'Teremos uma organização mais acessível?' (Vi Nogueira)

Devemos trabalhar constantemente para nos aprimorarmos na questão da acessibilidade e no combate a opressões, se quisermos uma organização mais acessível.

'Teremos uma organização mais acessível?' (Vi Nogueira)
" Para isso, é indispensável que tenhamos no programa de nosso partido mais detalhes sobre como realizaremos o combate a essas opressões tanto internamente, dentro da vida partidária, quanto externamente, construindo uma vanguarda revolucionária capaz de discutir e construir coletivamente soluções para os problemas encontrados por essas populações."

Por Vi Nogueira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Introdução

Camaradas, escrevo essa tribuna após finalmente ter tido tempo para ter um estudo detalhado de nossas teses pré congressuais, antes da etapa regional do congresso em meu estado. Particularmente, desejo discutir aqui a questão da inclusão de pessoas LGBTs e PCDs em nossa organização, dois recortes dos quais eu faço parte, enquanto pessoa não binária e neuro divergente. A motivação para escrever essa tribuna se deu após a leitura do parágrafo 58 de nossas resoluções de organização, que diz que: 

§58 Devemos também criar condições materiais que garantam que as mulheres, pessoas não-brancas, LGBT e PCDs possam seguir militando na nossa organização e se desenvolverem enquanto quadros.

E qual o problema desse parágrafo? De forma bastante objetiva, ele não detalha como deveremos criar essas condições materiais, apenas falam que elas devem ser criadas sem dar um direcionamento, deixando essa pauta insuficientemente discutida. Para exemplificar, imaginem se nossas resoluções sobre a China dissessem apenas em um único parágrafo que “devemos buscar as condições materiais para discutir sobre a China e suas polêmicas com a militância”. Ora, todos militantes achariam isso insuficiente para o tema, devido à falta de clareza e direcionamento estratégico nas resoluções. Porque então deveríamos aceitar uma situação assim para uma resolução que debate o combate às opressões e a formação de quadros marginalizados por diversas formas de opressão? lógico que, ao menos para as questões LGBTs, de raça e de gênero, tivemos outras resoluções(Parágrafos 85 a 107 de nossas resoluções de estratégia e tática),o que infelizmente não é o caso das questões acerca da militância PCD, apesar de diversas tribunas discutindo o tema. Além disso, na hora de discutir a formação de quadros, nos encontramos extremamente longe do que deveria ser o papel de uma organização revolucionária, que seria justamente formar esses quadros enquanto dirigentes para que pudéssemos ter maior inserção nesses setores mais violentados pelo capitalismo e consequentemente os mobilizar para uma luta política, entendendo suas demandas e como podemos incluí-los e integrá-los em nossa organização. Abaixo, irei discutir os dois campos que tenho maior domínio e experiência pessoal nesses assuntos, a saber, a questão LGBT  e a questão PCD.

A questão LGBT

Antes de começar a falar diretamente de nossas resoluções acerca da comunidade LGBT, quero falar um pouco de minha experiência pessoal, enquanto militante que se descobriu não binária recentemente, quando já estava inserida nos quadros de nossa organização.

Quando uma pessoa cis, como eu era, passa a se identificar enquanto trans ou não binária, isso atravessa uma série de questões, tanto materiais quanto psicológicas. No meu caso particular(que não pode ser generalizado), adoção de um nome social, mudança nos pronomes utilizados, mudança nas vestimentas que utilizo são questões que acabam por acarretar uma série de problemáticas: não me visto da forma como quero pois moro em uma área extremamente bolsonarista de minha cidade e tenho medo de sofrer alguma violência, por exemplo. Isso acarreta uma série de questões psicológicas que envolvem questões como a identidade que construímos para nós e nossa auto-estima, que é afetada nesse processo. Não bastando as questões subjetivas e de saúde mental que se tornam presentes, muitas pessoas da comunidade LGBT tem também que lidar com a questão do sustento material, a saber, uma enorme dificuldade de achar empregos de qualidade, devido à LGBTfobia tão presente no mercado de trabalho. 

Voltando a minha experiência pessoal, para mim durante esse processo de transição da minha identidade de gênero noto que o partido não é capaz ainda de abarcar todas as questões que um militante passa ao longo desse processo. Por exemplo, não temos um estudo sistematizado acerca de teóricas marxistas LGBTs e nossas produções acerca de gênero e sexualidade sob uma ótica marxista são poucas, e muitas vezes produzidas sem o apoio do partido. A grande questão é que a partir do momento que não temos uma produção e divulgação sistematizada desse material diversas pessoas LGBTs acabam por não se identificar ou se interessar em conhecer um partido marxista-leninista, justamente pois acabam por cair em textos pós modernos acerca da questão LGBT, onde muitos autores apresentam uma visão anti marxista acerca dos problemas e caminhos de nossa comunidade. Assim, deixamos um vácuo teórico em nossas produções acerca desse assunto, que muitas vezes é preenchido por produções de viés mais liberal. Porém, dado que a população LGBT sofre com diversas violências no Brasil, é papel dos comunistas se porém enquanto referencial de sua luta, compondo a vanguarda revolucionária do movimento LGBT, e da mesma forma que não há prática revolucionária sem teoria revolucionária, não há movimento LGBT revolucionário sem uma teorização do movimento LGBT revolucionária.

Em resumo, a produção e divulgação sistemática de textos acerca de sexualidade e gênero por autores LGBTs permitiria tanto um melhor acolhimento de nossas demandas enquanto comunidade dentro do partido quanto também iria ser um passo inicial para nos inserirmos enquanto vanguarda revolucionária do movimento LGBT. Assim, proponho aqui, em formato de rascunho, a adição de dois parágrafos para nosso caderno de teses, logo após o parágrafo 106 nas resoluções de estratégia e tática:

Os comunistas devem expandir suas produções acerca de gênero e sexualidade, campo dominado por teorias pós-modernas mas que é de extrema importância para a comunidade LGBT. Para isso, é de extrema importância que, junto a comunidade LGBT proletarizada, se discutam suas questões e vivências, visando aumentar em profundidade nossa compreensão acerca da questão LGBT

Os comunistas se comprometem a construir um partido capaz de acolher tanto as demandas materiais, como dificuldades financeiras por conta da escassez de vagas de emprego para pessoas LGBTs, além de questões como a falta de um espaço de pertencimento onde pessoas LGBTs se sintam confortáveis para discutirem suas questões, sendo papel de todo o partido construir tais espaços por meio da socialização dos acúmulos acerca da questão LGBT com toda a militância

Agora, tendo discutido a questão LGBT, irei passar para a questão PCD, antes de retomar esse debate na conclusão do texto.

A questão PCD

Camaradas, inicialmente gostaria de lançar um questionamento: nas nossas resoluções de estratégia e tática, fizemos bem em abordar nossa atuação em conjunto com diversos setores da população marginalizados pelo capitalismo, mas por que não há uma parte das resoluções voltadas para as pessoas com deficiência? Esse estrato da população sofre diariamente diversas formas de violência, às vezes explícitas como a falta de oportunidade de estudo e trabalho ou dificuldade de acessar certos ambientes ou consumir certos conteúdos de mídia, como também questões menos visíveis como atitudes preconceituosas, que infelizmente por vezes são reproduzidas dentro das organizações marxistas. Assim, criar uma vanguarda revolucionária que tenha em sua composição pessoas com deficiência se torna imperativo para conseguirmos mobilizar um estrato da população com potencial revolucionário. Dessa forma, proponho as seguintes resoluções de estratégia e tática voltadas a população de pessoas com deficiência:

O movimento PCD no Brasil é atualmente dominado por visões capitalistas e neoliberais, onde pessoas com deficiência são retratadas superando suas dificuldades por esforço individual, negando a necessidade de uma mudança coletiva na estrutura social para combater as opressões cotidianas que essa parcela da classe trabalhadora sofre

Os movimentos comunistas, em geral, não têm a devida inserção nas pautas da população PCD, não disputando politicamente os rumos que esse movimento toma, sendo um reflexo disso a até então recente falta de debate acerca dessa população em  nosso partido.

Por se tratar de um setor constantemente desmobilizado por visões capitalistas individualizantes, é fundamental que o partido se insira nesses debates  por meio tanto da promoção da acessibilidade em sua vida interna, quanto da agitação e propaganda em torno das questões da comunidade PCD

Além disso, nas resoluções sobre recrutamentos também proponho uma alteração. No parágrafo 53, é dito que “A adaptação dos materiais-base dos recrutamentos a variados tipos de mídia também é fundamental para que superemos barreiras capacitistas para a entrada de revolucionários em nossas fileiras”. Ora, não somente com materiais-base adaptados para os recrutamentos teremos uma política de recrutamentos acessível, pois também devemos pensar se o recrutador, a pessoa que recruta, entende sobre como dialogar com PCDs e como tornar o processo de recrutamento menos cansativo e mais acessível para essas pessoas. Por exemplo, se uma pessoa surda ou com baixa audição optar por ser recrutada por nós, teremos que pensar em camaradas que sejam minimamente versados em  libras(língua brasileira de sinais) para realizar o recrutamento. Assim, proponho que ao final do parágrafo 53 em questão seja adicionado o trecho: “Além  disso, devemos dar suporte aos camaradas que fizerem o recrutamento de um militante PCD, buscando dar as condições materiais para que esse processo ocorra de forma que não surjam barreiras para o recrutando”.

Por fim, abordando a insuficiência do parágrafo 58, citado no início do texto, proponho a adição dos seguintes parágrafos logo após ele:

Essas condições materiais devem ser construídas com apoio financeiro, quando possível, além de um constante estudo das violências sofridas por esses grupos dentro e fora do partido, visando tornar o ambiente da militância propício ao desenvolvimento de quadros dessa camada da sociedade.

Deve ser disponibilizado para o militante com deficiência uma forma acessível para ele de consultar textos das tribunas, circulares e outros documentos da militância, além de pensarem-se em formas de incluir pessoas com deficiências auditivas e visuais nas reuniões, quando tais militantes estiverem presentes

Deve ser criada uma comissão nacional de acessibilidade para auxiliar os núcleos de base na inclusão de militantes com deficiência

Essas medidas permitiriam que não somente se pensassem em medidas de acessibilidade individualmente por cada núcleo, mas com a criação de uma comissão nacional de acessibilidade, tais acúmulos poderiam ser centralizados e melhor difundidos dentro do partido, além da prestação de suporte em acessibilidade que essa comissão nacional poderia dar aos núcleos de base.

E então, teremos uma organização mais acessível?

Camaradas, aqui acho importante ressaltar que uma organização acessível, uma organização onde PCDs, LGBTs e outros recortes sociais que constantemente sofrem violências dentro e fora vida partidária é algo que será construído coletivamente, por todo o partido, com esforço e dedicação que essas tarefas, que julgo enquanto prioritárias, merecem. Não será somente escrevendo tribunas acerca disso ou colocando teses mais detalhadas acerca desses problemas que eles serão resolvidos. Porém, isso é um primeiro passo. Devemos trabalhar constantemente para nos aprimorarmos na questão da acessibilidade e no combate a opressões, se quisermos uma organização mais acessível. Para isso, é indispensável que tenhamos no programa de nosso partido mais detalhes sobre como realizaremos o combate a  essas opressões tanto internamente, dentro da vida partidária, quanto externamente, construindo uma vanguarda revolucionária capaz de discutir e construir coletivamente soluções para os problemas encontrados por essas populações.