação entre juventude e Partido invisibiliza” os pontos 3 e 4 (principalmente este último), eu tenho discordância frontal da categorização da UJC como está descrita no ponto 1 – que é também uma categorização escrita nas resoluções da UJC – e no ponto 2.

Primeiro gostaria de falar rapidamente sobre o ponto 2, para então passar ao tema desta tribuna, que é o ponto 1. A questão central para mim no ponto 2 é a ideia de que a UJC possui maior flexibilidade de organização porque nossos “eventuais erros” nos rendem “menores prejuízos políticos”. Discordo dessa afirmação primeiramente porque as áreas de atuação da UJC e do Partido estão profundamente borradas. A UJC realiza trabalho em ocupações, tal qual o Partido. Trabalho por local de trabalho também é realizado na juventude. Por que os erros de um destes trabalhos teriam menor prejuízo político na juventude? O ponto 2 para mim só pode fazer sentido se nos referirmos especificamente aos trabalhos realizados nas entidades estudantis nas universidades públicas. E ainda assim acho questionável essa afirmação.

Portanto, a necessidade de uma organização com maior flexibilidade tática para a juventude não se justifica para mim a não ser que mudemos o escopo de seu trabalho (o que é realmente necessário, caso mantenhamos a UJC enquanto organização autônoma).

Dito isso, vamos ao ponto 1, a ideia de que a UJC é a escola de quadros do Partido.

É evidente que a UJC “oxigena o Partido com militantes já experientes e previamente preparados”, mas não porque ela é uma escola de quadros, mas simplesmente porque estes militantes já foram militantes por muitos anos. É verdade também que desde o VIII Congresso, a UJC obteve alguns avanços na constituição de um Plano Nacional de Formação Política, apesar da duvidosa seleção bibliográfica e sua confusa organização (um livro do Mazzeo inteiro no primeiro módulo da formação!). Contudo, a aplicação prática do plano foi completamente equivocada: ficou à cargo de cada secretário de formação (quando não, secretário político) estabelecer um plano de leitura e debate de uma série de textos, muitas vezes sem nenhum auxílio das assistências sobre como realizar estes debates.

Isso não é uma escola de formação, camaradas, isso é um círculo de amadores.

Se queremos especializar a militância, devemos parar de tratar a formação como se fosse a obrigação de todo núcleo ter um secretário de formação que é o encarregado de “ensinar os camaradas”. Isso não é especialização! Precisamos de ter um setor especialmente encarregado desta função no Partido, uma verdadeira escola de formação.

Olhando para a concretude do que é a UJC só podemos realmente fazer a afirmação de que ela é uma escola de quadros sob uma perspectiva metafórica, tal qual dizemos "a escola da vida me ensinou". Contudo camaradas, na prática a UJC não é uma escola e nem deveria ser. Digo isso porque é fundamental que tenhamos sim uma escola de quadros, mas precisamos parar de tratar "escola de quadros" como uma metáfora e trabalhar no sentido da profissionalização desta escola: com professores, metodologia de ensino, ementa e conteúdo programático, uma sede, cursos, etc.De qualquer forma, a Resolução de Organização §57 das pré-Teses aponta um evidente avanço neste sentido:

§57 O Comitê Central deve organizar um Sistema Nacional de Formação Política, que organize em nível nacional a formação prática e teórica dos militantes, com vistas à construção de uma Escola Nacional de Formação de Quadros. No escopo desse sistema, será dever do Comitê Central e dos demais organismos dirigentes viabilizar aparelhos nos territórios para contribuir com a formação dos quadros. Manuais sobre os mais diversos aspectos da atividade prática e materiais de explicação teórica minuciosa de nossas resoluções congressuais também devem ser produzidos pelo Comitê Central, com a condição de não serem tomados de maneira formalista e dogmática.

Todos os partidos comunistas que estiveram ou estão no poder (e vários que ainda não chegaram lá também) possuem uma escola ou universidade para formação de seus quadros (isto é, uma instituição com sede, professores, ementa, bibliotecas, alojamentos) e, se pretendemos criar um Estado Proletário, devemos nos dedicar também à criação de uma escola desse tipo que esteja encarregada de formar os quadros do Partido e gerar conhecimento científico desde já.

O Partido Comunista Chinês, por exemplo, criou sua Escola Central em 1933, 16 anos antes da proclamação da RPC. Ainda, desde 1924 o PCCh já possuía duas outras escolas, a Escola do PCCh de Anyuan e a Escola do PCCh de Beijing[1]. O Partido Comunista da Suazilândia possui sua escola, que oferece cursos anuais durante o verão para os quadros do Partido[2]. Até mesmo o MST possui sua escola de formação política "Florestan Fernandes", em que diversos “cursos (...) de uma semana a três” unem “a prática com a teoria política”[3]. Alguns camaradas do meu núcleo já tiveram a oportunidade de participar de alguns destes cursos.

Se quisermos deixar de sermos amadores profissionais, como disse o camarada Jozyel em sua tribuna (https://emdefesadocomunismo.com.br/o-amadorismo-na-superacao-do-amadorismo/), precisamos dar maior atenção à formação de nossos quadros, estabelecer um currículo mínimo e cursos especializados para determinados tipos de quadros que terão determinados tipos de trabalhos dentro do Partido (cursos para quadros de massas, de segurança, agitadores, propagandistas, recrutadores, etc). Estes cursos precisam ser ministrados por militantes propagandistas profissionais, com uma metodologia apropriada que dê conta dos aspectos práticos e teóricos da formação.

Dessa forma, abandonar o avanço que a resolução §57 apresenta para retornarmos à antiga formulação, a de que a UJC é a escola de quadros do Partido, seria um equívoco sem tamanho que espero não cometermos. E inclusive seria muito prejudicial se a UJC fosse de fato a escola do Partido; somente quadros jovens teriam acesso aos cursos de formação? Se vamos abandonar ou não a forma organizativa da UJC eu não sei, mas precisamos desde já abandonar a formulação de que a UJC é a escola de quadros do Partido. Precisamos desde já profissionalizar a formação dos nossos quadros, jovens ou não.

Por fim, eu gostaria ainda de sugerir as seguintes alterações em relação à resolução §57, para especificar ainda mais o conteúdo desta escola em vistas de ser criada:

§57 O Comitê Central deve organizar um Sistema Nacional de Formação Política, que organize em nível nacional a formação prática e teórica dos militantes, com vistas à construção de uma Escola Nacional de Formação de Quadros. No escopo desse sistema, será dever do Comitê Central e dos demais organismos dirigentes estabelecer organismos partidários especializados na formação de quadros do Partido nos diferentes territórios do país. Estes organismos terão a prerrogativa de 1) criar manuais sobre os mais diversos aspectos da atividade prática da militância e materiais de cunho propagandístico como apostilas, livretos e brochuras; 2) estabelecer cursos de formação partidária básica para recrutamentos e militantes recém-ingressos; 3) estabelecer cursos de formação específica para a especialização de militantes, como agitadores, propagandistas, recrutadores, dirigentes sindicais, repórteres, militantes para realizar ocupações urbanas, etc; 4) realizar atividades de propaganda; e 5) publicar periodicamente no OC do Partido, compartilhando suas formulações, materiais e acúmulos com toda a militância. Materiais de explicação teórica minuciosa de nossas resoluções congressuais também devem ser produzidos pelo Comitê Central, com a condição de não serem tomados de maneira formalista e dogmática.

Abraços camaradas,

L. Queen


[1] < https://www.chinabankingnews.com/wiki/central-party-school-of-the-chinese-communist-party-中共中央党校/ >

[2] < https://cpswadotorg.wordpress.com/2021/12/22/cps-to-hold-its-annual-summer-school/ >

[3] < https://mst.org.br/2020/01/24/conheca-a-escola-nacional-florestan-fernandes-ha-15-anos-formando-militantes/ >