'Vamos falar sobre mulheres dirigentes?' (Vivis)

Se é necessário mulheres na direção, também é necessário criar as condições para isso e verdadeiramente entender o que são mulheres dirigentes e tudo que vem por trás de eleger uma camarada para uma tarefa.

'Vamos falar sobre mulheres dirigentes?' (Vivis)

Por Vivis para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Muito se fala em nossas fileiras sobre a necessidade de eleger mulheres para cargos de direção, sobre o papel da mulher no partido comunista, sobre a condição das mulheres no capitalismo. Mas, será que para além da teoria e do blá blá blá em reuniões, nós REALMENTE proporcionamos condições para que as mulheres sejam dirigentes? Não, definitivamente não.

Essa tribuna tem o propósito de incitar um debate interno real, mas já adianto que também tem um tom de desabafo. Enquanto mulher dirigente, essas questões me assolam todos os dias, e especialmente nesse período congressual tem sido mais latente ainda. Então, resolvi só “vomitar” esse texto.

Partindo para o óbvio (não tão óbvio assim, para vários camaradas homens) vamos aos dados. As mulheres exercem dupla ou tripla jornada de trabalho, ganham menos, e, portanto, trabalham mais; são as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado e reprodução social da vida, e por conta disso, adoecem mais mentalmente. Nesse cenário no capitalismo-patriarcado-racista, é evidente que o tempo para a militância é muito mais curto do que o de camaradas homens. Sendo assim, quando bravejamos por mulheres nas direções, obrigatoriamente precisamos considerar AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS para que uma mulher seja dirigente. E essas condições são diferentes das dos homens.

Sendo sincera, minha ideia para essa tribuna veio de um sentimento duplo: a raiva de não ter essas condições sendo pauta de nosso trabalho, e a culpa por nunca me sentir suficiente. É contraditório o tempo todo. Ao mesmo tempo que pautamos sobre as mulheres estarem majoritariamente em tarefas de organização/operacional como um problema e uma reprodução do patriarcado, muitas vezes é nessas tarefas que consigo me dedicar mais. Justamente pela estafa mental do trabalho, da casa, dos estudos; por estar emocionalmente adoecida, pelo uso de medicamentos controlados que diminuem minha capacidade cognitiva... tudo assim, junto e misturado.

Então, de fato, é necessário pautar que as mulheres não sejam só as organizadoras, mas as formuladoras, as intelectuais orgânicas, as líderes de movimentos de massa, as articuladoras, as propagandistas etc. Mas, não adianta só pautar. Só falar. Só escrever sobre. Só colocar destaque nas nossas teses. É preciso que o partido dê condições para que as pessoas que não sejam homens cis exerçam essas tarefas. E, nesse momento, nem vou entrar no mérito financeiro; já é de conhecimento geral que não temos condição alguma de liberar militante agora; mas que contemos com o apoio irrestrito dos camaradas homens, com o incentivo e não com a cobrança, com uma divisão real de tarefas de acordo com a realidade das vidas, e, pelo amor de deus, com a intenção REAL de fazer das mulheres dirigentes de fato, e não só como uma bandeira vazia que mais parece o feminismo liberal mais raso que existe. Se é necessário mulheres na direção, também é necessário criar as condições para isso e verdadeiramente entender o que são mulheres dirigentes e tudo que vem por trás de eleger uma camarada para uma tarefa.

Eu espero, de verdade, nunca mais ouvir que eu não fiz o suficiente na instância de direção, que eu não me coloco pra tarefas de escrita e formulação por livre e espontânea vontade, que não estou tão presente quanto meus camaradas (todos homens) nessa tarefa. Eu espero, de verdade, que algum dia compreendam o que estou escrevendo nessa tribuna hoje (e além dela, já que não dei conta de escrever tudo que precisaria falar). Eu espero ser uma boa dirigente. Mas para isso, não dá para ter uma competição desleal com quem tem a linha de partida bem mais à frente que a minha na vida cotidiana.

Peço desculpas pela escrita malfeita e de maneira vomitada. Na verdade, não peço desculpas, não. Nunca mais vou pedir desculpas por ter feito o que eu consegui fazer.


Referências

https://jornal.usp.br/ciencias/mulheres-foram-mais-afetadas-emocionalmente-pela-pandemia/