'Proposta de programa tática para o Partido Comunista e a defesa de seu programa histórico' (Gabriel Oliveira e Gabriel Galvão)

No texto que se segue propomos um programa tático, chamado “o que queremos hoje”, e outro histórico, “o que queremos amanhã”. Ambos cumprem função específica e indispensável para evitar o distanciamento dos trabalhadores, bem como para combater o oportunismo.

'Proposta de programa tática para o Partido Comunista e a defesa de seu programa histórico' (Gabriel Oliveira e Gabriel Galvão)
"Para a escrita desta proposta de programa, utilizamos as teses do PCB-RR, propostas de campanha de algumas candidaturas estaduais lançadas pelo PCB (sobretudo Jones Manoel e Gabriel Colombo, que tinham programas eleitorais bem avançados) e também o Manifesto “Socialismo e Liberdade” do Professor Vladimir Safatle."

Por Gabriel Oliveira e Gabriel Galvão para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

INTRODUÇÃO

Camaradas, com a aproximação de nosso congresso, achamos pertinente a elaboração de uma proposta de programa tático para o Partido Comunista.

No texto que se segue propomos um programa tático, chamado “o que queremos hoje”, e outro histórico, “o que queremos amanhã”. Ambos cumprem função específica e indispensável para evitar o distanciamento dos trabalhadores, bem como para combater o oportunismo.

O programa tático, aos moldes do “Projeto de Programa do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (1902)”, visa mediações para o alívio das condições de vida da classe trabalhadora e o desenvolvimento do Poder Popular enquanto potencialidade e em nível mínimo. Não se trata, portanto, de um programa da ditadura revolucionária do proletariado e muito menos do socialismo, os quais só serão possíveis com a tomada do poder pelo proletariado no Brasil e no mundo.

O programa histórico que defendemos é invariável em sua doutrina. Não devemos escondê-lo ou rebaixá-lo por pretensões eleitorais ou para agradar a pequena-burguesia. Defendemos sua ampla divulgação também para combater desvios oportunistas, centristas e revisionistas no movimento comunista, que, em momentos de baixa maré, mergulham em fórmulas revisionistas como socialismo num país só, convivência pacífica com o imperialismo, socialismo de mercado, democracia de massas rumo ao socialismo, etc. Faz-se necessário ser realista ao mesmo que se exige o impossível, por isso as bases do programa histórico do Partido Comunista devem ser mantidas:

Em nosso programa, não escrevemos a modificação, a reforma, a transformação, mas a destruição destas três infelizes bases da civilização: família, propriedade e Estado. - Amadeo Bordiga.

À vista disso, é também fundamental que consigamos ir além dessas mediações táticas em nossa vida interna, seja por meio de debates, formações - internas e externas -, publicações de livros, matérias de jornal e trabalho político de base. Devemos sempre mobilizar os dois “programas”.

Para a escrita desta proposta de programa, utilizamos as teses do PCB-RR, propostas de campanha de algumas candidaturas estaduais lançadas pelo PCB (sobretudo Jones Manoel e Gabriel Colombo, que tinham programas eleitorais bem avançados) e também o Manifesto “Socialismo e Liberdade” do Professor Vladimir Safatle.

O programa do partido deve ser constantemente debatido - tanto internamente, quanto com as massas trabalhadoras - para que seja possível depurar suas limitações e potencializar seus acertos, qualificando nossa inserção e garantido que no Congresso seguinte seja possível avançar ainda mais. Dessa forma, os militantes são livres para contestar o programa - desde que preservada a unidade de ação - uma vez que é a partir da síntese entre direção e base que o programa deixa de ser uma carta de boa intenções e ideias e passa a ter aplicabilidade na realidade.

Este programa tem como intenção servir de guia para nossa inserção nas lutas em nosso país e quais pautas devemos levantar na atual conjuntura.

É apenas um rascunho, pois admitimos nossa incapacidade em diversos temas. Todavia, propomos a seguinte organização das teses e divulgação do programa, a fim de evitar que se torne letra morta e potencializar o máximo de divulgação no seio da classe trabalhadora:

PROGRAMA. Destaque de geral: Supressão do antigo programa por esta proposta que se segue, podendo fazer destaques a partir da aprovação dela:

CONJUNTURA

Subtrechos A e B seguem inalterados, isto é, art. 1 até 14. Também segue, imediatamente, o “E” - 1. ao 6 - sem qualquer alteração substancial, apenas substituindo “democracia das massas” por “ditadura do proletariado” no E.3., que virará “C” neste destaque.

O QUE QUEREMOS HOJE:

D. Para reorganizar as condições de trabalho, exigimos:

  1. Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais e folga obrigatória de pelo menos 3 dias de folga a cada 4 trabalhados sem redução salarial.
  2. Proibição de demissão sem justa causa, assegurando a estabilidade do trabalhador.
  3. Criar comitês por local de trabalho, onde os trabalhadores possam debater, formular e deliberar sobre suas condições de trabalho e produção, bem como promover encontros nacionais de diversas categorias.
  4. Aumento salarial até o mínimo estipulado pelo DIEESE, igualdade salarial independente de gênero, orientação sexual ou raça e reajustes mensais de acordo com a inflação.
  5. Inspeção laboral eleita pelos trabalhadores em todos os ramos da economia.
  6. Instituição da responsabilidade penal dos empregadores em caso de violação da legislação de proteção ao trabalho ou do recolhimento previdenciário.
  7. Reforma da previdência social (60 anos para homens, 55 para mulheres); unificação das aposentadorias dos trabalhadores do setor privado e dos servidores públicos; garantia de iguais direitos previdenciários para todas as modalidades de contratação dos assalariados rurais independente do tempo de serviço, mesmo nos contratos por prazo determinado, de curta duração e contratos de safra; contabilização, para fins de aposentadoria por tempo de serviço, do tempo dedicado ao trabalho doméstico não remunerado exercido pelas mulheres trabalhadoras.
  8. Amplo direito à organização e à greve; nenhum acordo coletivo sindical poderá ser objeto de negociação abaixo dos patamares legais e dos patamares estabelecidos em acordos anteriores.

E. Para reorganizar a estrutura econômica e social nacional, exigimos:

  1. Nacionalização e controle 100% público de todas as grandes indústrias e todos os recursos estratégicos (bancos, sistema financeiro, mineração, petróleo, produção e transmissão de energia elétrica, malhas de transporte, portos, aeroportos).
  2. Elaboração de uma política industrial nacional voltada para o crescimento e desenvolvimento econômico, ainda que visando o máximo possível a redução de danos ambientais
  3. Confisco e socialização de todos os grandes meios de produção audiovisual, teledifusão e radiodifusão; controle social sobre a imprensa e todos os meios de comunicação e informação  do complexo cultural, reestruturação dessas empresas sob controle operário
  4. Confisco e nacionalização de todas as instituições financeiras e grandes meios de produção, sob controle dos trabalhadores e sob uma planificação comum.
  5. Anulação e reversão de todas as privatizações, concessões e “parcerias” que transferem recursos públicos para a exploração privada.
  6. Monopólio estatal do comércio exterior e controle cambial.
  7. Garantia do direito ao trabalho para todos os adultos até 60 anos.

F. Para os trabalhadores do campo, exigimos:

  1. Oferecimento de condições econômicas favoráveis aos pequenos proprietários (camponeses, pequenos comerciantes, trabalhadores autônomos etc.) para que transitem gradualmente para formas associadas de participação na divisão social do trabalho.
  2. Expropriação e nacionalização de terras, garantindo o direito de usufruto de suas moradias, lavouras, etc, a todos os pequenos proprietários, agricultores familiares e comunidades tradicionais.
  3. A partir da expropriação e nacionalização de terras criar um modelo de transição para uma forma de produção voltada à agroecologia e à agrofloresta.
  4. Proibição da venda, produção e utilização de agrotóxicos, o tanto quanto possível.
  5. Estabelecimento de uma transição agroecológica para a produção rural e florestal; limitação da aplicação de agrotóxicos e transgênicos na produção.
  6. Fim do uso de energia fóssil (petróleo, carvão, gás) em até quinze anos e substituição tanto quanto possível por energias renováveis; retomada do programa nuclear brasileiro para fins energéticos.

G. Para moradia digna e autonomia dos povos originários, exigimos:

  1. Reforma urbana; garantia de moradia, coleta de lixo e saneamento para todas os trabalhadores brasileiros; tabelamento de preços de aluguéis, rumo a abolição do mesmo; limitação de posse de imóveis para no máximo cinco imóveis por cidades; direito de ocupação de casas abandonadas; comprometimento com uma profunda reforma urbana.
  2. A reforma urbana deve levar em conta as mais diversas faces da questão da moradia: ampliar áreas de lazer, cultura e esporte assim como uma integração econômica, para que nenhum trabalhador tenha de gastar horas e percorrer longos trajetos para ir e voltar do trabalho.
  3. Demarcação e titulação de terras indígenas, quilombolas e de comunidades de terreiro.
  4. Reconhecimento da autodeterminação e identidade cultural dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos; direito a todos os povos a sua identidade cultural e linguística, reconhecida também por meio do ensino oficial.

H. Para combater os impostos contra os trabalhadores e o endividamento, exigimos:

  1. Abolição de todos os impostos indiretos sobre o consumo popular; isenção de impostos e taxas para trabalhadores desempregados e até o salário mínimo do DIEESE; instituição de um imposto único fortemente progressivo sobre os rendimentos, cobrando principalmente rendas, lucros, dividendos, remessas ao exterior, heranças, operações financeiras e ganhos de capital dos grandes capitalistas, além do confisco integral de grandes heranças.
  2. Anistia das dívidas bancárias de todos os trabalhadores e pequenos proprietários; anistia das dívidas do FIES.
  3. Revogação da lei sobre patentes industriais em geral e farmacêuticas em particular.

I. Para a saúde e educação, exigimos:

  1. Proibição da exploração privada da saúde e educação; estatização total do sistema educacional e de saúde; estatização total de todos os meios de transporte coletivo e fim das tarifas;
  2. Criação de conselhos nacionais de professores, de profissionais de saúde e profissionais do sistema de transporte que decidirão sobre as ações nesses setores.
  3. Aplicação de cotas sociais raciais e trans em todo concurso, enquanto não houver igualdade de condições.
  4. Abolição do vestibular; criação de sistema de escolas integrais, assegurando as condições materiais para a permanência de estudantes estudando em período integral.
  5. Fim da BNCC, construção de escolas e universidades populares, sob gestão democrática dos corpos discentes e docentes e dos trabalhadores.

J. Pela laicidade e para combater a exploração da fé alheia, exigimos:

  1. Separação absoluta entre igrejas e o Estado e entre escola e instituições religiosas; fim de toda transferência de recursos públicos para instituições religiosas, em particular às prisões manicomiais, chamadas de “comunidades terapêuticas”
  2. Punição de líderes religiosos que usam de sua posição para enriquecer e promover ideologias reacionárias, bem como confisco de seus bens.

K. Para combater as opressões contra as mulheres, pessoas LGBT, pessoas negras, indígenas e outras minorias sociais, exigimos:

  1. Formar e instituir uma rede de combate às violências contra a mulher, criança e adolescente, população negra e LGBT, envolvendo o setor saúde e sob controle horizontal dos trabalhadores e moradores da região.
  2. Ampliação do sistema de saúde público, criação de uma ampla cobertura para questões de saúde mental, garantido a gratuidade de atendimento psicológico, assim como a promoção de campanhas visando desestigmatizar as questões de saúde mental.
  3. Defesa de toda a diversidade da vida humana, em sua dimensão espiritual, afetiva e de identidade pessoal e coletiva; combate intransigente a todo tipo de discriminação contra mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, povos indígenas e minorias religiosas.
  4. Facilitação ao acesso à retificação do nome social para pessoas trans, desburocratizando o processo e o tornando mais rápido.
  5. Casamento igualitário, reconhecimento jurídico de formas múltiplas de relações afetivas.
  6. Demolição de todos os monumentos e comemorações públicas a responsáveis pelo extermínio de povos escravizados; eliminação de todos os monumentos e comemorações a operadores da ditadura militar de 64; substituição por monumentos e espaços de celebração de lutas e revoltas populares.
  7. Construção de moradias, creches, equipamentos educacionais e de saúde, refeitórios e lavanderias estatais com investimento público e capacitação suficientes às necessidades populares, em todos os bairros, sob controle de entidades de bairros, como associação de moradores.
  8. Descriminalização e legalização do aborto com todos os procedimento fornecidos gratuitamente pelo Estado; campanha permanente de educação popular acerca da efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, inclusive nas escolas; ampliação do acesso aos métodos contraceptivos.
  9. Ampliação da licença parental para 300 dias, mínimo de 90 dias para cada guardião.

L. Para uma política de segurança focada no trabalhador, exigimos:

  1. Desencarceramento de presos provisórios e daqueles enquadrados como crimes famélicos e de tráfico de substâncias; estatização de todo o sistema prisional em sua integralidade.
  2. Abrir o espaço prisional para a comunidade, permitir acesso de familiares; construção de atividades acadêmicas e profissionais no interior do espaço prisional; adequação de penitenciárias femininas ao contato e convívio de detentas com seus filhos/as, com construção de creches, fraldários e demais espaços.
  3. Aplicar limite de vagas no sistema carcerário, expressamente proibindo o ingresso de novos detentos em unidades prisionais sem vagas; concessão de indultos, progressão de regime ou prisão domiciliar aos detentos próximos do fim de suas penas; nenhum presídio novo.
  4. Descriminalização de todas as drogas e fim da guerra aos pobres; produção e distribuição de substâncias psicoativas sob controle público e dependência química tratada como questão de saúde pública.
  5. Desmilitarização do aparato de segurança pública, fim da política militar em geral e da polícia em particular; completa reestruturação de todo contingente armado sob controle do Estado, assegurando a mais ampla participação popular na segurança pública, com treinamento e armamento organizado de todo o povo, sob controle comunitário e democrático direto.
  6. Indenização para às famílias que tiveram membros mortos pela violência policial e punição para os responsáveis; criação de reparação material e financeira para descendentes de pessoas submetidas à escravidão.

M. Para reorganizar o Estado Burguês brasileiro, exigimos:

  1. Revogação da Lei Antiterrorismo e revisão da Lei da Anistia, punição exemplar para torturadores e financiadores da Ditadura Militar.
  2. Fim dos tribunais militares e julgamento por júri popular de todas as agressões armadas a civis, seja por agentes públicos ou não.
  3. Juízes e tribunais eleitos pelos trabalhadores.
  4. Restrição de todos os privilégios dos altos cargos no Estado, a começar pela limitação de seus vencimentos; salários de deputados, juízes e outros funcionários públicos de alto escalão indexados ao salário mínimo do DIEESE.
  5. Realizar plebiscitos e referendos sobre todas as questões relevantes em discussão na sociedade; modificações constitucionais propostas pelo Congresso Nacional devem ser ratificadas ou rejeitadas via plebiscito
  6. Estabelecimento de um órgão legislativo unicameral, extinção do Senado.
  7. Estabelecimento de eleições periódicas e mandatos revogáveis para todos os postos de comando em poderes públicos, inclusive todos os tribunais.
  8. Punição de todos os capitalistas e seus agentes (públicos e privados) envolvidos em casos de corrupção, com confisco de todos os bens obtidos através de tais práticas; fim do segredo de  justiça para esses casos e julgamento por júri popular.
  9. Promover ações de solidariedade aos países vítimas de agressões imperialistas; apoiar o direito à autodeterminação dos povos.

O QUE QUEREMOS AMANHÃ:

De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!

  1. Para alcançarmos nosso objetivo, o comunismo, é necessário primeiro a tomada do poder de Estado pelo proletariado, agrupando seus membro mais avançados no Partido Comunista
  2. A ditadura do proletariado, período onde ocorre a transição do capitalismo para o socialismo (fase inferior do comunismo), se caracteriza pela destruição do velho aparato estatal burguês, suprimindo os direitos políticos dessa classe e fundando novos organismos de organização da vida social dirigidos pelas massas trabalhadoras
  3. Este período é caracterizado pela dominação política do proletariado sobre a burguesia porém formas econômicas capitalistas seguem presentes
  4. O estado proletário deve usar o emprego de sua força para criação da gestão coletiva e distribuição da produção para substituir o regime capitalista; dessa forma se faz necessário sua gestão nos grandes setores da economia
  5. Não é possível fazer uma transição da ditadura do proletariado para o socialismo em um único país, devido ao cerco imperialistas e outras questões geopolíticas, dessa forma é dever do estado proletário defender a revolução em outros países e fortalecer o movimento comunista internacional.
  6. Muitas vezes o estado proletário terá de pôr suas decisões e ações em debate no movimento comunista internacional, deixando que trabalhadores de mais diversos locais do globo opinem e debatam sua posições para que dessa forma os interesses de um estado nacional não estejam acima da luta revolucionária internacional do proletariado
  7. Na fase socialista, certos elementos do regime burguês (sobretudo o direito, como aponta Marx) permanecem, porém o estado proletário já se torna capaz de fazer uma distribuição não monetária da produção, ainda que permaneça o caráter de troca.
  8. Durante essa fase também se inicia o definhamento do estado
  9. Após o definhamento e o desaparecimento das classes sociais o programa comunista é definido pela:
  10. Abolição da propriedade privada.
  11. O fim do Estado-nação.
  12. A abolição das classes sociais.
  13. A abolição da família.
  14. O fim do modo de produção capitalista e suas bases: a produção de mercadorias, a extração de mais-valor, o trabalho assalariado e a lei do valor.
  15. A livre associação de produtores, na qual podem produzir e reproduzir as suas próprias condições de vida.
  16. Destruição do sistema sexo-gênero cisheteronormativo, do patriarcado, do racismo e da raça.
  17. A abolição do dinheiro.
  18. Abolição da diferença entre trabalho manual e intelectual
  19. Fim da diferenciação entre cidade e campo
  20. O fim da divisão social do trabalho.

Destaque de adição (15): Tanto o programa tático (o que queremos hoje), quanto o programa histórico (o que queremos amanhã) devem ser publicados em uma seção exclusiva do jornal nacional, além de constar no site do Partido.