'Transviadagem Classista! - Uma resposta à Camarada Sky Edith' (Camarada Bérnie)
Não seremos verdadeiramente uma vanguarda revolucionária se não combatermos o âmago e as armas da extrema-direita, estes que são, a subjetivação da humanidade pela hegemonização da forma mercadoria e o ódio a minorias sociais, hoje sendo, principalmente a população T.
Por Camarada Bérnie para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Essa tribuna não vem, de forma alguma, para criticar a construção da camarada Sky em sua tribuna “A transgeneridade em nossas fileiras e nossas falhas em relação a ela”, entretanto para gerar pontes de diálogos que em outros temas de tribunas geram 1,2,3 respostas sobre o mesmo assunto, mas quando o tema passa pelas dissidências do sistema sexo-gênero-desejo, ou sobre as pautas das opressões no geral, o assunto morre na praia, até mesmo com um ar de ‘olha alguém já está falando sobre isso, não temos que desenvolver nada então”. Pensando nisso eu faço essa Tribuna para trazer um maior senso de urgência de nossas fileiras sobre a população dissidente do sistema sexo-gênero-desejo, mas também para incitar reflexão sobre como somos todos subjetivades pela mesma lógica do Capital.
Quanto ao tema de desrespeito e erro de pronomes que a camarada apontou acredito que não haja nada a acrescentar, sem dúvidas é sintoma de uma lógica de não aprender e se engajar numa pauta “identitária”, mesmo que não falem com essas palavras, é isso que essa lógica de funcionamento esconde no interior de nossas fileiras. Isso só prova o quão próximos ainda estamos na lógica tokenista de sermos chaveirinhos de um partido e dos acúmulos de nossas pautas não se tornarem parte constituinte da práxis revolucionária em nossa organização.
Como apontado pela jornalista Jude Ellison S. Doyle, a extrema-direita hoje tem um enfoque organizador extravagantemente forte na população T. Esse enfoque tem uma de suas origens na infiltração de organizações ecofascistas em grupos do feminismo de segunda onda já com uma guinada a direita (tendo aversão à pessoas trans) entretanto, cada vez mais esses grupos foram sendo manobrados pela extrema-direita, hoje já se ligando completamente a ideias de supremacismo branco ligado a uma suposta “defesa da fertilidade da ‘raça’ branca”. Essa pesquisa jornalística, apesar de não dizer detalhe por detalhe e desenhar todas as linhas dentro da extrema-direita e as pautas das opressões, aponta algumas ligações que nos dão um breve vislumbre para afirmar que o anticapitalismo e as pautas de opressões entre si são inseparáveis, ou seremos só mais um PCO, talvez até pior.
Não seremos verdadeiramente uma vanguarda revolucionária se não combatermos o âmago e as armas da extrema-direita, estes que são, a subjetivação da humanidade pela hegemonização da forma mercadoria e o ódio a minorias sociais, hoje sendo, principalmente a população T.
Evoco aqui o pensamento do freudo-marxista italiano Mario Mieli, o autor, analisando à luz de outros pensadores da psicanálise, do marxismo e do próprio freudomarxismo, conclui que, entre as pessoas cisheteros, há uma cumplicidade em oprimir (de múltiplas formas) os dissidentes de gênero pelo simples fato destes “Normais” possuírem uma noção inconsciente de serem eles também potencialmente (no sentido de ter o porencial para serem) dissidentes. Como o próprio Mieli escreve: “Hoje o grande medo que envolve a homossexualidade [leiam homossexualidade como ‘dissidências] não desapareceu: em seu âmago, todos seguem sentindo o odor do sangue há milênios foi derramado para que o tabu anti-homossexual fosse respeitado e temido (sob pena de castração, cárcere, proscrição, tortura, morte). Em seu íntimo, todos sabem que estão potencialmente condenados à fogueira.”¹
Partindo dessas duas progressões não podemos recair numa divisão mecânica e liberal do trabalho quanto às opressões de gênero, sexualidade e raça por dois simples motivos:
- Por isso provocar distanciamento da militância pelas pessoas mais oprimidas, isolando-as na organização, assim como bem pontuou a camarada Sky “me sinto menos militante do que pessoas cis”. Enquanto nós escrevemos sobre nossas vivências e sensos de urgências, os camaradas têm o deleite de poder se debruçar em longuissimas tribunas sobre temas organizativos (os quais não tiro a importância), já que as pautas das opressões “não são sobre eles” o que nos leva ao próximo ponto;
- Pela razão que aponta Mieli - somos todes subjetivades pela lógica do capital, a lógica racista, LGBTIAfóbica, misógina e capactista do capital. Todes nós nos debruçarmos sobre estas pautas é urgente por que é escrever sobre o sistema que, em maior ou menor medida, te oprime e te rodeia com ideologia antes mesmo de você nascer. Como escreveu Althusser: “... as formas de ideologia familiar(..), que constituem a espera do nascimento da criança, lhe conferem antecipadamente uma série de características: ela terá o nome de seu pai, terá portanto uma identidade, e será insubstituível. Antes de nascer a criança é portanto sujeito, determinada a sê-lo através de e na configuração ideológica familiar específica na qual ele é “esperado” após ter sido concebido.”²
Dito tudo isso e não querendo me prolongar muito, faço o chamado para pensarmos como combater a extrema-direita em sua agenda anti-trans. Não tive grandes ideias ainda sobre o tema, entretanto, começar caminhos de amizade com ongs que protegem pessoas dissidentes em vulnerabilidade social, assim como (pelo menos aqui no ABC paulista) temos com organizações ligadas à defesa das crianças em situação vulnerabilidade social ou a pauta antirracista, pode ser um bom pontapé inicial.
Precisamos compreender assim como “a bruxa foi a comunista do seu tempo”³, a população T hoje é a bruxa de nosso tempo e os ataques não chegarão só a ela.
Saudações camaradas
Referências:
Mieli, M. (2023). Por um comunismo transexual. Brasil: Boitempo Editorial.
Doyle, J. E. S. (2022). Como a extrema-direita está transformando feministas em fascistas.Medium. Obtido de https://encurtador.com.br/eAKT0
Althusser, L. (2022). Aparelhos ideológicos de Estado. Ucrânia: Paz & Terra.
Federici, S. (2019). Mulheres e caça às bruxas. Brasil: Boitempo Editorial.