'Um chamado às instâncias: Figuras centrais, opiniões individuais e um pouco do que realmente importa' (Beatriz Cassin)
Até o presente momento, algumas tribunas já se debruçaram sobre o CRP, sobre pessoas formadas no estado e outras tantas foram escritas por esses mesmos militantes. É interessante notar como essa organização federalista permite esse tipo de inferência.
Por Beatriz Cassin para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
A tribuna escrita pela camarada Raquel, publicada aos 06 de março de 2024 suscita alguns debates importantes que, de acordo com o seu relato, atravessam a prática política cotidiana no nosso quase-partido no estado de São Paulo. Apesar de não ter acesso aos mesmos debates que a camarada menciona na tribuna, me sinto responsável por debater o que entendo enquanto central nos seus controversos e relevantes apontamentos sobre a instância da qual faço parte e sobre os organismos de direção nacionais.
Primeiro, acho importante construir uma diferenciação entre esta tribuna e a da Raquel, uma vez que a camarada constrói sua análise sobre as direções partidárias nacionais e regionais a partir da prática política, das posturas e métodos de disputa que podemos entender enquanto mais ou menos legítimos utilizados por militantes “centrais” para os debates que travamos desde antes do racha com o PCB. Apesar de compreender e em alguma medida concordar com as problemáticas que envolvem essas práticas, acredito que a análise deve partir de outra perspectiva. O debate me parece ser sobre o papel das direções no partido neste momento. Para isso, creio que não devemos debater a conduta de um ou outro militante com centralidade. O debate a ser travado é justamente a construção e o estabelecimento destes parâmetros coletivamente.
No último período, a então Coordenação Estadual da União da Juventude Comunista no Estado de São Paulo, que hoje integra o Comitê Regional Provisório de São Paulo, foi parte e agente em muitos debates que atravessam nossa organização - o jornal, a logística, a solidariedade internacional, a especialização. Não à toa, muitos dirigentes formados em SP, centralmente na capital e/ou pela Coordenação Estadual da UJC/Coordenação Regional da UJC foram eleitos nos últimos congressos e plenárias para tarefas de direção nacional, executivas ou plenas. Até o presente momento, algumas tribunas já se debruçaram sobre o CRP, sobre pessoas formadas no estado e outras tantas foram escritas por esses mesmos militantes. É interessante notar como essa organização federalista permite esse tipo de inferência. Basta torcer o nariz, dizer “de onde é” e partir para a procura dos nomes, como se isso resolvesse alguma coisa - e como se já não soubéssemos quais são.
Camaradas, não deveríamos nos importar tanto com a intenção de um ou outro camarada em justificar suas opiniões publicamente neste momento. Nos interessa mais que o compromisso em qualificar as resoluções apresentadas, discutidas e votadas coletivamente neste processo congressual seja assumido por essas instâncias e seus membros e, por isso, cobradas por sua base. Muitas destas resoluções, como menciona o camarada GDL sobre a defesa - ou falta dela - do KKE, se sustentam hoje somente enquanto acúmulos de camaradas mais experimentados na práxis internacionalista, por exemplo. Devemos todos então seguir o mesmo caminho desses camaradas, que construíram um suposto saber sobre temas importantes ao movimento comunista por conta própria, sem um direcionamento coletivo (!) para a atuação do partido sobre o assunto? Ou ainda, devemos exigir de uma ou outra pessoa que, individualmente, se disponham a tirar uma série de “dúvidas” e citar meia dúzia de parágrafos, para fisiologicamente concordarmos com suas concepções?
A especialização do trabalho e, neste caso, das tarefas de direção, foi objeto de tentativas centradas na divisão das tarefas a partir de uma perspectiva organizativa. Como pudemos ver no último período a partir de um número significativo de afastamentos e desligamentos justificados a partir do esgotamento, da perda de perspectiva, da falta de respostas, este padrão é insustentável mesmo àqueles que o reproduzem. Prova disso é a sobrecarga desses quadros com a realização de “acompanhamentos”, aprovações, revisões, listas e todos os tipos de planilha que puderem imaginar, que contribuem para a ausência da possibilidade concreta de se debruçar sobre a qualificação do e para o trabalho coletivo. O camarada Machado, com quem divido instância, argumentou com frequência que “não há como dirigir um partido sem método”, como se essa afirmação óbvia e, em contexto, arrogante, justificasse qualquer tentativa desordenada, pela sua intenção de “fazer alguma coisa”. Apesar de partir de um diagnóstico acertado e com bases estabelecidas, as mudanças em método e forma organizativos não são capazes de avançar ao que se pretendem, e acabam por reproduzir as mesmas concepções pequeno-burguesas que saúdam o tarefismo, a sobrecarga e o produtivismo, estabelecendo enquanto parâmetro para a concepção de um quadro um conjunto bastante específico de condições individuais para a reprodução da vida, e o que nos interessa neste caso, do trabalho militante. O mesmo camarada escreveu uma contribuição que aborda, dentre outros tópicos, a importância das demarcações coletivas, com a qual tenho muito acordo e incentivo que compartilhe com o conjunto da militância via tribuna. Acredito que a legitimação por um lado, e o questionamento exacerbado da opinião individual desses “quadros centrais” enquanto coletivas por outro, se dê pelo processo exemplificado acima e deve ser superado - pra ontem.
Desde a “fusão” entre as instâncias regionais, ou melhor, desde a fundação do CRP-SP, este mergulhou em si mesmo. A instância foi incapaz de encontrar espaço em suas reuniões para sua principal tarefa neste momento: discutir e sintetizar sobre o seu papel na fundação, consolidação e formação dos Comitês Locais sob sua jurisprudência. Na sua prática cotidiana, funciona enquanto uma grande conferência para repasses desses mesmos locais. Seu pleno é composto por militantes amplamente capacitados e esgotados por um trabalho cotidiano desvinculado da atuação junto às massas, sem sentido, alienado. As demandas que este pleno recebe diariamente estão pouco ou nada relacionadas a qualquer trabalho, mas existe MUITO trabalho, que não se sabe qual o fim. Sua executiva, também composta por militantes capacitados, não tem coesão alguma pois foi estabelecida numa perspectiva representativa da unificação - como se o próprio pleno, a qual se submete, já não expressasse essa pluralidade de referências - e, a partir do seu esgotamento, indica as limitações das formulações que a constituem como é. Há muito o que se dizer sobre o CRP, camaradas, mas nada do que realmente precisa ser dito, esteve em debate. Ao contrário, me parece que as instâncias nacionais, locais e de base sofrem do mesmo problema.
Também noto pelas atas e participações nas reuniões do pleno e da executiva do estado - a qual componho - que os membros das nossas direções nacionais, do partido e da juventude, têm muitas opiniões sobre a militância paulista, sobre os elementos que apresento aqui e tantos outros que, certamente, escapam a esta tribuna. Creio que todos nós, com mais ou menos contato, também as temos. Na última reunião do CRP, o camarada Gabriel Lazzari, que nos prestou assistência pelo Comitê Nacional Provisório (CNP), fez uma fala sobre “priorizar o que é prioritário” seguido da leitura de um trecho da obra de Lenin, enquanto falávamos sobre o que apareceu enquanto “as principais divergências que atravessam o CRP”. Sim, camarada, pois bem. É necessário priorizar o que é prioritário, mas faltou mencionar que essas prioridades são definidas coletivamente. Faltou que as direções nacionais subsidiem o direcionamento dessa e outras discussões certamente mais relevantes a partir de uma síntese coletiva. Quando essas prioridades e, consequentemente, o direcionamento não são definidos e orientados coletivamente, geram esse fenômeno que podemos observar nas tribunas, mas também na prática cotidiana em qualquer instância: um monte de opinião, sobre um monte de gente e um monte de coisa, uma em cima da outra, sem nenhum direcionamento, sem nenhum critério. E, coincidentemente, todas elas partem de concepções individuais sobre as prioridades. Todas elas crêem piamente na sua justeza, e isso parece bastar.
Camaradas, ao invés de questionar sobre o uso do twitter do fulano ou ciclano que, convenhamos, infere pouco ou nada em qualquer aspecto do nosso trabalho, precisamos construir - e ainda há tempo - algumas sínteses neste congresso. Se nossas instâncias de direção nacionais não se comprometerem prioritariamente com isso, será realmente difícil que os debates resultem em consensos reais e divergências claras a serem desenvolvidas.
Meu objetivo central com essa tribuna é publicizar um chamado às instâncias nacionais, para que se comprometam com o que apresentei acima, e às bases, para que direcionem toda essa busca por respostas aos espaços coletivos que poderão respondê-las. Que sejamos capazes de questionar, e nos propor a encontrar respostas juntos.