União Europeia - Mercosul: Interesses e impasses por trás do acordo que não aconteceu
Esses setores da classe dominante, com taxas de lucro sempre maiores, convertem seu poder econômico em poder político e ideológico. Isso fica evidente na força, por exemplo, da bancada do agro no Congresso Nacional e os ataques aos povos indígenas e ao MST.
Por Redação
A negociação do acordo bilateral entre a União Europeia e o Mercosul, que já acontece há 23 anos, voltou a ser discutida recentemente, mas, apesar dos avanços, este acordo ainda desagradou bastante e, ao fim, não foi possível chegar a um consenso.
Ambos os lados demonstraram insatisfações com as negociações e apresentaram justificativas diferentes. O Presidente da França, Emmanuel Macron, dizia que o acordo era prejudicial para o meio ambiente, antiquado e incoerente. Por outro lado, o Presidente Lula apontava o protecionismo francês como um impasse para fechar o acordo.
Tal acordo consistia na redução de tarifas de importação entre países da Europa e Mercosul, e previa a abertura quase total dos mercados sul-americanos. No entanto, o mercado europeu ainda mantém normas que desfavorecem e restringem a circulação de capital nos países do Mercosul. Além disso, o acordo priorizaria o fator econômico e lucrativo, mas desconsideraria fatores sociais, como a emergência climática e os direitos dos trabalhadores do campo.
Na rede social X, o líder do MST, João Pedro Stedile, se posicionou contra a negociação. Segundo ele, “O acordo só beneficia a indústria europeia e o agronegócio brasileiro. Todos os demais setores sociais perdem”. Ele também acrescenta: “Espero que o Lula determine ao Itamaraty para deixar de trabalhar para os europeus... Afinal é o povo brasileiro que os paga”.
Em um outro post, ele ainda elogia agricultores europeus que se manifestam contra o acordo, e diz: “Uma pena que nós aqui no Brasil, que seremos os mais atingidos, ainda não tivemos a capacidade de nos mobilizar”.
É importante lembrar que o Brasil possui um histórico violento de massacres e repressão contra movimentos agrários, e até os dias de hoje, promove políticas exterminadoras que negligenciam os direitos de pequenos agricultores.
No ano passado, o Presidente da República anunciou o Plano Safra, onde destinou R$ 364 bilhões ao agronegócio, sendo este um valor recorde: 27% maior que o do ano anterior e o mais alto da história. Enquanto isso, apenas R$ 71 bilhões foram disponibilizados à agricultura familiar.
O acordo do Mercosul com a União Europeia avançou nos atuais termos durantes os governos sul americanos de Jair Bolsonaro, no Brasil, e Maurício Macri, na Argentina. Embora durante o período eleitoral, Lula e o PT se colocassem contra o liberalismo, em defesa da reforma agrária, da reindustrialização e da geração de emprego, na prática, o Governo Lula continuou a negociar um acordo no interesse do agronegócio e que teria como consequência aumentar a destruição ambiental, o caráter primário-exportador do capitalismo dependente brasileiro e fechar milhares de empregos industriais.
Essa posição política do Governo Lula mostra, novamente, como acontece desde 2002, que reforma agrária é tema apenas em período eleitoral. No Governo, o tema é arquivo, com a desculpa da “correlação de forças”. Os números são inequívocos. O financiamento direcionado a aplicação de recursos na agricultura empresarial durante o primeiro mandato do Presidente Lula chegou aos R$ 20 bilhões, porém, nos anos de 2015/2016, esses valores passaram dos R$ 187 bilhões. As exportações saíram de US$ 30,6 bilhões para US$ 76,39 bilhões entre 2003 e 2010.
Em contrapartida, o número de assentamentos foi menor do que o esperado. No ano de 2005, apenas 127 mil famílias foram assentadas, sendo que a meta estabelecida após a Marcha Nacional pela Reforma Agrária era de pelo menos 430 mil famílias. Além disso, em 2009, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) teve seu orçamento reduzido quase pela metade, resultando no sucateamento de todo o setor campesino.
Este processo de desenvolvimento do agro e desvalorização da agricultura familiar potencializou a reprimarização da economia brasileira. Uma série de políticas burguesas financiadas pelo Estado e por monopólios agrícolas culminaram na especialização da produção de commodities e bens primários, bloqueando investimentos direcionados a outras áreas de produção.
Na quadra histórica atual, ao que tudo indica, o acordo Mercosul-União Europeia não sairá do papel, dado a pressão da burguesia francesa e dos agricultores do país em prol de políticas protecionistas. Contudo, todo o episódio indica a necessidade de um debate permanente e mobilização contra o aprofundamento da dependência, desnacionalização da economia brasileira e fortalecimento do agronegócio.
O capitalismo dependente brasileiro, na sua forma neoliberal, vive a tendência permanente de reforçamento de um padrão de especialização produtiva. Uma especialização centrada em produtos primários como soja, pecuária, minério de ferro, petróleo cru, etc. Esses setores da classe dominante, com taxas de lucro sempre maiores, convertem seu poder econômico em poder político e ideológico. Isso fica evidente na força, por exemplo, da bancada do agro no Congresso Nacional e os ataques aos povos indígenas e ao MST.
Nessa luta, contudo, é fundamental não reforçar mitos desenvolvimentistas de uma suposta indústria nacional contra o agronegócio. As dinâmicas primário-exportadora e rentistas, típicas do modelo neoliberal no Brasil, atuam no interesse de todas as frações da classe dominante, inclusive a dita burguesia industrial. O antagonismo real é entre agronegócio e toda classe dominante contra os explorados e oprimidos do país. Enfrentar o poder do agronegócio significa defender um projeto de Revolução Brasileira que busca uma industrialização socialista, combatendo a dependência e criando as condições de uma economia a serviço do povo trabalhador brasileiro.