'Tecnologia: Uma questão de classe' (Daniel Barba)
O capitalismo não cria tecnologia e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Os progressos significativos na ciência e na tecnologia não são resultado da genialidade ou oportunismo de indivíduos, mas de conhecimentos, demandas e esforços coletivos.
Por Daniel Barba para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Longe de ser meramente um conjunto de ferramentas, a tecnologia representa um elemento central na configuração das relações de produção dentro do capitalismo. Ela desempenha um papel crítico nas dinâmicas de classe e poder, evidenciando que a forma como é utilizada, desenvolvida, e, crucialmente, quem tem acesso e controle sobre ela, são aspectos chave na moldura econômica, social e política da sociedade. Neste contexto, ao examinarmos a tecnologia sob a ótica marxista, torna-se imperativo reconhecer sua capacidade não somente de refletir, mas também de alterar e transformar as estruturas sociais e as relações de poder. Destaca-se então a urgência de encararmos a tecnologia como uma questão importante dentro da luta revolucionária. E como um aspecto fundamental para a emancipação da classe trabalhadora.
Há uma crença comum de que o avanço tecnológico e científico ocorre de maneira constante e invariavelmente para melhor, e que o capitalismo seria o pináculo desse processo evolutivo. E que por este processo, nós enquanto sociedade teríamos chegado em um sistema capaz de produzir da maneira mais eficiente possível, tornando obsoleto e irrelevante tudo que resista a se integrar a sua lógica. Mas este senso comum esconde que o desenvolvimento tecnológico é fruto do trabalho das pessoas, das relações entre elas e dos contextos sociais, históricos e culturais em que vivem. O capitalismo não cria tecnologia e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Os progressos significativos na ciência e na tecnologia não são resultado da genialidade ou oportunismo de indivíduos, mas de conhecimentos, demandas e esforços coletivos. Estes progressos estão profundamente entrelaçados com a forma como produzimos e sustentamos nossa vida cotidiana, sendo intrinsecamente influenciados pelas relações sociais que determinam estes mesmos processos de produção e manutenção da vida.
A tecnologia é a manifestação da práxis humana e, inserida à dinâmica capitalista, emerge em seu cerne a produção e o desenvolvimento de conhecimentos e técnicas que refletem as características e contradições inerentes a uma sociedade capitalista. Ela utiliza aspectos concretos da realidade material dessa sociedade. E moldada pelas relações sociais e estruturas de poder vigentes, traz como resultado indústrias, máquinas, softwares e soluções que correspondem aos objetivos e necessidades dessas estruturas de poder. E dentro da dinâmica capitalista, estes objetivos não são para melhoria do bem estar humano, mas sim para o aumento da voracidade da acumulação de capital. Portanto, dentro do capitalismo nunca existirá um desenvolvimento tecnológico pensado para o bem estar da classe trabalhadora. Nunca haverá uma tecnologia que irá trazer em seu âmago um pensamento científico fora da lógica da acumulação de capital. Não existe neutralidade na tecnologia, pois não existe neutralidade, imparcialidade ou independência de nada dentro das estruturas sociais de uma sociedade capitalista.
A tecnologia está em disputa, como tudo que está dentro da luta de classes. E devemos fazer esta disputa de maneira efusiva, dado ao potencial significativo que a tecnologia possui para ser uma força motriz na transformação social pela qual lutamos. Por ter a capacidade de alterar as relações de produção, influenciar a organização do trabalho, modificar estruturas sociais e econômicas, e catalisar mudanças políticas e culturais. Por isso é urgente nos apropriarmos dessa luta, por isso é urgente desenvolver uma tecnologia fora da lógica perversa e estreita da dominação e do lucro. Precisamos de uma tecnologia livre para seus usuários, e para os trabalhadores que a produzem. Uma tecnologia que fortaleça nossa capacidade na luta pela emancipação da classe trabalhadora. Que seja antirracista, feminista e que contenha toda pluralidade do povo brasileiro. Devemos construir uma tecnologia popular e revolucionária, porque tecnologia é sim uma questão de classe.