Volta Redonda: 35 anos do dia que ousamos revidar

Os 35 anos que marcam o acontecimento mais marcante da história recente de Volta Redonda nos relembram que outros novembros virão. A crise do capital, os aparelhos repressivos do Estado e as opressões sempre darão motivos às novas lutas operárias.

Volta Redonda: 35 anos do dia que ousamos revidar
"Que dos escombros dos velhos monumentos possam surgir novos, que não mais sejam uma homenagem aos operários mortos nos seus postos de trabalho ao reivindicar seus direitos, mas que sejam verdadeiros projetos de memória política das vitórias e da conquista do poder pelo proletariado."

Por Diego Miranda e Stella

Ainda permanece, nos comunistas brasileiros, um resquício cristão de apologia da derrota. Comemorar mártires e lutas derrotadas como mera simplificação desse processo não é o nosso objetivo. Não relembramos a gigantesca Greve de 88 para celebrar a tragédia desse processo, mesmo que um belo monumento exista e sirva para nos relembrar que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. Seguimos sob a bota da burguesia, nosso ódio e nosso sangue não se esquecem disso. Fomos brutalmente reprimidos, perseguidos, violentados e mortos.

Mas, 1988 foi quando ousamos revidar, a rebater, enfrentar e lutar. A greve econômica dos operários logo se tornou a greve política da cidade de Volta Redonda, no interior do Estado do Rio de Janeiro. As famílias, os bairros, todos lutavam para vencer. Há quem diga que essa foi uma experiência do Poder Popular, mas consideramos um certo exagero. Entretanto, não temos como negar o aspecto político generalizado que esse processo produziu na cidade. A luta contra o Estado e contra o exército incitava a necessidade do poder paralelo, da auto-organização, da solidariedade de classe e da insubordinação política.

Precisamos encarar esse processo a contrapelo e não assumir uma visão épica desse processo como muitas vezes são retratadas as grandes lutas proletárias e suas revoluções. No desejo honesto de retirar lições da luta proletária, se criam essas imagens fantásticas. Há uma dificuldade de diferenciar o essencial e o aparente, de perceber todas as determinações que produzem determinado cenário e contexto. Portanto, faremos um esforço de encontrar algumas determinações desse processo e dar maior concretude a essa história.

Volta Redonda permanece, ainda, como uma das cidades brasileiras com grande número de contingente de operários do Brasil, levando toda a organização da cidade pela lógica fabril. Em uma cidade de 260 mil habitantes, mais de 30 mil são operários ligados diretamente às estruturas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que foi planejada e criada pelo plano nacional desenvolvimentista e executada pelas mãos de trabalhadores e trabalhadoras que migraram para cá. A construção da usina marca a transição do pacto oligárquico para o pacto industrial e se faz como símbolo principal do projeto do desenvolvimento capitalista brasileiro.

Sendo uma área estratégica para o projeto de desenvolvimento nacional, a cidade era uma das principais áreas de Segurança Nacional, instituída formalmente enquanto tal pelo Ato Institucional Número 3 (AI-3), em 1966, que aprofundou ainda mais o controle repressivo do governo ditatorial na cidade. Com a instauração da ditadura empresarial-militar, essas áreas ocupavam ainda maior centralidade no controle estatal, especialmente no processo de perseguição às organizações proletárias e forçando seu processo de desarticulação. Desde os anos 1960, o movimento operário ampliava seu processo organizativo através do Comando Geral dos Trabalhadores que foi brutalmente desarticulado pelo golpe empresarial-militar. Na cidade vizinha, a menos de 5 km da Usina, foi implantado o I Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), que servia tanto para controle dos movimentos revolucionários e religiosos da região, como para prática de crimes contra os direitos humanos no período da ditadura empresarial-militar. A permanência do BIB após a ditadura se fundamentava na garantia de proteção do patrimônio público representado pela CSN, mas é reforçado nos discursos de memórias operárias como instrumento fundamental para repressão das mobilizações proletárias.

Entretanto, mesmo no processo ditatorial, houve importantes greves no seu início, como a greve de Contagem (MG) em abril de 1968 contra o arrocho salarial, também desempenhada pelo setor metalúrgico; e a greve de Osasco (SP) em julho do mesmo ano, realizada pelos ferroviários contra a Companhia Brasileira de Material Ferroviário (COBRASMA). Em dezembro desse mesmo ano é consolidado o fechamento do regime pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), marcando o aprofundamento do derramamento de sangue de vários militantes e organizações operárias.

Os dez anos subsequentes, de 1968 a 1978, marcam o hiato das grandes greves no regime empresarial-militar. Entretanto, o cenário de arrocho salarial, carestia e repressão política tornava a vida dos trabalhadores muito difícil. Em 12 de maio de 1978 eclode a greve dos trabalhadores do setor automobilístico, começando na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo (SP). Esse processo vai se alastrar por várias fábricas na região do ABC Paulista, além de dar origem ao chamado novo sindicalismo. Essa conjuntura  dará ânimo também para a consolidação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) na década de 1980.

A partir de 1978 há uma retomada do movimento sindical e seu processo de reorganização que impactará diretamente o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense (SMSF). Em 1983, a chapa liderada por Juarez Antunes, trabalhista do Partido Democrático Trabalhista (PDT) ganha o sindicato e conduzirá inúmeras greves nesse período: a greve da Companhia Metalúrgica Barbará (CMB), hoje Saint-Gobain, em Barra Mansa no mesmo ano de 1983; a greve da CSN de 1984; a campanha salarial sem movimento grevista de 1985; eleição sindical, greve de 1º de outubro e a greve geral de 12 de dezembro de 1986 com a presença do exército; a greve geral que unia pauta econômica e política pelas Diretas e a greve da CMB em 1987; e a greve da Montreal em janeiro de 1988.

Em 1988, no processo de início da campanha salarial da CSN, são instituídas as Comissões de Fábrica em todos os setores da Usina. A greve é deflagrada, a fábrica ocupada, as forças armadas cercam a entrada da fábrica, há tanques. A cada minuto parada a fábrica não produz, o lucro é estancado pelos operários. Nos arredores, os militares destroem o fusca do sindicato, algumas coisas são destruídas e a culpabilização é dos operários. Em 48h as forças armadas invadem a fábrica de forma truculenta, vários operários são feridos, mas três são mortos. A justificativa é que eles portavam armas, as imagens das ferramentas de auto-defesa dos operários demonstram sua precariedade. O sangue é derramado em troca do lucro.

O dia 9 de Novembro marca 35 anos do ápice da maior greve articulada na cidade, em que a luta sindical, com o apoio de setores organizados da classe trabalhadora da cidade, consegue transbordar a luta econômica e mobilizar imensas massas num intento que carregava consigo aspectos políticos essenciais para as demandas do período da redemocratização. Em 7 de novembro de 1988 deu-se o início da greve que, dois dias depois, encontraria na repressão e violência de um Estado em transição para o regime democrático burguês a resposta para as demandas populares num massacre que deixou três operários mortos e dezenas de feridos.

O monumento, feito por Oscar Niemeyer, levantado em memória de Walmir, William e Barroso não durou 24 horas até sofrer um atentado a bombas, oriundas das forças armadas, que o derrubou. Foi reerguido, mesmo em destroços para demonstrar a marca da luta operária no seio da cidade. Os anos subsequentes também demonstraram a força da resposta do Estado em construção: mesmo que num processo de redemocratização, os interiores do Brasil que ousaram continuar as mobilizações a favor dos direitos da classe trabalhadora estariam diante dos mesmos processos e instrumentos de repressão. O “novo” estado adotava sua forma velada de classe, antes explícita na repressão militar, mas mantendo seu conteúdo burguês. Os direitos conquistados na constituição, são concessões que a burguesia teve que ceder fruto do crescimento da luta operária. Essa mesma forma velada que leva a privatização da CSN e de várias outras estatais nos anos 1990.

A ideia de que existiu, em partes e momentos, o poder popular na cidade de Volta Redonda no final dos anos 1980 não é absurda. De fato, como diz Marco Aurélio Gandra, houve momentos em que a força das experiências das mobilizações da classe trabalhadora se traduziam em assembleias e espaços deliberativos que construíam as formas organizativas e marcam a história da cidade, como o discurso que coloca o sangue derramado dos trabalhadores como o mediador da barbárie que se instaurou em novembro de 1988. Entretanto, não é da inexperiência da própria situação que se subtrai uma pretensa inoperabilidade do horizonte político dos movimentos sociais somados ao sindicato; é da própria impossibilidade da organização do poder popular, em sua gênese, que concordamos na sua inexistência. Essa inexistência não significa, de nenhuma forma, que o processo que aqui se deu não se caracteriza profundamente em uma singularidade histórica, inclusive nos fornecendo fortes instrumentos de uso político da memória do movimento operário.

Os 35 anos que marcam o acontecimento mais marcante da história recente de Volta Redonda nos relembram que outros novembros virão. A crise do capital, os aparelhos repressivos do Estado e as opressões sempre darão motivos às novas lutas operárias. As lutas do movimento sindical e operário que desejarem levar a cabo uma verdadeira implementação do Poder Popular precisarão tomar ciência desses processos históricos para, então, realizar com preparo as ferramentas a serviço da classe trabalhadora e seus interesses. Mesmo que o atual quadro do movimento seja de baixa articulação, de apassivamento das direções sindicais e dificuldade de unidade nas lutas, os comunistas farão tudo ao seu alcance para desenvolver a luta de classes e, em cada espaço específico, construir a necessidade de lutar pelo socialismo e unificar todas as diversas lutas nesse sentido. Que dos escombros dos velhos monumentos possam surgir novos, que não mais sejam uma homenagem aos operários mortos nos seus postos de trabalho ao reivindicar seus direitos, mas que sejam verdadeiros projetos de memória política das vitórias e da conquista do poder pelo proletariado.