'Vem um novo período revolucionário?' (Camarada Moura)

E no final das contas, o socialismo cresce ou não? Como vivemos na luta de classes, a resposta correta a essa pergunta só pode ser dada quando olhamos para o campo de batalha, para as nossas forças e para as forças do inimigo.

'Vem um novo período revolucionário?' (Camarada Moura)
"Esse nosso novo período de agudização das contradições do capitalismo, por sua vez, mostra de forma mais nua e crua ao proletariado a exploração ao qual estamos submetidos, ele acaba por desnudar as mentiras que a burguesia costuma usar para nos convencer a não nos rebelar."

Por Camarada Moura para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O pior pesadelo do proletariado mundial aparece no horizonte quando Gorbachev traz à luz glasnost e perestroika: a contrarrevolução na União Soviética. Contudo, o pesadelo não se restringiu apenas ao país da Revolução de Outubro, mas a todos os países socialistas do leste europeu e asiático, o que resultou na integração desses à cadeia imperialista mundial. De fato, as poucas experiências socialistas que conseguiram sobreviver a esse período , hoje sofrem de intensos ataques do imperialismo, como a Coreia Popular e Cuba. Em relação aos países capitalistas, fortalece-se a contrarrevolução neoliberal que regrediu e privatizou direitos do proletariado e avançou na reconquista colonial dos países da Ásia, África e América Latina.

Esse triste período de derrotas que marcaram os anos 80 e 90 do século passado abriu espaço para um período de estabilidade relativa do capitalismo. É claro, qualquer estabilidade do capitalismo só pode ser capenga uma vez que o proletariado e os povos coloniais continuarão sempre a lutar, mesmo momentaneamente enfraquecidos. Exemplos cabais disso foram as revoluções bolivarianas na Venezuela e na Bolívia, as jornadas de junho de 2013, as rebeliões populares na América Latina em 2019, os assentamentos do MST, do MTST, as ocupações do Movimento Olga, as greves que nunca cessam e etc; todos esses eventos nos mostram a fragilidade e debilidade da estabilidade capitalista.

Ainda assim, ao mesmo tempo, essa estabilidade parcial abriu caminho a uma nova fase de desenvolvimento capitalista das forças produtivas e das relações de produção correspondentes a elas. Os avanços tecnológicos na área de computação e robótica abriram possibilidades para novas fases de acumulação de capital e exploração do proletariado e povos colonizados, uma vez que intensificam a substituição do trabalho pela máquina tanto na produção quanto na distribuição de mercadorias. Tanto o surgimento de indústrias inteiras geridas quase exclusivamente por robôs quanto as inteligências artificiais que prometem substituir médicos e professores, são exemplos desse novo avanço das forças produtivas e das mudanças que isso irá trazer às relações de produção. Na realidade, o capitalismo, enquanto o todo que engloba as forças produtivas e suas relações de produção, nos mostra o quão bem relacionado está o neoliberalismo com esse avanço nas forças produtivas. A privatização dos direitos do proletariado, por exemplo, abre justamente a possibilidade da substituição do professor ou do médico pela máquina, com o intuito de baratear o valor da força de trabalho e, portanto, aumentar as taxas de lucro. Da mesma forma, plataformas como iFood nos mostram a simbiose existente entre as plataformas digitais e a precarização das relações de trabalho.

O capitalismo é essa contradição ambulante, em que o desenvolvimento tecnológico significa exploração e a riqueza significa pobreza, e justamente por isso que ele vai morrer. Por causa dessas contradições, o período de estabilidade parcial do capitalismo que surgiu com o período contrarrevolucionário do final do século passado vai chegar a um fim. É na calmaria que se gestam as tempestades, diria Lenin. Realmente, as contradições do mundo capitalista se agudizam cada vez mais diante dos nossos olhos, como nos mostram a guerra interimperialista na Ucrânia, a ofensiva colonial contra a Palestina, as tensões militares EUA-China, as grandes greves nos EUA e na Índia etc. Não é coincidência que essas tensões cresçam em um momento em que a economia chinesa está ultrapassando a estadunidense, inclusive no domínio das tecnologias responsáveis por esse salto nas forças produtivas. Muito pelo contrário, o desenvolvimento do capitalismo está o levando para um novo momento de crise que vai marcar o fim desse novo período de estabilidade parcial.

Na nossa história recente, no entanto, não é a primeira vez que o proletariado é derrotado e o capitalismo conseguiu estabilizar-se. Por exemplo, podemos ler o seguinte no programa da Internacional Comunista, aprovado em seu sexto congresso:

“As primeiras tentativas de derrubada revolucionária, que surgiram da crise aguda do capitalismo (1918-1921), terminaram com a vitória e a consolidação da ditadura do proletariado na URSS e com a derrota do proletariado em vários outros países. Estas derrotas deveram-se em primeiro lugar às táticas traiçoeiras dos dirigentes sindicais social-democratas e reformistas, mas deveram-se também ao fato de a maioria da classe operária ainda não ter aceitado a liderança dos comunistas e de, em vários países importantes, ainda não terem sido criados partidos comunistas. Como resultado destas derrotas, que criaram a oportunidade para intensificar a exploração da massa do proletariado e dos povos coloniais, e para diminuir severamente o seu nível de vida, a burguesia conseguiu alcançar uma estabilização parcial das relações capitalistas.”

Apesar de em 1921 começar um período de estabilização parcial do capitalismo assim como em 1991, há diferenças históricas entre o momento que o Comintern passava há um século atrás e a nossa. Nesse emaranhado de semelhanças e diferenças, busco nessa tribuna de debates para o XVII Congresso do PCB, encontrar nos debates do Comintern a base teórica para entender a atual fase de desenvolvimento do capitalismo e como devemos agir nesse momento.

Um novo terceiro período

Camaradas, vamos começar observando a análise de conjuntura presente na introdução das Teses do VI Congresso do Comintern sobre a Situação Internacional e as Tarefas da Internacional Comunista:

“Após a primeira guerra mundial imperialista, o movimento operário internacional passou por uma série de fases de desenvolvimento, refletindo as várias fases da crise geral do sistema capitalista.

A primeira foi o período de crise extremamente aguda do sistema capitalista e de ação revolucionária direta por parte do proletariado. Este período atingiu o seu ponto mais alto em 1921, culminando, por um lado, na vitória da URSS sobre as forças de intervenção e a contrarrevolução interna, na consolidação da ditadura proletária e a criação da Internacional Comunista; e, por outro, numa série de derrotas do proletariado da Europa Ocidental e o início da ofensiva geral do capitalismo. Este período terminou com a derrota do proletariado alemão em 1923.

Esta derrota marcou o ponto de partida do segundo período, um período de estabilização gradual e parcial do sistema capitalista, de ‘restauração’ da economia capitalista, do desenvolvimento e expansão da ofensiva capitalista e da continuação das batalhas defensivas travadas pelo exército proletário enfraquecido por graves derrotas. Por outro lado, este período foi um período de rápida restauração na União Soviética, de importantes êxitos no trabalho de construção do socialismo, e também do crescimento da influência política dos partidos comunistas sobre as amplas massas do proletariado.”

Uma das diferenças que marcam o nosso atual período histórico com o do VI Congresso é que, enquanto em 1921 a estabilização parcial do capitalismo ocorre após o proletariado conseguir instaurar sua ditadura apenas na URSS, em 1991 a estabilização vem da contrarrevolução mundial que é marcada pela restauração do capitalismo na própria URSS. Em outras palavras, a derrota do proletariado no final do século passado nos colocou numa correlação de forças semelhante àquela da Europa Ocidental de 1921, porém em escala planetária e de forma muito mais violenta justamente pela inexistência do poder popular articulado em um grande Estado proletário como foi a União Soviética. Devido a essas diferenças, o desenvolvimento do capitalismo posteriormente a vitória da burguesia em 1991 vão levar a novos ciclos de acumulação capitalista e agudização de suas contradições sem a contraposição que o poder popular fazia em 1921.

Continuando na análise do sexto congresso:

“Finalmente, chegou o terceiro período, o período em que a economia capitalista e a economia da URSS começaram quase simultaneamente a ultrapassar os seus níveis anteriores à guerra (o início do chamado ‘período de reconstrução’ na União Soviética, o crescimento das formas socialistas de economia numa nova base tecnológica).

Para o mundo capitalista, este é um período de rápido desenvolvimento técnico e de crescimento acelerado dos cartéis e dos trusts, em que se observa uma tendência para o capitalismo de Estado. Ao mesmo tempo, é um período de intenso desenvolvimento das contradições da economia mundial, que operam em formas determinadas por todo o curso anterior da crise geral do capitalismo (contradição dos mercados, a URSS, os movimentos coloniais, crescimento das contradições inerentes ao imperialismo). Este terceiro período, em que a contradição entre o crescimento das forças produtivas e a contração dos mercados se acentua particularmente, dará inevitavelmente origem a uma nova era de guerras imperialistas entre os próprios Estados imperialistas; guerras dos Estados imperialistas contra a URSS; guerras de libertação nacional contra o imperialismo; guerras de intervenção imperialista e gigantescas batalhas de classe. Este período, em que todos os antagonismos imperialistas se agudizam (antagonismos entre os Estados capitalistas e a União Soviética, a ocupação militar do Norte da China como o início da divisão da China, as lutas mútuas entre os imperialistas, etc.), e as contradições nos países capitalistas ficaram mais agudas (viragem à esquerda das massas da classe operária, agudização da luta de classes) e são lançados movimentos coloniais de revolta (China, Egipto e Síria) - este período, através do desenvolvimento das contradições da estabilização capitalista, abalará cada vez mais essa estabilidade e conduzirá inevitavelmente à mais grave intensificação da crise geral do capitalismo.”

É possível ver uma imbricação entre o segundo período, quando a derrota possibilita que o capitalismo se reorganize e se estabilize parcialmente, e o terceiro, quando o desenvolvimento das forças produtivas levam à agudização das contradições e o esgotamento da estabilidade. Aqui, existe também uma imbricação entre diferentes níveis de abstração. Num nível teórico mais abstrato, o capitalismo está sempre tentando desenvolver as forças produtivas da forma que melhor beneficie a burguesia; porém, na concretude da história, existem conjunturas mais favoráveis ou desfavoráveis para esse desenvolvimento. No nosso caso, depois de grandes derrotas do proletariado, conseguimos perceber que a estabilização parcial do capitalismo, por não precisar mais demandar tanta força humana para controlar o proletariado, abre a possibilidade da burguesia preocupar-se somente nos seus lucros, o que inclui os super-lucros das inovações tecnológicas.

Junto com o desenvolvimento tecnológico, houve também uma reestruturação neoliberal da economia capitalista. A burguesia aproveitou-se de uma conjuntura favorável para também aumentar seus lucros através da pilhagem de empresas públicas e riquezas naturais, da destruição de direitos trabalhistas e da ofensiva imperialista sobre o Terceiro Mundo. Os Estados Unidos saem do século XX enquanto os líderes do capitalismo mundial; eles, que conseguem hegemonizar as demais burguesias imperialistas, mantiveram durante todo esse período o controle dos avanços técnicos nas principais áreas que fomentam o desenvolvimento das forças produtivas hoje, como a robótica, a computação, telecomunicações e biotecnologia. No final das contas, esse processo duplo de desenvolvimento das forças produtivas e reestruturação neoliberal da acumulação capitalista são um único processo. Por exemplo, o entregador de aplicativo, profissão clássica desse momento do capitalismo, é fruto tanto do desenvolvimento tecnológico que possibilitou a computação móvel e as telecomunicações do aplicativo quanto da relação de produção uberizada do capitalismo neoliberal.

Camaradas, mas como não pode ser diferente, esse desenvolvimento do capitalismo só pode levar à agudização das suas próprias contradições! Durante todo esse período, outros países também conseguiram protagonismo em alguns setores de alta tecnologia da cadeia imperialista global, como Alemanha e Japão, porém sempre sob a hegemonia dos EUA. Contudo, o crescimento econômico da China a leva a disputar com os EUA tanto o domínio técnico dessas tecnologias quanto de mercados consumidores e de matérias-primas. À medida que a economia capitalista se aproxima de uma nova crise, crescem as tensões de guerra entre dois grandes blocos imperialistas, um ligado aos EUA e outro à China, que podem levar a uma nova guerra interimperialista. Alguns exemplos de crescimento de tensões militares, como no caso da guerra da Ucrânia e da ofensiva sionista sobre a Faixa de Gaza, mostram o crescimento das tensões no plano global. Além disso, a piora das condições de vida do proletariado dentro dos próprios países imperialistas tem feito crescer a luta de classes, como foi a greve dos trabalhadores da indústria automobilística dos EUA ou a rebelião desencadeada pelo assassinato de George Floyd. Também vemos o crescimento das tensões nos países dominados pelo imperialismo, como as revoltas populares na América Latina em 2019, as grandes greves na Índia e as lutas hoje travadas no Sahel. Nesses vários exemplos, conseguimos ver o crescimento das tensões entre proletariado e burguesia, entre países imperialistas e povos colonizados e entre diferentes burguesias imperialistas. Essas tensões que estão se intensificando na nossa conjuntura nos mostram o surgimento de algo semelhante ao que foi debatido pelo Comintern em 1928.

Na realidade, não se trata de encontrar comparações entre o passado e o presente, mas de entender como nossos camaradas conseguiram no VI Congresso do Comintern realizar a análise da sua situação concreta para conseguir entender a nossa. Num momento de esgotamento da estabilidade parcial do capitalismo, é de se esperar que haja muitas similaridades entre o nosso momento histórico e aquele que o Comintern analisava em 1928. Ao mesmo tempo, os quase 100 anos que nos separam desse congresso também implicam grandes diferenças na conjuntura, no desenvolvimento técnico e na organização do capitalismo. Nesse sentido, depois de desfeitas as confusões entre o presente e o passado, a lição histórica que o VI Congresso da Internacional Comunista nos lega é que depois de toda grande derrota do proletariado surge um período de estabilização parcial do capitalismo com dias contados. Desse modo, quando nos deparamos tanto com a reestruturação neoliberal do capitalismo quanto com seus sinais de esgotamento, o programa da internacional comunista acaba por nos dar o arcabouço teórico que nos permite perceber o surgimento de um novo período na nossa conjuntura, um novo terceiro período, um período para nos preparamos para uma nova ofensiva revolucionária.

Os dois partidos da burguesia

Durante o primeiro grande período revolucionário (1918-1921), a burguesia percebeu que aquele seu clássico partido de liberais conservadores não conseguia mais levar a cabo seus interesses. Foi nesse momento que eles encontraram outros dois partidos:

“Os quadros dirigentes dos partidos sociais-democratas e dos sindicatos reformistas e as organizações capitalistas de choque de tipo fascista adquiriram, no decurso da revolução internacional, a maior importância como força contra-revolucionária que combate ativamente a revolução e apoia ao mesmo tempo a estabilização parcial do capitalismo.”

De fato, como já discutido, em momentos de esgotamento da estabilização parcial, à medida que o capitalismo se desenvolve, as contradições do capitalismo se agudizam e o clássico partido liberal-conservador perde sua capacidade de dominação. Novamente, não é à toa que haja semelhanças entre os acontecimentos da década de 1930 e dos dias de hoje, da mesma forma que não é coincidência aquele mesmo cão bravo do seu vizinho latir pra você quando filhote e depois quando idoso. O imperialismo continuou sendo imperialismo e essas duas diferentes conjunturas voltaram a se aproximar com a agudização das contradições dessa sociedade. Camaradas, não é à toa que o fascismo tenha crescido tanto na década de 1920 e 1930 e que o neofascismo cresça tanto em todo o mundo hoje.

Deixando o debate sobre o fascismo de lado por algumas linhas, vamos voltar ao debate do segundo capítulo do Programa do Comintern:

“Prosseguindo sistematicamente esta política contra-revolucionária, a social-democracia opera alternadamente por meio das suas duas alas: a ala direita, abertamente contrarrevolucionária, indispensável às negociações e à ligação directa com a burguesia, e a ala esquerda, destinada a enganar os operários com uma sutileza particular. A «esquerda» social-democrata, usando de bom grado a frase pacifista e por vezes mesmo a frase revolucionária, age na realidade contra os operários, sobretudo nas horas mais críticas (os «independentes» ingleses e a «esquerda» do Conselho Geral das Trade-Unions durante a greve geral de 1926; Otto Bauer e C.ª durante a insurreição vienense, etc.) e constitui por essa razão a fracção mais perigosa dos partidos sociais-democratas. Servindo no seio da classe operária os interesses da burguesia e colocando-se inteiramente no terreno da colaboração de classes e da coligação com a burguesia, a social-democracia é, em certos momentos, constrangida a passar à oposição e mesmo a simular a defesa dos interesses da classe do proletariado na sua luta económica; fá-lo com a única finalidade de adquirir a confiança de uma parte da classe operária e de trair os seus interesses permanentes, tanto mais vergonhosamente na hora das batalhas decisivas.”

Camaradas, é assustador como esse trecho descreve a atuação da esquerda reformista brasileira hoje, mas digo novamente que nada disso é coincidência. Como sabemos, a dominação de uma classe pela outra se dá através da mistura entre a repressão e a persuasão, entre a violência direta e o convencimento do explorado. Nesse sentido, os reformistas aparecem para a burguesia enquanto a alternativa de partido político que melhor vai conseguir persuadir o proletariado, mesmo que a violência se mantenha ou aumente. Esse processo de persuasão do proletariado acontece exatamente da forma como foi descrito pelo Comintern, mas a recente atuação política do PT nos permite clarear melhor este ponto. Por exemplo, o presidente Lula defendeu durante sua última campanha presidencial o fim do teto de gastos e, depois, seu Ministro da Fazenda recria o teto. Nesse exemplo, Lula representa a ala esquerda do reformismo e Haddad sua ala direita, mas no final das contas não existe contradição entre elas, muito pelo contrário, vemos diariamente os dois realizando sistematicamente o seu papel para cumprir com os desejos da burguesia.

Já em relação ao fascismo:

“Na época do imperialismo, o agravamento da luta de classes e o desenvolvimento, sobretudo após a guerra imperialista mundial, dos elementos da guerra civil, conduziram a uma crise do parlamentarismo. Daí os «novos» métodos e as novas formas de governo (o sistema de «pequenos gabinetes», a formação de oligarquias agindo nos bastidores, a degradação e a falsificação da «representação popular», as restrições às «liberdades democráticas», que por vezes são abolidas, etc.). Esta ofensiva da reação burguesa imperialista, toma, em certas condições históricas, a forma do fascismo. Essas condições são: a instabilidade das relações capitalistas, a existência de importantes elementos sociais desclassificados, o empobrecimento de grandes camadas da pequena burguesia dos campos e, por fim, a constante ameaça da ação de massas do proletariado. Para garantir uma estabilidade, uma firmeza e uma continuidade maiores do seu poder, a burguesia vê-se cada vez mais na necessidade de passar do sistema parlamentar ao método fascista, independentemente das relações e das composições de partidos. O sistema fascista é um sistema de ditadura direta, ideologicamente camuflada com a ajuda da «ideia nacional» e da representação «corporativa» (que é na realidade a dos diversos grupos das classes dominantes). É um sistema usa uma demagogia social bastante particular (anti-semitismo, ataques parciais contra o capital usurário, indignação contra o «papo furado parlamentar») de modo a utilizar-se do descontentamento da pequeno-burguesia, dos intelectuais e outras camadas da sociedade, e mediante a corrupção - a criação de uma hierarquia sólida e remunerada das milícias fascistas, de um aparelho partidário e de um corpo de funcionários. Além disso, o fascismo esforça-se por penetrar nos meios operários, onde recruta os elementos mais atrasados, aproveitando o descontentamento causado pela passividade da social-democracia, etc. O fascismo atribui-se como tarefa principal a destruição da vanguarda operária revolucionária, isto é, os sectores comunistas do proletariado e os seus quadros. A combinação da demagogia social com a corrupção e o terror branco a par de uma política externa imperialista muito agressiva constituem os traços característicos do fascismo. Recorrendo nos períodos mais críticos para a burguesia a uma fraseologia anticapitalista, o fascismo perde pelo caminho os seus adornos anticapitalistas e revela-se cada vez mais, a partir do momento em que se consolida no poder, como ditadura terrorista do grande capital.”

Aqui já podemos começar a perceber maiores diferenças entre o fascismo que nossos camaradas analisaram em 1928 e o neofascismo que precisamos enfrentar nos dias de hoje. Dentro do processo de lutas revolucionárias que tomou o começo do século XX, o fascismo cumpria com sua principal função de derrotar a vanguarda do proletariado e manter a dominação burguesa pelos métodos mais violentos. Contudo, no nosso presente período histórico, não há no momento em nenhum lugar do mundo, com exceção dos poucos países socialistas que sobreviveram à contrarrevolução, as vanguardas do proletariado organizadas de forma a ameaçar a ordem burguesa. Essa aparente incongruência analítica se desembaraça quando analisamos mais de perto o fenômeno que estamos estudando. Nesses momentos de agudização acentuada das contradições do capitalismo, parte da expressão desse fenômeno é a dificuldade da burguesia de manter sua dominação nas suas formas tradicionais, chamada normalmente pelos jornais burgueses de “crise da democracia”. Frente a esses momentos de crise, o fascismo aparece como a principal alternativa da burguesia para manter sua dominação. Através da sua demagogia, o fascismo consegue penetrar no proletariado e ter movimentos de massas organizados; e através das suas milícias armadas, o fascismo consegue reprimir o proletariado consciente e seus movimentos de massas. No final das contas, o fascismo aparece como a opção preferida da burguesia nesta conjuntura, ele consegue intensificar ao máximo a exploração e a dominação da burguesia sobre o proletariado.

Apesar dessa análise mais teórica, na hora da análise de conjuntura necessariamente precisamos considerar as diferenças históricas entre o nosso período e aquele de 1928. Dentro daquele contexto de intenso crescimento econômico da URSS e fortalecimento dos partidos comunistas, a principal tarefa posta para o partido fascista foi liquidar o proletariado revolucionário. Mas hoje já não existe mais União Soviética, tampouco partidos comunistas fortes em qualquer país capitalista. Qual é a principal tarefa dos fascistas hoje? Preparar-se para os conflitos que vão surgir com o esgotamento da estabilização parcial do capitalismo, cuja principal contradição hoje é a disputa EUA-China.

O Brasil é um país de capitalismo dependente dominado tanto pelo imperialismo, especialmente estadunidense, quanto pelo seu sócio menor, a burguesia brasileira. Nesse contexto, o fascismo só pode ser uma força de dominação do imperialismo. É dentro deste panorama que podemos analisar, por exemplo, o que foi o governo Jair Bolsonaro. Desde o golpe em 2016, vemos explicitamente a intervenção estadunidense no intuito de subordinar o Brasil aos seus interesses, desde a ligação da Lava Jato com a CIA até a privatização das estatais brasileiras.

Além disso, gostaria também de propor aos camaradas mais um eixo de análise para o fenômeno fascista: uma regressão burguesa também na reprodução da força de trabalho. Marx, corretamente, percebeu que o modo capitalista de produção é a totalidade da produção e circulação capitalista de mercadorias, mas nessa formulação ele esqueceu de detalhar as leis que regem a produção e reprodução da força de trabalho. Essa mercadoria especial se constitui da capacidade de trabalhar dos nossos corpos, algo que só é possível porque ou nós cuidamos do nosso corpo ou porque alguém cuida dele por nós. Essa esfera do modo de produção capitalista, dos cuidados, de trabalho doméstico, de reprodução da força de trabalho, são parte do modo de produção capitalista, mas cuja relação econômica é fundamentalmente patriarcal e não assalariada. Da porta de casa para dentro, a mulher realiza este trabalho doméstico de forma gratuita sob a dominação de seu marido. Quando a mulher é contratada, ela é a continuação assalariada da escrava doméstica, ela é a serviçal de uma família de forma quase gratuita. Não é à toa que Saffioti caracterizou a sociedade brasileira de patriarcado-racismo-capitalismo, uma sociedade fundada na imbricação entre gênero, raça e classe. Neste sentido, o capitalismo é não somente a totalidade da produção e circulação de mercadorias, mas também da reprodução da força de trabalho.

Dessa forma, o neofascismo que vemos crescer no Brasil, além da demagogia racista que já havia sido denunciado pelo Comintern, também possui dentro dos seus objetivos uma regressão do trabalho doméstico que se mostra na sua demagogia misógina e LGBTfóbica. Na conjuntura de agudização das contradições do capitalismo, de fim do período de estabilização relativa, o fascismo surge enquanto a alternativa que permite à burguesia uma ofensiva sobre o proletariado em todas as esferas do capitalismo. O fascismo, em relação à produção de mercadorias, busca destruir os direitos trabalhistas; em relação à circulação de mercadorias, busca privatizar direitos sociais e jogá-los à acumulação capitalista; em relação à reprodução da força de trabalho, busca o recrudescimento do patriarcado e do binarismo de gênero.

No final, podemos concluir em relação aos social-democratas e aos fascistas: “Adaptando-se às mudanças da conjuntura política, a burguesia utiliza às vezes os métodos do fascismo e os da coligação com a social-democracia, sendo que esta última, nas horas mais críticas para o capitalismo, desempenha frequentemente um papel fascista. Manifestando no seu desenvolvimento tendências fascistas, isto não a impede, noutras conjunturas políticas, de censurar o governo burguês, na qualidade de partido de oposição. A burguesia serve-se dos métodos fascistas e da coligação com a social-democracia enquanto métodos inabituais do capitalismo «normal» que atestam a crise geral do regime, para atrasar a marcha ascendente da revolução.”

Ora, como o reformismo é mais um dos partidos da burguesia junto com os liberais e os fascistas, à medida que a luta de classes se acirra, a social democracia encontra-se presa numa maré que a puxa cada vez mais em direção ao fascismo. Em relação a esse fenômeno, podemos beber de algumas contribuições que o camarada Thalmann nos trouxe durante o VI Congresso nas sessões de discussão sobre o Relatório do Camarada Bukharin:

“É interessante e bastante estranho que as duas políticas, que eu gostaria de chamar de contradições internas e externas da relativa estabilização capitalista, também se refletem no caráter e no desenvolvimento da social-democracia. A evolução do reformismo para o social-fascismo é um fenômeno de que se podem dar vários exemplos em diversos países. Por exemplo, na Alemanha, onde o reformismo é o melhor apoio da burguesia e continuará a sê-lo nos próximos anos, se o movimento comunista não se tornar ainda mais forte do que é atualmente. Ao longo de toda a campanha, os ‘Rollkommandos’, as chamadas tropas de choque do ‘Reichsbanner’, foram confrontados com a Liga dos Combatentes da Frente Vermelha e com os comunistas. Na Polônia, a situação é semelhante. Durante a grande manifestação heróica dos trabalhadores em Varsóvia, a polícia fascista foi apoiada pelas tropas de choque do P.P.S., o que fez com que, neste ataque aos trabalhadores revolucionários, várias centenas de manifestantes fossem mortos e feridos. De acordo com um artigo publicado no ‘Inprecorr’, as tropas atacaram até os quadros revolucionários da classe operária nas fábricas e deram uma surra nos comunistas que lá se encontravam. Esta evolução do reformismo para o social-fascismo está intimamente ligada aos crescentes preparativos de guerra da burguesia e ao crescente perigo de guerra. O Partido Social-Democrata não é apenas uma organização de combate que trabalha contra o proletariado revolucionário e a revolução proletária, mas está empenhado em preparar organizações de guerra para uma ação conjunta com a burguesia na esfera ideológica e militar.

[...]

As tendências mais reacionárias incorporadas na social-democracia aparecem de forma intensificada na sua política de coalizão. Nos domínios em que os sociais-democratas levam a cabo resolutamente a política da burguesia no governo social-democrata, correm o risco de alienar o proletariado e todos os trabalhadores que estão passando para o comunismo. Mas onde não seguem uma política imperialista decidida, o capital financeiro manda-os para o diabo.”

De novo nos encontramos dentro das imbricações entre a análise teórica e as situações conjunturais que precisavam ser resolvidas pelo Congresso. Ao mesmo tempo, a degeneração do reformismo em social-fascismo é algo que também pode ser observado no contexto brasileiro, especialmente no governo de coalizão de Lula com neoliberais e até fascistas. Pode parecer contraditório chamar o governo Lula de social-fascista, governo esse que fizemos campanha no segundo turno das eleições ano passado e com muita felicidade e alívio vimos ele derrotar o candidato fascista Bolsonaro. Porém, essa aparente contradição se desfaz quando olhamos mais de perto os fenômenos que estamos estudando. Camaradas, o governo Lula é social-fascista porque a burguesia fascista prepara-se para um novo período de agudização das contradições do capitalismo. Portanto, não tem como um governo burguês social-democrata acontecer nesse tipo de conjuntura! A tentativa de realizar tal governo leva ao que estamos vendo: enquanto a ala direita do PT e do PCdoB negociam a privatização dos presídios, a Lei Orgânica das Polícias Militares e o Novo Teto de Gastos com os fascistas, sua ala esquerda continua mentindo e enganando o proletariado com promessas vazias. No final das contas, independente das intenções do coração do presidente Lula, na sociedade de classes não há ação política que beneficie e ao mesmo tempo não prejudique um dos lados, a burguesia ou o proletariado. E quando a burguesia é fascista e o governo social-democrata jura sua lealdade a essa classe, tal governo social-democrata do PT degenera-se para um governo social-fascista.

Estabilização relativa do capitalismo dependente

Apesar da riquíssima contribuição legada pelos nossos camaradas há quase 100 anos atrás, não podemos deixar de apontar os limites teóricos desse congresso, algo que já havia sido comentado pelo próprio Prestes em entrevista ao Roda Viva em 1986:

“O senhor sabe que nós vivemos num regime capitalista. Nós mesmos, comunistas, ainda em 45, ainda negávamos o capitalismo. O senhor observe os nossos documentos, do nosso partido, o PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Em 45, nós tomamos uma posição não objetiva, não concreta, não objetiva. Dizíamos que enquanto não acabasse a dominação imperialista do latifúndio, o capitalismo não se desenvolveria no Brasil. Isso é errado, completamente, porque o Brasil já era um país capitalista. A formação econômica, social dominante, já era capitalista. Em 45, nós negávamos isso. Estávamos sob a influência de um documento para um país colonial que eram as teses do VI Congresso da Internacional Comunista. Está ainda viva, muito viva na América Latina e orienta, inclusive, os partidos comunistas, do PCB, o PCdoB, ainda aqui em nosso país, quando o Brasil não é mais um país colonial há muitos anos. Os países da América Latina conseguiram a independência política no princípio do século passado. E a partir daí o capitalismo passou a se desenvolver. Já no fim do século a fundação econômica dominante era capitalista. E nós, em 45, ainda negávamos isso. De maneira, que era um erro grave. Essa é a minha autocrítica, que eu venho fazendo, porque eu era o dirigente do partido, em 45. E, realmente, o nosso partido cometeu graves erros de subjetivismo, de falta de uma análise concreta de uma realidade concreta. Falávamos de Lênin para elaborar uma tática, para traçar uma tática é indispensável essa análise.”

De fato, lendo os debates do VI Congresso do Comintern, não se fala nada sobre capitalismo dependente; dessa forma de capitalismo que é, ao mesmo tempo, diferente do capitalismo dos países imperialistas da Europa e América do Norte e do capitalismo dos países neocoloniais da África e Ásia. A consequência é a lacuna que ficou no Programa do Comintern aprovado em 1928 no que tange a estratégia e a tática dos partidos comunistas da América Latina. Preencher essa lacuna é uma tarefa dos comunistas brasileiros de hoje e espero conseguir trazer agora algumas contribuições para nosso debate.

Primeiramente, a forma como o capitalismo dependente se insere na cadeia imperialista global durante seu período de estabilização relativa é diferente da dos demais países capitalistas. Enquanto um país subordinado ao imperialismo, o capitalismo dependente aparece enquanto um receptor do desenvolvimento das forças produtivas que foram alcançadas pelos países imperialistas, de forma que o desenvolvimento tecnológico nas áreas de robótica e computação são importados para o Brasil dentro do contexto do capitalismo dependente. Dessa forma, o crescimento das capacidades produtivas significam paradoxalmente uma maior intensificação do caráter primário da economia brasileira justamente pelo fato desse desenvolvimento tecnológico inserir-se num contexto de produção de commodities para o exterior. O sistema como um todo se fecha e não sobram pontas para aparar. O Brasil importa tratores com inteligência artificial, celulares, chips de internet, serviços de satélites etc. para conseguir aumentar a produtividade do trabalho no latifúndio, como os recordes de safra nos provam, ao mesmo tempo que essas tecnologias criam uma das maiores taxas de desemprego e subemprego do planeta. Os mais afetados são justamente o proletariado preto e favelado que, com seu celular importado, sem emprego, vai trabalhar de entregador de aplicativo ou outros bicos. No final das contas, o povo brasileiro trabalha como um escravo numa roda que importa tecnologia e exporta commodities, em que nós ficamos pobres e a burguesia fica rica.

A consequência desse tipo de inserção do capitalismo dependente dentro da cadeia imperialista global faz com que o esgotamento da própria estabilização relativa do capitalismo tenha diferentes manifestações nesses países. Por exemplo, vemos crescer as corridas militares entre EUA e China, mas o mesmo não pode ser visto no Brasil. Essa diferença se dá pelo fato do capitalismo dependente brasileiro, justamente por sua posição subordinada na cadeia imperialista global, não disputar mercados e fontes de matérias-primas como os países centrais do imperialismo. Muito pelo contrário, nós mesmos somos o mercado e a fonte que é dominada pelos países imperialistas com a participação da nossa própria burguesia no nosso processo de espoliação. Logo, o capitalismo dependente acentua sua subordinação ao imperialismo nos períodos de acirramento das contradições do capitalismo, diferente da corrida armamentista que marca esse período nos países centrais. Apesar de paradoxal, quando olhamos para quem realmente é a nossa burguesia tudo fica muito mais claro, afinal de contas eles são ou burgueses imperialistas estrangeiros ou sua versão nacional, os velhos da Havan, Madeiro, Itaú etc.

O crescimento do fascismo nos países de capitalismo dependente não é apenas sintoma do esgotamento da estabilização parcial, mas também se deve ao fato de serem formações capitalistas que estruturam a superexploração do trabalho com base no pertencimento ou não à raça branca. Desse modo, as formações capitalistas dependentes utilizam de métodos de dominação os mais violentos possíveis mesmo em períodos de democracia burguesa. De certa forma, do mesmo modo como o fascismo e o colonialismo se confundem, a favela vive sob a ditadura fascista da burguesia mesmo em tempos de democracia burguesa. Isso faz com que o fascismo seja sempre uma força dentro dos países de capitalismo dependente, mesmo em períodos de estabilização relativa. Desse modo, o fascismo é constantemente uma possibilidade histórica da burguesia no capitalismo dependente, um partido que está continuamente penetrando e embolorando as demais forças políticas à medida que elas reproduzem o pensamento racista das nossas classes dominantes. Mesmo sem Bolsonaro, durante todo o período de democracia burguesa desde 1988, o fascismo sempre esteve ao lado de Alckmin nas chacinas em São Paulo, ao lado do Xandão na guerra às drogas e, agora, ao lado de Lula na privatização dos presídios. O fascismo não é algo estranho ao proletariado brasileiro, afinal de contas ele tem o mesmo bafo do PM que nos enquadra.

Por fim, por causa das suas limitações históricas, o VI Congresso da Internacional não conseguiu se debruçar no que é hoje uma das maiores contradições do capitalismo: o desastre climático. Aquele mesmo metabolismo entre ser humano e natureza, tão belamente descrito por Marx, no capitalismo dependente brasileiro toma a forma de desmatamentos de florestas, extinção de espécies inteiras, quebra de barragens que destroem rios e matam pessoas, Maceió afundando devido à mineração, genocídios dos povos originários, contaminação de fontes de água com agrotóxicos, vazamentos de petróleo ao mar, aquecimento global, enchentes e inundações com desabamento de casas e mortes de pessoas etc. De fato, quando olhamos de perto as páginas de O Capital, conseguimos entender a grande fonte de todas essas contradições: o burguês quer ficar rico infinitamente, mas não temos árvores infinitas para cortar, água infinita para poluir nem animais infinitos para matar e torturar. Mesmo sendo impossível, mesmo sendo uma contradição, o capitalismo continua caminhando nessa direção, assim como a vaca anda pro matadouro, e ainda nos levando todos juntos para a morte em nome dos lucros dos capitalistas. Apesar da natureza possuir recursos finitos eles ainda eram abundantes para o capitalismo de 1928, o que explica a ausência desse tema no congresso. Entretanto, precisamos no nosso período histórico relacionar mais essa contradição à gama das outras que marcam o esgotamento da estabilização relativa do capitalismo, principalmente por ela ser uma das principais contradições do capitalismo dependente brasileiro. Nesse caso, a luta pela recuperação ambiental do nosso planeta deve ser conectada às demais lutas imediatas do proletariado brasileiro no caminho da construção do poder popular e do socialismo. O rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, o afundamento de Maceió, as enormes queimadas na Amazônia e no Pantanal, o petróleo na costa nordestina, a pandemia de covid-19, os recordes de calor em várias cidades de Brasil, todos esses fenômenos apontam para a agudização cada vez maior dessa contradição que talvez seja a principal do capitalismo hoje.

Conclusões

Camaradas, gostaria de adentrar brevemente a polêmica do camarada Jones Manoel sobre o crescimento do socialismo no Brasil. Me parece claro, pelas razões que tentei mostrar nesse texto, que nos encontramos no esgotamento da estabilização relativa do capitalismo, que estamos vivenciando algo que seria um novo “terceiro período”. Esse nosso novo período de agudização das contradições do capitalismo, por sua vez, mostra de forma mais nua e crua ao proletariado a exploração ao qual estamos submetidos, ele acaba por desnudar as mentiras que a burguesia costuma usar para nos convencer a não nos rebelar. A burguesia busca a resolução que melhor atenda seus interesses e essa resolução está muito clara: fortalecer o fascismo, recrudescer o domínio imperialista sobre a periferia do mundo, jogar todo o peso da destruição ambiental nas costas do proletariado e quem sabe até se mudar para Marte depois que terminar de destruir nosso planeta. Podemos pegar o exemplo do golpe de 2016, em que a tentativa de intensificar a dominação do imperialismo sobre o Brasil acabou mostrando a toda a população a podridão da democracia burguesa. Agora, uma vez que essas contradições vão encontrar necessariamente resolução no futuro, depende de nós se essa resolução será revolucionária ou não. Numa analogia com a guerra, todo o debate que fizemos até agora foi sobre a conjuntura, sobre o campo de batalha. No caso, estou tentando mostrar que, pela primeira vez em décadas, aparece a possibilidade para nós de retomarmos a ofensiva revolucionária e salvar a humanidade do capitalismo. Porém, de nada adianta que o momento histórico traga fortuna para o nosso lado se nossas tropas estiverem desorganizadas. Podemos estar travando a batalha no terreno mais favorável possível, mas enquanto nossas tropas estiverem confusas, perdidas e mal treinadas seremos derrotados.

E no final das contas, o socialismo cresce ou não? Como vivemos na luta de classes, a resposta correta a essa pergunta só pode ser dada quando olhamos para o campo de batalha, para as nossas forças e para as forças do inimigo. Num contexto de esgotamento da estabilização parcial do capitalismo, vemos surgir uma conjuntura favorável à atuação comunista, mesmo que essa conjuntura não seja necessariamente fácil. Os camaradas do Vietnã muito bem sabem que a conjuntura favorável para uma revolução também pode ser dura e demandar grandes sacrifícios do proletariado e da sua vanguarda. Nesse sentido, na nossa conjuntura de grandes contradições do capitalismo, que estão para explodir a qualquer momento, pode parecer absurdo ler nos jornais todos os problemas do capitalismo e mesmo assim ver a possibilidade da revolução nesse caos. Contudo, como apontado pelo nosso próprio camarada Marx, são essas próprias contradições que vão matar o capitalismo, são elas que abrem a possibilidade do proletariado tomar consciência de classe e decidir destruir seu algoz. Há décadas essas contradições não chegavam ao grau que chegam agora e, portanto, nesse sentido vemos o crescimento do socialismo, no sentido da incapacidade da burguesia de dominar das velhas formas. A prova do crescimento desse terreno fértil é mostrado paradoxalmente tanto pelo crescimento do alcance do debate comunista na internet quanto do fortalecimento das forças fascistas entre o proletariado; no final das contas os dois demonstram o mesmo descrédito do proletariado com as antigas formas de dominação da burguesia. Infelizmente, ao mesmo tempo, o socialismo também não cresce, porque não serve para nada ter um solo fértil sem mãos para o cultivar. Isso não significa que não temos mãos o suficiente para começar a cultivar a revolução no Brasil, mas que não estamos usando nossas mãos para isso. Cultivar a revolução significa tocar trabalho comunista de massas, significa organizar seu sindicato, seu grêmio ou conselho de bairro; significa construir ocupações, tanto na cidade quanto no campo.

Em conclusão, quero frisar, camaradas, que estou convencido de que estamos em um período histórico com possibilidades revolucionárias, o que significa que nossa principal tarefa neste próximo período é fazer a revolução! É claro que falar é muito fácil e, de fato, pode ser que esse período revolucionário termine com a derrota do proletariado, mas essa é uma possibilidade histórica que só vai acontecer se errarmos no presente. E, nesse contexto, o que significa errar? Como vamos fazer para fazer o socialismo crescer para valer? Como faz para construir o poder popular e o socialismo? São essas as perguntas que concluem o debate sobre a conjuntura. O que fazer com tudo isso? Pretendo escrever mais uma tribuna no futuro para dar minha resposta a essas perguntas, mas já aviso de antemão minha certeza de que … venceremos!