'Tudo a ganhar, tudo a perder' (MM5)

Concretamente portanto estamos falando do marxismo como arma para a instalação da ditadura do proletariado através de um ato insurrecional. Qualquer coisa diferente disso só pode ser mesmo qualquer coisa, jamais marxismo leninismo.

'Tudo a ganhar, tudo a perder' (MM5)

Por Movimento Marxista 5 de Maio - MM5 para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Nota dos Editores:

A partir de contatos e reuniões bilaterais realizadas desde o segundo semestre de 2023 entre membros da CPN provisória do PCB-RR e dirigentes de algumas organizações da esquerda revolucionária, interessadas em manutenção de um diálogo conosco e visando a possibilidade de unidade de ação em algumas questões, foi formalizado o convite para que essas organizações contribuam com artigos para a seção de Tribunas de Debates no portal Em Defesa do Comunismo.

Neste contexto, publicamos a Tribuna a seguir, intitulada "Tudo a ganhar, tudo a perder", de autoria do Movimento Marxista 5 de Maio (MM5). Estendemos igualmente o convite à Organização Comunista Internacional (OCI) e ao Coletivo Cem Flores para que também possam compartilhar suas perspectivas por meio de artigos em nossa plataforma, permanecendo nossa Tribuna à disposição para futuras contribuições.


Estimados camaradas,

Inicialmente queremos registrar que nos sentimos privilegiados ao cumprir aqui a tarefa de participar deste debate de dimensão histórica. Que fique igualmente registrado nosso agradecimento à direção do PCB-RR por nos convidar a fazê-lo – nós, uma pequena organização comunista de igualmente reduzida presença no seio do proletariado. As divergências políticas que historicamente separaram o Movimento Marxista 5 de Maio - MM5 – e aqui declaramos nossa condição de herdeiros político-ideológicos da ORM Política Operária – do PCB, não constituíram impeditivo para uma produtiva aproximação com o segmento de esquerda do partido, particularmente de alguns anos para cá, quando inclusive tivemos oportunidade de participar juntos de manifestações e ações políticas,

I) Falamos acima de um debate de dimensão histórica. E é disso mesmo que se trata. É o que pretendíamos enfatizar em nossa intervenção no encontro de agosto passado no Rio de Janeiro. Longe, a anos-luz, de qualquer conotação retórica, aludimos à real possibilidade de constituir o movimento PCB-RR o marco de largada para a construção do partido revolucionário do proletariado brasileiro. Possibilidade real, porque não se trata de um grupelho qualquer sem vínculos, sem raízes e sem história. Estamos diante de um grupo que se ergue com seus próprios braços de um pântano de acomodação à institucionalidade burguesa, de um lamaçal de inação, daquele mar de burocratismo reformista que, sempre, busca fazer parecer vitória o que de verdade é derrota. Um pântano plantado em paisagens acadêmicas, distante, progressivamente distante, do proletariado, de suas lutas e de suas misérias cotidianas. Uma cadeira no parlamento constituindo o cálice sagrado de sua cruzada.

Do ponto de vista objetivo, a luta do RR se insere em um quadro de grave, gravíssima, derrota do proletariado em níveis nacional e internacional. O tempo que vivemos é um daqueles tempos de que falou Lênin: misticismo e pornografia. Com a derrota da União Soviética imposta pelo imperialismo – não se tratou de uma ‘desagregação’, como propagandeia a academia e a mídia burguesas – , todo o esforço político, militar e ideológico dos aparatos dos estados burgueses tem sido o de desqualificar nosso sonho comunista, jogar por terra a hipótese de um mundo fraterno, solidário e justo. Um mundo comunista e, claro, deturpar o caminho revolucionário para erguê-lo. Instala-se, inclusive no interior dos aparatos organizatórios dos trabalhadores, a inação e a adesão aos princípios e práticas do capitalismo. É nesta seara de oportunismo que floresce um pragmatismo sindicaleiro e imediatista que, no campo da esquerda mundial e nacional, foi firmemente empunhado pelo reformismo (e sua variante gramsciana) e pelo trotskismo como método paramentrador de sua ação política. A face mais visível e igualmente repugnante dessa política é a chamada pauta identitária, de que falaremos adiante.

É preciso pois ir fundo no debate como condição de concretizarmos sua dimensão histórica, entendendo tal debate como arma de uma construção, não apenas como reconstrução. Não se podem culpar um, ou dois ou dez dirigentes pelos erros de práticas partidárias internas e/ou externas. Como materialistas, temos que ir às causas, próximas e remotas, destes erros. É preciso retomar o princípio dialético do inter-relacionamento da prática com a teoria, o que em política revolucionária significa articular programa, estratégia e tática. E não se trata de uma articulação mecânica, enfatize-se, como se a relação se estruturasse como algo de mão única, de cima pra baixo ou de baixo pra cima. Por exemplo, a adoção de práticas oportunistas gera inevitavelmente distanciamento progressivo do programa. Um belo dia se descobre que “o tempo das revoluções acabou e não volta mais”. A miséria política se transforma em lei natural. Tudo que a burguesia quer. É decisivo para concretizar o ideal que hoje nos move que discutamos e reafirmemos princípios programáticos, estratégicos e táticos. Vamos então à discussão.

II) Programa

É relativamente conhecida na esquerda a formulação de Lênin de que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária – conhecida mas não devidamente praticada. Com a hegemonia do reformismo e do trotskismo na esquerda brasileira, então, a preocupação com a formação teórica dos militantes é praticamente nula. Bem, já que tais correntes se marcam pelo imediatismo e pelo empirismo, em sua lógica não há lugar para a teoria, que para nós marxistas é arma absolutamente essencial.

Acreditamos, dados os princípios gerais do marxismo leninismo e as lições da história das lutas de classes,         que um programa revolucionário deve obrigatoriamente conter três corpos fundamentais: 1) Uma teoria geral da luta pelo comunismo, 2) A fixação das metas histórias e políticas como objetivos e parâmetros da luta cotidiana. 3) Definição dos fatores objetivos e subjetivos que condicionam os meios e os instrumentos da luta e, por consequência, as tarefas dos comunistas.

1)  A teoria geral da luta pelo comunismo é o marxismo leninismo, a única que nos propicia a possibilidade de conhecer cientificamente os fatores objetivos e subjetivos da revolução proletária, ou seja, a realidade que pretendemos revolucionar e os agentes deste revolucionamento – no caso, o proletariado e seu partido. E a teoria marxista só pode ser tomada enquanto tal a partir da premissa da relação teoria/prática enquanto um par dialético inseparável. É conhecida a formulação do filósofo marxista Horkheimer de que só se pode conhecer uma realidade que se quer transformar, outra forma de dizer a tese de Marx de que os filósofos até então se preocuparam apenas em interpretar o mundo “mas é preciso mudar o mundo”. São frases conhecidas, mas, insistimos, não praticadas. Que fique sempre claro: Marx e Lênin não falam em uma prática qualquer, mas, sim, de uma prática orientada por uma teoria revolucionária, sem qualquer proximidade com a crendice que atribui à espontaneidade poder de ensinamento, por rasteiro que seja. O espontaneísmo não passa de uma das faces do oportunismo, uma venenosa erva daninha que dá no canteiro do reformismo.

É, pois, munidos das armas do materialismo histórico e dialético  que podemos e vamos mudar o mundo. E uma das formulações decisivas do materialismo histórico é que a substituição de uma sociedade por outra – no caso, do capitalismo pelo socialismo – só poderá ocorrer através de uma revolução, o que no materialismo dialético corresponde à transformação da quantidade em qualidade. E não estamos aqui no campo do preciosismo verbal que tanto encanta a pequena burguesia, mas sim na alusão aberta à ruptura revolucionária, à tomada do poder pelo proletariado como ato revolucionário. Revoluções não acontecem, revoluções são feitas. Não há, portanto, em Marx e Lênin lugar para se pensar a revolução proletária como processo, como querem os seguidores de  Bernstein, de Trotsky e Gramsci – entre os mais conhecidos. Em Marx e em Lênin não há sequer menção a uma transição ao socialismo. Ao socialismo chegaremos através de uma insurreição proletária. O que há, sim, é uma transição do socialismo ao comunismo. Mas aí já se trata de outro tema, de que devemos também nos ocupar. A pergunta, por exemplo, se a China é socialista ou não só pode ser respondida com precisão e efetividade se em decorrência de estudo e reflexão rigorosamente amparados nos princípios marxistas do materialismo histórico.

A mais comum das proposições reformistas – antirrevolucionárias, pois –, ancoradas na criminosa deturpação do princípio marxista da ruptura como instaladora do socialismo, é a defesa da democracia como caminho para o socialismo. A coisa chegou a tal ponto de deterioração que um respeitado militante do PCB, filósofo de origem marxista, chegou a decretar a democracia como valor universal. Sério, percebeu depois a dimensão do absurdo e fez autocrítica. Não chegamos a ler o texto original da autocrítica. De todo modo, a esquerda não fez autocrítica alguma a respeito. Preferiu apelar para o subterfúgio de continuar defendendo a democracia (a mais segura forma de dominação política da burguesia, segundo Marx), só que agora enfeitada por bolas de natal do tipo “operária”, “popular” e até mesmo “revolucionária”. Na realidade, são duas as hipóteses que levam a tal procedimento: medo de espantar a burguesia, grande ou pequena, ou oportunismo, ou os dois juntos. É recomendável aqui uma consulta séria, atenta e cuidadosa ao texto de Marx Crítica ao Programa de Gotha. Marx é peremptório, no Manifesto, na asserção de que os comunistas não podem nem devem ocultar seus objetivos. Nosso objetivo é instalar uma ditadura do proletariado como transição histórica ao comunismo. É esta nossa referência estratégica, parâmetro incontornável da nossa ação concreta cotidiana. E é isso que temos que propagandear ou adotar como palavra de ordem de ação no caso de um quadro conjuntural que remeta para a insurreição proletária.

Aos marxistas não é dado o direito da irresponsabilidade, da falta do rigor terminológico. Será preciso lembrar que é fundamentalmente através de palavras que desenvolvemos nossa propaganda e nossa agitação e, ainda, que estruturamos nossa ação geral, inclusive insurrecional? A imprecisão, registre-se, é a porta de entrada da conciliação. Não é por outras razões que Lênin o alertou explicitamente (Como iludir o povo). Antes, o próprio Marx (O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte) afirmara categoricamente para a necessidade de a revolução proletária criar sua própria “poesia”, seu próprio vocabulário, de modo a não repetir a terminologia da revolução burguesa, que buscara na linguagem política do passado greco-romano seu referencial. O maior significado desta recomendação de Marx é a especificidade histórica da revolução proletária enquanto a primeira a lutar na linha da extinção das classes sociais, o que significa, no limite, lutar pela liberdade, pela real igualdade entre os homens. A democracia, pois, – substantiva ou adjetiva – é uma legítima instituição burguesa, forma política da escravidão assalariada burguesa, inspirada rigorosamente na escravidão aberta da Antiguidade. Para que a democracia nos serviria? Para nada. Ou melhor, para desviar o proletariado do caminho da revolução. A própria história do PCB o prova à exaustão. A alusão irrefletida a que o próprio Lênin defendera a democracia como caminho, especialmente em seu texto “Duas táticas da socialdemocracia na revolução democrática”, de 1905, não se sustenta dado o fato de que realmente vivia a Rússia à época uma quadra histórica em que uma revolução democrática estava na linha do tempo, tempo histórico este que foi superado pela revolução burguesa de fevereiro de 1917. E tanto é assim, que Lênin lança a seguir suas históricas Teses de Abril, erguendo a bandeira vermelha da revolução proletária, do poder soviético, da ditadura do proletariado.

Quando se fala em teoria revolucionária, portanto, deve-se estar falando de um conjunto articulado de leis históricas e princípios capazes de instrumentalizar o conhecimento e, ao mesmo tempo, e a transformação de determinada realidade. E a teoria dos comunistas é o marxismo, já o dissemos. Não aquele falso e desfigurado marxismo acadêmico a que os agentes da burguesia incrustados nas universidades costumam se referir, dizendo-se marxianos sob a ridícula pretensão de que tal qualificativo remeteria ao rigor e à profundidade.

Concretamente portanto estamos falando do marxismo como arma para a instalação da ditadura do proletariado através de um ato insurrecional. Qualquer coisa diferente disso só pode ser mesmo qualquer coisa, jamais marxismo leninismo. E aqui surgem questões a serem pensadas na própria linha materialista do marxismo: como será esta ditadura do proletariado? Quem a exercerá? De que forma? Qual será sua instância determinante, a economia ou a política? No campo teórico são escassas as formulações até mesmo de Marx e Lênin sobre tais questões. Do lado da esquerda, mais que nunca se faz necessário o recurso à humildade revolucionária para pensá-las. A solução fácil dos posicionamentos irrefletidos, carentes de bases teóricas e práticas, só nos levam ao radicalismo vazio. Há mais de meio século o respeitado marxista Perry Anderson alertava para a necessidade da criação de uma sólida teoria da ditadura do proletariado. O que não foi feito ainda, dados os até agora instransponíveis obstáculos erguidos pelas correntes de esquerda que passaram a hegemonizar o movimento geral dos trabalhadores a partir dos anos 70 do século passado: o reformismo, o trotskismo e o gramscianismo. Hegemonia esta que assume dimensão oceânica a partir do advento do neoliberalismo como modo de ser do imperialismo  partir dos anos 80 do século passado.

Felizmente a história não acabou. São claros, claríssimos, hoje os sinais de que o capitalismo mundial ingressa de cabeça em uma daquelas graves crises cíclicas de que fala Marx, não daquela ‘crise final’ que tornaria o capitalismo eternamente incapaz de produzir mais-valia, como vocifera o delírio trotskista. E é no espaço da atual crise cíclica que se instala, acreditamos, a enorme tarefa do PCB-RR: construir-se na linha da retomada do marxismo e do leninismo. Não vemos no horizonte nenhum partido no mundo com potencial de cumprir este trabalho. Alguns partidos, de que tanto falam, não conseguiram libertar-se das bolas de ferro democráticas, pequeno-burguesas portanto, que trazem atadas aos pés. A linguagem de seus textos oficiais o denuncia. O PCB-RR chega ao cenário das lutas de classes empunhando a bandeira da rebeldia, fator essencial aos grandes feitos. Mais que isso, traz na bagagem a experiência de cem anos de existência – para o bem e para o mal. Tem musculatura suficiente para o salto inicial. Vivemos um momento de capital importância na história da esquerda brasileira, insista-se. Momento semelhante – mas não igual – ao do surgimento no final dos anos 60/início dos 70 da esquerda armada, que, apesar de todo um exemplar heroísmo, que jamais podemos deixar cair no esquecimento, mergulhou de cabeça no mar turvo do voluntarismo, fazendo-nos perder toda uma leva de revolucionários dos quais eternamente nos lembraremos.

2. A fixação de metas e objetivos concretos de parametrização da luta cotidiana traduz-se na luta revolucionária como formulação da estratégia e da tática. Antes de entrar na conceituação específica destes termos, é relevante observar que uma estratégia revolucionária jamais pode ser entendida como uma bandeira geral qualquer. Pior que isso, na esquerda não é incomum confundir-se estratégia com caracterização de dada formação social ou, mesmo, da revolução. A revolução não tem estratégia. Quem deve ter obrigatoriamente uma estratégia clara é a vanguarda revolucionária, o partido revolucionário ou a organização que pretende construí-lo. Baseadas na linguagem militar, estratégia e tática configuram plano e meta concretas estabelecidas pela vanguarda proletária na luta revolucionária pela tomada do poder. Tomada do poder – é disso que se trata. Ou se tomaria o poder através de reformas progressivas ou, então, se toma o poder através de um ato insurrecional revolucionário instalador dos pilares fundamentais de um estado proletário desde o primeiro momento. Não fixar programaticamente o mecanismo da tomada do poder é escancarar portões ao espontaneísmo, ou seja, ao oportunismo. Partidos políticos existem para tomar o poder. Ou não?

O MM5 considera que a insurreição proletária urbana é o eixo em torno do qual tem que girar uma estratégia revolucionária digna deste nome. Sem este eixo configurador de nosso objetivo revolucionário de longo prazo todo e qualquer grupo político que se pretenda revolucionário simplesmente perde razão de ser. Daí é que o MM5 adota o conceito de marco insurrecional como síntese de nossa estratégia. E aqui o propomos como objeto de debate no congresso próximo.

Claro, não se trata de recurso retórico de propaganda barata. Enquanto um marco inarredável, a estratégia se posiciona sobre a prática, determinando esta prática. E já se pode concluir aqui que a tática é a aplicação imediata ou de curto prazo da estratégia. Nos tempos em que a revolução, a tomada do poder, não está na ordem do dia, a tarefa central da esquerda é, claro, de acumulação de forças. Pergunta: acumulação de forças para quê? Resposta: acumulação de forças para a tomada insurrecional do poder pelo proletariado capitaneado por sua vanguarda. Assim, participar de eleições no estado burguês, compor frentes de esquerda, lançar ou participar de determinadas eleições sindicais, apoiar ou ingressar em frentes internacionais, tudo isso há de ser condicionado a um só critério: ajuda ou atrapalha a acumulação de forças para a tomada insurrecional do poder? Evidentemente cada ação tática deve ser deliberada pela vanguarda a partir da análise concreta da situação concreta – determina Lênin. As iniciativas táticas, pois, não podem ser tomadas com base na hipotética “criatividade” da militância ou das “massas”. Isso seria, como dissemos, espontaneísmo.

Hoje no Brasil e, podemos dizer, em todo o mundo as iniciativas táticas das vanguardas se encontram tomadas pelo vírus da chamada pauta identitária. Significa isso fundamentalmente que os interesses e objetivos, imediatos e históricos, do proletariado são, mais que secundarizados, espertamente subtraídos da ação dos sindicatos e partidos proletários, substituídos que são pela “luta” em favor de reivindicações de segmentos populacionais não classistas, como mulheres, negros e homossexuais. Seriam os marxistas contra a que se leve a luta em defesa de tais segmentos? Evidentemente que não – e não é disso que se trata. Quando se falar seriamente de pauta identitária que se fale de uma estratégia muitíssimo bem montada e orquestrada pelo imperialismo a fim de esvaziar as organizações do proletariado, seu potencial de luta e, mais grave, de seu papel histórico revolucionário. A pauta identitária tem como missão estratégica varrer o proletariado da história. É disso que se trata. E como, explicita Marx, ao se libertar o proletariado liberta a humanidade como um todo. E, ao retirar o proletariado como classe da cena política/histórica, a pauta identitária retira a própria liberdade como aspiração maior da .humanidade.

É daí que emerge a corrente antropológica reacionária, imobilista e conservadora chamada multiculturalismo. Ganha corpo o corporativismo, o oportunismo imediatista da ‘farinha  pouca, meu pirão primeiro’, esmorece a solidariedade de classe. Ganham corpo o misticismo e a pornografia, morre a utopia, robustece o individualismo. Alarga-se o chão para a ação dos espertalhões. É disso que se trata, nem mais nem menos. E é por tudo isso que temos dever e obrigação de um combate duro, sem quartel, à pauta identitária.

3. Quanto aos fatores objetivos e subjetivos que condicionam os meios e os instrumentos da luta, precisamos, então, em primeiro lugar determinar a natureza da formação social que queremos revolucionar. E não existe evidência mais cristalina da importância decisiva desta determinação. Não será exagero atribuir a grande maioria dos erros cometidos pelo PCB em cerca de noventa anos de sua centenária existência senão ao da absurda formulação de que o Brasil seria uma formação social feudal e/ou semifeudal. No plano da luta concreta, o partido empenhou-se em desastrosas alianças com uma nunca identificada burguesia industrial em busca de uma absurda revolução nacional anti-imperialista e antilatifundiária. Desastrosas, tais alianças injetaram nas veias do partido o veneno  da ilusão da aliança com... o inimigo! E assim se passaram anos e anos. Em 1964, em um quadro de situação revolucionária, o partido não tinha forças acumuladas para atacar. Desgraçadamente, foi derrotado em uma luta que praticamente não lutou no momento decisivo. Desgraçadamente, o pior resultado a lamentar foi a perda de alguns dos melhores e heroicos quadros da história das lutas de classes no país.

Dito isso, é possível afirmar ser hoje consensual na esquerda que o Brasil é um país capitalista. O que não quer dizer que todos tirem as consequências de tal constatação. Há quem diga que há camponeses no Brasil em dimensão minimamente significativa. Errado. O que há de qualitativa e quantitativamente de mão de obra no campo brasileiro são trabalhadores rurais assalariados, e não camponeses – palavra que identifica pequenos proprietários rurais, trabalhadores ou não. É no seio de ilusões semelhantes, que tomou corpo no país este movimento anacrônico, retrógrado e pequeno-burguês chamado MST, fundado e capitaneado por anticomunistas. Socialdemocratas no máximo. Elemento de purgação das culpas de uma pequena burguesia hedonista criada pela ditadura 1964-85, o MST encontra na própria esquerda forte fator de sua sobrevivência.

Outro equívoco comum entre a esquerda é o da consideração da classe trabalhadora como fator objetivo da revolução. Ora, tal leitura incorpora uma concepção sociológica burguesa, já que parte de uma visão positivista-descritiva da realidade social e imobilista da história. Para a burguesia e seus acadêmicos, a classe trabalhadora é o que é e sempre será – imóvel como as pirâmides egípcias. E é seguindo nestes trilhos que o reformismo em sua estratégia e suas táticas igualmente condena o proletariado ao imobilismo, optando por empurrar suas confusas ideias de socialismo para os pantanosos caminhos que levam à institucionalidade burguesa.

Enquanto fator subjetivo da revolução, o proletariado – precisamos recuperar esta palavra – há de ser um agente da revolução. Em Marx: a revolução dos trabalhadores será obra da própria classe trabalhadora. Para enfrentar os exércitos da burguesia precisamos criar nossos próprios exércitos, que não virão majoritariamente da pequena burguesia, que ninguém se iluda, mas do seio da própria classe. O potencial revolucionário do proletariado é estrutural, o que nos faz obviamente compreender que a atual apatia irá por terra em proporção direta do aprofundamento da crise atual do capitalismo. Lembremos Lênin falando de misticismo e pornografia em seguida à derrota da revolução de 1905. A história não autoriza a suposição de que toda a classe trabalhadora participará ativamente da tomada do poder ou, mesmo, que toda ela ascenderá à consciência revolucionária com um aguçamento geral das lutas de classe. Mas é mais que seguro que sem a existência e consequente ação de uma vanguarda proletária leninista, já formada ou em formação, a criação dos batalhões proletários revolucionários jamais ocorrerá. Crises revolucionárias são muitas na história, cujo maiores exemplos são as lutas de 1848 na Europa e a própria Comuna de Paris, em 1871. Vitoriosas? Somente aquelas em que o proletariado dispôs de uma vanguarda organizada, profissional. É para isso que temos que acumular forças hoje no seio deste próprio proletariado.

Conclusão

Que nos permitam os camaradas do PCB-RR a pretensão de concluir este texto com algo parecido a um alerta, na verdade uma extensão do que escrevemos até aqui. Em primeiro lugar nos gostaria dar grande ênfase ao enorme potencial quantitativo e qualitativo deste segmento de revolucionários em avançar qualitativamente para além de maldizeres. A tarefa é maior, muito maior: é preciso falar da oportunidade única de criar já no curto prazo o núcleo de um partido revolucionário no país. Para isso, é preciso despir-se de eventuais apegos a virtudes e grandezas passadas e, isso sim, partir para o cumprimento de uma tarefa que somente este grupo pode cumprir, a tarefa de reinstalar o marxismo leninismo no cenário das lutas de classes do país. O certo é que dificilmente teremos, até onde a vista alcança, em mãos uma oportunidade como a que temos hoje. Os problemas que levaram o PCB à deterioração, ao burocratismo, não se deveram à incapacidade ou má intenção de quem quer que seja.

Insistimos: o PCB guarda em seu programa a consigna abertamente burguesa e abertamente antimarxista (ver Gotha) de um poder popular, sem que sequer seus militantes saibam explicitar do que se trata, largando assim ao deus-dará do espontaneísmo o que o partido quer.

Insistimos: o PCB não tem estratégia. À pergunta de como se tomará o poder, a resposta é o silêncio, algo como “na hora a gente vê”. Espontaneísmo e mais espontaneísmo. E aqui voltamos a falar da imperiosa adoção do conceito de marco estratégico insurrecional.

Ou o PCB-RR resolve tais (gravíssimos) problemas neste tempo e espaço atuais e únicos, ou não terá resolvido nada. A história não se repete. Daí, o título deste texto.

Do nosso lado, o MM5 crê firmemente que os camaradas do PCB-RR saberão responder à altura ao desafio que a História lhes faz.

Venceremos!

Movimento Marxista 5 de Maio-MM5
Rio, março, 2024