'Sou comunista e desempregado. Um debate sobre renda e o partido.' (Silas Adriano)

Como ser revolucionário sem renda? Essa pergunta necessita ser respondida não apenas numa tribuna escrita por um recém-chegado da UJC, mas respondida pelo programa do partido que conduza a nossa classe a sua liberdade.

'Sou comunista e desempregado. Um debate sobre renda e o partido.' (Silas Adriano)
"A militância está cheia de talentos extraordinários. Um partido deve tirar o melhor dos seus militantes, assim como o militante deve ceder os seus talentos para construção de um partido revolucionário, contudo deve ser feita com honestidade que deriva da nossa luta. Um militante deve ser pago pelo seu trabalho profissional."

Por Silas Adriano para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O desemprego joga-te para baixo e desarma o seu espírito. Ninguém se sente o mesmo depois de um mês sem serviço. Depois de três meses o que sobra de você resume-se em implorar até para limpar o banheiro de shopping que você nunca entrou. Manter a sua personalidade e o que te faz vivo sem um meio de obter um sustento é quase impossível. Como ser revolucionário sem renda? Essa pergunta necessita ser respondida não apenas numa tribuna escrita por um recém-chegado da UJC, mas respondida pelo programa do partido que conduza a nossa classe a sua liberdade. Como vamos organizar mais 67,0 milhões de trabalhadores desempregados?

1 Por que a renda é importante para um comunista?

No livro de Angela Davis Mulher, Cultura e Política, tem um trecho que introduz o tema de forma perfeita:

“Uma questão especialmente preocupante para mulheres afro-americanas é o desemprego. De fato, o pré-requisito mais importante para o empoderamento é a possibilidade de obter um sustento adequando.” Angela Davis Mulher, Cultura e Política pagina 19 editora Boitempo.

O empoderamento não é possível com o espírito sem forças para lutar. Um trabalhador que passa duas horas de ida e volta para trabalho, nova a dez horas de exploração e mais o desgaste psicológico da falta de perspetiva de futuro, todo esse acumulo dor faz com que a luta pelo recrutamento de militantes seja mais complexa. Como convencer uma classe que sofre com desgaste e se desgastar ainda mais? Pois, a militância, apesar de libertadora, ainda é um desgaste a mais na nossa vida. Conseguir organizar trabalhadores desempregados que não tem acesso a um sindicato ou movimento estudantil, é mais complexo ainda.

Um trabalhador desempregado não vai ter as mesmas condições de um militante com acesso a uma renda sustentável. Simplesmente não vai. Um trabalhador desempregado não vai conseguir contribuir financeiramente com partido, obter livros sobre temas específicos, ir a reuniões presenciais por conta dos preços das passagens ou até mesmo se construir como um militante presente no partido. Não é coincidência que a maioria das lideranças do velho PCB eram acadêmicos de classe média. Um militante com uma vida financeira sustentável consegue se manter ativo para desenvolver o seu pensamento, a sua militância e o seu relacionamento perante a vida partidária ao ponto que ele pode se tornar um dirigente ou secretário. Um militante financeiramente empoderado consegue desenvolver a sua individualidade. Um trabalhador precarizado ou desempregado divide a sua mente e o seu futuro entre levar o pão para casa da forma que puder e implorar emprego nas RHs do centro da cidade. Esse sujeito no sistema capitalista se torna vazio de perspectiva de futuro ou felicidade, pois, no capitalismo, o desempregado tem a função de ser apenas uma massa de reserva. No partido esse sujeito tem o mesmo destino, não possui perspectiva de futuro e desenvolvimento.

Hoje a perspectiva revolucionaria no Brasil é muito baixa, mas a indignação é muito alta. A maior parte dos partidos vês os trabalhadores desempregados como uma massa que precisa ser auxiliada e não organizada. Debatemos muito sobre desenvolvimento nacional na perspectiva de gerar pleno emprego (o que correto, é claro), porém não se discute organizar esses trabalhadores. Queremos gerar emprego aos desempregados, contudo não queremos organizar os desempregados para luta revolucionaria. Não devemos primeiro construir empregos para então organizar nos movimentos tradicionais como sindicados, partidos ou movimentos estudantis. Primeiro organizar, sempre.

A falta de renda dos militantes é um drama presente e que prejudica o desenvolvimento do partido. A UJC tem um costume qualitativo muito eficaz. Faz parte da cultura política da UJC pagar a passagem de ônibus de militantes e a alimentação, infelizmente a relatos que PCB-CC não faz o mesmo. Só se lembra da dor quando se sente. Como que um dirigente de classe média e muito bem estabelecido vai cogitar pensar a organização partidária para auxiliar os militantes de renda mais baixa? Não que seja impossível, pois tem muitos camaradas com acesso ao um padrão consumo elevado que possui uma postura exemplar ao pensar na militância e a sua realidade como um todo. Contudo se esse fosse o caso da maioria não estaríamos aqui pedindo a reconstrução revolucionaria do PCB, não é?

Toda essa primeira parte é perfeitamente resumida por Angela Davis: “… o pré-requisito mais importante para o empoderamento é a possibilidade de obter um sustento adequando”.

Mas se alguns militantes não possuem o sustento adequado, o que eles (ou nós) pode fazer?

2 O que Militante desempregado pode fazer?

Debater ações individuais dos militantes é uma tarefa imprecisa e que no final não gera tantos resultados. Contudo, podemos discutir as possibilidades de ação que muitos militantes podem ter em situações de desemprego ou de subempregos.

1 Manter-se atualizado sempre. Ler o jornal do partido e de outros partidos semanalmente

2 Participar das tribunas de debates e na reconstrução do partido.

3 Estudar na medida que poder e na velocidade que poder. Recomendar usar Marxist.org ou conteúdo áudio visuais de camaradas como Jones Manoel, Gustavo Gaiofato ou João Carvalho.

4 Participar de eventos comunitários do seu bairro como conselhos, grupos culturais ou reuniões de moradores.

5 Sempre manter contado com o partido e interagir na forma que poder.

Não a fórmulas ou modelos a ser seguido. São apenas exemplos e experiencias próprias já que o mesmo que escreve esse texto está desempregado numa cidade que não conhece. O militante deve ter toda a liberdade de adaptar a sua militância a sua realidade.

3 O que partido deve fazer com falta de renda dos seus militantes?

Como já citado a UJC tem uma política exemplar que deve ser reproduzido pelo todo o complexo partidário, contudo temos que ser mais imaginativos.

O PCB já foi muito maior do que hoje. Nos seus anos incríveis o PCB possuía um jornal popular, possuía editoras, hotéis e entre outros empreendimentos. A busca por formas mais complexas de financiamentos não deve apenas servir para financiar viagens de dirigentes para a Coreia do Sul ou lançar candidaturas, mas deve ser pensada como uma forma de profissionalizar militantes.

Um partido político tem demandas específicas, essas demandas somente podem ser atendidas pelo trabalho. Um jornal necessita de escritores, editores, designers, corretores, programadores e vendedores. Algo tão clássico como um jornal marxista-leninista necessita de uma equipe aplicando o seu trabalho. Esses trabalhadores serão remunerados pelo partido? Será que os militantes devem ceder a sua mão de obra para partido sem obter o seu devido pagamento? As demandas que partido obtém será saciada pela caridade dos seus militantes? A resposta é não. Um militante deve ser pago pelo seu trabalho, nem que seja pela forma de “vaquinha”, mas deve ser pago. Fazemos protestos, textos e vídeos contra o trabalho informal e exploratório para que o mesmo aconteça nas nossas instâncias? Óbvio que não.

A militância está cheia de talentos extraordinários. Um partido deve tirar o melhor dos seus militantes, assim como o militante deve ceder os seus talentos para construção de um partido revolucionário, contudo deve ser feita com honestidade que deriva da nossa luta. Um militante deve ser pago pelo seu trabalho profissional. É claro que vai haver exceções onde o partido pode se encontrar em situações de dificuldades financeiras, contudo uma exceção não faz a regra. Queremos crescer, não queremos? Conforme crescemos as exceções se tornam exceções e regras se tornam regras.

Ousar a crescer. Demos voltar a ousar e a pensar formas criativas obter financiamentos. Podemos construir um jornal quinzenal popular, mas também podemos produzir podcasts, cursos que não só tenham foco na politização marxista como o Classe Esquerda, mas também em profissionalizar como Excel, Photoshop, edição, programação, fotografia entre outros. Temos a possibilidade de construir editoras como a Ruptura ou abrir uma produtora independente que faça frente ao Brasil Paralelo. A criatividade se molda conforme os nossos recursos. É óbvio que hoje estamos num momento delicado (nem sequer temos um partido construído ainda), porém quem não ousa crescer encolhe.

Ter meios de se financiar pode ser uma solução para militantes com baixa renda ou desempregados. Trabalhar nas instâncias do partido recebendo um salário ou cotas é uma forma de profissionalizar militantes. Devemos ousar novamente.

4 Organizar os desempregados.

Organizar a nossa classe sempre foi a tarefa mestre do nosso partido, é por isso que ele existe afinal. Para organizar é preciso estar presente onde povo esteja presente. Como diria Fred Hampton “Poder em qualquer lugar que haja povo”.

Qualquer marxista que tenha compromisso com a sua própria classe sabe se enxergar pelo o que de fato é. O marxista não é um messias que lidera as massas pelas suas palavras cheias de razão. As ideias revolucionarias (na sua grande maioria) são aprendidas pela prática e pelo exemplo. Quando a um problema o povo sempre o percebe, não existe problema no capitalismo que classe trabalhadora não perceba, ela pode não conseguir descreve-la, mas consegue senti-la. A pimenta da coragem contagia.

O partido deve educar o seu próprio povo pela forma do exemplo e da prática. Se uma rua tem esgoto a céu a aberto e o posto de saúde não consegue lidar com casos de leptospirose por falta de recursos, devemos mobilizar o bairro e através da prática politiza-lo.

Os trabalhadores desempregados podem não estar nos sindicatos, dos partidos ou dos movimentos estudantis, mas estão presentes coletivamente em algum lugar. Eles estão em bairros, em vilas, favelas, em rodas culturais ou até mesmo na igreja. As pessoas costumam a se organizar. Os marxistas devem ocupar esses lugares convence-los e educa-los a se libertarem. Os trabalhadores não devem ir até o partido, mas o partido deve ir até eles.

Podemos organizar cozinhas solidarias, espaço de cultura como capoeira ou organizar uma pelada de bairro. O partido não pode ser um ser alienígena no quotidiano do povo, mas deve ser reconhecido e fazer parte da vida do povo.

O desemprego persegue a todos que vedem a sua força de trabalho. Podemos organizar esses trabalhadores pela sua dor. A centenas de relatos de fábricas e empresas que fazem cortes de gastos demitindo funcionários. Devemos ocupar esses locais e mostrar que demissões sem justa causa não serão ignorados. As RHs abrem pela manhã, os trabalhadores na esperança aparecem uma hora antes. O que nos custaria estar lá presente conversando e demonstrando solidariedade? A forma de como estar presente deve ser debatida. Se mostrar parte do quotidiano. Não vamos combater o abandono que trabalhadores desempregados sofrem com mais abandono, combatemos o abandono estando presente.

Não somos messias que devem trazer a palavra. Somos parte do povo e devemos agir como tal. Organizar os desempregados com uma política partidária que ousa crescer.