'Uma resposta sobre a Delegação do Distrito Federal: Como se transformar em um liberal mediocre' (Ouriço Azul)

Os camaradas da delegação defendem a China acriticamente? Não. Defendem que o socialismo com características chinesas seja implementado no Brasil? Definitivamente não.

'Uma resposta sobre a Delegação do Distrito Federal: Como se transformar em um liberal mediocre' (Ouriço Azul)

Por Ouriço Azul para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Escrevo essa tribuna profundamente decepcionado com a maneira que o camarada decidiu tratar dessas questões. Não faço parte da delegação do DF mas vou discorrer em quatro pontos algumas das questões que me tocam e aproveitar pra dar um paronama da conjuntura regional. 

Há algum tempo, camaradas têm nos acusado de basismo e demonstram medo a partir da quebra de expectativas, por parte destes, diante do trabalho que desenvolvemos no DF ─ especialmente na célula em que eu atuo. Esse medo não passa de questões individuais. Posso falar por mim, não sou pro-china, etapista, revisionista, basista, o-que-seja-ista, muito pelo contrário, e luto contra a utilização desses termos de maneira acritica e em tom de superioridade quase moral. Acredito que é comum que oportunistas se apoderem desses termos afim de mostrar autoridade e domínio incontestável da teoria e irei explicar da maneira mais honesta e aberta possível minha posição e o que levou a acusação do camarada sobre a suposta delegação Pro-China que ele tanto teme.

1. Jogando a água suja e o bebê fora; 

Dada a situação a qual nos encontramos, após uma série de atitudes partindo do camarada até o ponto dele escrever a tribuna, que estou respondendo, em que acusa outros de suas formações serem rebaixamentos teóricos, chegando ao ponto de dar a entender que essas formações devam deixar de existir e no lugar que se leia livros como O Estado e a Revolução, O Capital e Duas Táticas da Social-democracia na Revolução Democrática pra que nós tenhamos a “correta apreensão sobre o marxismo-leninismo”, gostaria de compartilhar uma anetoda específica às questões do DF. 

Atualmente eu estou como Secretario de Formação em uma célula que atua na região Sul do DF ─ na sua maioria, Samambaia, Ceilândia e Taguatinga ─ e me dei o trabalho de reler atas, chats de grupos, dentre outras coisas que estavam relacionadas à secretaria de formação dessa célula. Nesse trabalho de memória, vi Gabriel Xavier sugerindo algo parecido com o que ele sugere na sua tribuna (ler livros de Lenin e O Capital). Outro camarada, que trabalha na formação com o “infame” livro traduzido pela Luna Nguyen, de muito bom grado, juntamente com outras pessoas da célula, pediram que ele fizesse essa formação. O que nunca aconteceu e tudo bem, cada um tem seus motivos. 

No entanto, analisando essa situação sob o meu olhar, fica muito difícil dar razão ao Xavier nas suas críticas e conclusões pra formação em andamento no DF. Ora, se você não gosta ou discorda dessa formação, faça a sua ou então vamos trabalhar juntos! Talvez seja interessante você, camarada, participar da formação em andamento e nos momentos em que sentir que falta acúmulo teórico no livro, você traga O Capital pra que nós possamos olhar a fonte primária ao qual o livro trata. Me parece muito mais um tiro no pé definir as coisas como simplesmente rebaixamento teórico. E aqui chego no meu ponto sobre a delegação Pro-China.

2. Bebendo a água suja e cuspindo no bebê; 

Na última Etapa Congressual do DF ─ por votação e por conta do tempo ─ tratamos apenas de um ponto sobre a China, sequer discutimos a parte Sobre a China em si e os debates ocorreram em torno do seguinte trecho:

“ [...] com a intensificação das contradições ao longo da cadeia imperialista, a desagregação da influência estadunidense, o vertiginoso avanço do capitalismo na China…” 

Um lado defendia que se mantivesse “o vertiginoso avanço do capitalismo na China”, o outro defendia substituição por “o vertiginoso avanço das contradições estruturais do Socialismo com características chinesas”. Eu defendo a segunda opção e posso falar o porquê. Não é porque eu acredito que não existam contradições de modos de produção capitalistas na China mas porque é importante estudar o socialismo com características chinesas pelo o que ele é. Pode ser ruim, pode ser completamente ruim, pode ser quase completamente ruim, estou aberto a debates a partir disso mas na minha opinião não é simplesmente avanço do capitalismo como o texto base sugere. Existe todo um universo de acúmulo teórico sobre essas coisas que acredito ser contraprodutivo jogar no lixo porque “tem burguesia, tem coisa feia, é uma autocracia burocratica ditatorial extrema!” ou porque alguns acreditam que não existiu socialismo em lugar nenhum nunca. Se a gente pode, digamos assim, paparicar tanto o KKE, nós podemos nos dar a liberdade de pelo menos estudar o marxismo na Ásia. Eu, tendo essas opiniões, sem falar que a China é boa ou má, apenas sugerindo a boa vontade de estudar, já seria considerado como Pro-China pelo camarada Gabriel Xavier e outras pessoas. Na verdade, é bem comum acontecer esse tipo de abstração nos debates sobre a China, quem tem o desprazer de usar a rede social Twitter/X sabe. 

Tendo isso estabelecido, o que leva alguém nesse caso a chamar nossa delegação de Pro-China e, não obstante, pedir que se trave uma luta teórica encarniçada contra posições que reproduzem etapismos? Os camaradas da delegação defendem a China acriticamente? Não. Defendem que o socialismo com características chinesas seja implementado no Brasil? Definitivamente não. Conheço bem alguns dos camaradas que estão nessa delegação e não quero falar por eles mas posso dizer que nenhum defende essas posições. A resposta pra primeira pergunta reflete muitos dos problemas aos quais vejo na tribuna do camarada e nas nossas fileiras: má vontade e desvios liberais.

Se ferimos a unidade como custo por forçar uma apreensão mecânica do marxismo-leninismo, porque acreditamos que qualquer experiência criativa da base é rebaixamento teórico ou etapismo, estamos tendo desvios liberais. Quando um camarada critica uma linha no partido apenas entre aqueles que compartilham da mesma visão e não sugere ativamente mudanças pra toda a organização ─ e, quando digo mudanças, digo conversar com todos, mediar uma mudança e expo-la ─, esse camarada está tendo desvios liberais. Está se transformando em um liberal mediocre. Essa má vontade e esse querer empurrar goela abaixo sua linha ao invés de trabalhar coletivamente com seus camaradas são desvios liberais e todos que compartilham dessas táticas devem estar cientes que estão cometendo esses desvios. Camaradas, vocês estão se prejudicando e prejudicando a coletividade implodindo as disputas do partido em questões individuais e o resultado disso é racha do racha, vocês sabem. E, por favor, acima de tudo, não deixem que exista um PCB-RRRR. A sigla atual já é ruim o suficiente.

3. Deixando o bebê se afogar na água suja;

Sobre a Célula em que milito e os recentes tencionamentos no DF, quero trazer algumas reflexões também ao Xavier porque o que ele fala na tribuna passa por toda essa situação. Sinto que, pra além da má vontade, existe uma necessidade de sufocar aos poucos, até por meio da expulsão, camaradas que têm linha política diferente. Qual o ganho político pra toda a militância do DF nessas atitudes? O que adianta alguns camaradas serem tão a favor da polêmica pública se quando lhes convêm expulsam um camarada. A polêmica pública são os amigos que fazemos no caminho de expor questões do partido nas suas rede sociais? 

Eu gostaria, de verdade, que eu estivesse nesse momento debatendo com calma só a nível teórico, mas os acontecimentos recentes no DF não me permitem. Porque a conclusão do camarada de acusar a delegação como Pro-China e pedir que pessoas de outros estados efetivamente caiam em cima me enfurece. Muito também porque eu já tive uma apreciação pelo Xavier, até elogiando suas tribunas pessoalmente.

E, direcionando de forma mais abrangente a reflexão às direções e militância do DF, por que tanto medo da base? Porque quando trabalhamos em projetos afim de ganhos positivos diferentes, experimentando, sendo criativos dentro das nossas possibilidades, camaradas vêem isso com maus olhares? Nós não abdicamos o nosso precioso tempo de vida na militância pra estudar a Coreia, o Vietnã, a China e outras experiências acreditando que a linha do partido tem que ser mudada de acordo como é nessas experiências. Estudamos porque é importante estudar tudo e no final entender que as condições do Brasil são as condições do Brasil. Diferente de muitos, chamar de etapista, basista, revisionista não é o ponto final do debate. Nós queremos mais que isso. 

Finalmente, me vejo na necessidade de trazer uma citação do calvo mais querido de todos sobre emulação socialista e o papel das bases nela. Sinto que essa reflexão tem muito a adicionar na maneira que certos camaradas tem tratado nossas bases.

É preciso organizar a emulação dos organizadores práticos dos operários e camponeses uns com os outros. É preciso combater quaisquer estereótipos e quaisquer tentativas para estabelecer a uniformidade a partir de cima, para que se inclinam tanto os intelectuais. Nem o estereótipo nem a uniformidade estabelecidos a partir de cima têm nada a ver com o centralismo democrático e socialista. A unidade no básico, no fundamental, no essencial, não é violada, antes é garantida pela variedade nos pormenores, nas particularidades locais, nos métodos de abordar as coisas, nos meios de aplicação do controle, nas vias de exterminar e neutralizar os parasitas (os ricos e os vigaristas, os relaxados e os intelectuais histéricos, etc, etc). ” Como Organizar a Emulação? V. I. Lenin, 24-27 de Dezembro de 1918/6-9 de Janeiro de 1918. 

Em outras palavras, deixa os garoto brincar.

4. Chegando a conclusão que, se o bebê morreu afogado na água suja, é porque o bebê não decorou Marx o suficiente.

A estrutura partidária do PCB-CC ainda existe em nossas fileiras. É a estrutura que se utiliza de jargões vazios pra fugir dos problemas reais, a que quebra militantes dissidentes à reprodução desses vícios e conserva ativamente a completa não-mudança, a inércia como ideologia e força que os move pelo lado contrário do avanço. Grandes “Veja bem, camarada, você está cometendo etapismo!” que não dizem nada. Ninguém vai fazer revolução se o nosso partido é assim e, consequentemente, nossos militantes também. 

Na nossa célula, por exemplo, nos propomos a errar diferente. A experimentar, potencializando a criatividade de todo mundo e acolhendo as pessoas nas suas particularidades sem expor mecânicamente uma linha política. Como fazer isso? Pelo positivo, pelo exemplo de um trabalho honesto que vai em cima de uma sociabilidade saudável. Muitos daqueles que fizeram o esforço pra criar essa sociabilidade vieram do CC e sabem bem o mal à saúde que aquela lógica de militância fazia a todo mundo. 

E antes que alguém se dê o trabalho de me explicar como eu sou um basismo, volto a lembrar da citação de Lenin acima. As bases podem ter sua liberdade pra explorar as particularidades da região em que atuam. Isso acaba com a uniformidade de cima e cria a possibilidade de um gerenciamento nacional a partir dessas particularidades e não o gerenciamento nacional explicando às bases quais suas particularidades.

Agora, demonstrando um exemplo de projeto que explora nossa criatividade, convido todos a conhecerem o Zoológico Tricontinental e finalizo essa tribuna.

Conclusão

O Zoológico Tricontinental é um podcast onde lemos o livro Currículo de Princípios Básicos do Marxismo-Leninismo, A cosmovisão e a metodologia filosófica do marxismo-leninismo. Parte 1. Traduzido em inglês do vietnamita por Luna Nguyen e sendo traduzido do inglês pro português por nós.

Nossos convidados e pessoas que se disponibilizam a participar voluntariamente escolhem seu nome animal ─ o meu por exemplo é Ouriço Azul ─ e lêem o livro de forma descontraida mas tentando extrair o máximo dos conceitos marxistas apresentados a fim que seja acessível pro maior número de pessoas.

Já tivemos que lidar com algumas críticas à maneira que tratamos de certos assuntos como por exemplo o caso de Harpia Dourada explicar, segundo eles, vulgarmente o fetiche da mercadoria, dentre outros rebaixamentos teóricos. Pra essas pessoas, eu recomendo escutar o seguinte episódio: 01 - Boas Vindas! Sobre o livro, o zoológico e conceitos onde Harpia Dourada se defende dessa acusação prevendo que ela fosse acontecer.

Finalizo aqui tentando agregar nossa construção revolucionária pelo positivo, precisamos entender como nos tornar acessíveis e fazer o nosso movimento se tornar relevante de verdade. Precisamos apontar menos onde outros erram e nos permitir errar diferente.