'Tarefas “de juventude” ou “partidárias”?! Uma proposta de organização da UJC' (Marte)
Não podemos isolar a juventude dos debates do resto da base do partido, pois o simples direito de debater a vida do partido nos espaços de base da juventude não é sinônimo de participação ativa nos debates que circulam na base do partido, nem de troca de informações entre juventude e partido.
Por Marte para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, diante de mais uma tribuna que aborda, mesmo que parcialmente, as polêmicas referentes à organização da juventude (do querido camarada Tabaco), trago minha contribuição para o debate, junto ao destaque que fiz na etapa congressual do núcleo UFF sobre a única tese de conjuntura de nossas teses congressuais. Esta tribuna ia ser escrita algumas semanas atrás, em resposta à polêmica iniciada pelo camarada Pedro A., que sugeriu a dissolução da UJC, mas fui bastante contemplada pela resposta de Machado e Tavares. No entanto, a própria tribuna dos camaradas deixa uma lacuna, que é justamente o ponto que vou explorar aqui: como diferenciar as tarefas “de juventude” das tarefas “partidárias”? Avalio que colocar a questão nesses termos é um equívoco, explico o porquê: por mais que hajam, sim, lutas e espaços onde a juventude se faz mais presente, por questões objetivas e subjetivas da realidade de nosso tempo, todas as tarefas da juventude são, também, tarefas do partido, enquanto nem toda as tarefas do partido são tarefas “de juventude”. Pois mesmo onde a juventude é majoritária, ela segue sendo parte da sociedade e suas lutas “específicas” quase nunca compõem a totalidade das lutas existentes em um território. Trago os exemplos do movimento estudantil, da luta dos trabalhadores de aplicativos de entrega (IFood, Rappi, etc) e os movimentos de cultura.
O ME universitário é composto majoritariamente pela juventude, muito pela faixa etária média de quem ingressa nas universidades, mas também não podemos esquecer que a pós-graduação também compõe o movimento estudantil e que qualquer pessoa adulta, de qualquer idade, pode ser estudante universitária. Ou seja, temos aqui uma tarefa tocada prioritariamente pela juventude, dado o caráter hegemônico da juventude na composição das fileiras do ME, mas também por conta dos objetivos de nossa inserção no ME, que, até agora, se refletem na linha política do MUP, de construção da Universidade Popular (não vou entrar nessa polêmica aqui e agora, pois dá assunto pra uma tribuna inteira só sobre isso). Mesma coisa para o ME secundarista. Não tenho tanto conhecimento sobre ele, como tenho do ME universitário, mas imagino que o número de adultos nas escolas ainda seja muito menor que o de “jovens” e que, mesmo mais velhos, esses adultos ainda possam ser considerados, em maioria, jovens. Portanto, é uma luta que só pode ser tocada pela juventude.
Esse quadro não se repete nos outros dois exemplos, pois tanto os movimentos de cultura, como a luta dos entregadores de aplicativo, por mais que sejam compostos por um número considerável de jovens, não se resume à juventude. É aqui que entra outro aspecto fundamental do debate sobre o papel da UJC. Nossa juventude não é um coletivo de jovens comunistas, mas sim uma escola de formação de quadros para o partido. Nesse sentido, a inserção da UJC nos espaços deve também ser pensada no intuito de chegar o mais cedo possível em determinados destacamentos do proletariado e demais setores da classe trabalhadora, para formá-los desde cedo para serem futuros quadros do partido. É um fato concreto que é menos difícil formar alguém enquanto quadro de um partido revolucionário quando se tem mais tempo para isso, quando a pessoa em questão não é militante de anos, décadas e chega a nós com diversos vícios de prática e equívocos teóricos, experiências de vida que nos moldam precocemente, etc. Não tenho conhecimento suficiente para discorrer sobre neuroplasticidade e maior facilidade com o aprendizado na infância e na juventude mas, se não estou enganada, a biologia também joga a nosso favor nesse sentido. Resumindo, entendo que quanto mais cedo chegarmos nas pessoas, mais chances teremos de formá-las enquanto quadros para nossa organização. Se isso funcionar bem, teremos a militância da juventude como um destacamento avançado em nosso partido, os quadros que elevam a qualidade do trabalho e não permitem que o fluxo de militantes que entram e saem do partido debilite nossos trabalhos, pois sempre teremos novas gerações adentrando o partido por meio de sua escola de formação, a União da Juventude Comunista.
Quando se concretizar, essa política avançará em muito a qualidade de nosso trabalho, pois se formará com o tempo um corpo médio de militantes revolucionários formados em seu “período de juventude” para dirigir o partido e garantir que trabalhadores que entrem diretamente no partido não se deparem com um terreno baldio, com um mar de tarefas hercúleas diante de si e zero noção de como proceder, pois estarão lá os quadros advindos da juventude, com robusta formação teórica e prática. Também é de nosso interesse, com essa política de formação de quadros, formar militantes substituíveis, não no sentido de serem descartáveis, mas de não-exclusividade do domínio da teoria e da prática por um pequeno punhado de dirigentes. A formação profissionalizada de quadros para o partido buscará combater a formação aleatória de quadros dirigentes, “formados pelo tocar da tarefa”, algo que eu mesma ouvi quando assumi tarefa de secretariado no passado, que eu me formaria para a tarefa durante o próprio tocar da tarefa. Ambíguo, para dizer o mínimo.
No entanto, essa perspectiva de construção de nossa juventude entra em contradição, pelo menos ao meu ver, com a forma proposta para os organismos de base. É aí que entra meu destaque à tese congressual sobre a juventude. Defendo que, em vez de fundarmos células de juventude, a UJC esteja organizada junto com todo o partido, nas células comuns do partido, e que, nessas células, se formem frações de juventude, de acordo com a avaliação de que um ou mais trabalhos de uma determinada célula são de construção prioritária da juventude, como nos exemplos dados acima. Como isso funcionaria e por que defendo essa forma de organizar a UJC? Darei o exemplo da UFF, universidade onde estudo atualmente.
Funda-se a célula UFF Niterói, dentro dela teremos não somente militantes do ME, mas também os servidores e militantes da docência, rompendo assim com o isolamento do ME diante dos outros setores da comunidade universitária. Desde que ingressei na UJC, em novembro de 2019, é nítido que a falta de articulação entre o três setores da universidade nos custa muito em termos de luta política, pois não só o ME se isola e suas próprias pautas perdem força, como, pior ainda, muitas vezes não presta solidariedade às lutas dos outros dois setores e nem constrói essas lutas com eles, pois muitas vezes nem ficamos sabendo delas. Sabemos do câncer que é o corporativismo dentro da docência e como as associações de funcionários administrativos das universidades podem ter atuações recuadas, temendo retaliação, principalmente nas universidades privadas, mas também é um fato incontornável que a unidade dos três setores pode produzir um movimento de massas dentro das universidades que é extremamente difícil de ser parado se bem organizado e dirigido, com uma linha política acertada. Não podemos replicar em nossa organização a setorialização das lutas como vem ocorrendo na sociedade sob a égide do neoliberalismo. Para combater a fragmentação das lutas, devemos organizar nossas bases em um mesmo organismo comum, para que haja diálogo entre militantes de gerações, profissões e atuações distintas. Isso no tocante à juventude, acho importante deixar claro que não sou contra a fundação de organismos de base por local de trabalho. Compreendo que essa é a melhor forma de levar a cabo as principais lutas do proletariado no Brasil.
No mais, eis a minha tese, camaradas. Não podemos isolar a juventude dos debates do resto da base do partido, pois o simples direito de debater a vida do partido nos espaços de base da juventude não é sinônimo de participação ativa nos debates que circulam na base do partido, nem de troca de informações entre juventude e partido, e entendo que há situações, como a exemplificada acima, da UFF, em que não podemos ficar dependentes de uma assistência para que haja diálogo entre ME e movimento sindical, sendo que ambos ocupam e militam no mesmo espaço. Não tem motivo para termos uma célula UFF, USP, UFPE, UFBA…para professores e funcionários e uma célula UJC-UFF, USP, UFPE, UFBA… para estudantes, ainda mais se compreendemos que a luta nas universidades depende da forja da unidade entre os três setores. Além disso, a organização da juventude em uma célula partidária comum pode ser uma forma de evitar a fomentação do que vem sendo chamado de “chauvinismo jovem”, um certo apego de militantes da juventude à UJC e sua “cultura política” própria, se é que me entendem. Sabemos que atualmente existe uma série de desigualdades entre a militância da UJC e militantes que não são da UJC, principalmente no estado de São Paulo. Incentivo a militância de SP a escrever a respeito, desenvolvendo a questão do “chauvinismo jovem” em seus espaços de debate e deliberação pós-cisão, junto à escolha que o estado fez de unificar os CRs da juventude e do partido, mais os secretariados das “células-coletivo”.
Voltando à lacuna apontada no início do texto, também não faz sentido a existência de células exclusivas de juventude, pois avalio que a única frente de luta que é praticamente exclusiva da juventude é o ME. Ou seja, com raras exceções, não teríamos células de juventude, mas sim células de ME onde, me pergunto, poderiam ingressar pessoas maiores de trinta anos de idade? Caso não, teríamos um militante de ME na célula do partido naquele respectivo local, só porque já passou da idade de ser juventude, enquanto todo o ME do local está sendo tocado pela célula de juventude? Vejo aqui, camaradas, uma grande confusão, pois essas células de juventude perdem seu sentido de ser a cada momento que reflito mais sobre elas. Por que fundaríamos uma célula de juventude em um espaço onde já há célula do partido, tocando o mesmo trabalho que a juventude? Ou então, por que excluiríamos o partido de tocar um dado trabalho, alegando que aquele é um trabalho “de juventude”? Por isso, minha posição de que, onde houver a compreensão de que se deve organizar a juventude em torno de um trabalho específico, a juventude e o partido devem se organizar juntos, para facilitar a troca de informações entre juventude e partido e para que os militantes da juventude estejam, desde o início de sua militância, habituados aos espaços do partido, que não se crie novamente todo um imaginário sobre “como será que é ‘lá dentro’ do partido?” Ainda não encontrei argumentos que me convençam da manutenção da proposta original das teses congressuais, até que isso mude, é essa a minha posição.
Por fim, não tenho posição fechada sobre as instâncias de direção da juventude. Me incomoda a atual duplicidade de CRs, de assistentes e de direções nacionais, mas não sei até onde é possível conter a direção da juventude dentro dos órgãos de direção do partido, dado o volume de tarefas e organismos de base que temos na UJC atualmente.
Compreendo que isso faz parte de todo o debate de desinchar uma UJC que se viu obrigada a se estruturar como partido, diante da debilidade do cadáver putrefato do velho PCB, até hoje possuído pelos necromantes do Comitê Central. Portanto, avalio que essa questão, da existência ou não de instâncias de direção próprias da UJC, nos assombrará por, pelo menos, mais um congresso (para além do XVII), assim como tantas outras questões que não se esgotarão no congresso que se aproxima.
Venceremos, camaradas!