Zona Leste-SP: A lorota do fraccionismo, um golpe por debaixo dos panos

Nós, assim como vocês, construímos o Partido, e só nós temos a oportunidade de disputar o PCB para não dar mais espaço para tais atitudes. O Comitê Central já deixou clara a sua posição sobre a disputa interna ao silenciar os coletivos

Zona Leste-SP: A lorota do fraccionismo, um golpe por debaixo dos panos
Somos nós que enfrentamos a polícia em atos tensos, somos nós que construímos a lutas de bairros, os movimentos sociais e queremos também debater linhas políticas.

Por militantes da Zona Leste de São Paulo.

Uma reflexão sobre o golpe dado com luvas de seda pelo PCB-CC contra sua base

Antes de traçar qualquer análise, se faz necessário conceituar o que é um golpe. Um golpe consiste na derrubada de algo construído coletivamente, seja de forma velada ou não, com aparelhagem militar ou não. Um golpe constrói redes e aparatos para derrubar o que foi eleito coletivamente, quebrando toda e qualquer forma de constituição, lei e ou estatuto. Um golpe de luvas de seda seria um golpe sutil, delicado, quase imperceptível na aparência.

A atual conjuntura do Partido nos leva a concluir que estamos sofrendo um golpe com luvas de seda, pois desde o XV Congresso, o atual Comitê Central conspira para que deixemos de ser um Partido de vanguarda revolucionário, para nos tornarmos um Partido da ala “social-democrata”. Esse movimento fica explícito na conduta reboquista, denunciada recentemente, mas já percebida pela base há tempos. Um exemplo disso é a construção de candidaturas conjuntas com o PSOL nas últimas eleições, que gerou estranheza até nas bases. Essa essa fração do Comitê Central quer que nos tornemos reboque de forças sociais liberais. Não é uma mera coincidência a forma como a base foi silenciada, após as denúncias do camarada Ivan Pinheiro sobre a participação de Eduardo Serra na PMAI, sequer pode ser considerado “um erro”, afinal o debate foi cerceado para que a base continuasse no escuro sobre a conduta vacilante da direção, e assim, o golpe não fosse exposto.

Nós, militantes da base, dedicamos anos das nossas vidas ao complexo partidário, inúmeras vezes colocamos nossa integridade física e emocional de lado para tocar tarefas, para construir a militância que é nossa, tanto quanto deles. Conciliamos nossas vidas particulares, encontramos tempo entre a exploração do mercado de trabalho; as camaradas são obrigadas a lidar com jornadas triplas, para que possamos construir o futuro o qual almejamos com a nossa militância. E mesmo assim, nas últimas semanas fomos subjugados pela direção do Partido – criou-se a narrativa (falaciosa) de que somos “massa de manobra” de uma ala “fracionista”.

Camaradas foram coagidos em suas instâncias, recebendo até insultos – uma tática moralista com pitadas de terror psicológico. E assim, é fabricada a tal da fábula fictícia, vale frisar, de que “os fracionistas” são militantes de internet, o que além de mentiroso, escancara uma visão obreirista do trabalho militante. Eles fantasiam que os camaradas expulsos têm o ego inflado e são “estrelinhas” – traçando uma cortina de fumaça em torno dos agitadores do Partido, como Jones, Gaiofato e Landi –, para mascarar as contradições políticas reais de seus acenos à direita e vacilações teóricas anti-leninistas. Tomam a base por uma massa de manobra, incapazes de pensar criticamente e enxergar a materialidade dos fatos. Ou seja, para essa fração do CC somos ingênuos, mal-formados, manipulados por uma falsa moral. Invalidam nosso levante pelo XVII Congresso. Clamam que a disputa deve ser interna, mesmo sem tribunas de debate, isolando os coletivos, e adiando a conferência prevista.

Queremos, em coletivo, pontuar que rechaçamos qualquer atitude por parte de dirigentes regionais que tentem, por meio de terror psicológico, ultrapassar os limites implícitos nos estatutos, como é o caso do militante que pediu à direção que todo camarada que discutisse o manifesto, ou sequer o compartilhasse em suas redes, deveria ser automaticamente expulso, com a prerrogativa de retirar todos os “fracionistas” do partido. Também pontuamos que a lógica clubista em relação à crise – com frases proferidas por militantes, tal como “vocês vão perder” ou “quero fazer fracionista chorar”, incluso aqui o apelido jocoso de “ratazana” – não cabem no momento, e são, sim, inaceitáveis. É como se nós agora fossemos inimigos, ignorando o fato que independente do que aconteça estamos no mesmo campo. Nos encontraremos nas lutas.

Essa ala à direita do CC vem construindo um aparato ideológico gigantesco, pois através de seus meios de comunicação, consegue fomentar ideias de transformar o partido em algo mais brando e sem sua veia revolucionária, deixando aflorar o lulismo e o social-liberalismo. Nesse ponto, citamos a denúncia de Ivan Pinheiro em seu texto “Antes que seja tarde”. (Inclusive, ainda aguardamos esclarecimentos sobre a “cultura política” que pauta as eleições do ICP de acordo com o CC).

Houve iniciativas virtuais (de instâncias e secretarias do partido, de coletivos, do ICP e da FDR) abertas ao público que contaram com convidados que não eram nossos militantes, alguns inclusive de outras organizações, e que tratavam até de temas ainda em aberto para o PCB, como o balanço das experiências socialistas desde o século passado, iniciado organicamente no nosso XIV Congresso (2009), com a aprovação de um texto como abertura de debates, lamentavelmente ainda não retomados no partido.

Outro ponto a ser criticado duramente é o amiguismo ser hoje um ponto central no recrutamento do partido em São Paulo. Ter um contato que “agilize” seu processo de recrutamento parece ser prática comum no processo de entrada no partido. É bastante comum militantes dos coletivos serem colocados “na geladeira” do partido por meses. Não é incomum que militantes dos coletivos, ou seja, que já fazem parte do complexo partidário, tenham de aguardar quase um ano para que o processo de recrutamento se inicie. Fica evidente mais uma vez um desvio pequeno burguês, alimentando um “puxa-saquismo” tal qual em ambientes corporativos.

Se faz necessário nessa nota apontar a questão do distanciamento que o Partido vinha impondo para com os militantes dos coletivos do PCB. Era extremamente comum que a base fosse, 1) jogada para o coletivo que mais fizesse sentido (por exemplo: mulheres sendo destinadas diretamente ao Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro ao tentarem ingressar no Partido) e 2) colocada na “geladeira” pelo Partido durante meses. Essa é uma tentativa clara de fechar o cerco, tendo dentro do Partido apenas possíveis aliados. A investida se coloca em prova com a célebre “orientação” que consta em nota emitida a todo o complexo, de que os coletivos não discutissem o que estava acontecendo e caso quisessem fazer parte, que adentrassem às fileiras do Partido. Ora, como é que entrariam se o próprio Partido barrava os recrutamentos?

Temos um caso em nossas fileiras na Zona Leste de um camarada que ficou 1 ano e 7 meses aguardando seu pedido de recrutamento para o partido. O camarada não obteve qualquer devolutiva da assistência até o momento em que ocorreu em sua instância uma tentativa de debater a crise partidária. Mesmo com os recrutamentos congelados, informação essa que não desceu para as os coletivos, foi oferecido a ele uma “ajuda” para agilizar o recrutamento. Tática aparentemente muito utilizada, junto de promessas de disputa interna que não tem qualquer base na materialidade.

Além das críticas mais abrangentes sobre o Partido, aqui tratadas, queremos trazer um panorama local da realidade militante na Zona Leste. Uma das inserções de bairro mais importantes que tivemos nos últimos três anos foi a Brigada Solidária Vila Margarida.

O trabalho na Brigada se dá em concordância com as resoluções do XI Congresso no que toca as lutas imediatas:

“É preciso que as células partidárias e coletivos se voltem para o trabalho de base permanente nas comunidades e nas camadas populares, participando em entidades, organizações e movimentos sociais que aglutinem trabalhadores/as e setores populares, sejam associações de bairro, igrejas, clubes, escolas de samba, grupos de dança e música, cursinhos de pré-vestibular popular, etc, combinando sempre a mobilização em torno de lutas e reivindicações concretas com o debate no plano das ideias.”

A Brigada iniciou suas atividades em outubro de 2020 na Vila Margarida, localizada na região da Favela do Mata Porco na Vila Prudente – uma ocupação que existe desde a década de 1970. O trabalho da brigada começou com dois objetivos principais: encabeçar a luta pelo usucapião com os moradores da Vila Margarida e construir uma associação de moradores, construção essa que se daria através da aproximação com moradores em atividades como reuniões mensais, organização de um brechó solidário e entregas de cestas básicas. Durante três anos, a UJC núcleo Zona Leste, a célula do PCB Vila Prudente, o núcleo do CNMO Leste e o núcleo Mercedes Limas do CFCAM trabalharam juntos construindo a Brigada.

Para colocar em perspectiva o tamanho do trabalho operacional, listo as tarefas de recorrência mensal que foram mantidas: duas arrecadações por mês, ida ao supermercado para comprar alimentos faltantes, reunião de ordinária dos brigadistas, reunião com os moradores da Vila Margarida, encontro de organização do Brechó e o dia do Brechó. Sem contar todas as atividades complementares que fizemos ao decorrer de nossa inserção:  rodas de conversa, atividades com as crianças, confraternizações, tarefas de finanças, entre outras.

A inserção na Vila Margarida, após três anos de trabalho, chega ao fim após uma sequência de fracassos, que são reflexo de um trabalho mal assistido, sem apoio da direção do Partido em momento nenhum e de forma que colocou os militantes da base em uma posição de trabalhar de forma artesanal e espontaneísta.

A célula da Vila Prudente, que encabeçava junto com a UJC a inserção na Brigada, nunca contou com formações para, de fato, criar uma práxis militante. Nunca tivemos uma formação sobre trabalho de base, sobre luta por moradia, nem sobre coisa alguma além das resoluções do XVI Congresso. O assistente da célula da Vila Prudente durante a quase totalidade da atuação na Brigada acumulava trabalho militante em mais de cinco instâncias, o que obviamente limitou seu apoio à célula a praticamente nenhum apoio.

Para intensificar esse abandono, os acúmulos que tivemos com essa tarefa nunca foram socializados com o restante do complexo partidário. Com as tribunas fechadas, o debate permaneceu somente entre nós, militantes que construímos e vivemos a Brigada. Nunca sequer conseguimos uma reunião bilateral com a Brigada Solidária do ABC, para trocar experiências a respeito de nossos trabalhos.

Adicionando a esse panorama geral, temos em paralelo a célula do PCB ZL, que não participava da Brigada, e que nunca conseguiu se firmar enquanto espaço militante. Também negligenciados pela direção, não conseguiram uma inserção de fato na região.

Dito tudo isso, fica bastante claro os motivos do descontentamento dos militantes da Zona Leste com a direção do PCB. Para além de todos os motivos que vêm sendo debatidos nos últimos meses sobre conjuntura internacional, conjuntura nacional, aceno ao reformismo, perseguição de militantes da base, e cerceamento de debate, temos todo esse histórico de abandono que só reforça os pontos que têm sido evidenciados pelas denúncias feitas pelos camaradas Ivan Pinheiro, Jones Manoel, Gustavo Gaiofato, Gabriel Landi, Leo Godim, entre tantos outros: que a direção nos quer operando enquanto braços e não cabeças pensantes.

Trazendo esse panorama, de militantes insatisfeitos com a atual direção do PCB, e a favor do Congresso XVII, se inicia o Comité Provisório da Zona Leste de São Paulo. Começamos a nos organizar após a plenária do PCB-RR em São Paulo, no dia 12 de Agosto de 2023.

O comité nasce com o intuito de agrupar e começar a organizar os militantes da região que já aderiram ao RR coletivamente com suas instâncias, ou individualmente onde o debate coletivo não foi possível. O caráter provisório desse organismo partidário é muito evidente, temos apenas um objetivo tático enquanto comitê: a preparação da base da zona leste para o XVII Congresso, e faremos isso através de duas frentes: formação e finanças. Formação para que todo o acúmulo feito pelos camaradas do Minervino de Oliveira, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e LGBT Comunista não fiquem isolados ali mesmo, dentro dos núcleos, de forma que as pautas de opressão eram discutidas somente por quem as vive. E finanças, através de um planejamento de atividades para levantar recursos para o congresso.

Essa situação não é muito diferente na UJC, especialmente no núcleo da Zona Leste, o maior núcleo de bairros do Brasil, que tem muito acúmulo sobre trabalho de base e movimento estudantil. É central desde já coletivizar os debates com todos os militantes do comitê, que são camaradas vindos de instâncias diversas do Partido, dos coletivos e do próprio PCB.

A nossa conclusão tem como objetivo conversar diretamente com nossos camaradas indecisos, sobretudo aqueles que confiam na possibilidade de uma terceira via – aquela que pede por Congresso, mas acredita na reconstrução feita por dentro. Nós, colocados sob o pretexto de sermos “fracionistas”, como o CC decidiu nos nominar, não tememos o debate.

Nós, assim como vocês, construímos o Partido, e só nós temos a oportunidade de disputar o PCB para não dar mais espaço para tais atitudes. O Comitê Central já deixou clara a sua posição sobre a disputa interna ao silenciar os coletivos, adiar a conferência e se recusar a ouvir as bases que clamam por um Congresso (inclusive a terceira via!). A fração do Comité Central operou um golpe em curso, com as expulsões arbitrárias, e que tomou uma proporção maior do que eles próprios imaginavam após o início da polêmica pública. Somos nós que enfrentamos a polícia em atos tensos, somos nós que construímos a lutas de bairros, os movimentos sociais e queremos também debater linhas políticas. Queremos pensar e construir o Partido, e não ser apenas braço para tarefa eleitoral.

Assim sendo, não vai ser um grupo de pequeno-burgueses e seus lacaios que vão construir o partido à revelia da base, pois a vanguarda está e sempre esteve a serviço do povo, nunca, na mão de burocratas.

DE NORTE A SUL E NO PAÍS INTEIRO, E VIVA O PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO☭