'Sobre a unidade do “nosso campo” - Estética discursiva X Práxis revolucionária' (Marte)
Se temos um compromisso com nossa classe e com a revolução socialista em nosso país e no mundo, é preciso que tenhamos também o compromisso de criticar o movimento revolucionário publicamente, pois a crítica pública contribui para a educação da militância e da classe como um todo.
Por Marte para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, me espanta termos uma tribuna em que o militante autor se posiciona contra o debate público, não pela posição em si, mas pelo contexto em que o camarada Rocco a assume: pouquíssimo tempo após os fervorosos meses em que se concretizou a cisão do PCB e, ironicamente, via tribuna pública de debates do XVII Congresso.
Camarada Rocco, fiquei genuinamente curiosa com as afirmações que fez na sua última tribuna. Gostaria muito que elaborasse, em uma futura tribuna, por quais motivos a crítica pública ao “nosso campo” é “fratricida” e também por que eu não posso apontar criticamente um comportamento que eu também reproduzo, um erro que eu também cometo, etc. Como você apenas constatou essas coisas, sem elaborar os porquês, não posso afirmar que compreendi totalmente as suas posições, portanto, coloco aqui qual é o meu entendimento sobre essas questões, deixando para outras tribunas (não necessariamente minhas) o diálogo com outros temas presentes na tribuna do camarada:
1. A compreensão de que não podemos apontar no outro um erro que também cometemos só faz sentido quando pensamos em termos morais e não de superação coletiva das contradições. Pois quando realizamos uma crítica a um camarada, não podemos reduzi-la ao apontamento de um erro cometido por aquela pessoa específica mas, como marxistas que somos, nos utilizarmos da exposição de um erro individual para elevar a consciência geral quanto à dimensão coletiva de nossos erros e problemas. Tratar as críticas entre comunistas como críticas pessoais, direcionadas a indivíduos, com a intenção de “crucificá-los”, é não compreender o caráter coletivo da organização, da luta, da classe. É claro que sempre estamos sujeitas a falhas individuais, mas uma ata mal redigida, uma fala pública desconexa ou uma linha equivocada sobre determinado tema costumam ser sintomas de problemas coletivos muito maiores que nossas falhas individuais. A postura comunista diante desses problemas é a crítica implacável, sempre rumo à superação na prática e na contramão da crítica liberal, individualista e punitivista/condenatória;
2. Se temos um compromisso com nossa classe e com a revolução socialista em nosso país e no mundo, é preciso que tenhamos também o compromisso de criticar o movimento revolucionário publicamente, pois a crítica pública contribui para a educação da militância e da classe como um todo. Há que se entender isso. Quando nos criticamos publicamente, não são só nossos inimigos que têm acesso a isso, mas também o proletariado e as classes trabalhadoras em geral. Enquanto nos mantivermos no caminho da política e da organização revolucionárias, nada teremos a esconder de nossa classe. É justamente nesse sentido que está o elemento pedagógico da crítica pública, ela nos ajuda a separar o joio do trigo, põe às claras as diferentes ideias e posições políticas no seio da classe e do partido. Por isso que me espanta a posição do camarada à essa altura da cisão. Imaginei que já tivéssemos argumentos suficientes a favor da necessidade da crítica pública no movimento comunista, pois não fossem as denúncias públicas feitas principalmente pelos camaradas Jones e Ivan (mas também por muitas outras direções, militantes de base, egressos, etc.), a grande maioria de nós não saberia quem realmente é Mauro Iasi e seu círculo intelectual de amigos revisionistas, nem das participações espúrias do PCB na PMAI, dos PDs ilegais, do acordão do XVI Congresso, etc.;
3. Tudo isso me leva a concluir que o que temos aqui é mais um embate entre aparência e essência, estética e prática. Pessoas como João Carvalho, de quem o camarada me parece ter extraído muitas de suas opiniões, vêm falando de “autocrítica sem autofagia”, que a crítica pública entre comunistas é “fratricida” e “contraproducente”, pois valorizam a preservação da imagem pública do assim chamado “nosso campo” enquanto um campo político coeso e maduro, que trata de suas contradições “nas devidas instâncias”. Só faltou falar que faz parte da “nossa” “cultura política”! Camaradas, o que essa posição aparentemente cautelosa quanto à segurança de informações e manutenção da unidade do campo revolucionário oculta é uma linha política que prepara o terreno para mais uma temporada de encastelamento do movimento comunista em suas “instâncias”, postura muito característica do PCR, partido do qual o coletivo Soberana é, digamos, “bastante próximo”. Afirmo sincera e lamentavelmente que não entendo por quais motivos alguém como João Carvalho, tão versado em marxismo periférico, um maoísta defensor da linha de massas e da luta de duas linhas do presidente Mao Zedong, se posiciona junto a uma linha política tão flagrantemente oportunista, que busca castrar o movimento revolucionário a partir da supressão do debate público e da reserva da crítica aos espaços internos das organizações. É lamentável, mas já se pode afirmar que a Soberana nem precisou crescer tanto para assumir posições defensistas muito similares às do petismo, o famoso “não pode criticar”, que em sua versão jovem, “radicalizada” à esquerda, se torna “não pode criticar publicamente, chama no zap que a gente resolve (confia)”.
4. Por fim, aponto para a falsa contradição que se coloca entre a polêmica pública e a camaradagem. Como o próprio camarada cita em sua tribuna, “endurecer sem perder a ternura”, ou seja, síntese dialética das contradições, e não seleção arbitrária de sua contradição favorita. Eu não tenho contradição favorita, na “briga” entre duas contradições, eu “torço” pela superação. Não preciso escolher entre te criticar publicamente e te acolher, me solidarizar com você, me identificar em você, cerrar fileiras contigo. A gente não parece camarada, a gente é. A unidade se forja na ação, não precisamos aparentar unidade em nosso discurso, quando a exercitamos na prática. Uma unidade que se rompe por conta de necessárias críticas realizadas publicamente é, sem sombra de dúvidas, muito frágil, frágil demais para que em algum momento se pudesse sequer classificar como unidade. Aliás, unidade em torno de quê? O velho PCB adotou o discurso de unidade do partido em torno de si mesmo, estamos vendo no que deu. É igualmente prejudicial afirmar abstratamente “unidade contra o fascismo”, “unidade pela revolução”. A unidade precisa ser firmada em torno de um programa revolucionário e das ações práticas que levarão à sua implementação. Fora disso, nas palavras de nosso careca favorito, “tudo é ilusão”.
Venceremos, camaradas!