'Trabalho de base sindical: como fazer?' (Gabriel Xavier)

Essa tribuna tem como objetivo realizar alguns apontamentos introdutórios da minha experiência, ainda precária, enquanto militante comunista no movimento sindical. Também é um incentivo que outres camaradas façam o mesmo.

'Trabalho de base sindical: como fazer?' (Gabriel Xavier)

Por Gabriel Xavier para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Essa tribuna tem como objetivo realizar alguns apontamentos introdutórios da minha experiência, ainda precária, enquanto militante comunista no movimento sindical. Também é um incentivo que outres camaradas façam o mesmo.

Ressalto que o meu conhecimento prático sobre trabalho sindical ainda é insuficiente, tenho apenas dois anos e três meses de militância organizada! Acredito que há camaradas em nossa organização que possam contribuir melhor para isso.

Assim, de início, quero realizar uma reflexão. Acredito que muitas células de nosso partido não encontram, de fato, um trabalho de base, algo cotidiano de nossa luta política. A “militância” desses camaradas se resume apenas a ir em reuniões internas que não levam a ações práticas ou então esperam a respectiva direção partidária mobilizar as bases para um ato de rua ou manifestação.

É evidente que as mobilizações de massa são importantes, não devemos nos abster delas, mas essas manifestações não são trabalho de base. Em conjunto, é necessário reconhecer que, muitas vezes (ou todas), estamos a reboque das forças reformistas. Não temos, ainda, a capacidade, nem estrutura, de organização que essas forças já têm. Portanto, quem compõe a “massa” desses atos de rua é exatamente o campo reformista.

Isso quando as manifestações não se transforam em apenas firulas performáticas, com uma disputa no microfone apenas para realizamos discursos para pessoas que já estão organizadas, ou seja “pregamos para convertido”, sendo que a quantidade de trabalhadores não organizados é muito superior aes trabalhadores que já possuem histórico de militância.

As instâncias de direção, nacionais e regionais, devem procurar meios de que o trabalho militante não se resuma apenas a isso, já que tal cenário, a meu ver, é um culto velado da espontaneidade. Entretanto, isso pode se apenas expressão na parca capacidade desses dirigentes (eu incluso) em construir algo que não seja apenas essas mobilizações. Aqui, o importante é reconhecer isso e não tratar como virtude do partido, como bem exposto pelo nosso querido camarada russo:

“A experiência revolucionária e a capacidade de organização são coisas que se adquirem. Seria necessário apenas o desejo de desenvolver em si as qualidades necessárias! Seria necessário apenas ter consciência dos seus defeitos, o que, no trabalho revolucionário, é já mais do que meio caminho andado para os corrigir! 

Mas o que era um meio mal tornou-se um verdadeiro mal quando essa consciência começou a se obscurecer (e é preciso notar que ela era muito viva nos militantes dos grupos ora mencionados), quando apareceram pessoas – e mesmo órgãos social-democratas – dispostas a converter os defeitos em virtudes, e tentaram até dar um fundamento teórico à sua submissão servil e ao seu culto da espontaneidade.” [1]

Contudo, no velho PCB, era comum análises da chamada “crise geral do capital” que ia ocorrer a qualquer momento e, portanto, deveríamos apenas estar preparados para “dar o bote” e dirigirmos a revolução. Esse culto da espontaneidade é expresso, agora de forma mais explícita, em nosso antigo Secretário-Geral, Edmilson Costa:

“A crise militar, a crise humanitária, a crise econômica, social e política no Brasil são as expressões concentradas da crise orgânica do capitalismo brasileiro que envolve o país há cerca de quatro décadas e que vem esgarçando o tecido social brasileiro e provocando uma série de fenômenos nunca observados na história brasileira, pelo menos desde o pós-guerra.” [2]

Oras, primeiro, como uma crise orgânica dura quatro décadas? Segundo, se o texto foi escrito em 2023, então não havia crise antes de 1983? Terceiro, se é uma crise constante e duradoura, onde estão essas massas operárias, com uma “luta de classes em campo aberto”? Que análise de conjuntura é essa?

Minha experiência no sindicalismo brasileiro

Entrei na Unidade Classista em dezembro de 2021, desde então, consegui atuar no meu espaço de trabalho – sou bancário no Distrito Federal.  Ajudei também na logística e auxílio da greve dos servidores da Funai em 2022, em reação ao assassinato do Bruno Pereira e Dom Phillips e da greve dos professores do Sinpro-DF no ano passado.

Destaco aqui, primeiramente, a parte da Funai. O primeiro passo dentro do trabalho sindical é de observação. Apresente-se primeiro como bancário ou trabalhador e não como militante da UC ou do PCB (no nosso caso, do PCB-RR), isso trará uma face mais aproximada e de solidariedade de classe do que uma simples disputa política pela direção do sindicato. 

Por que ressalto isso? Em razão de que na assembleia que declarou greve, em meados de 2022, eu me apresentei primeiro como militante da UC e do PCB, aquele era o meu primeiro contato com os servidores da Funai, cassando certo estranhamento, o que o PCB fazia ali? Qual mérito que o nosso partido tinha de adentrar naquele espaço se nunca estivera junto a esses servidores (ao menos não no Distrito Federal)?

É necessário antes ganhar o respeito da categoria. Essa apresentação do partido de forma desnecessária impediu posteriormente que a UC realizasse um trabalho de base adequado no Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF). A diretoria passou a nos olhar com mais inimizade, e acabamos não conseguindo estabelecer uma seção sindical na Funai, com militantes nossos, em razão disso. 

Portanto, antes de agir explicitamente enquanto partido, inicialmente devemos ter muita humildade. Ouvir atentamente os problemas da categoria, sem “dar a linha” do partido ainda, um trabalho essencialmente de observação e escuta. Talvez tentando aproximar um ou outro servidor, em conversas privadas, sobre a nossa organização. Apenas após sermos lideranças reconhecidas ou ao menos que nossa presença não seja estranha, é que devemos falar publicamente quem somos. Les operáries não são burros, olham com muita desconfiança qualquer liderança nova que atua em seu sindicato.

Não é porque temos uma foice em martelo no nome e dizemos que somos muito comunistas é que les operáries confiarão em nós automaticamente. A prática é o critério da verdade. Por exemplo, após essa fala inicial na assembleia que declarou greve, a UC-DF não conseguiu acompanhar as vigílias que eram realizadas na sede da Funai. Muitos servidores reclamaram disso, que éramos apenas “performáticos” e na hora de prestar um acompanhamento real à categoria, não estávamos presentes. Não estão errados, foi isso o que aconteceu.

Disputa de narrativa nas greves

Ninguém gosta que seus filhes percam aulas porque os professores estão em greve. Durante as mobilizações do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), uma das palavras de ordem da categoria era: “Ibaneis, a resposta está em suas mãos!”, colocando a culpa da greve no governador.

Enquanto isso, os jornais da burguesia no DF, como Correio Braziliense e Metrópoles, dedicavam editoriais inteiros para demonstrar ao público o absurdo que era aquela greve, ainda mais num momento em que as aulas das crianças tinham acabo de voltar após a pandemia. Qualquer movimento grevista deverá levar isso em consideração, qual será a reação de outres operáries? Verão nossa greve como algo justo? Ou puramente um interesse egoísta desses malditos professores?

Nesse caso, por isso o nosso jornal e a comunicação externa do partido é tão importante. A mídia burguesa nunca irá falar de nossos problemas, nunca irá jogar em boa luz as justas reinvindicações da categoria. Quando muito, irá deixar claro para todes as perdas e as dificuldades da população impostas por esses grevistas preguiçosos que não querem trabalhar enquanto você trabalha!

Uma das coisas que o jornal poderá cumprir é criar laços entre uma categoria que está revoltada com outros operáries. Leiam no jornal do PCB-RR porque é tão importante apoiar a luta dos enfermeiros pelo piso nacional da enfermagem!

Não sei como é em outros estados, mas no Distrito Federal há um potencial muito grande de unidade na luta entre enfermeiros, trabalhadores da educação, rodoviários e bancários. Essas quatro categorias foram as mais afetadas no DF durante a pandemia. Lembro de participar de um ato do Sinpro-DF em protesto ao retorno as aulas presenciais e os professores da categoria colocarem cartazes pretos com os nomes dos professores que morreram de Covid-19 nas paredes da Secretaria de Educação do DF.

Durante um dos atos realizados pelos enfermeiros, ainda em setembro de 2022, na rodoviária do Plano Piloto, a palavra de ordem “sem piso, sem enfermagem”, era repetida de forma acalorada pelos rodoviários que ali estavam. Em conjunto, os ônibus passavam buzinando e comemorando a luta aguerrida da categoria!

É o primeiro passo para que seja criada uma verdadeira união entre diferentes setores da classe trabalhadora. Afinal, a unidade de ação não é automática, não podemos ter uma visão romântica de “paz entre os povos, guerra ao senhores”, muitas vezes não conseguimos criar nem unidade entre a própria categoria, quanto mais algo de amplitude como essa. Essa unidade é um processo político, forjada na luta dos próprios operáries.

No BRB, tem ocorrido um fato semelhante. O Sindicato do Bancários-DF tem criado panfletos e feito manifestações na frente das agências sobre o acordo de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Atualmente, a parte variável é de 90%, ou seja, só temos direito a integralidade da PLR caso cumprimos 90% de nossas metas, no Banco do Brasil essa parte é de 50%, e o sindicato quer negociar para 60% para os funcionários do BRB.

Ocorre que a própria diretoria do banco tem divulgado folhetos e e-mails apenas para dizer como a atual PLR é boa, como ela é uma das melhores, quando comparada a outros bancos, como Bradesco e Itaú. O quão importante é que a gente, enquanto partido, possa disputar esse processo com nosso próprio jornal? Aqui, destaco mais uma vez Lênin para falar sobre a relevância deste trabalho:

“É fato conhecido que a ampla difusão e o fortalecimento da luta econômica dos operários russos se deu de mãos dadas com a criação da ‘literatura’ de denúncias econômicas (fabris e profissionais). O conteúdo principal das ‘folhas volantes’ consistia em denunciar o estado de coisas nas fábricas, e logo irrompeu entre os operários uma verdadeira paixão por essas denúncias. Quando os operários viram que os círculos dos sociais-democratas queriam e podiam fornecer-lhes um novo tipo de folha volante, falando toda a verdade sobre sua vida miserável, seu trabalho incrivelmente penoso e sua situação de párias, começaram a chover, por assim dizer, cartas das fábricas e das indústrias. Essa ‘literatura de denúncias’ produziu uma enorme sensação, não só nas fábricas cujo estado de coisas fustigava, mas ainda em todas as fábricas aonde chegavam notícias dos fatos denunciados.” [3]

Obviamente, para não incorrer em algum desvio economicista, nossa agitação de forma alguma deve se restringir apenas às denúncias de caráter econômico, mas sim toda e qualquer manifestação de opressão do regime capitalista imposto à classe trabalhadora. 

Na polêmica de Lênin com a Rabótcheie Dielo e Rabótchaia Misl, estes destacam que a luta econômica seria o meio mais amplamente aplicável de realizar de integrar às massas a luta política, mas o camarada russo responde:

“Muito pelo contrário: no conjunto total dos casos cotidianos em que o operário sofre [...] privação de direitos, arbitrariedade e violência, é indiscutível que os casos de opressão policial precisamente no terreno da luta sindical não constituem se não uma pequena minoria. Para que então restringir de antemão a amplitude da argitação política, declarando como ‘mais amplamente aplicável’ somente um dos meios, ao lado do qual, para um social-democrata, devem-se colocar outros que, falando em geral, não são menos ‘amplamente aplicáveis’?” [4]

Plenária bancárias

Participei de duas plenárias do meu banco para discutir os problemas da categoria, uma em agosto de 2023 e outra agora em janeiro de 2024. Em nenhuma delas me apresentei como militante comunista, apenas apontei a necessidade de que se tenha mais plenárias.

A própria categoria precisa debater os seus problemas, falei da baixa sindicalização que nós temos atualmente e da necessidade de termos um trabalho mais militante, com engajamento não só da diretoria do sindicato, mas dos próprios sindicalizados nas portas das agências. Foi debatido também a questão da clandestinidade, funcionários do Banco do Brasil panfletariam no Bradesco, Itaú e vice e versa, mas nunca no próprio banco, para evitar perseguições internas depois.

Um dos problemas que enfrenta a categoria, e imagino que muitas outras Brasil afora é exatamente esse, os próprios trabalhadores sequer discutem entre si seus próprios problemas! Aqui, é importante que como partido de vanguarda do proletariado, devemos promover o caráter consciente de nosso movimento, não deixando que as greves sejam apenas momentos de reação e desespero dos trabalhadores, mas sim que sejam organizadas e mais preparadas, para que possam bater de frente e com mais força contra os desmandos do patronato.

Uma resposta simples para isso, individualmente, não posso ter. Esse tipo de pergunta só pode ser respondida, satisfatoriamente, com dezenas de plenárias da categoria para que debatam à exaustão como organizar piquetes, greves, panfletagem, qual o discurso de agitação, etc.

O que não pode acontecer é uma postura “cupulista” da diretoria do sindicato em relação a base, que ocorre quando há pouca interação entre a base e a diretoria, com essa última se colocando para todas as tarefas e aparecendo com “soluções” que sequer foram aprovadas em assembleia ou que tiveram pouco diálogo com a categoria.

Nesse sentido, nosso partido deve sempre elevar a organização dos operários, levá-la a um novo nível. Mas isso terá de ser feito com muita cautela, sempre temos de estar dispostos a ouvir as angústias de les trabalhadores em seus espaços de trabalho, procurar encaminhar tais denúncias para que nós possamos dar uma resposta a isso.

Entretanto, não devemos tomar uma postura “esquerdista”, empurrando uma greve apenas por ser algo “combativo”, greve é uma resposta muito séria e uma derrota de uma greve levará a perdas significativas do movimento operário.

Novamente, temos de reforçar o caráter consciente desse processo, procurar que a categoria saiba exatamente como enfrentar o patronato em suas reivindicações na luta econômica, tendo como passo seguinte desse processo a necessidade de imbuir a esses próprios operários a derrubada do regime capitalista, sendo esse um aprendizado também do nosso próprio camarada russo:

“As greves dos anos 1890 nos dão muitos mais vislumbres do caráter consciente: formulam-se reivindicações precisas, calcula-se antecipadamente o momento mais favorável, discutem-se casos e exemplos de outras localidades etc. Se os motins eram simplesmente revolta de oprimidos, as greves sistemáticas já representavam embriões da luta de classes, mas apenas embriões, justamente. Em si mesmas, essas greves eram luta trade-unionista, não eram ainda uma luta social-democrata; assinalavam o despertar do antagonismo entre os operários e os patrões, mas os operários não tinham, nem podiam ter, a consciência da oposição irreconciliável entre os seus interesses e todo o regime político e social existente, ou seja, não tinham a consciência social-democrata.” [5]

É isso camaradas, peço desculpas de antemão em razão de ainda não poder contribuir com mais profundidade sobre esse assunto, mas aqueles que já tem, por favor, escrevam para as tribunas!


Referências

[1] LÊNIN, Vladimir, O Que Fazer? (Boitempo, 2020, p. 50)

[2] COSTA, Edmilson, Brasil: a luta de classes em campo aberto, 2023 (link)

[3] LÊNIN, Vladimir, O Que Fazer? (Boitempo, 2020, p. 72)

[4] LÊNIN, Vladimir, O Que Fazer? (Boitempo, 2020, p. 76)

[5] LÊNIN, Vladimir, O Que Fazer? (Boitempo, 2020, p. 48-7)