'Teses Sobre a Hegemonia Pequeno-Burguesa no Movimento Comunista' (Douglas Santos)

Eu tenho fé que nosso partido pode se tornar o partido do proletariado. Mas não é pela fé que se move um comunista e nem é por ela que seremos reconhecidos pelo proletariado como seu partido-de-classe.

'Teses Sobre a Hegemonia Pequeno-Burguesa no Movimento Comunista' (Douglas Santos)
Praça do Relógio, na Cidade Universitária da USP, em São Paulo — Foto: Divulgação/USP

Por Douglas Santos para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

“Porém, eles próprios [os proletários] terão de realizar o principal para lograr a vitória final, mais precisamente, obtendo clareza sobre os interesses de sua classe, assumindo o mais depressa possível um posicionamento partidário autônomo, não se deixando demover em nenhum momento da organização independente do partido do proletariado pelo fraseado hipócrita dos pequeno-burgueses democráticos.” — Marx e Engels, na Mensagem de março de 1850 ao Comitê Central da Liga dos Comunistas.

Camaradas, esse destaque de adição para as pré-teses representam minha principal contribuição para com a reconstrução de nosso partido. Acredito que para nós essa é a questão central para a construção de um partido verdadeiramente proletário e comunista, e me incomoda ver que na introdução das pré-teses é apontado que rompemos com o antigo PCB para simplesmente “superar o etapismo estratégico que predominou em grande parte de sua história” e nada mais.

Eu não consigo acreditar que qualquer quadro proletarizade rompeu com o antigo PCB por somente divergências estratégicas e programáticas. De certo todes rompemos com o antigo PCB por essas questões e nisso temos unidade, mas também rompi porque não reconhecia lugar para mim numa estrutura partidária feita pela e para a pequena-burguesia, numa estrutura que em situação de racismo, quase fui forçado a reconhecer que “não houve racismo por falta de materialidade na crítica” (sic), caso contrário eu estava convidado a me retirar (assédio muito comum no antigo PCB). Um partido hegemonizado pela pequena-burguesia não pode ser o partido do proletariado, e eu rompi crente que a Reconstrução Revolucionária substituirá a atual hegemonia pequeno-burguesa para dar lugar a hegemonia proletária.

Eu tenho fé que nosso partido pode se tornar o partido do proletariado. Mas não é pela fé que se move um comunista e nem é por ela que seremos reconhecidos pelo proletariado como seu partido-de-classe, tão fundamental como a independência de classe que defendemos é que essa classe seja o proletariado, e não tem razão o partido ser independente para construir uma hegemonia que não a do proletariado.

Infelizmente, por questões que tomaram muito de meu tempo nesse janeiro, ainda não pude terminar minha tribuna que pretendia publicar antes dessas teses para realizar um desenvolvimento ainda maior. Mas não posso lamentar pelo o que está dado, e é por esse motivo que compartilho as teses primeiramente, ainda me comprometendo a terminar minha tribuna.

A todes es camaradas de nosso partido que realmente prezam pela hegemonia proletária, primeiramente precisamos construí-la em nosso partido e com isso escamotear a atual hegemonia pequeno-burguesa. Sabemos bem que, assim como um cachorro não está disposto a largar o osso, nem todes es dirigentes estão dispostos a superar a atual estrutura partidária que os beneficia, a exemplo da questão dos delegados natos. Mas, também sabemos que foi a pressão das bases que os forçaram a voltar atrás, e é essa energia que me causa o maior entusiasmo para disputar essa questão em nosso congresso.

Destaco que esse desenvolvimento não surgiu espontaneamente, em verdade tive contato com diverses camaradas proletarizades (alguns, infelizmente já desligados e desgastados) frustrades com a estrutura partidária que carregamos e principalmente com nossas direções, pelo interesse de realizar a manutenção dessa estrutura. Foi por meio da cisão e dessas trocas que pude ascender à consciência sobre essa questão e elaborar essas teses, agora reconheço que meu dever é tentar socializar isso com o partido a fim de instaurar um debate tão central e fundamental para nossa reconstrução. É um trabalho que também faço por eles.

Com essa introdução, deixo a vocês as teses que são também um subcapítulo inteiro, acredito que ela deveria ficar  logo em seguida do “Sobre o giro operário-popular”, no programa.

Destaque de adição: Sobre a Hegemonia Pequeno-Burguesa no Movimento Comunista

X1. A partir do VII Congresso da Internacional Comunista (em 1935), a separação entre o Partido do Proletariado, o comunista, e os partidos da pequena-burguesia progressista, reformista ou social-democrata, se perdia cada vez mais. A formação da tática da Frente Popular Dimitrovista abdicou da autonomia partidária do proletariado e da construção de sua hegemonia na luta de classes para aglutinar suas forças e se colocar a reboque dos setores da pequena-burguesia. O Partido Comunista rebaixava seu programa e estratégia para se tornar mais atrativo aos setores à esquerda da pequena-burguesia, especialmente os acadêmicos.

X2. Com essa influência, PCs que deveriam ser o partido-de-classe do proletariado passavam por uma inversão de seus quadros, com membros da pequena-burguesia o constituindo e ocupando cada vez mais cargos de direção, dando lugar a hegemonia pequeno-burguesa no Partido Comunista. Isso também aconteceu com o PCB, que,  por golpe da IC e depois se aglomerando em espaços universitários por conta da ditadura militar, não pode senão dar lugar a um partido hegemonizado pela pequena-burguesia, por isso incapaz de conquistar as massas trabalhadoras e cumprir seu papel histórico de vanguarda de classe do proletariado.

X3. Ao passo que a pequena-burguesia acadêmica simpática ao marxismo avançava sobre o partido, seus desvios de classe também o ocupavam, desta forma, todo o seu programa, estratégia e prática foram influenciados. No PCB, essa inserção foi facilitada justamente pelo partido estar condenado aos espaços acadêmicos, e com essa condição, a pequena-burguesia ocupava o partido e reservava os cargos de direção para si mesma, instaurando sua hegemonia de classe no Partido Comunista. Essa contradição perdura mesmo após a cisão e somente através de um rompimento dessa estrutura, pôde então ficar explícito como carregamos uma estrutura partidária formada pela e para a pequena-burguesia.

X4. Com isso, podemos ver e sentir essa influência em toda a estrutura partidária viciada e como isso afetou o partido, pois age para a manutenção dessa hegemonia (algumas delas ainda perdurando): nas análises, planejamentos, inserções; com o etapismo na estratégia e a tentativa de resignificar o marxismo e separa-lo do leninismo; com a incitação ao reboquismo; o “acordão” realizado pelas direções no XVI congresso do PCB; a censura dos debates e a proibição da polemica pública; na concentração da atuação em espaços acadêmicos e menos proletarizados; com o federalismo e a formação dos “feudos” de dirigentes pequenos-burgueses; na opressão e perseguição de minorias e camaradas proletarizades; mas principalmente com a formação de uma direção hegemonicamente pequeno-burguesa, notadamente ocupada por homens het-cis brancos e acadêmicos.

X5. No geral, todos esses desvios deram lugar à hegemonia pequeno-burguesa que se perdura mesmo após a cisão pela estrutura viciosa do partido e pelas tentativas de alguns dirigentes de realizar a manutenção dessa estrutura. Contra o reboquismo do proletariado à pequena-burguesia e em defesa de sua independência de classe, buscaremos romper na prática com a hegemonia da pequena-burguesia herdada do antigo PCB através de novos campos de atuação que nos façam ir de encontro com o proletariado como primeiro passo, seja pelas ocupações urbanas, assentamentos e por uma atuação que não se limite aos espaços do movimento estudantil, mas que priorize ir de encontro e estar presente com o que há de mais proletarizado e estratégico nas massas trabalhadoras. Com esse ponto de partida será possível construir um partido de novo tipo,  verdadeiramente proletário e comunista.

obs. Acredito que ainda seja necessário desenvolver mais sobre a forma de sustentação e de manutenção dessa hegemonia (movimento estudantil…?!), mas compreendo que isso significa realizar uma análise da totalidade do problema que não necessariamente precisa ser feita por mim ou pelo núcleo mas nas etapas posteriores com outras contribuições. O mesmo vale para uma solução completa para a superação, que não pode ser dada neste momento mas que com o embrião deixado no texto com certeza servirá para que debates nas próximas instâncias permitam a continuação desse trabalho. 

Outros destaques que produz sobre o mesmo tema:

Programa:

A. Introdução5. O PCB também enfrentou, em suas próprias fileiras, a luta contra o oportunismo e o liquidacionismo. Hoje, por meio da Reconstrução Revolucionária do PCB, buscamos superar o etapismo estratégico que predominou em grande parte de sua história e a hegemonia pequeno-burguesa em toda sua estrutura, a fim de construir um partido verdadeiramente proletário. Erguemos a bandeira da revolução socialista e da ditadura do proletariado, lutando pelo confisco de todos os meios de produção possuídos pela classe dos capitalistas que exploram nosso país – as burguesias estrangeiras e sua sócia menor dependente, a burguesia nacional.

Programa

Sobre o giro operário-popular

§54 O aprofundamento do giro operário-popular, com realização de balanços e incorporação de seu debate político-organizativo em planejamentos de médio e longo prazo, deve ser realizado vislumbrando superar a hegemonia pequeno-burguesa no partido e avançar na integração dos trabalhos no movimento sindical e no movimento popular de maneira centralizada em todo o país.