'A disputa de eleições burguesas é (ou pode ser) uma tática válida. Mas teremos eleições?' (Bessa)
Eu ainda não estou completamente convencido de que haverá uma crise de ruptura institucional por conta dessa instabilidade que pontuei, mas é o que tudo tem indicado. Se houver, que sejamos nós liderando o bloco que irá tomar o poder.
Por Bessa para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Lulis trouxe em sua tribuna publicada no dia 02/05 uma pergunta muito importante: “A disputa de eleições burguesas é uma tática válida?” [1]. No texto, é trazido um ponto central que deveria ser ponto pacífico entre a nossa militância: se nossa estratégia é a revolução socialista brasileira, nossas táticas devem ser pensadas para se atingir esse objetivo. Esse pensamento, é bem expresso no trecho:
“Camaradas a coisa principal que quero trazer aqui é que nossa estratégia é a Revolução, a superação do capitalismo e a instauração do comunismo, para isso formamos quadros, realizamos atividades de finanças, agitação, propaganda, reuniões, formações, o que quero dizer é que é para isso que estamos organizados em um Partido Comunista, se estamos aqui esse é o nosso objetivo. E, portanto, todas as nossas ações devem se caracterizar enquanto um enfrentamento revolucionário contra o Estado burguês, que é o responsável pela manutenção das relações de produção capitalistas.
Ou seja, qualquer tática que nos afaste desse objetivo, é uma tática errada. Uma tática que quebra nossos quadros, que abaixa nossa linha, é uma tática errada!” [1]
Esta análise está correta em sua essência. Se não calculamos nossas táticas e ações para atingir objetivos estratégicos, que é o que temos feito como movimento há décadas, não teremos avanço algum rumo à revolução Brasileira. Se de fato a participação nas eleições não demonstrar esse tipo de avanço, então não devemos lutar seguir essa tática. Daí, o texto traz o seguinte apontamento:
“Mesmo que com o trabalho eleitoral conseguíssemos eleger representantes socialistas no Congresso ou no governo, isso não nos traria avanços para a revolução. A ideia de que as formas políticas criadas, desenvolvidas por e para a burguesia, poderiam se tornar armas da classe trabalhadora contra a dominação burguesa é totalmente paradoxal.
(...) Não devemos nos iludir com a luta eleitoral camaradas, falar que ela traz mais visibilidade para nosso partido pode até ser de certa forma verdade, sei que vão pontuar nessa minha tribuna que nosso objetivo de estar nas eleições não é se eleger mas sim nos apresentar enquanto partido, mas eu defendo que devemos conquistar essa visibilidade com outras táticas, com agitação e propaganda verdadeiramente revolucionários, estando presente nos locais onde nossa classe está, realizando o devido trabalho de base e não chorando no twitter porque a Globo não chamou nosso candidato para o debate.”
Se nosso objetivo não for se eleger, então que nem disputemos as eleições. Se entendermos que não faz diferença termos um vereador eleito, que isso não influiria em nada na luta de classes local, e a partir dessa percepção então que foquemos nossos esforços em outras ações. Mas essa de fato é a realidade? Longe disso. Não podemos esquecer do exemplo célebre de Jorge Amado, deputado federal pelo PCB, que deixou um legado como emenda à constituição de 1946, que tratava da proteção do livre exercício da crença religiosa. Religiões de matriz africana eram perseguidas a rodo pela polícia, e essa ferramenta legal ajudou na regularização da auto organização de muitas comunidades negras e pobres centradas na religião.
O legado de Jorge Amado levou à revolução brasileira? Não, mas facilitou a auto organização da classe trabalhadora, o que é um passo importante. Se o PCB não soube utilizar isso à época, problemas dos outros tempos. Mas é possível que influamos sim na dinâmica da luta de classes nacional, estadual e local tendo representantes eleitos, deixando inclusive legados históricos. Não podemos deixar de lembrar da importância dos comunistas na criação do SUS, dentro e fora da constituinte.
Além disso, temos uma questão prática: precisamos de militantes liberados. Hoje em dia com nossa organização financeira ridícula, que funciona principalmente à base de cotizações e ações esporádicas, não conseguimos criar um partido de militantes profissionais, um dos princípios do partido de Lenin. Enquanto ainda temos em nossas fileiras camaradas que levam as finanças de maneira amadora, falam que “não queremos ganhar milhões” e que chamam camaradas de burgueses quando propõem criar empresas partidárias que consigam gerar renda para o partido, não conseguiremos liberar a quantidade necessária de militantes para nos tornarmos um partido revolucionário. Enquanto não amadurecemos nossa estrutura financeira, reestruturamos o papel das empresas e criamos uma estrutura de liberação, as eleições (principalmente municipais) podem ter um papel fundamental na construção do trabalho de base.
A eleição de um vereador pode levar à liberação de uma quantidade variável de militantes a depender da cidade, no cargo de assessor parlamentar. Esses militantes, assim como o destacado para o cargo de vereança, teriam o trabalho de analisar as leis propostas, propor leis, participar das sessões ordinárias, compor ou presidir comissões e todos os demais trabalhos que uma cadeira no legislativo trás. Isso quer dizer que por uma parte do tempo, os militantes deveriam se dedicar à política institucional, que não é o nosso fim. A questão é que este trabalho não costuma levar a semana toda na maior parte das cidades, e com isso sobraria tempo para estar presente nos trabalhos que o partido compõe na cidade, mesmo em horário comercial, como parte do trabalho de gabinete de vereador.
Além disso, essa conexão com os trabalhos de base do partido pode levar a propostas de lei que de verdade impactem na vida do trabalhador. O cargo de vereador leva ainda prerrogativas legais próprias para realizar fiscalização, além de imunidade material no município no exercício do mandato. Isso, com o trabalho firme de um vereador comunista e uma ação planejada pelo conjunto partidário, poderia não só mudar a vida da população local, poderia fortalecer a auto-organização da população e de fato influir na luta de classes local. O papel que a figura de um ou mais vereadores comunistas focados num projeto da classe trabalhadora pode ter na discussão do transporte público e moradia popular, temas que os municípios tem prerrogativa para discutir e são centrais para a população trabalhadora, facilita muito os trabalhos que podem ser realizados.
Além de tudo isso, as emedas parlamentares podem ser utilizadas para, mais uma vez, obter ganhos políticos não no sentido meramente eleitoral, como os políticos burgueses fazem. Poderia ser pensada nas emendas com destinação para projetos sociais com influência do partido, ou mesmo que não tenhamos influência, mas que realizem um trabalho que achemos importante, podendo ser porta de entrada para nos aproximarmos junto de tal movimento.
Mesmo com minoria parlamentar, é possível organizarmos a população para conseguirmos vitórias nas ruas. Sem vereadores isso é impossível? Não, mas com vereadores é bem mais fácil. Isso sim tem um papel revolucionário. Eleger representantes não é condição nem suficiente nem necessária para construirmos a revolução brasileira (ainda bem, pelo que vou trazer mais à frente), mas pode ter um papel muito importante desde que centrada numa ação revolucionária de militantes liberados.
Com os poucos milhares de militantes que temos, utilizar da máquina pública para criar condições mínimas de militância pode ser uma tática muito viável para termos penetração nas camadas mais proletarizadas do Brasil. Não podemos, claro, cair na ilusão de que é pelos mandatos que conseguiremos construir o socialismo: a experiência de Allende no Chile mostra muito bem isso. O estado burguês não tem como ser a arma que dá o tiro final na construção da revolução, mas seu uso pode nos dar condições de construir essa arma, e isso é fundamental.
No caso das vereanças, tudo indica que sim, é uma tática válida para avançar na luta revolucionária. Seria, ao menos. Uma vez que o CNP deliberou em reunião que não participaríamos das eleições desse ano por filiação democrática em nenhuma situação, acredito que essas discussões nem fazem mais sentido por hora. Não só por hora, na realidade.
Gostaria de pontuar que a tribuna “Questão eleitoral: quais são os fins e quais são os meios?” dos camaradas Ju Sieg e Vinicius Okada é uma das melhores sobre o tema, com encaminhamentos dos mais válidos. À época, concordei com todos os encaminhamentos propostos a menos de um: “O partido não deve buscar filiações democráticas”. Ainda acho que deveríamos ter aproveitado essas eleições para realizar as filiações democráticas, e o debate que a filiação democrática iria “confundir nossa base” ou que não poderia acontecer devido “às dificuldades enormes que envolveriam o processo de legalização do partido” pra mim não tem fundamento algum. Poderíamos, inclusive, agitar candidatos em panfletagens e ao mesmo tempo angariar assinaturas para construir o nosso partido, explicando a situação para a população, dizendo que queremos construir um partido com nossas ideias e que nos represente.
Antes, pensava em escrever uma tribuna apenas sugerindo destaque de alteração no encaminhamento 2 e 3, da forma que ficariam:
2) O partido deverá tomar como tarefa imediata a nossa legalização, garantindo o início da coleta de assinaturas até o período eleitoral de 2024, com o objetivo de concluir este processo em tempo hábil para a participação nas eleições de 2026; essa tarefa exigirá um planejamento nacional, precedido de um estudo rigoroso das normas e metas a serem atingidas para o cumprimento legal do processo.
3) O partido deve elaborar um programa a ser agitado para as eleições (com base no programa partidário a ser aprovado ao final do congresso) que compreenda eixos básicos para nossa diferenciação com os demais partidos (e classes); de início, delineiam-se como centrais os eixos de combate às PPPs, combate ao Novo Teto de Gastos, revogação das contrarreformas, implementação do piso salarial da enfermageme, redução da jornada de trabalho e luta contra as mudanças climáticas.
Os negritos são as minhas alterações. Coloquei esses destaques por entender que o período eleitoral seria um momento fundamental para iniciarmos a coleta de assinaturas junto com o programa a ser agitado, e que dá um sentimento de urgência maior ainda, além de ser compatível com o prazo estabelecido pelo objetivo de 2026. Além disso, incluí a luta contra as mudanças climáticas por entende-la como o eixo central para nossa atuação nesse momento histórico, como pretendo discorrer em outra tribuna escrita antes do fim do prazo de envio.
Durante o período de maturação deste texto, chegaram as sistematizações das teses e ente a tese 102 e a 102+4 debate-se a política eleitoral. Todas as propostas parecem estar de acordo com o que pontuei aqui, mas reitero a necessidade de iniciarmos o período de coleta de assinaturas até o período eleitoral de 2024; esse seria o momento mais propício para agitarmos o nosso programa eleitoral e conseguirmos assinaturas.
O que me preocupa nessa minha análise e a dos outros camaradas é que as nossas análises políticas em relação às eleições partem do ponto de partida que o sistema vigente é o sistema que teremos nas próximas eleições e estou cada vez mais cético quanto a isso. Se depreendermos todo nosso esforço em legalizar um partido e o sistema eleitoral mudar até lá, o que vamos ter feito com esse esforço? Podem falar “Ah, se um meteoro cai na terra aí mais nada importa”, mas a questão é que não há uma disputa nacional e internacional sobre trazer um meteoro pra terra, mas há para modificar a forma do estado brasileiro através de intervenção estadunidense na criação de um estado (mais) fascistizado.
A narrativa da extrema-direita, campo muito forte hoje em dia no Brasil, com uma larga massa de apoiadores, é de que o Brasil já vive uma ditadura, devido aos “ataques à liberdade de expressão” que plataforma como Rumble e Twitter tem “sofrido” do STF. Não vou perder meu tempo defendendo o STF porque essa instituição é a que mais destrói direitos trabalhistas no país hoje em dia. A questão é que estão tentando levar essa visão aos Estados Unidos, para que eles tragam a famosa “democracia” ao Brasil [2] [3]. Os EUA estão com medo de perder poder e está pronto para dar um golpe no Brasil, como tentaram na Venezuela [5] sobre as mesmas alegações de violação de direitos humano. As eleições desse ano lá podem decidir isso por parte deles.
A crise de ruptura no sistema brasileiro atual, eleitoral e constitucional, parece eminente. Essa já é uma situação que venho observado há um tempo, principalmente por conta das crises geradas pela incompatibilidade da economia política da constituição com as definições do papel do estado como garantidor de direitos, que nunca foram garantidos. Esse cenário internacional de instabilidade, com os Estados Unidos vendo com cada vez mais preocupação o peso dos BRICS, pode levar à tentativa de intervenção imediata onde pode, e tudo indica que será no Brasil.
Quanto as forças internas, o governo Lula parece estar ciente disso. Toda a tentativa de não arranjar tensão com as forças armadas (seja no caso da não realização de atos dos 60 anos do golpe, seja no caso da recomendação de que ministros não defendessem a inclusão do Almirante Negro no livro de aço dos Heróis e Heroínas da pátria). Assim, honestamente não acredito que consigamos chegar na posse das eleições de 2026 sem interferência nacional ou internacional, não só econômica e política, mas militar.
Dito isso, será que vale a pena utilizarmos nossas forças para tentar fundar uma legenda eleitoral? Talvez valha, já que teríamos uma tarefa permanente de agitação, mas é preciso ter em mente que essa legenda pode não significar nada. Ainda estou amadurecendo essas reflexões, mas não poderia deixar de compartilhá-las antes do encerramento das tribunas. Talvez ela só seja publicada após o período de fechamento, então peço aos delegados da etapa nacional que tentem debater essa questão de o que será o Brasil nos próximos anos, apesar de não termos nenhum futurólogo.
Por fim, não vejo toda essa situação que pontuei no final como motivo para desanimarmos. Mesmo que a criação de uma legenda não seja a solução, é o momento de intensificarmos bilaterais e tentativas de diálogos com outros partidos e movimento para discutir essa situação e criar uma frente única. Uma “frente única pela democracia” como em 2022? Não: uma frente única pelo socialismo brasileiro.
A democracia burguesa não convence mais a população e a constituição brasileira falhou em garantir o que prometeu. Precisamos fazer uma chamada pública e convidar os movimentos, sindicatos e quadros que acharmos que tenham interesse nesse movimento para construir um programa revolucionário socialista brasileiro unificado. Isso inclui não só partidos que reivindicam o socialismo, como a UP, o PSTU e (sim) o PCB. Isso inclui alguns quadros (parlamentares, inclusive) do PSOL, do (sim) PDT e (sim) do PT. Organizações anarquistas, como a OSL e a FOB e mais. O fato é que nós não temos número para fazer sozinhos uma agitação e construção de um programa revolucionário que terá até as eleições de 2026 para começar a ser aplicado.
Entender a existência de alguns quadros sérios e comprometidos com a revolução dentro de partidos (atualmente) burgueses como ao PT é importante para lembrarmos que não estamos sozinhos, e podemos estar mais fortes ainda por conta disso. Mas não podemos nos iludir com isso, acreditando que é um número absurdo de pessoas, ou que esses partidos tem na sua maioria algum projeto de emancipação. Na votação do Projeto de Lei Complementar 85/24, de autoria do executivo, um deputado do NOVO apresentou duas emendas propondo a anistia, das parcelas por 3 anos [6] ou total [7], da dívida do RS. A maior parte das bancadas do PT, PDT, PCdoB e até do PSOL votaram contra.
A orientação da bancada do governo foi votar não pela anistia, e sim pela suspensão. Votaram contra para fortalecer o PLP 80/24, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), que propunha um regime robusto de investimento com interesse popular para o RS a partir da anistia da dívida? Não, foi só de adiar a dívida, que era a proposta original do governo. A oposição votou a favor das emendas não por serem menos preocupadas com o capital financeiro (pelo contrário), foi apenas oportunismo puro, mas o que a bancada governista fez nessa votação foi um absurdo. A esquerda institucional está presa no liberalismo, com a austeridade fiscal sendo o seu projeto final.
Esses são os partidos que teriam quadros sérios, mas mantenho o que foi dito. Tem muita gente disputável, mas até esses estão presos no papo da realpolitik que na prática é keinepolitik (nenhuma política, ao menos para um projeto que pense na emancipação da classe trabalhadora). Se temos contradições internas acirradas num partido de poucos milhares militantes, imagina como são partidos com centenas de milhares, ou até milhões, de militantes, ainda mais tantos sem centralismo democrático.
Eu ainda não estou completamente convencido de que haverá uma crise de ruptura institucional por conta dessa instabilidade que pontuei, mas é o que tudo tem indicado. Se houver, que sejamos nós liderando o bloco que irá tomar o poder. Se não houver, que a construamos através desse programa unificado revolucionário. Que façamos essa ruptura criar uma nova era de poder popular com um Brasil vermelho como a madeira.
Referências:
[1] “A disputa de eleições burguesas é uma tática válida?”. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/a-disputa-de-eleicoes-burguesas-e-uma-tatica-valida/
[2] “Como Eduardo Bolsonaro e comitiva articulam com parlamentares dos EUA punições ao Brasil”. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/como-eduardo-bolsonaro-e-comitiva-articulam-com-parlamentares-dos-eua-punicoes-ao-brasil/
[3] “Oposição vai à sessão no Congressos dos EUA sobre Censura no Brasil”. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/oposicao-vai-a-sessao-no-congresso-dos-eua-sobre-censura-no-brasil/
[4] “Questão eleitoral: quais são os fins e quais são os meios?”. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/questao-eleitoral-quais-sao-os-fins-e-quais-sao-os-meios/
[5] Na Venezuela há um movimento forte de apoio ao sistema. Aqui há? Acho que não, e devemos nos aproveitar disso.
[6] PLP Nº 85/24 – DTQ. 3 – Votação. Disponível em: https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=72905&itemVotacao=12156
[7] PLP Nº 85/24 – DTQ. 3 – Votação. Disponível em: https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=72905&itemVotacao=12157