Uma nota sobre a questão da ditadura (Lenin, 1920)

Além disso – e isso, claro, é o mais importante de tudo – a história de todas as revoluções das classes oprimidas e exploradas, contra os exploradores, fornece o material básico e a fonte de nosso conhecimento sobre a questão da ditadura.

Uma nota sobre a questão da ditadura (Lenin, 1920)
"Quem não entendeu que a ditadura é essencial para a vitória de qualquer classe revolucionária, não entende a história das revoluções, ou então não quer conhecer nada neste campo."

Por Vladimir Lênin, escrito em 20 de outubro de 1920.

Lênin enviou o manuscrito deste artigo aos editores da revista A Internacional Comunista, em Petrogrado. No dia seguinte, comunicou aos editores que tinha enviado o artigo e solicitou que “registrassem, verificassem e preparassem o material (tudo a devolver a mim)”. Ele mesmo leu e fez várias correções nas devolutivas que recebera de Petrogrado. Uma grande parte do artigo foi resgatada por Lênin de seu panfleto A vitória dos Kadets e as tarefas do partido operário, que ele escreveu em 1906. A maior parte do material veio do Capítulo V do panfleto, intitulado Uma amostra da presunção dos Kadets.

A questão da ditadura do proletariado é, sem exceção, a questão fundamental do movimento operário moderno em todos os países capitalistas. Para elucidar totalmente esta questão, é necessário um conhecimento de sua história. À escala internacional, a história da doutrina da ditadura revolucionária em geral, e da ditadura do proletariado em particular, coincide com a história do socialismo revolucionário e, especialmente, com a história do marxismo. Além disso – e isso, claro, é o mais importante de tudo – a história de todas as revoluções das classes oprimidas e exploradas, contra os exploradores, fornece o material básico e a fonte de nosso conhecimento sobre a questão da ditadura. Quem não entendeu que a ditadura é essencial para a vitória de qualquer classe revolucionária, não entende a história das revoluções, ou então não quer conhecer nada neste campo.

No que diz respeito à Rússia, atribui-se especial importância, no que diz respeito à teoria, ao Programa do Partido Operário Social-Democrata Russo, elaborado em 1902-03 pelo conselho editorial do Zaria e Iskra, ou, mais exatamente, elaborado por G. Plekhánov, e editado, alterado e endossado por esse conselho editorial. Neste Programa, a questão da ditadura do proletariado é colocada em termos claros e definidos e, além disso, está ligada à luta contra Bernstein, contra o oportunismo. O mais importante de tudo, entretanto, é certamente a experiência da revolução, ou seja, no caso da Rússia, a experiência do ano de 1905.

Os últimos três meses daquele ano – outubro, novembro e dezembro – foram um período de uma luta revolucionária de massas notavelmente vigorosa e ampla, um período que viu uma combinação dos dois métodos mais poderosos dessa luta: a greve política de massas e uma insurreição armada. (Notemos que, já em maio de 1905, o congresso bolchevique, o “Terceiro Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo”, declarava que “a tarefa de organizar o proletariado para a luta direta contra a autocracia por meio da insurreição armada” era “uma das tarefas principais e mais urgentes do Partido”, e instruiu todas as organizações do Partido a “explicar o papel das greves políticas de massa, que podem ser de grande importância no início e durante o andamento da insurreição”).

Pela primeira vez na história mundial, a luta revolucionária atingiu tal ímpeto e um estágio tão elevado de desenvolvimento que um levante armado foi fundido com aquela arma especificamente proletária: a greve de massas. Esta experiência é claramente de significado mundial para todas as revoluções proletárias. Foi estudada pelos bolcheviques com a maior atenção e diligência em seus aspectos políticos e econômicos. Mencionarei uma análise das estatísticas mensais das greves econômicas e políticas em 1905, das relações entre elas e do nível de desenvolvimento alcançado pela luta grevista pela primeira vez na história mundial. Esta análise foi publicada por mim em 1910 e 1911 no jornal Prosvechtcheniie, com um resumo dela sendo lançado em periódicos bolcheviques publicados no exterior na época.

As greves de massa e os levantes armados elevaram, naturalmente, a questão do poder revolucionário e da ditadura, pois essas formas de luta conduziram inevitavelmente – inicialmente em escala local – à expulsão das antigas autoridades governantes, à captura do poder pelo proletariado e outras classes revolucionárias, à expulsão dos proprietários de terras, às vezes à tomada de fábricas, e assim por diante. A luta revolucionária de massas da época deu origem a organizações até então desconhecidas na história mundial, como os Soviets de Deputados Operários, seguidos pelos Soviets de Deputados dos Soldados, Comitês de Camponeses e semelhantes. Assim, as questões fundamentais (o poder soviético e a ditadura do proletariado) que agora envolvem as mentes dos operários com consciência de classe em todo o mundo foram colocadas de forma prática no final de 1905. Enquanto tais destacados representantes do proletariado revolucionário e do marxismo não falsificado, como Rosa Luxemburgo, imediatamente perceberam o significado dessa experiência prática e fizeram uma análise crítica dela em reuniões e na imprensa, a grande maioria dos representantes oficiais dos partidos social-democratas e socialistas oficiais, incluindo os reformistas e pessoas do tipo dos futuros “kautskistas”, “longuetistas”, os seguidores de Hillquit na América etc., mostraram-se absolutamente incapazes de compreender o significado dessa experiência e de cumprir seu dever como revolucionários, ou seja, de começar a trabalhar para estudar e divulgar as lições dessa experiência.

Na Rússia, imediatamente após a derrota do levante armado de dezembro de 1905, tanto os bolcheviques como os mencheviques começaram a trabalhar para sintetizar essa experiência. Esse trabalho foi especialmente acelerado pelo que foi chamado de Congresso da Unidade do Partido Operário Social-Democrata Russo, realizado em Estocolmo, em abril de 1906, onde tanto mencheviques quanto bolcheviques foram representados e formalmente unidos. Os mais entusiasmados preparativos para este Congresso foram feitos por ambos os grupos. No início de 1906, antes do Congresso, os dois grupos publicaram rascunhos de suas resoluções sobre todas as questões mais importantes. Esses projetos de resolução – reimpressos em meu panfleto, Relatório sobre o Congresso de Unidade do POSDR (Uma carta aos operários de São Petersburgo), Moscou, 1906 (110 páginas, quase metade das quais são ocupadas com os projetos de resolução de ambos os grupos e com as resoluções finalmente adotadas pelo Congresso) – fornece o material mais importante para um estudo da questão, tal como se encontrava na época.

Naquela época, as controvérsias sobre a importância dos soviets já estavam ligadas à questão da ditadura. Os bolcheviques haviam levantado a questão da ditadura mesmo antes da revolução de outubro de 1905 (ver meu panfleto As duas táticas da social-democracia na revolução democrática, Genebra, julho de 1905; reimpresso em um volume de artigos coletados intitulado Em doze Anos). Os mencheviques se posicionaram negativamente em relação à palavra de ordem da “ditadura”; os bolcheviques enfatizaram que os Soviets de Deputados Operários eram “na verdade, um embrião de um novo poder revolucionário”, como foi dito literalmente no projeto da resolução bolchevique (p. 92 do meu Relatório). Os mencheviques reconheceram a importância dos Soviets, eram a favor de “ajudar a organizá-los” etc., mas não os consideravam como embriões do poder revolucionário, em geral não diziam nada sobre um “novo poder revolucionário” deste ou de algum tipo semelhante, e rejeitavam categoricamente a palavra de ordem da ditadura. Pode-se notar facilmente que essa atitude em relação à questão já continha as sementes de todas as discordâncias atuais com os mencheviques. Também se verá facilmente que, em sua atitude em relação a esta questão, os mencheviques (russos e não russos, como os kautskistas, longuetistas e semelhantes) têm se comportado como reformistas ou oportunistas, que reconhecem a revolução proletária em palavras, mas, de fato, rejeitam o que é mais essencial e fundamental no conceito de “revolução”.

Mesmo antes da revolução de 1905, analisei, no panfleto citado acima, Duas táticas, os argumentos dos mencheviques, que me acusavam de ter “substituído imperceptivelmente ‘ditadura’ por ‘revolução’” (Em doze anos, p. 459). Demonstrei detalhadamente que, por esta mesma acusação, os mencheviques revelaram seu oportunismo, sua verdadeira natureza política, como bajuladores da burguesia liberal e condutores de sua influência nas fileiras do proletariado. Quando a revolução se torna uma força inquestionável, eu disse, mesmo seus oponentes começam a “reconhecer a revolução”; e apontei (no verão de 1905) para o exemplo dos liberais russos, que permaneceram monarquistas constitucionais. Atualmente, em 1920, pode-se acrescentar que na Alemanha e na Itália os liberais burgueses – ou pelo menos os mais educados e hábeis deles – estão prontos para “reconhecer a revolução”. Mas ao “reconhecer” a revolução e, ao mesmo tempo, recusar-se a reconhecer a ditadura de uma classe definida (ou de classes definidas), os liberais russos e os mencheviques da época, e os atuais liberais alemães e italianos, turatistas e os kautskistas, revelaram seu reformismo, sua absoluta inaptidão para serem revolucionários.

De fato, quando a revolução já se tornou uma força inquestionável, quando mesmo os liberais a “reconhecem”, e quando as classes dominantes não apenas veem, mas também sentem o poder invencível das massas oprimidas, então toda a questão – tanto para os teóricos como para os líderes da política prática – reduz-se a uma definição de classe exata da revolução. No entanto, sem o conceito de “ditadura”, essa definição de classe não pode ser dada de forma precisa. Não se pode ser revolucionário de fato, a menos que se prepare para a ditadura. Esta verdade não foi entendida em 1905 pelos mencheviques, e não é entendida em 1920 pelos socialistas italianos, alemães, franceses e outros, que temem as severas “condições” da Internacional Comunista. Tal verdade é temida por pessoas que são capazes de reconhecer a ditadura com palavras, mas são incapazes de se preparar para ela de fato. Portanto, não será irrelevante citar extensamente a explicação dos pensamentos de Marx, que publiquei em julho de 1905 em oposição aos mencheviques russos, mas é igualmente aplicável aos mencheviques da Europa Ocidental de 1920. (Em vez de dar títulos de jornais etc., indicarei se mencheviques ou bolcheviques são mencionados.)

“Em suas notas aos artigos de Marx no Die Neue Rheinische Zeitung de 1848, Mehring nos diz que uma das acusações feitas a este jornal por publicações burguesas foi que ele teria exigido ‘a implementação imediata de uma ditadura como único meio de alcançar a democracia’ (Marx, Nachlass, Vol. III, p. 53). Do ponto de vista burguês e vulgar, os termos da ditadura e da democracia excluem-se mutuamente. Não entendendo a teoria da luta de classes e acostumado a ver na arena política as pequenas controvérsias dos vários círculos e grupos burgueses, o burguês entende por ditadura a anulação de todas as liberdades e garantias da democracia, arbitrariedade de todo tipo e múltiplas ramificações de abuso de poder, sob o interesse pessoal de um ditador. Na verdade, é precisamente essa visão burguesa vulgar que deve ser observada entre nossos mencheviques, que atribuem à parcialidade dos bolcheviques pela palavra de ordem da ‘ditadura’ o desejo apaixonado de Lênin de tentar a própria sorte (Iskra nº 103, p. 3, coluna 2). Para explicar aos mencheviques o significado do termo ditadura de classe como distinta de uma ditadura pessoal, e as tarefas da ditadura democrática como distinta de uma ditadura socialista, não seria impróprio insistirmos nas opiniões do Die Neue Rheinische Zeitung[1].

“‘Após uma revolução’, escreveu o Die Neue Rheinische Zeitung em 14 de setembro de 1848, toda organização provisória do Estado requer uma ditadura, e uma ditadura enérgica, ainda por cima. Desde o início, censuramos Camphausen [o chefe do Ministério depois de 18 de março de 1848] por não ter agido ditatorialmente, por não ter imediatamente destruído e eliminado os restos das antigas instituições. E enquanto Herr Camphausen se acalentava com ilusões constitucionais, o partido derrotado [isto é, o partido da reação] fortaleceu suas posições na burocracia e no exército, até começou a se aventurar em uma luta aberta em um ou outro lugar”[2].

“Essas palavras, Mehring observa justamente, resumem em algumas proposições tudo o que foi proposto em detalhes no Die Neue Rheinische Zeitung, em longos artigos sobre o Ministério de Camphausen. O que tais pensamentos de Marx nos dizem? Que um governo provisório revolucionário deve agir ditatorialmente (uma proposição que os mencheviques foram totalmente incapazes de compreender, já que lutavam de forma tímida contra a palavra de ordem da ditadura), e que a tarefa de tal ditadura é destruir os restos das antigas instituições (que é precisamente o que foi claramente afirmado na resolução do Terceiro Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo [bolcheviques] sobre a luta contra a contrarrevolução, e foi omitido na resolução dos mencheviques, como mostrado acima). Em terceiro e último lugar, segue-se dessas palavras que Marx castigou os democratas burgueses por nutrirem “ilusões constitucionais” em um período de revolução e guerra civil aberta. O significado dessas palavras torna-se particularmente óbvio no artigo do Die Neue Rheinische Zeitung de 6 de junho de 1848.

“‘Uma Assembleia Nacional Constituinte’, escreveu Marx, ‘deve, antes de tudo, ser uma assembleia ativa, revolucionariamente ativa. A Assembleia de Frankfurt[3], entretanto, está se ocupando com exercícios escolares de parlamentarismo, enquanto permite que o governo aja. Suponhamos que esta erudita assembleia consiga, após uma madura reflexão, desenvolver a melhor agenda possível e a melhor constituição, mas qual é o uso da melhor agenda possível e da melhor constituição possível, se os governos alemães, entretanto, colocaram a baioneta na ordem do dia?’

“Esse é o significado da palavra de ordem da ditadura...

“As principais questões na vida das nações são resolvidas apenas pela força. As próprias classes reacionárias são geralmente as primeiras a recorrer à violência, à guerra civil. Eles são os primeiros a ‘colocar a baioneta na ordem do dia’, como a autocracia russa tem feito de forma sistemática e inabalável em todos os lugares desde 9 de janeiro[4]. E uma vez que tal situação emergiu, uma vez que a baioneta se tornou realmente o ponto principal da agenda política, uma vez que a insurreição se revelou imperativa e urgente, as ilusões constitucionais e os exercícios escolares do parlamentarismo tornam-se apenas um disfarce para a traição burguesa da revolução, uma camuflagem para esconder o fato de que a burguesia está “recuando” da revolução. É precisamente a palavra de ordem da ditadura que a classe genuinamente revolucionária deve agitar, nesse caso.”

Este era o raciocínio dos bolcheviques sobre a ditadura antes da revolução de outubro de 1905.

Depois da experiência dessa revolução, fiz um estudo detalhado da questão da ditadura no panfleto A vitória dos Kadetes e as tarefas do partido operário, São Petersburgo, 1906 (o panfleto é de 28 de março de 1906). Citarei os argumentos mais importantes deste folheto, substituindo apenas por alguns nomes próprios uma indicação simples de se a referência é aos Kadets ou aos mencheviques. De um modo geral, esse panfleto era dirigido contra os Kadets e, em parte, também contra os liberais não partidários, os semi-Kadets e os semi-mencheviques. Mas, na verdade, tudo o que aí se diz sobre a ditadura se aplica, de fato, aos mencheviques, que estavam constantemente se aproximando da posição dos Kadets sobre esta questão.

“No momento em que os tiros em Moscou estavam diminuindo, e quando a ditadura militar e policial se entregava a suas orgias selvagens, quando repressões e tortura em massa reinavam por toda a Rússia, vozes se levantaram na imprensa Kadet contra o uso da força por parte da esquerda e contra os comitês de greve organizados pelos partidos revolucionários. Os professores Kadets, da folha de pagamento dos Dubasov, que estão vendendo sua ciência, chegaram ao ponto de substituir a palavra “ditadura” pelas palavras “segurança reforçada”. Esses “homens da ciência” até distorceram o latim de seu colégio para desacreditar a luta revolucionária. Observem de uma vez por todas, senhores Kadets, que ditadura significa poder ilimitado, baseado na força, e não na lei. Na guerra civil, qualquer potência vitoriosa só pode ser uma ditadura. A questão, porém, é que existe a ditadura de uma minoria sobre a maioria, a ditadura de um punhado de policiais sobre o povo, e há a ditadura da esmagadora maioria do povo sobre um punhado de tiranos, ladrões e usurpadores do poder popular. Com a vulgar distorção do conceito científico de ‘ditadura’, com seus gritos contra a violência da esquerda em um momento em que a direita está recorrendo à violência mais sem lei e ultrajante, os senhores Kadets deram provas contundentes da posição dos ‘transigentes’ durante a intensa luta revolucionária. Quando a luta se intensifica, o “vacilante” covardemente corre para se proteger. Quando o povo revolucionário sai vitorioso (17 de outubro), o ‘conciliador’ se esgueira para fora de seu esconderijo, ostenta-se orgulhosamente, gritando e delirando até ficar rouco: ‘Aquela foi uma greve política ‘gloriosa’!’. Mas quando a vitória é conquistada pela contrarrevolução, o ‘conciliador’ começa a amontoar reprimendas hipócritas e conselhos edificantes sobre os vencidos. A greve que teve sucesso foi “gloriosa”. Os ataques derrotados foram criminosos, loucos, sem sentido e anárquicos. A insurreição derrotada foi uma loucura, uma confusão de elementos emergentes, uma barbárie e estupidez. Em suma, sua consciência política e sabedoria política levam o ‘conciliador’ a se encolher diante do lado que no momento é o mais forte, para atrapalhar os combatentes, bagunçando primeiro um lado e depois o outro, para amenizar a luta e para borrar a consciência revolucionária das pessoas que estão travando uma luta desesperada pela liberdade.”

Prosseguindo. Seria muito oportuno, neste ponto, citar as explicações sobre a questão da ditadura dirigidas contra o sr. R. Blank. Em 1906, este R. Blank, em um jornal menchevique, embora apartidário do ponto de vista formal[5], expôs as opiniões dos mencheviques e exaltou seus esforços “para direcionar o movimento social-democrata russo ao longo do caminho que está sendo seguido pelos todo o movimento social-democrata internacional, liderado pelo grande partido social-democrata da Alemanha”.

Em outras palavras, como os Kadets, R. Blank contrapôs os bolcheviques, como revolucionários irracionais, não marxistas, rebeldes etc., em comparação aos mencheviques “sensatos”, e apresentou o Partido Social-Democrata Alemão como um partido menchevique também. Este é o método usual da tendência internacional dos social-liberais, pacifistas etc., que em todos os países exaltam os reformistas e oportunistas, os kautskistas e os longuetistas, como socialistas “aceitáveis” em contraste com a “loucura” dos bolcheviques.

Foi assim que respondi ao sr. R. Blank no panfleto de 1906 mencionado acima:

“sr. Blank compara dois períodos diferentes da revolução russa. O primeiro período cobre aproximadamente outubro-dezembro de 1905. Este é o período do redemoinho revolucionário. O segundo é o período atual, que, naturalmente, temos o direito de chamar de período das vitórias dos Kadets nas eleições para a Duma, ou, talvez, se arriscarmos avançar um pouco, o período de uma Duma Kadet.

“A respeito desse período, Blank diz que voltou a ser a vez do intelecto e da razão, e é possível retomar atividades deliberadas, metódicas e sistemáticas. Por outro lado, Blank descreve o primeiro período como um período em que a teoria divergia da prática. Todos os princípios e ideias social-democratas evaporaram, as táticas que sempre foram defendidas pelos fundadores da social-democracia russa foram esquecidas e até os próprios pilares da visão social-democrata do mundo foram arrancados.

“A principal afirmação do sr. Blank é apenas uma declaração factual: toda a teoria do marxismo divergia da “prática” no período do redemoinho revolucionário.

“Isso é verdade? Qual é o primeiro e principal “pilar” da teoria marxista? É que a única classe completamente revolucionária na sociedade moderna e, portanto, a classe avançada em cada revolução, é o proletariado. A questão é então: o redemoinho revolucionário arrancou este “pilar” da visão de mundo social-democrata? Pelo contrário, o redemoinho o justificou da maneira mais brilhante. O proletariado foi o principal e, a princípio, quase o único combatente desse período. Pela primeira vez na história, talvez, uma revolução burguesa foi marcada pelo emprego de uma arma puramente proletária, ou seja, a greve política de massas, em uma escala sem precedentes mesmo nos países capitalistas mais desenvolvidos. O proletariado marchou para uma batalha definitivamente revolucionária, numa época em que os Struves e os Blanks pediam a participação na Duma de Buligin e os professores Kadets incentivavam os alunos a continuarem os estudos. Com sua arma proletária, o proletariado conquistou para toda a Rússia aquela chamada “constituição”, que desde então foi apenas mutilada, cortada e reduzida. O proletariado, em outubro de 1905, empregou aquelas táticas de luta que seis meses antes haviam sido estabelecidas na resolução do Terceiro Congresso Bolchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo, que enfatizou fortemente a necessidade de combinar a greve política de massas com a insurreição, e é esta combinação que caracteriza todo o período do “redemoinho revolucionário”, todo o último trimestre de 1905. Assim, nosso ideólogo da pequena burguesia distorceu a realidade da maneira mais descarada e flagrante. Ele não citou um único fato para provar que a teoria marxista divergia da experiência prática no período do “redemoinho revolucionário”. Ele tentou obscurecer a principal característica deste turbilhão, que mais brilhantemente confirmou o acerto de “todos os princípios e ideias social-democratas”, de “todos os pilares da perspectiva social-democrata mundial”.

“Mas qual foi a verdadeira razão que induziu Blank a chegar à conclusão monstruosamente errada de que todos os princípios e ideias marxistas desapareceram no período do ‘redemoinho’? É muito interessante examinar essa circunstância, ainda mais porque expõe a natureza real do filistinismo na política.

“O que é que distingue principalmente o período do ‘redemoinho revolucionário’ do atual período ‘Kadet’, no que diz respeito às várias formas de atividade política e aos vários métodos pelos quais o povo faz história? Em primeiro lugar, e principalmente, é que durante o período do “redemoinho”, certos métodos especiais de fazer história foram empregados, os quais são estranhos a outros períodos da vida política. Os seguintes foram os mais importantes desses métodos: 1) a ‘tomada’, pelo povo, da liberdade política – seu exercício sem quaisquer direitos e leis, e sem quaisquer limitações (liberdade de reunião, mesmo que apenas nas universidades, liberdade do imprensa, liberdade de associação, realização de congressos etc.); 2) a criação de novos órgãos de autoridade revolucionária – Soviets de Deputados Operários, Soldados, Ferroviários e Camponeses, novas autoridades rurais e urbanas, e assim por diante. Esses órgãos foram criados exclusivamente por setores revolucionários do povo, foram formados independentemente de todas as leis e regulamentos, inteiramente de uma forma revolucionária, como um produto do gênio nativo do povo, como uma manifestação da atividade independente de pessoas que haviam se livrado, ou estavam se livrando, de seus velhos grilhões de polícia. Enfim, eram de fato órgãos de autoridade, em todo o seu caráter rudimentar, espontâneo, amorfo e difuso, na composição e na atividade. Atuaram como governo, quando, por exemplo, apreenderam tipografias (em São Petersburgo) e prenderam policiais que impediam o povo revolucionário de exercer seus direitos (casos como esse também ocorreram em São Petersburgo, onde o novo órgão autoridade em questão era a mais fraca e onde o antigo governo era mais forte). Eles agiram como um governo quando apelaram a todo o povo para reter dinheiro do antigo governo. Eles confiscaram os fundos do antigo governo (os comitês de greve ferroviária no Sul) e os usaram para as necessidades do novo, o governo do povo. Sim, estes foram, sem dúvida, os embriões de um novo governo popular ou, se preferir, revolucionário. Em seu caráter social e político, foram os rudimentos da ditadura dos elementos revolucionários do povo. Isso lhes surpreende, sr. Blank e sr. Kiesewetter! Não veem aqui a ‘segurança reforçada’, que para a burguesia equivale a uma ditadura? Já dissemos que vocês não têm a menor noção do conceito científico de “ditadura”. Explicaremos a vocês em um momento. Mas, primeiro, vamos lidar com o terceiro “método” de atividade no período do “redemoinho revolucionário”: o uso da força, pelo povo, contra aqueles que usaram a força contra o povo.

“Os órgãos de autoridade que descrevemos representavam uma ditadura embrionária, pois não reconheciam nenhuma outra autoridade, nenhuma lei e nenhum padrão, independentemente de quem os estabelecesse. Autoridade – ilimitada, fora da lei e baseada na força no sentido mais direto da palavra – é ditadura. Mas a força na qual esta nova autoridade se baseou, e procurou se basear, não foi a força de baionetas usurpada por um punhado de militaristas, nem o poder da ‘força policial’, nem o poder do dinheiro, nem o poder de quaisquer instituições previamente estabelecidas. Não foi nada deste tipo. Os novos órgãos de autoridade não possuíam armas, nem dinheiro, nem velhas instituições. O poder deles – vocês podem imaginar, sr. Blank e sr. Kiesewetter? – não tinha nada em comum com os antigos instrumentos de poder, nada em comum com a ‘segurança reforçada’, se não tivermos em mente a segurança reforçada estabelecida para proteger o povo da tirania da polícia e dos demais órgãos do antigo regime.

“Em que era baseado o poder, então? Foi baseado na massa do povo. Essa é a principal característica que distinguia essa nova autoridade de todos os órgãos anteriores do antigo regime. Estes últimos eram os instrumentos do governo da minoria sobre o povo, sobre as massas operárias e camponesas. O primeiro era um instrumento de governo do povo, dos operários e camponeses, da minoria, de um punhado de valentões da polícia, de um punhado de nobres privilegiados e funcionários do governo. Essa é a diferença entre a ditadura do povo e a ditadura do povo revolucionário: observem bem, sr. Blank e sr. Kiesewetter! Como ditadura de uma minoria, o antigo regime só conseguia se manter com a ajuda de dispositivos policiais, apenas impedindo as massas populares de participar do governo e de fiscalizar o governo. A velha autoridade persistentemente desconfiava das massas, temia a luz, mantinha-se através de enganações. Como ditadura da esmagadora maioria, a nova autoridade se manteve e poderia se manter apenas porque gozava da confiança das grandes massas, apenas porque, de maneira mais livre, ampla e resoluta, alistou todas as massas na tarefa de governança. Não escondia nada, não tinha segredos, nem regulamentos, nem formalidades. Dizia, com efeito: você é um operário? Você quer lutar para livrar a Rússia da gangue de valentões da polícia? Você é nosso camarada. Eleja seu deputado. Eleja-o de uma vez, imediatamente, da maneira que achar melhor. Aceitaremos ele de boa vontade e com alegria como membro pleno de nosso Soviet de Deputados Operários, Comitê de Camponeses, Soviet de Deputados de Soldados e assim por diante. Era uma autoridade aberta a todos, cumpriu todas as suas funções diante dos olhos das massas, eram acessíveis às massas, surgiram diretamente das massas, e foram um instrumento direto e imediato das massas populares, de sua vontade. Tal era a nova autoridade, ou, para ser exato, seu embrião, pois a vitória da velha autoridade pisoteou os brotos dessa jovem planta de forma muito breve.

“Talvez, sr. Blank ou sr. Kiesewetter, vocês perguntem: por que ‘ditadura’, por que ‘força’? É necessário que uma grande massa use a força contra um punhado? Podem dezenas e centenas de milhões ser ditadores sobre mais de mil ou dez mil?

“Essa pergunta é geralmente feita por pessoas que pela primeira vez ouvem o termo ‘ditadura’, usado no que, para eles, é uma nova conotação. As pessoas estão acostumadas a ver apenas uma autoridade policial e apenas uma ditadura policial. A ideia de que pode haver governo sem polícia, ou de que a ditadura não precisa ser uma ditadura policial, lhes parece estranha. Você diz que milhões não precisam recorrer à força contra milhares? Você está enganado, e seu erro surge do fato de que você não considera um fenômeno em seu processo de desenvolvimento. Você se esquece de que a nova autoridade não cai dos céus, mas cresce, surge paralelamente e em oposição à antiga autoridade, na luta contra ela. A menos que a força seja usada contra tiranos armados com as armas e instrumentos do poder, o povo não pode ser libertado dos tiranos.

“Aqui está uma analogia muito simples, sr. Blank e sr. Kiesewetter, que os ajudará a compreender essa ideia, que parece tão remota e ‘fantástica’ para a mente dos Kadets. Suponhamos que Avramov esteja ferindo e torturando Spiridonova. Do lado de Spiridonova, digamos, estão dezenas e centenas de pessoas desarmadas. Do lado de Avramov, há um punhado de cossacos. O que as pessoas fariam se Spiridonova estivesse sendo torturada, não em uma masmorra, mas em público? Eles iriam recorrer à força contra Avramov e seus guarda-costas. Talvez eles sacrificassem alguns de seus camaradas, abatidos por Avramov; mas, a longo prazo, desarmariam à força Avramov e seus cossacos e, com toda a probabilidade, matariam na hora alguns desses brutos em forma humana; eles colocariam os outros em alguma prisão para impedi-los de cometer mais ultrajes e para levá-los a julgamento perante o povo.

“Então, vocês podem ver, sr. Blank e sr. Kiesewetter, quando Avramov e seus cossacos torturam Spiridonova, isso é ditadura militar e policial sobre o povo. Quando um povo revolucionário (isto é, um povo capaz de lutar contra os tiranos, e não apenas de estimular, advertir, lamentar, condenar, lamentar e choramingar; não um filisteu tacanho, mas um povo revolucionário) recorre à força contra Avramov e os Avramovs, essa é uma ditadura do povo revolucionário. É uma ditadura, porque é a autoridade do povo sobre Avramov, uma autoridade irrestrita por quaisquer leis (os filisteus, talvez, se oporiam a resgatar Spiridonova de Avramov pela força, pensando que isso seria contra a ‘lei’. Sem dúvida se perguntariam: existe uma “lei” que permite o assassinato de Avramov? Alguns ideólogos filisteus não desenvolveram a teoria de “não resistir ao mal”?). O termo científico “ditadura” significa nada mais, nada menos, do que livre autoridade de quaisquer leis, absolutamente irrestrita por quaisquer regras e baseada diretamente na força. O termo “ditadura” não tem outro significado senão este – notem bem, senhores Kadets. Novamente, na analogia que traçamos, vemos a ditadura do povo, porque o povo, a massa da população, desorganizada, ‘casualmente’ reunida no local determinado, ela mesma entra em cena, exerce justiça e aplica punições, exerce o poder e cria uma nova lei revolucionária. Por último, é a ditadura do povo revolucionário. Por que apenas do revolucionário e não de todo o povo? Porque entre todo o povo, sofrendo constantemente, e mais cruelmente, com as brutalidades dos Avramovs, há alguns que estão fisicamente intimidados e apavorados. Há alguns que são moralmente degradados pela teoria de “não resistir ao mal”, por exemplo, ou simplesmente degenerados não pela teoria, mas pelo preconceito, pelo hábito, rotina. E há os indiferentes, a quem chamamos de filisteus, gente pequeno-burguesa mais inclinada a se afastar da luta intensa, a passar ou mesmo a se esconder (por medo de se envolver na luta e se machucar). É por isso que a ditadura é exercida, não por todo o povo, mas pelo povo revolucionário que, no entanto, não evita o povo todo, que explica a todo o povo os motivos de suas ações em todos os seus detalhes, e que se alistam de bom grado todo o povo, não apenas em “administrar” o Estado, mas também em governá-lo e, de fato, em organizar o Estado.

“Assim, nossa analogia simples contém todos os elementos do conceito científico da ‘ditadura do povo revolucionário’, e também do conceito ‘ditadura militar e policial’. Podemos, agora, passar desta analogia simples, que até mesmo um professor Kadet erudito pode compreender, para os desenvolvimentos mais complexos da vida social.

“Revolução, no sentido estrito e direto da palavra, é um período na vida de um povo em que a raiva acumulada durante séculos de brutalidades de Avramov irrompe em ações, não apenas em palavras; e nas ações de milhões de pessoas, não apenas de indivíduos. O povo desperta e se levanta para se livrar dos Avramovs. As pessoas resgatam, em meio à vida russa, incontáveis Spiridonovas das mãos dos Avramovs, usam a força contra os Avramovs e estabelecem sua autoridade sobre os Avramovs. Claro, isso não acontece tão facilmente, e não “de uma vez”, como aconteceu em nossa analogia, simplificada para o Professor Kiesewetter. Esta luta do povo contra os Avramovs, uma luta no sentido estrito e direto da palavra, este ato do povo em derrubar os Avramovs de suas costas, se estende por meses e anos de “turbilhão revolucionário”. Esse ato do povo em derrubar os Avramovs é o verdadeiro conteúdo do que é chamado de grande revolução russa. Esse ato, visto do ponto de vista dos métodos de fazer história, se dá nas formas que acabamos de descrever ao discutir o turbilhão revolucionário, a saber: o povo se apodera da liberdade política, ou seja, a liberdade que os Avramovs os impediram de exercer; o povo cria uma nova autoridade revolucionária, autoridade sobre os Avrarmovs, sobre os tiranos do antigo regime policial; as pessoas usam a força contra os Avramovs para remover, desarmar e tornar inofensivos esses cães selvagens, todos os Avramovs, Durnovos, Dubasovs, Mins etc., etc.

“É bom que o povo aplique métodos de luta ilegais, irregulares, anti-metodológicos e assistemáticos, como tomar sua liberdade e criar uma autoridade nova, formalmente não reconhecida e revolucionária, que use a força contra os opressores do povo? Sim, é muito bom. É a manifestação suprema da luta do povo pela liberdade. Marca aquele grande período em que os sonhos de liberdade acalentados pelos melhores homens e mulheres da Rússia se tornam realidade, quando a liberdade se torna a causa das massas do povo, e não apenas de heróis individuais. É tão bom quanto o resgate de Spiridonova pela multidão (em nossa analogia) de Avramov e o desarmamento forçado de Avramov, tornando-o inofensivo.

“Mas isso nos leva ao ponto central dos pensamentos e apreensões ocultas dos Kadets. Um Kadet é o ideólogo dos filisteus precisamente porque olha para a política, para a libertação de todo o povo, para a revolução, através dos espetáculos daquele mesmo filisteu que, na nossa analogia da tortura de Spiridonova por Avramov, tentaria refrear a multidão, que a aconselharia a não infringir a lei, a não se apressar em resgatar a vítima das mãos do torturador, pois ele está agindo em nome da lei. Em nossa analogia, é claro, aquele filisteu seria moralmente um monstro, mas na vida social como um todo, repetimos, o monstro filisteu não é um indivíduo, mas um fenômeno social, condicionado, talvez, pelos preconceitos arraigados da teoria do direito filisteu burguesa.

“Por que Blank considera evidente que todos os princípios marxistas foram esquecidos durante o período do ‘redemoinho’? Porque ele distorce o marxismo em um brentanismo, e pensa que tais “princípios”, como a tomada da liberdade, o estabelecimento da autoridade revolucionária e o uso da força pelo povo, não são marxistas. Essa ideia permeia todo o artigo do sr. Blank, e não apenas o de Blank, mas os artigos de todos os Kadets e de todos os escritores do campo liberal e radical que, hoje, estão elogiando Plekhánov por seu amor aos Kadets; todos eles, até os bernsteinianos do Bez Zaglaviya[6], os Prokopoviches, Kuskovas e tutti quanti[7].

“Vejamos como surgiu essa opinião e por que estava fadada a surgir.

“Ela surgiu diretamente dos conceitos bernsteinianos ou, para colocá-los de forma mais ampla, dos conceitos oportunistas dos social-democratas da Europa Ocidental. As falácias desses conceitos, que os marxistas “ortodoxos” da Europa Ocidental têm sistematicamente exposto ao longo do tempo, estão agora sendo contrabandeados para a Rússia “às escondidas”, com disfarces diferentes e em uma ocasião diferente. Os bernsteinianos aceitaram e aceitam o marxismo sem seu aspecto diretamente revolucionário. Eles não consideram a luta parlamentar como uma das armas particularmente adequadas para determinados períodos históricos, mas como a principal e quase única forma de luta, tornando desnecessária a ‘força’, ‘apreensão’, ‘ditadura’. É essa distorção vulgar e filisteia do marxismo que os Blanks e outros puxa-sacos liberais de Plekhánov estão, agora, contrabandeando para a Rússia. Eles se acostumaram tanto com essa distorção que nem mesmo acham necessário provar que os princípios e as ideias marxistas foram esquecidos no período do redemoinho revolucionário.

“Por que tal opinião estava prestes a surgir? Porque está de acordo com a posição de classe e os interesses da pequena burguesia. Os ideólogos da “purificada” sociedade burguesa concordam com todos os métodos usados pelos social-democratas em sua luta, exceto aqueles aos quais o povo revolucionário recorre no período de um “redemoinho” e que os social-democratas revolucionários aprovam e ajudam a usar. Os interesses da burguesia exigem que o proletariado participe na luta contra a autocracia, mas apenas de uma forma que não conduza à supremacia do proletariado e do campesinato, e não elimine completamente o antigo sistema feudal-autocrático e os órgãos policiais do poder do Estado. A burguesia quer preservar esses órgãos, apenas estabelecendo seu controle direto sobre eles. Precisa deles contra o proletariado, cuja luta seria muito facilitada se fossem completamente abolidos. É por isso que os interesses da burguesia, como classe, exigem uma monarquia e uma Câmara Alta, e a prevenção da ditadura do povo revolucionário. Lute contra a autocracia, diz a burguesia ao proletariado, mas não toque nos velhos órgãos do poder do Estado, porque preciso deles. Lutar de forma ‘parlamentar’, isto é, dentro dos limites que vamos prescrever de comum acordo com a monarquia. Lute com a ajuda de organizações, não apenas organizações como comitês de greve geral, Soviets de Operários, Deputados de Soldados etc., mas com a ajuda de organizações que são reconhecidas, restritas e garantidas para o capital por uma lei que aprovaremos de comum acordo com a monarquia.

“Fica claro, portanto, porque a burguesia discursa com desdém, desprezo, raiva e ódio sobre o período do ‘redemoinho’, e com êxtase, entusiasmo e paixão filistina sem limites pela... reação, sobre o período de constitucionalismo protegido por Dubasóv. É mais uma vez aquela qualidade constante e invariável dos Kadets: buscam apoiar-se no povo e, ao mesmo tempo, temer sua iniciativa revolucionária.

“Também está claro por que a burguesia tem medo mortal de uma repetição do ‘redemoinho’, porque ignora e obscurece os elementos da nova crise revolucionária, porque fomenta ilusões constitucionais e as espalha entre o povo.

“Agora, explicamos completamente por que o sr. Blank e seus semelhantes declaram que no período do ‘redemoinho’ todos os princípios e ideias marxistas foram esquecidos. Como todos os filisteus, Blank aceita o marxismo sem seu aspecto revolucionário, ele aceita os métodos de luta da social-democracia, menos os métodos mais revolucionários e diretamente revolucionários.

“A atitude do sr. Blank em relação ao período do “turbilhão revolucionário” é extremamente característica, serve como uma ilustração do fracasso burguês em compreender os movimentos proletários, o horror burguês da luta aguda e decidida, o ódio burguês por toda manifestação de um método radical e diretamente revolucionário de resolver os problemas histórico-sociais, um método que quebra velhas instituições. O sr. Blank traiu a si mesmo e toda a sua estreiteza burguesa. Em algum lugar, ele ouviu e leu que durante o período de tormenta, os social-democratas cometeram “erros”, e ele se apressou em concluir, e declarar com autoconfiança, em tons que não toleravam contradições e não exigiam provas, que todos os “princípios do marxismo” (dos quais ele não tem a menor noção!) foram esquecidos. Quanto a estes ‘erros’, devemos pontuar: Houve um período no desenvolvimento do movimento operário, no desenvolvimento da social-democracia, em que não houve erros, em que não houve desvio à direita ou à esquerda? Não é a história do período parlamentar da luta travada pelo Partido Social-Democrata Alemão – o período que todos os burgueses tacanhos em todo o mundo consideraram como o limite máximo – repleta de tais erros? Se Blank não fosse um completo ignorante sobre os problemas do socialismo, ele facilmente chamaria a atenção de Mulberger, Dühring, a questão da Subvenção de Dampfer[8], da ‘Juventude’[9], dos bernsteinianos e muitos mais. Mas Blank não está interessado em estudar o curso real de desenvolvimento do movimento social-democrata. Tudo o que ele quer é minimizar o alcance da luta proletária para exaltar a mesquinhez burguesa de seu partido Kadet.

“De fato, se examinarmos a questão à luz dos desvios que o movimento social-democrata fez de seu curso ordinário, ‘normal’, veremos que mesmo a esse respeito havia mais e não menos solidariedade e integridade ideológica entre os social-democratas no período de “redemoinho revolucionário” do que antes. A tática adotada no período de ‘turbilhão’ não afastou ainda mais as duas alas do Partido Social-Democrata, mas as aproximou. Desentendimentos anteriores deram lugar à unidade de opinião sobre a questão do levante armado. Os social-democratas de ambas as facções eram ativos nos Soviets de deputados Operários, instrumentos peculiares de autoridade revolucionária embrionária. Atraíram soldados e camponeses para esses Soviets, publicaram manifestos revolucionários juntamente com os partidos revolucionários pequeno-burgueses. Velhas controvérsias do período pré-revolucionário deram lugar à unanimidade em questões práticas. O aumento da maré revolucionária afastou as divergências, obrigando os social-democratas a adotar táticas militantes, jogou a questão da Duma para um segundo plano e colocou a questão da insurreição na ordem do dia. Ainda aproximou os social-democratas e os democratas burgueses revolucionários na realização de tarefas imediatas. No Severny Golos[10], os mencheviques, juntamente com os bolcheviques, convocaram uma greve geral e uma insurreição, e apelaram aos operários para continuarem esta luta até que tivessem conquistado o poder. A própria situação revolucionária sugeria palavras de ordem práticas. Havia discussões apenas sobre questões de detalhe na avaliação dos eventos: por exemplo, o Nachalo[11] considerava os Soviets de Deputados Operários como órgãos de autogoverno local revolucionário, enquanto o Novaia Jizn[12] os considerava como órgãos embrionários do poder de Estado revolucionário que uniu o proletariado com os democratas revolucionários. O Nachalo inclinou-se para a ditadura do proletariado. O Novaia Jizn defendeu a ditadura democrática do proletariado e do campesinato. Mas não foram observadas divergências desse tipo em todos os estágios de desenvolvimento de cada partido socialista na Europa?

“A deturpação dos fatos por parte do sr. Blank e sua grosseira distorção da história recente são nada mais, nada menos, do que uma amostra da presunçosa banalidade burguesa, para a qual períodos de turbilhão revolucionário parecem loucura (“todos os princípios são esquecidos”, “até o intelecto e a razão quase desaparecem”), enquanto os períodos de supressão da revolução e do “progresso” filisteu (protegidos pelos Dubasóvs) parecem ser períodos de atividade razoável, deliberada e metódica. Esta avaliação comparativa de dois períodos (o período de “redemoinho” e o período dos Kadets) percorre todo o artigo do sr. Blank. Quando a história humana avança com a velocidade de uma locomotiva, ele chama isso de “redemoinho”, uma “torrente”, o “desaparecimento” de todos os “princípios e ideias”. Quando a história avança a passos pesados, ela se torna o próprio símbolo da razão e do método. Quando as próprias massas do povo, com toda sua ingenuidade e determinação simples e rude começam a fazer história, quando começam a colocar “princípios e teorias” imediata e diretamente em prática, o burguês fica apavorado e grita que “o intelecto está se retirando para um segundo plano”. Não é o contrário, heróis do filistinismo? Não é o intelecto das massas, e não dos indivíduos, que invade a esfera da história em tais momentos? Nesse momento, o intelecto de massa não se torna uma força muito eficaz, e não uma força falastrona e preguiçosa?). Quando o movimento direto das massas foi esmagado por tiroteios, medidas repressivas, açoites, desemprego e fome, quando todos os parasitas da ciência professoral financiada por Dubasóv saíram rastejando de suas fendas e começaram a administrar assuntos em nome do povo, em nome das massas, vendendo e traindo seus interesses a uns poucos privilegiados, então os cavaleiros do filistinismo pensava que uma era de progresso calmo e pacífico havia se iniciado e que “ havia chegado a vez do intelecto e da razão”. Os burgueses sempre, e em todos os lugares, permanecem fiéis a si mesmos. Seja lendo o Polyarnaya Zvezda[13] ou o Nacha Jizn, lendo Struve ou Blank, você sempre encontrará essa mesma avaliação tacanha, professoralmente pedante e burocraticamente sem vida de períodos de revolução e períodos de reforma. Os primeiros são períodos de loucura, tolle Jahre [grandes anos], o desaparecimento do intelecto e da razão. Os últimos são períodos de atividades “deliberadas e sistemáticas”.

“Não entenda mal o que estou dizendo. Não estou argumentando que os Blanks preferem alguns períodos a outros. Não é uma questão de preferência. Nossas preferências subjetivas não determinam as mudanças nos períodos históricos. O fato é que, ao analisar as características deste ou daquele período (independentemente de nossas preferências ou simpatias), os Blanks distorcem descaradamente a verdade. O fato é que são apenas os períodos revolucionários que se distinguem por uma construção da história mais ampla, mais rica, mais deliberada, mais metódica, mais sistemática, mais corajosa e mais viva do que os períodos de progresso filisteu, Kadet, reformista. Mas os Blanks viram a verdade do avesso! Eles apontam a mesquinhez como uma magnífica construção da história. Eles consideram a inatividade das massas oprimidas ou oprimidas como o triunfo do “sistema” com o trabalho dos burocratas e da burguesia. Eles gritam sobre o desaparecimento do intelecto e da razão quando, em vez de despedaçar projetos de lei feitos por burocratas mesquinhos e jornalistas liberais[14], aí se inicia um período da atividade política direta do “povo comum”, que simplesmente começou a trabalhar sem mais delongas para esmagar todos os instrumentos de opressão do povo, tomar o poder e capturar o que era considerado pertencente a todos os tipos de ladrões do povo – em suma, quando o intelecto e a razão de milhões de pessoas oprimidas desperta não apenas para ler livros, mas para a ação, ação humana vital, para fazer história”.

Essa foi a polêmica que se travou na Rússia nos anos 1905 e 1906 sobre a questão da ditadura.

Na verdade, os Dittmanns, Kautskys, Crispiens e Hilferdings na Alemanha, Longuet and Cia. na França, Turati e seus amigos na Itália, MacDonalds e Snowdens na Grã-Bretanha etc., argumentam sobre a ditadura exatamente como o sr. R. Blank e os Kadets o fizeram na Rússia em 1905. Eles não entendem o que significa a ditadura, não sabem como se preparar para ela e são incapazes de entendê-la e implementá-la.

20.10.1920


[1] N.E. Die Neue Rheinische Zeitung foi um diário publicado em Colônia sob a direção de Marx, de 1 de junho de 1848 a 19 de maio de 1849. O conselho editorial consistia em Friedrich Engels, Wilhelm Wolff, Georg Weerth, Ferdinand Wolff, Ernst Dronke, Ferdinand Freiligrath e Heinrich Burgers. Este órgão militante da ala proletária da democracia muito fez para educar as massas e despertá-las para a luta contra a contrarrevolução. A maioria dos principais artigos, que definem a posição do jornal sobre os principais problemas da revolução alemã e europeia, foram escritos por Marx e Engels. Apesar da perseguição policial, o jornal defendeu corajosamente os interesses da democracia revolucionária e do proletariado. A publicação do jornal foi interrompida após a deportação de Marx da Prússia em maio de 1849 e represálias contra outros editores.

[2] Karl Marx, “Die Krisis und die Konterrevolution”, ver Obras Completas de Marx e Engels, Dietz Verlag, Berlin, 1959.

[3] N.E. Se refere à Assembleia Nacional de Toda a Alemanha, convocada após a revolução de março de 1848 na Alemanha, em maio do mesmo ano. A Assembleia enfrentou a tarefa de pôr fim à fragmentação política da Alemanha e de redigir uma constituição para toda a Alemanha. Por causa da covardia e da vacilação de sua maioria liberal, e da irresolução e incoerência da esquerda pequeno-burguesa, a Assembleia não se atreveu a assumir o poder supremo no país e deixou de se posicionar de forma decidida nas grandes questões do Revolução alemã de 1848-49. Não fez nada para aliviar a posição dos operários e camponeses e não apoiou o movimento de libertação nacional na Polônia e na Boêmia, mas aprovou a política de opressão dos povos subjugados perseguida pela Áustria e Prússia. Os deputados não tiveram coragem de mobilizar o povo para derrotar a ofensiva contrarrevolucionária e a defesa da Constituição Imperial que haviam formulado em março de 1849. Pouco depois, os governos austríaco e prussiano chamaram de volta seus deputados, e os deputados liberais de outros estados alemães fizeram o mesmo. Os deputados restantes, que pertenciam à esquerda pequeno-burguesa, tiveram a Assembleia transferida para Stuttgart. Em junho de 1849, a Assembleia foi dissolvida pelas tropas do Governo de Württemberg.

[4] N.E. Em 9 de janeiro de 1905, mais de 140.000 operários de São Petersburgo carregando faixas e ícones, marcharam até o Palácio de Inverno para apresentar uma petição ao czar. A passeata foi encenada pelo padre Gapon, agente da polícia secreta, no momento em que a greve dos operários de Putilov, iniciada no dia 3 (16) de janeiro, já havia se espalhado para as demais fábricas da cidade. Os bolcheviques alertaram sobre o risco da aventura de Gapon, alertando os operários que o czar poderia desencadear um massacre. Os bolcheviques estavam certos. Por ordem do czar, as tropas receberam os operários que se manifestavam, suas esposas e filhos com tiros de rifle, sabres e chicotes cossacos. Mais de mil operários foram mortos e cinco mil feridos. O dia 9 de janeiro, ou Domingo Sangrento, como ficou conhecido, deu início à Revolução de 1905.

[5] N.E. Lênin está se referindo ao jornal Nacha Jizn.

[6] N.E. Semanário político publicado em São Petersburgo de 24 de janeiro (6 de fevereiro) a 14 de maio (27) de 1906. Foi editado por Prokopovich, que trabalhou em estreita cooperação com Kuskova, Bogucharsky, Khizhnyakov e outros. Os membros do Bez Zaglaviya formaram um grupo semi-Kadet e semi-menchevique de intelectuais burgueses russos que, sob o pretexto de não partidarismo, propagaram as ideias do liberalismo burguês e do oportunismo, e apoiaram os revisionistas no movimento social-democrata russo e internacional.

[7] N.E. Do italiano “todos os demais”.

[8] N.E. Lênin se refere às divergências no grupo social-democrata do Reichstag alemão sobre os subsídios à remessa (subvenção Dampfers). No final de 1884, Bismarck, em busca da política colonial expansionista, exigiu do Reichstag que o mesmo aprovasse subsídios a companhias de navegação para o estabelecimento de rotas regulares de navegação para o Leste Asiático, Austrália e África. A ala esquerda do grupo social-democrata liderada por Bebel e Liebknecht, rejeitou os subsídios, mas a ala direitista, sob Auer, Dietz e outros, que constituíam a maioria, se declarou a favor da concessão de subsídios, antes mesmo do debate oficial sobre a pergunta. Durante o debate do Reichstag em março de 1885, a ala direita social-democrata votou em subsídios para companhias marítimas para o Leste Asiático e Austrália, fazendo uma série de reservas, em particular que os navios para as novas linhas deveriam ser construídos em estaleiros alemães. Somente depois que o Reichstag recusou essa exigência, todo o grupo se pronunciou unanimemente contra o projeto de lei do governo. O comportamento da maioria do grupo foi alvo de críticas do jornal Sozialdemokrat e de organizações social-democratas. Houve uma época em que as divergências dentro do grupo eram tão agudas que ameaçaram levar a uma divisão no Partido. Engels criticou duramente a posição oportunista assumida pela ala direita do grupo (ver Obras Completas de Marx e Engels, Dietz Verlag, Berlim).

[9] N.E. Lênin se refere à “Juventude” do Partido Social-Democrata Alemão, oposição pequeno-burguesa e semi-anarquista que se formou em 1890. O núcleo da oposição era formado por jovens escritores e estudantes, que se apresentavam como teóricos e dirigentes do Partido. Cegos às mudanças provocadas pela revogação da Lei Anti-Socialista em 1878, negaram a necessidade de o Partido fazer uso das formas jurídicas de luta, opuseram-se à participação dos social-democratas no parlamento e acusaram o Partido de oportunismo e defendendo os interesses da pequena burguesia. Engels escreveu que as visões teóricas e táticas da oposição eram “um marxismo distorcido irreconhecivelmente”. Suas táticas irrealistas e aventureiras, disse ele, podem “arruinar até mesmo o partido mais forte, com milhões de membros” (Ver Obras Completas de Marx e Engels, Dietz Verlag, Berlim, 1963). Alguns líderes da oposição de “esquerda” foram expulsos do Partido no Congresso de Erfurt em outubro de 1891.

[10] N.E. Severny Golos (Voz do Norte) foi um jornal diário legal, órgão do POSDR, que apareceu em São Petersburgo em 6 (19) de dezembro de 1905 e foi editado em conjunto pelos bolcheviques e mencheviques. Foi encerrado após a publicação de seu terceiro número, em 8 (21) de dezembro de 1905.

[11] N.E. Nachalo (O Começo) foi um jornal menchevique diário legal, publicado em São Petersburgo de novembro a dezembro de 1905.

[12] N.E. Novaia Jizn (Vida Nova) foi o primeiro jornal bolchevique legal publicado diariamente em São Petersburgo, de 27 de outubro (9 de novembro) a 3 (16) de dezembro de 1905. Desde o início de novembro, após o retorno de Lênin do exterior a São Petersburgo, foi publicado sob sua orientação direta. O jornal era, na verdade, o órgão central do POSDR.

[13] N.E. Polyarnaya Zvezda (A Estrela Polar) foi um jornal semanal, porta-voz da ala direitista do Partido Democrático Constitucional. Foi editado por P. B. Struve e publicado em São Petersburgo em 1905-06.

[14] N.E. No texto original, Lênin utiliza uma expressão em inglês: penny-a-liner. Tal uso remete ao jornalista que escreve pensando na ideologia do capital, ou seja, nos centavos que recebe.