'Stálin, o PCR e a abolição da Lei do Valor' (Gabriel Xavier)

Essa tribuna realiza a crítica ao livro do Stálin “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”. O objetivo é apresentar como o camarada realiza uma exposição teórica em desacordo com o marxismo.

'Stálin, o PCR e a abolição da Lei do Valor' (Gabriel Xavier)
"Como Lênin demonstra em seu O Estado e a Revolução, a primeira fase da sociedade comunista elimina a propriedade privada dos meios de produção. Contudo, tais ferramentas agora são utilizadas para criação de valores de uso, que são os bens de consumo. Essa condição é essencial para entender a progressiva abolição da Lei do Valor e, dessa maneira, promover o definhamento econômico do Estado e o atingimento do comunismo completo."

Por Gabriel Xavier para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Essa tribuna realiza a crítica ao livro do Stálin “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”. O objetivo é apresentar como o camarada realiza uma exposição teórica em desacordo com o marxismo. Além disso, a tribuna traz a crítica ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), que utiliza essa obra como formação política.

O desenvolvimento das forças produtivas

O camarada Stálin inicia sua obra com um primeiro capítulo que tenta esboçar o “caráter das leis econômicas no socialismo”. No seguinte parágrafo é apresentado o argumento de que as relações de produção são determinadas pelo caráter das forças produtivas.

“Executou-a, porém, não porque tivesse abolido as leis econômicas existentes, e "formado" novas, mas unicamente porque se apoiou na lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas. As forças produtivas do nosso país, particularmente na indústria, tinham caráter social; mas a forma de propriedade era privada, capitalista.”[1]

O problema desta linha política é considerar que o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo, ou seja, a produção de maior maquinaria, das ferrovias e rodovias, da quantidade de fábricas e aumento da urbanização, é, por si só, benéfica, devendo apenas ter a devida expropriação e utilização pelos trabalhadores. Este raciocínio está inteiramente errado.

As forças produtivas podem e devem ter caráter privado, no sentido que a produção está de tal forma organizada que produza apenas valores de trocas, ou, mercadorias. Em contraponto a isso, aes trabalhadores interessa apenas a elevação de sua riqueza material ou, a produção de valores de uso, sendo necessário reorganizar a sociedade sob bases inteiramente novas.

Um exemplo mais claro disso é o Brasil. O enorme desenvolvimento das forças produtivas, em especial nosso parque industrial, durante o período da chamada industrialização por substituição de importações (1930-80), apenas aprofundou nossas relações de dependência entre centro e periferia. Sob o socialismo, a economia brasileira irá apresentar indústrias que seriam impossíveis de serem criadas sob esse projeto de capitalismo dependente.

Durante a época do “milagre econômico” (1968-73), o PIB cresceu a uma taxa média de 11,2%. Entretanto, como estava organizada essa produção? Esse crescimento foi bom para quem? As quais interesses ela atendia? Certamente não aos interesses des operáries.

Como Lênin demonstra em seu O Estado e a Revolução, a primeira fase da sociedade comunista elimina a propriedade privada dos meios de produção. Contudo, tais ferramentas agora são utilizadas para criação de valores de uso, que são os bens de consumo. Essa condição é essencial para entender a progressiva abolição da Lei do Valor e, dessa maneira, promover o definhamento econômico do Estado e o atingimento do comunismo completo.

“Destruindo a fórmula confusa e pequeno-burguesa de Lassalle sobre a ‘desigualdade’ e a ‘justiça’ em geral, Marx indica as fases pelas quais deve passar a sociedade comunista, obrigada, no início, a destruir apenas a ‘injusta’ apropriação privada dos meios de produção, mas sem condições de destruir, ao mesmo tempo, a injusta repartição dos bens de consumo ‘conforme o trabalho’ (e não conforme as necessidades).”[2]

É nisso que consiste a diferença principal entre a primeira fase do comunismo e o capitalismo: a utilização dos meios de produção para produzir valores de uso e não valores de trocas. Em razão disto que não ocorrem crises de superprodução no socialismo, afinal, esses problemas surgem essencialmente em momentos de incapacidade de realização do valor, por meio da troca, que impedem a acumulação do capital, este já operando em sua forma-mercadoria. Essa contradição é exposta na primeira frase d’O Capital:

“A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza.”[3] (grifos meus)

A abolição da Lei do Valor

Aqui, é claro, estamos ainda no período de transição para o comunismo completo, o que Lênin chama de socialismo. Nesta fase, ainda reside a desigualdade e a injusta repartição dos produtos do trabalho. É com essa perspectiva que devemos abolir a produção de mercadorias, assentando a sociedade sob novas premissas econômicas.

É claro que, nascido do ventre do capitalismo, a Lei do Valor e a produção de mercadorias ainda existirá no socialismo. Contudo, o Estado operário deve promover sua devida abolição e não procurar utilizar a Lei do Valor no suposto interesse des trabalhadore. Isso é o definhamento econômico do Estado, que, sob controle des trabalhadores, irá operar o desenvolvimento das forças produtivas para produção de valores de uso.

“É uma “limitação”, diz Marx, mas é uma limitação inevitável na primeira fase do comunismo, pois, a não ser que se caia na utopia, não se pode pensar que, logo que o capitalismo for derrubado, as pessoas saberão, sem um tipo de Estado de direito, trabalhar para a sociedade; além do mais, a abolição do capitalismo não dá, de uma só vez, as premissas econômicas de uma mudança semelhante.”[4]

Assim, no terceiro capítulo de sua obra, Stálin realiza uma assertiva onde confunde-se o conceito de mercadoria, na qual eu recomendaria que o camarada reforçasse sua leitura do Capítulo 1, A Mercadoria, d’O Capital:

“A esfera de ação da lei do valor estende-se, em nosso país, antes de tudo, à circulação de mercadorias, à troca de mercadorias através da compra e venda, e principalmente à troca de mercadorias de consumo pessoal. Aqui, neste domínio, a lei do valor conserva, naturalmente dentro de certos limites, uma função reguladora.”[5]

Nessa citação fica evidente que Stálin imagina que no socialismo o produto do trabalho e as forças produtivas da sociedade continuarão a serem usados para produção de valores de troca. O camarada ainda imagina a produção de mercadorias no socialismo como algo determinante. Entretanto, o que determina a produção de mercadorias é caso esses bens estejam sendo fabricados unicamente por seu valor de troca, com a socialização dos meios de produção, há a progressiva eliminação desse modo de produção.

“Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria. Quem, com seu produto, satisfaz a própria necessidade gera valor de uso, mas não mercadoria. Para criar mercadoria, é mister não só produzir valor de uso, mas produzi-lo para outros, dar origem a valor de uso social. [...] O produto, para se tornar mercadoria, tem se transferido a quem vai servir como valor de uso por meio da troca.”[6]

Com a expropriação dos meios de produção e a reorganização das forças produtivas para produção de valores de uso, o objetivo é elevar a sociedade humana para sua plena realização. O que significa a eliminação da divisão entre trabalho intelectual e manual, com todes es operáries em condições de se realizarem enquanto seres humanos, da forma que desejarem, ou seja, a fase superior da sociedade comunista. Como Marx muito bem demonstra:

“[...] quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes de riqueza coletiva jorrarem de abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: ‘De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!’.”[7]

Aqui, novamente, demonstro a confusão que Stálin faz ao considerar os produtos de consumo, que foram criados em razão de seu valor de uso, como se fossem mercadorias, criados em razão de seu valor de troca:

“Na verdade, os produtos de consumo, necessários à renovação da força de trabalho empregada durante o processo da produção, são produzidos e se realizam em nosso país como mercadorias, sujeitos à ação da lei do valor. Aqui, justamente, se revela a influência da lei do valor na produção. Por força disso, em nossas empresas têm importância, atualmente, questões como a da autonomia financeira e a da rentabilidade, a do custo de produção, a dos preços de venda etc. Por isso, nossas empresas não podem nem devem deixar de ter em conta a lei do valor.”[8]

Em contraste, Lênin apresenta outra conclusão durante a primeira fase da sociedade comunista:

“Os meios de produção deixam de ser, nesse momento, propriedade privada de indivíduos. Os meios de produção pertencem à sociedade inteira. Cada membro da sociedade, executando certa parte do trabalho socialmente necessário, recebe um certificado constatando que efetuou determinada quantidade de trabalho. Com esse certificado, ele recebe, nos armazéns públicos, uma quantidade correspondente de produtos. Feito o desconto da quantidade de trabalho destinada ao fundo social, cada operário recebe da sociedade tanto quanto lhe deu.”[9]

Aqui, é essencial entender que esses bens não foram produzidos pelo seu valor de troca, e sim por quão úteis serão aes trabalhadores as qualidades materiais inerentes daquele bem, seu valor de uso. Segundo, não podem ser utilizados para acumulação privada, já que cada operárie recebe a mesma quantia que entregou, enquanto força de trabalho, para a sociedade, com os devidos descontos para o fundo social.

A formação política do PCR

Como uma pequena conclusão, essa tribuna realiza uma crítica fraterna aes estimades camaradas do Partido Comunista Revolucionário (PCR), que utilizam esse texto[10] em suas formações políticas. O objetivo não é deboche ou algum menosprezo com os importantes trabalhos políticos que es camaradas realizam, e sim, elevar o nível teórico de todes aqueles que procuram se formar enquanto marxista-leninistas.

Além disso, emular, já dentro do partido, a sociedade comunista, com a eliminação da divisão do trabalho revolucionário entre aqueles que pensam e aqueles que fazem. Devemos procurar sempre a elevação de todes es quadros do partido enquanto formuladores políticos de nossa classe!


[1] Josef V. Stálin, Caráter das Leis Econômicas no Socialismo (link)

[2] Vladimir I. Lênin, O Estado e a Revolução (Ed. Boitempo, 2017, p. 118)

[3] Karl Marx, O Capital, Livro I, Volume 1 (Ed. Civilização Brasileira, 1998, p. 57)

[4] Vladimir I. Lênin, O Estado e a Revolução (Ed. Boitempo, 2017, p. 120)

[5] Josef V. Stálin, A Lei do Valor no Socialismo (link)

[6] Karl Marx, O Capital, Livro I, Volume 1 (Ed. Civilização Brasileira, 1998, p. 63)

[7] Karl Marx, Crítica do Programa de Gotha (Ed. Boitempo, 2012, p. 31)

[8] Josef V. Stálin, A Lei do Valor no Socialismo (link)

[9] Vladimir I. Lênin, O Estado e a Revolução (Ed. Boitempo, 2017, p. 121)

[10] A Verdade, Economia Socialista: Programa de Formação na Quarentena (link)