'Teses sobre a derrota' (Harpia Dourada)
Sempre, em todas as oportunidades, apresentar a camaradagem que nos é negada sistematicamente na avaliação das críticas que nos são dirigidas, nos atentar as qualidades de nossos opositores internos, onde tem a aprender conosco, mas especialmente em quais pontos nos ensinam
Por Harpia Dourada para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Este texto foi finalizado no dia 14/07/2023, fruto da minha frustração pessoal após um ativo no DF, onde os hoje representantes do Comitê Central novamente atropelaram as necessidades e dores da base, em resposta ao crescimento e avanço da nossa linha política (representada de maneira sucinta por dois princípios: A crítica pelo positivo e a Emulação socialista). Num ativo permeado de transfobia, atropelo e desrespeito pelas necessidades das bases da juventude, fui posto na situação de convencer um camarada negro e secundarista a se manter na juventude, depois de ter uma crise de choro ao falar sobre racismo durante o ativo, sendo eu vítima dele sem ter o direito de reagir, me defender ou denunciar o acontecido. Dada a culpa de convencer um jovem secundarista e negro a se manter na disputa por uma juventude que utilizou de racismo para me anular politicamente, e a impossibilidade de melhora do contexto interno naquele momento, escolhi escrever este texto em vez de desistir da UJC. Hoje, mais de 8 meses depois, acredito que este texto possa ser valioso aos que tentar avançar nossos trabalhos e nosso partido, contando com a paciência e compreensão aos momentos de maior calor retórico e emocional.
Não fizemos e nem nos dispusemos a fazer um balanço crítico sobre a reconstrução revolucionária do PCB ou da UJC.
Quais os atrasos que temos ao nos estabelecermos por anos enquanto uma organização que objetiva a sobrevivência? De fato construímos a ousadia para avançar que as nossas palavras de ordem exclamam? Que temos feito de errado? Nossa autocrítica durante a ditadura e o golpe do PPS são difundidas e conhecidas entre a militância? Estamos prontos para enfrentar os Roberto Freire que se criam entre as nossas fileiras? Ou é o tipo de problema que pode ser resolvido apenas uma vez, e não mais voltará?
Entendendo a covardia escondida na proposta e ideia de “provocador” enquanto alguém que faz perguntas mas não se responsabiliza por resolvê-las, encerro este tom aqui.
Com meu acúmulo de alguns anos enfrentando uma conjuntura interna de profundo amadorismo, coleguismo, atraso e falta de responsabilidade descomunais, deixo aqui algumas lições que aprendi durante esse período de derrotas sucedidas à linha do atraso, mas também de alguns avanços construídos durante as batalhas. Lições que considero valiosas aos que como eu, sobrevivem um dia de cada vez, na expectativa de um avanço organizativo que por vezes parece apenas retroceder.
Aos que leem este texto, meu mais profundo amor camarada e votos de sorte e resiliência, bem como que ofereçam e recebam ternura rígida e consequente junto a quem precisar.
Aqueles que se pretendem comunistas mas preferem ver a nossa juventude morta e irrelevante que diferente do que julgam ideal, ou especialmente, fora de seu domínio imperioso, lhes desejo, lhes devo, e lhes pretendo impor a mais acachapante das derrotas, ao ponto em que a glória do socialismo científico lhes compila a construí-lo.
Me sinto livre em ser franco, por saber que sequer se darão ao trabalho de ler estas teses.
1: A relação entre instância de direção e base.
O papel da direção, suas práticas e sua atuação, devem ser mais importantes na avaliação de uma derrota que o papel dos militantes de núcleo, pelo mesmo motivo que o papel do cérebro é mais importante ao tropeço que o papel dos sapatos, sendo um determinador das ações, e outro via de regra seguidor de ordem. Assim sendo, as faltas de assistência, de criatividade, práxis e demais características necessárias aos militantes são ainda mais caras aos dirigentes que à base. se não os enfrentamos, corrigirmos, ou mais importante ainda, se não estiverem dispostos a autocrítica e os mantemos enquanto dirigentes, mesmo sendo incapazes de responder aos problemas de nossa organização, se os blindamos de críticas, ou nos blindamos na direção a partir de pedidos como o de confiança prévia para direção, nos baseando de maneira apolítica no nosso estatuto, estamos escravizando nossa organização aos nossos caprichos, não servimos a classe trabalhadora, nos servimos dela para nossa satisfação pessoal e egoica.
2: A postura de dirigentes.
Aqueles que ao observarem os problemas se propõe a solucioná-los investigando e alterando as concepções individuais e coletivas para avançar as teses e trabalhos são mais dignos de confiança que os que se propõe ao avanço a partir de força de vontade, esforço acrítico ou negação da investigação. Estes entendem que a revolução é questão meramente quantitativa, pois sabem de tudo e nunca erram, para estes a revolução acontecerá se todas e todos abaixarem a cabeça e os seguirem sem pensar, refletir ou intervir politicamente de qualquer forma. Estes entendem que a construção do socialismo é mera questão quantitativa, que não requer autocrítica ou reavaliação para sua concretização, que para alcançar o socialismo precisamos seguir regras e simplesmente seguir ordens, obedecer o que está sendo feito, e seguir o mantra que diz que quando algo não faz sentido, o problema somos nós.
Aqueles que não entendem que queremos pessoas negras, mulheres, LGBT+, PCD’s e demais pessoas marginalizadas, porque pretendemos construir uma juventude que as sirva, que se adapte as suas necessidades, que as acolha e que reflita sua identidade, que seja dirigido e construído por elas, que estas se apoderem da juventude e que as transforme no instrumento de lute que destruirá a burguesia, estes não são nossos camaradas. Devemos nos lembrar sempre que a prática é o critério da verdade! De nada nos serve os que afirmam esta posição, mas quando confrontados com a constituição material dela se opõe e estabelecem um estilo de partido decadente e morto, baseado no burocratismo e mandonismo, estes antes fossem Bolsonaristas, pois nos causam mais prejuízo que eles.
3: Estamos sozinhos na crítica ou ela é sufocada?
Devemos sair do isolamento político a qualquer custo, dentro dos limites organizativos e do centralismo democrático. Este isolamento nos dá a impressão que tudo anda bem, que ninguém vê problemas nos nossos métodos e práticas, e que os desacordos são radicalmente individuais, de que não somos dignos da nossa camisa, mas constituindo o debate a partir da base, veremos que é simplesmente a prática de culto!.
Em cultos se estabelece a regra que ninguém pode conversar com ninguém sobre problemas, se é permitido apenas exaltar os métodos, pois críticas são como rituais que produzem fantasmas, são demonstrações de má fé e falta de crença no líder sagrado e no culto em si. De certa forma, e em algumas situações pode ser repetida esta prática em nossa organização, com a diferença de termos, mas com o mesmo resultado.
Se estabelece a regra que há momentos para criticar, e que a critica deve ser feita nas “instâncias apropriadas”, mas quando provocadas, estas instâncias de fato não existem e nem serão constituídas, com no máximo atividades breves que não permitem o aprofundamento da crítica, o direito pleno do contraditório e muito menos do convencimento, e qualquer apontamento desta situação se torna “sectarismo”! de repente seremos uma organização assombrada por uma entidade paranormal que nos pretendem destruir! No mundo do burocratismo esta entidade que se denomina “fracionismo”, é completamente imaterial, e aparece sempre que se critica uma prática errada ou autoritária, como desrespeitar nosso estatuto ou regras quando conveniente, perseguir politicamente, ou ainda, quando reagimos a mordaça que nos impõe, quando criticamos frontalmente, quando orgulhos são feridos.
4: Partir do particular, para alcançar o todo.
Reconstituição imediata das análises de conjuntura, porém, sempre partindo imediatamente dos militantes individualmente; como estão? Que sentem?, depois imediatamente ao núcleo; quais trabalhos foram tocados? Fazem sentido a atuação pretendida? Qual a atuação pretendida? Como nos enxerga e que sente por nós a pessoas que estamos disputando enquanto organização? A tendência de uma organização doente é partir do universal para o particular, e que o particular responde e se ocupe das demandas do Universal, pois assim, um núcleo que discute o orçamento do MEC não se ocupará da sua assistência deficitária, ou da correlação que constitui junto a outras forças em sua universidade/do seu sentido político e organizativo no bairro onde pretende se constituir.
5: Crítica impessoal, objetiva e com a construção da juventude como objetivo.
De nada nos interessa o porquê de os burocratas dentro de nossa organização o serem, não devemos nos preocupar com o porquê de se ocuparem em não seguir as regras que eles próprios estabeleceram se for conveniente seguirem, defenderem, constituírem ou simplesmente obedeceram uma linha política injusta, desleal e idealista por ação ou omissão, se por medo, sadismo ou conforto. Assim como de nada nos serve entender o método de fabricação da lâmina que nos atravessa o peito! Nos interessa em primeiro lugar nos manter vivas e vivos em espírito, ânimo e em disciplina, em como trazemos conosco o carinho e o respeito por todas e todos os camaradas daqui expulsos. Não por processos disciplinares justos, mas expulsos pela falta de responsabilidade política e organizativa, pela falta de justeza dos superiores, pela desesperança causada pela irredutibilidade destes, pelo desânimo, pelo cansaço dos desgastes internos e externos, pelo isolamento, silenciamento e sufocamento causados a partir e com o fim do burocratismo.
Devemos ser o sol e a lua entre nós mesmos, para que nós momentos necessários possamos iluminar e aquecer nossos camaradas desanimados, lhes manter o ímpeto revolucionário, bem como a animação em construir a nossa organização, não porque somos amigos ou porque temos uma longa história enquanto juventude, mas sim porque os convencemos de que o avanço é possível, de que existe uma linha justa, acolhedora e potente na sua intervenção perante a realidade, porque mostramos a partir da nossa práxis que o comunismo é de fato a proposta mais generosa que a humanidade já produziu.
Bem como para que possamos, como a lua, refletir o brilho dos Sóis que formamos no nosso trabalho revolucionário quando estivermos nós em momentos de desânimo, refletir os melhores exemplos entre nós. Para sermos uma organização que não repita o mantra de querer “minorias” sem saber o porquê de uma organização revolucionária querer estas pessoas, para que saibamos ser ainda uma organização inepta e incapaz de conduzir sua classe a revolução, mas que esteja disposta a se transformar na sua versão que o fará.
6: Combatividade baseada em problemas reais e comuns ao núcleo.
Sempre que formos derrotados no debate e nas disputas internas, devemos nos voltar a nossa base! Qual o sentido de nossa disputa? O que nossa conjuntura local necessita e não estamos provendo? Que trabalho organizativos estamos negligenciando e qual o efeito desta negligência? O que nossos camaradas de núcleo sentem? Quais suas críticas e quais avanços são resultados delas? Qual o fundamento de nossas críticas e quais as contradições?
No momento de derrota na disputa interna e externa se apresenta a oportunidade de correção, sempre baseada na realidade da nossa práxis! A nossa primeira pergunta deve ser “onde falhamos e porquê?” Seguida imediatamente de “quem foi bem-sucedido na mesma tentativa? Como adaptaremos seu êxito?”.
7: Atenção máxima ao moral de seus camaradas.
Existe intrínseca a nossa forma organizativa e em especial aos seus problemas um personalismo basilar da identidade de seus membros, portanto, a crítica à cada organismo deve ser acompanhado de uma cuidadosa escolha de palavras, de um esforço gigante ao separar e definir os alvos das críticas e os que constituem a organização, devemos a cada embate cuidar da auto estima e do prestígio coletivo a cada camarada individualmente, tanto aqueles que nos acompanham na crítica, quanto aqueles que erram em boa fé, nossos alvos são as contradições de nossa atuação coletiva, nunca nossos camaradas, que ao estarem doentes (Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo: https://www.marxists.org/portugues/mao/1957/02/27.htm ), constituem a sua percepção de si a partir das tarefas que cumprem, portanto, tecer a crítica é desgastante para todas e todos os envolvidos, de forma que devemos cuidar do ânimo daqueles que nos acompanham na construção do avanço, e se possível, daqueles que queremos convencer, não somos inimigos, mas devemos levar em conta que alguns camaradas se encontram doentes, e nós devemos tratá-los como tal.
8: O valor da crítica pelo positivo.
De nada nos serve a simples negação de determinada prática, de determinada postura, de determinada direção. Constituir a crítica negando determinada prática de camaradas ou instancias, mas sem afirmar um prática melhor que deveriam seguir apenas nos causa imobilização, e qualquer burocrata capaz avançará sobre a crítica, mesmo que tenha sentido. Por isso se faz necessária a crítica pelo positivo, se determinada postura está errada, o está por existir uma postura melhor que deu tais resultados em tais condições, afirmamos uma postura melhor, mais justa e eficiente, que gere menos mal estar e que produza melhores resultados a partir de nossas práticas, ou seja, o caminho estabelecido que criticamos está errado porquê tentamos outro melhor que nos levou ao avanço.
9: Catalogação e constituição de dados objetivos e subjetivos.
Estes validarão as nossas críticas, especialmente a crítica pelo positivo! Os nossos avanços e êxitos. Se estivermos imersos em uma cultura política que menospreza dados precisos e balanços quantitativos e qualitativos de nossas práticas, temos em mãos um péssimo sinal! Nada de bom pode vir de alguém que se propõe marxista e se nega a investigar o próprio progresso ou teses! Assim sendo, nossas críticas e propostas devem ser informadas e embasadas em evidências científicas, quantos de nós desistimos de construir nossa organização? Quanto tem avançado nossa política de finança? Esta tem saldo político junto a quantidade de dinheiro que conseguimos? qual o perfil de nosso núcleo? Quanto tempo se gasta para construir determinado objetivo? A partir destes saberemos se caminhamos certo ou não, é a partir destes que sabemos se nossas críticas têm valor ou estamos mais atrasados que aqueles que criticamos.
10: Coragem, Disciplina e Seriedade.
A partir da implementação, manutenção e avanço dos pontos a cima, surgem atritos e rusgas irrefreáveis perante aqueles que defendem o atraso e estão em posição de perseguir politicamente. Devemos ter a sabedoria e a resiliência de saber acalmar os ânimos de todos, refrear o tensionamento e retomar atividades normais, nos voltando para validação e consolidação de nossas posições práticas e teóricas, porém, sem ceder a pressões e recuar com nossos avanços, sem deixar que nosso trabalho seja desmontado pela força do desgaste! Devemos nos lembrar que este desgaste é uma via de mão dupla, e tendo a razão, teremos também o apoio de nossos camaradas, bem como os resultados de nosso trabalho nos afirmando a nossa justeza, recuar raramente é necessário, avançar é a prática que deve ser estabelecida, porém os momentos de manter a posição são os mais importantes, devemos saber quando avançar, e quando segurar as nossas posições, quando trabalhar simplesmente para a naturalização de práticas positivas e a abolição daquilo que tentamos e não nos serviu, validar, reforçar e constituir boas culturas políticas, sem gerar mais desgaste, mas sem ceder ao que já se apresenta.
11: Combate irredutível e irrefreável a própria soberba.
Devemos acima de tudo, nos momentos em que avançamos, aniquilar a nossa soberba, e a soberba de nossos camaradas, bem como a compreensão de que temos toda a razão e nossos opositores nenhuma! Sempre, em todas as oportunidades, apresentar a camaradagem que nos é negada sistematicamente na avaliação das críticas que nos são dirigidas, nos atentar as qualidades de nossos opositores internos, onde tem a aprender conosco, mas especialmente em quais pontos nos ensinam.
Devemos afirmar entre nós uma posição de ternura e gratidão àqueles recém-chegados que nos corrigem, que se importam com o nosso trabalho e estão dispostos a acrescentar a ele, tempo de partido não nos importa, pois quando agimos bem, quando seguimos as teses a cima, nossos camaradas que tem menos de um ano organizados podem superar nossos oponentes com muito mais tempo construindo a organização. Não devemos nutrir em momento nenhum, sentimento de vingança quanto aos burocratas, devemos sim, dar-lhes combate justo, mas respeitá-los enquanto pessoas que se dedicam ao mesmo objetivo que nós e que fazem sacrifícios muito parecidos com os nossos para manter nossa organização. Lhes devemos a derrota, mas a derrota de traze-los para a linha do avanço, de mostrar os horizontes que não lhes são perceptíveis, de permitirmos que sejam revolucionários melhores do que as circunstâncias passadas os fizeram, este deve ser nosso compromisso.
Porque o guerreiro de fé nunca gela, não agrada o injusto e não amarela.