'Terra pra quem nela vive! Um chamado aos comunistas' (Camarada Cecy)
Ora, se estamos ao lado da classe trabalhadora, torna-se primordial a tarefa de analisar os mundos do trabalho, cabendo aqui trabalhadores da Amazônia e trabalhadores do campo.
Por Camarada Cecy para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Desde o primeiro momento em que escrevo esta tribuna, tive uma dificuldade não só de autoestima militante como também de autoestima como amapaense e nortista em um partido comunista. Cada linha pensava diversas vezes se seria levado a sério ou se caberiam aqui ser visto à altura dos demais camaradas. Confesso que o academicismo tomou lugar ao ponto de dificultar formulações de camaradas valiosos para a luta e, como já demonstrado no processo do racha, a potencialidade dos nortistas que por muito tempo foi subestimada. Porém, tal questão discutirei em outra tribuna, talvez no pós-congresso.
Por muito tempo, não só a historiografia brasileira como também a produção, análise e atuação de nosso complexo partidário, de forma intelectual como também de atuação, esteve voltado ao “conservadorismo” e “tradicionalismo”, limitado à análise de uma História (com “H” maiúsculo) daqueles que se encontram no topo da hierarquia social. Entendemos que mesmo no objetivo de permanecer na análise intelectual e academicista, o partido falhou. Ora, se estamos ao lado da classe trabalhadora, torna-se primordial a tarefa de analisar os mundos do trabalho, cabendo aqui trabalhadores da Amazônia e trabalhadores do campo.
Venho de uma formação familiar composta de ribeirinhos, meu contexto social é em grande parte do campo, que tiveram que vir para a cidade. Se formos na aba de busca do site em que as tribunas são publicadas e buscarmos por “luta pela terra”, encontraremos somente uma dialogando sobre tal assunto. Por muito tempo, me questionei a ausência sobre tal debate, o que me gerou perguntas acerca da preocupação dos comunistas não somente sobre a luta pela terra, mas sobre o conhecimento da sua formação histórica brasileira.
Como historiadora, visualizo a ausência de conhecimento sobre processos na Amazônia, entre eles a Revolução Cabana, que foi incorporada por caboclos, negros e indígenas. Como pesquisadora do conflito agrário, também visualizo a luta à margem. Estamos à margem das lutas por moradia e por terra. Essas que não estão e nunca estiveram descoladas da emergência climática que vivemos atualmente.
O caderno de conflitos publicado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) demonstra os 2.203 conflitos no campo registrados no Brasil em 2023. Desses, 1.034 ocorreram na Amazônia Legal, o que corresponde a quase metade do total. A região compreende quase 60% do território brasileiro, abrangendo os sete estados da região Norte, além do Mato Grosso e parte do Maranhão e do Tocantins.
Dentre os cinco estados com os maiores números de conflitos no país, três estão nesta área: Pará (226 ocorrências), Maranhão (206) e Rondônia (186). Analisando as regiões do país, a região foi a que mais registrou conflitos por terra em 2023, com 883 ocorrências.
Com 54 ocorrências registradas de trabalho escravo e 250 trabalhadores e trabalhadoras resgatados, as atividades mais danosas foram o desmatamento para plantio de soja, as carvoarias e o garimpo. Esses números são menores em relação ao Sudeste e Sul do país, o que pode ser explicado pela diminuição ou a fragilidade de fiscalização na região.
Ademais, com o alinhamento político dos governos recentes e a atuação danosa da bancada ruralista, aumenta a pressão por legislações ainda mais permissivas, inclusive nos estados, com leis que favorecem o uso de pulverização aérea com aviões agrícolas. Um dos estados onde as comunidades tradicionais sofrem uma verdadeira guerra química é o Maranhão, em que o uso indiscriminado de agrotóxicos por parte de grandes fazendeiros e empresas visa a expulsão das comunidades de seus territórios.
E foi visualizando isso não só em dados, mas na luta diária, que me questiono quais são nossas emergências e por que ainda estamos à margem. Talvez isso inicie no déficit histórico em que nos encontramos, por desconhecimento do proletariado brasileiro. A luta pela terra e moradia interpassa a História dos trabalhadores brasileiros diariamente, esta que foi condicionante em diversos momentos, principalmente na ditadura, onde no Amapá, no período ditatorial, o estado foi palco e espaço de projetos de exploração grandiosos do empresariado estrangeiro e determinante até os dias atuais de mazelas da população e destruição de nossos territórios.
Compreender a luta pela terra e moradia é visualizar a relação corpo e território que compreende que cada espaço invadido é um corpo ferido. No chão do conflito não existe ser para existir, existe o ser para servir e resistir.
Por fim, camaradas, esta tribuna parte de um grito e apelo, não apenas pelo campesinato, mas pelo poder popular que tanto gritamos em nossas palavras de ordem (frase que li em um escrito de um camarada). Não sei ao certo em que momento começamos a caminhar tão à margem daqueles que realmente estão com o projeto de poder popular, mas que saibamos que hoje nos encontramos bem distantes, distantes não só na teoria que tanto nos vangloriamos de ler vários autores, mas também do chão do conflito.
Sejamos pelos povos da terra, das águas e das florestas