UnB aprova cotas para pessoas trans
População tem sido alvo de ataques crescentes, sobretudo com o aumento de projetos de lei anti-LGBTI+ nos últimos anos.
Por Redação
A Universidade de Brasília (UnB) deu um importante passo ao aprovar, na última quinta-feira (17), a adoção de cotas para pessoas trans nos cursos de graduação. A medida, que reserva 2% das vagas de todas as modalidades de ingresso para travestis, mulheres e homens trans, transmasculinos e pessoas não binárias, promove um movimento por uma educação mais inclusiva. A partir de 2025, as cotas trans farão parte do processo seletivo da universidade, colocando a UnB como a 11ª universidade federal a adotar essa política afirmativa no Brasil.
Essa decisão é parte de um movimento maior de combate à discriminação e às desigualdades que ainda persistem no sistema educacional brasileiro. A UnB, que já havia implementado cotas para pessoas trans em programas de pós-graduação e aprovado o uso de nome social desde 2017, agora amplia suas políticas de inclusão também para a graduação. Com isso, a universidade não apenas reconhece a urgência de ações afirmativas para grupos marginalizados, mas também se alinha com o princípio de uma educação popular, gratuita e de acesso universal.
O avanço representado pelas cotas trans na UnB aponta para a necessidade de um enfrentamento mais profundo das desigualdades estruturais que afetam a população LGBTIA+, em especial as pessoas trans, que historicamente enfrentam exclusão social e educacional, cenário esse que tem reflexo nos dados produzidos pelo Estado, uma vez que o IBGE não produziu dados sobre população trans no Brasil no último censo, tendo prometido as primeiras estimativas apenas para o último trimestre deste ano. Os estudos, produzidos por instituições acadêmicas e entidades de apoio e representação, apontam que a população trans está entre os grupos mais marginalizados no Brasil, com índices alarmantes de violência e discriminação no acesso ao trabalho e à educação.
Mais de 70% das pessoas trans e travestis não concluem o ensino médio, vítimas de violência de gênero, preconceito familiar e exclusão social, e apenas 3% das travestis e mulheres trans de Minas Gerais, por exemplo, conseguem chegar ao ensino superior. Nacionalmente, somente 0,02% das pessoas trans encontram-se no ensino superior. Diante desse contexto, a implementação das cotas para pessoas trans é um avanço necessário, mas insuficiente se não forem acompanhadas de políticas efetivas de permanência estudantil, como a garantia de moradia, alimentação, transporte e acesso ao Restaurante Universitário (RU) gratuito e adequado.
Na UnB, o Auxílio Permanência, programa mais relevante em número de estudantes contemplados, oferece um valor de 700 reais, quantia insuficiente para atender às necessidades dos estudantes em situação de vulnerabilidade econômica. Contudo, o auxílio moradia é ainda mais preocupante, já que a Casa do Estudante Universitário (CEU) dispõe de apenas 90 apartamentos, e o auxílio financeiro oferecido não acompanha os altos custos de aluguel no Distrito Federal, podendo até mesmo ser negado ao estudante caso a universidade não tenha disponibilidade financeira e orçamentária. Sem esses mecanismos de apoio, o risco de evasão é alto, minando a inclusão promovida pela política de cotas e perpetuando as desigualdades.
No cenário nacional, essa população tem sido alvo de ataques crescentes, sobretudo com o aumento de projetos de lei anti-LGBTI+ nos últimos anos. Entre 2019 e 2022, 122 projetos de lei anti-LGBTQIAP+ foram protocolados em casas legislativas municipais e estaduais. A aprovação das cotas na UnB, portanto, não deve ser vista apenas como uma vitória isolada, mas como parte de uma luta contínua por direitos e dignidade para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero. É uma resposta àqueles que buscam apagar ou marginalizar essas pessoas da vida pública e um passo em direção a uma sociedade mais justa.
Este é um avanço alcançado pela mobilização e organização dos estudantes. A criação de uma política de cotas para pessoas trans é uma reivindicação de longa data do histórico de lutas por parte dos estudantes da UnB. As duas últimas gestões do Diretório Central dos Estudantes (DCE), a gestão “A UnB é nossa” e a sucessora e atual gestão “Ponta de Lança” pautaram em seu programa e na atuação a inclusão de cotas para pessoas trans. Desde a participação nos Conselhos da UnB, como o Conselho Universitário (Consuni), diversas reuniões com a reitoria sobre a instalação de banheiros neutros até a organização de mobilizações contra ataques transfóbicos ocorridos dentro da Universidade. O DCE, as organizações estudantis e os estudantes como um todo dirigiram uma luta prolongada pelos direitos das pessoas trans na UnB.
Durante esse processo de organização da luta estudantil, a gestão da atual reitora Márcia Abrahão ignorou constantemente as demandas dos estudantes ou ativamente trabalhou contra as mesmas. A gestão é marcada por uma política higienista de desmantelamento de espaços e eventos de lazer e convivência entre os estudantes, como a proibição das festas universitárias conhecidas como Happy Hours (HHs) nos campi, que levaram a um crescimento exponencial de crimes cometidos nestas festas, então realizadas na periferia do campus após a proibição das mesmas.
A reitoria, embora afirme constantemente ser defensora da diversidade e pioneira na implementação de direitos para setores marginalizados da população, se mostrou extremamente hesitante na implementação dos direitos básicos desses setores da população. Além da proibição dos HHs, a reitoria foi vacilante quanto a implementação de banheiros neutros, colocando apenas dois banheiros neutros em um campus que tem uma extensão de 500 km² de área construída e que tem uma circulação média de mais de 50 mil pessoas diariamente, enquanto os estudantes pautavam a necessidade da implementação destes banheiros em toda a universidade.
Apesar das posições hesitantes da reitoria, a luta dos estudantes se demonstrou capaz de tensionar a situação até o ponto onde a reitoria não sustentou a manutenção de sua postura vacilante. A mobilização dos estudantes para travar a luta por suas reivindicações e levar adiante as suas pautas foi o que conquistou essa vitória. Desde faixas e cartazes colocados pela universidade até uma agitação direta entre os estudantes, os estudantes organizados foram capazes de unir os seus colegas na construção de diversos atos, incluindo a passeata em direção a reitoria, onde os estudantes permaneceram no prédio durante a votação, gritando palavras de ordem e gritos de guerra, demonstrando o apoio dos estudantes pela promulgação das cotas trans. Outro elemento a ser considerado é a derrota da candidata Olgamir Ferreira, favorecida pela atual reitora Márcia Abrahão, à reitoria da UnB. Esta situação pode ter motivado a reitora a tentar restaurar sua imagem dentro da comunidade universitária, atendendo uma parte menor da plataforma do DCE para as eleições da reitoria.
Essa conquista, por si só, não resolve os inúmeros desafios enfrentados pela população trans. Ainda é preciso lutar por uma educação que realmente abarque todas as diversidades e seja capaz de garantir acesso irrestrito a todos os direitos básicos e ao conhecimento produzido pela humanidade para todas as pessoas. Isso inclui, além das cotas, o fim dos vestibulares e uma educação pública que seja totalmente gratuita, universal e gerida pela e para a classe trabalhadora. A vitória conquistada pelos estudantes da UnB comprova que o caminho para novas conquistas é a constante organização dos estudantes trabalhadores para a reivindicação de suas necessidades e pela transformação da nossa sociedade em uma que seja mais humana para todo o povo trabalhador.