'Somente alguns trocados?' (Mariana Pedroso)

Finanças devem ser levadas de fato a sério, entendendo que precisamos e devemos utilizar destes meios e termos aportes teóricos e práticos, viabilizando a práxis, mas jamais excluindo e esquecendo o caráter pelo qual estamos nos apropriando dos mesmos.

'Somente alguns trocados?' (Mariana Pedroso)
"Não há mal nenhum, e muito pelo contrário, apenas o bem, em saber conceitos financeiros, ter a capacidade de planejamento e gastar de maneira planejada. Não se trata de nenhuma “heresia comunista”."

Por Mariana Pedroso para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A diferença é que na luta econômica o proletariado ergue-se absolutamente sozinho tanto contra a nobreza proprietária de terras, quanto contra a burguesia, exceto, talvez, pela ajuda que recebe (e de jeito nenhum isso acontece sempre) daqueles elementos da pequena burguesia que gravitam na direção do proletariado.” (As Tarefas dos Social-Democratas Russos – Vladimir Ilitch Lenin – 1897).

Camaradas, por que tememos tanto sequer falar sobre as Finanças do Partido? Será que a “concepção liberal” acerca de nós, comunistas, de que devemos fazer “voto de pobreza” nos atinge, mesmo que inconscientemente? Escrevo esta tribuna como forma de genuíno manifesto sobre as Finanças. Aqui, peço para que entendam “Finanças” para além, meramente, do nome da nossa pasta, e sim toda a atividade que a permeia. “Finanças” no sentido formativo, ou seja, pensar, estudar, dar formações, formular sobre e “Finanças” no sentido material propriamente dito, “fazer dinheiro”, realizar tarefas, liberar militantes, fornecer e operacionalizar materiais e espaço físico (que eu, ao menos, também acredito ser essencial considerar de cunho financeiro) etc.

Como bem disse o camarada Okada em seu texto, “quem quer os fins deve também querer os meios”. Mas o que isso quer dizer, para nós, marxistas-leninistas? Que se nós queremos atingir um fim, ou seja, “chegar a algum lugar”, alcançar algum objetivo (vejam bem, aqui excluindo o “sentido burguês” de “sonhos”, “metas” etc.), devemos então abarcar e utilizar de todos os meios possíveis que não rompam um “tênue” limite, neste caso, nossa linha política. Somos comunistas. Isso implica em termos “firmeza ideológica”, sem fraseologias baratas, mas seguir nossa estratégia com as táticas adequadas de maneira contundente, e estarmos convencidos (além de e para podermos convencer) de que seremos a vanguarda da Revolução Brasileira. E isso também implica em saber utilizar bem e ao nosso favor aqueles meios que apenas nos parecem errados, de maneira acertada.

E por que “nos parecem errados”? Esses meios aos quais me refiro são os meios “capitalistas” e “via Estado burguês”, que tememos com motivos quase sempre mal elucidados, não sabendo exatamente quando, como e por que repudiá-los ou acatá-los. Vejam bem, não sustentamos a tolice de acreditar que amanhã ou depois um burguês “bonzinho” vai acordar e resolver financiar a Revolução com toda sua fortuna e “o mundo será então feliz”. É uma concepção da égide cristã, uma “suposta vitória caindo do céu” com um discurso derrotista para com as nossas próprias forças. Acordemos de um “sono” que “dormimos” faz tempo: Finanças devem ser levadas de fato a sério, entendendo que precisamos e devemos utilizar destes meios e termos aportes teóricos e práticos, viabilizando a práxis, mas jamais excluindo e esquecendo o caráter pelo qual estamos nos apropriando dos mesmos.

E as mulheres, pessoas racializadas e LGBTIA+ nesse processo? Como ficam? Bom, praticamente, não ficam. Quantas destas pessoas vocês vêem sendo secretários de Finanças? Formulando políticas de Finanças? Falando sequer sobre a mesma? Pois é. Vamos admitir que boa parcela da nossa militância, ou seja, exceto as pessoas racializadas brancas, homens cis e pequeno-burgueses, quase não tem conhecimento da pauta, muitas vezes por acreditar que a mesma é “chata”, “maçante”, “complicada”. Digo eu mesma, sendo uma pessoa racializada parda, que fui atrás dos assuntos de Finanças “meio que” por vontade própria e ainda entendo muito pouco, mas vejo que esse “retrato dialético” se compõe entre nossa militância e a população no geral, que não sabe o que é “CDI”, uma “debênture”, uma “ação”. É claro que se “investigarmos” a fundo, encontraremos até muitos “traumas” psicológicos das pessoas em relação ao dinheiro. Precisamos imediatamente dessas pessoas também inclusas nos trabalhos de Finanças do Partido!

Aqui não quero parecer leviana ao ponto de acharem que quero dizer que todos devem passar por um curso digno do “mercado financeiro” e sair “entendendo tudo”, como pregam os “liberais” tacanhos e oportunistas por aí. Quero apenas explicitar que se repetimos tanto sobre áreas de inserção estratégicas, profissionalização da militância, profissionalização das Finanças em si e a elevação do nível teórico e prático do conjunto da nossa militância, algumas coisas precisam estar explícitas minimamente.

Eu consigo compreender quem teme o envolvimento com os meios burgueses, como abertura de empresas (comunistas), CNPJ, investimentos, Justiça etc. Acho louvável também aproveitarmos esse “medo” para formularmos conjuntamente então Finanças e Segurança, duas pautas caras ao nosso movimento, como maneira de sanar questões tanto levantadas. Meu objetivo nesta tribuna não é explicitar e elencar cada uma das maneiras como deveria ocorrer, até porque existem camaradas mais bem qualificados para esta tarefa do que eu, mas sim inflamar a discussão e apontar um possível “norte”, já que vivemos plenamente a financeirização do capital.

Ambas as pautas, Finanças e Segurança, devem e sempre caminharão juntas, uma vez que a própria questão financeira no capitalismo exige segurança, por motivos bem óbvios de roubos e furtos, mas também para prezar por nossa discrição e nossa própria segurança em movimentações importantes e nos métodos que utilizaremos para nos financiar. Não no sentido em que somente nos valeremos da clandestinidade para isso, muito pelo contrário, como já “batida a tecla” anteriormente, precisamos estar alinhados aos meios burgueses por motivos operacionais, mas não precisamos “desnudar” completamente nossa “cadeia produtiva-organizativa”.

Acredito que debater quais seriam os meios de “fazer dinheiro” nesta tribuna a tornaria um tanto cansativa, mas apesar de eu ter ideias que ainda que embrionariamente mais “artesanalizadas”, nos fariam rumar para uma organização financeira digna de ao menos, em médio prazo, ser capaz de financiar os camaradas que não possuem a condição para cumprirem tarefas, além de viabilizar as próprias com maior qualidade e sem tanto autofinanciamento. Além disto, não devemos temer nossa própria “acumulação de capital”, precisamos ter reservas através de meios analisados previamente, destacados de maneira inteligente e eficaz.

Sobre o trabalho artesanal, acho que o horizonte deve ser minguá-lo, mas o que deve ser combativo com muito mais urgência é o amadorismo. O trabalho artesanal de um militante responsável por fazer doces para vender, por exemplo, é extenuante e em quase nada (no sentido lucrativo mesmo) nos financia, caindo no amadorismo. Outra coisa é o trabalho artesanal em fazer camisetas de diversas temáticas para venda, fechando parceria com uma estamparia (enquanto não temos a nossa, por exemplo). Este ainda não é o cenário ideal, mas nos garante uma maior margem de manobra financeira, assim como também maior planejamento e se torna uma oportunidade de sedimentar e apreender conhecimentos para tarefas de maior complexidade, quando tivermos os “nossos próprios meios”.

Para além de que se tivermos os “nossos meios”, estes proporcionarão o nosso financiamento e também alocarão camaradas para o trabalho, fazendo com que os mesmos, muitas vezes sem ocupação e/ou precisando incrementar sua renda (e que no longo prazo, seja de fato uma fonte de renda), possam trabalhar de forma “revolucionária” com o Partido. Vejam bem, camaradas, explicito: eu não estou fazendo uma “ode” ao modo capitalista de produção e seus meios, bem como acredito que enquanto este modo vigorar nós sofreremos as consequências ruins e sobrecargas enquanto militantes comunistas como qualquer indivíduo do mundo que não seja burguês, rentista ou herdeiro, mas nossa tarefa, para além de cumprir tarefas, é pensar e formular sobre a redução dos danos no nosso trabalho militante.

A disciplina comunista nas Finanças também merece ser pautada, já que se trata de uma temática polêmica. Aqui, não quero fazer um reducionismo rasteiro à questão financeira apenas sobre cotizar ou não, visto que nem todos os camaradas trabalham e têm fontes de renda, e nem sobre gastar de “forma consciente”, visto que nem todos conseguem ou podem “fugir” das dívidas. Porém, muito me admira quem evita esse assunto como “o diabo foge da cruz”, pois a disciplina, além de se expressar em diversos âmbitos, também diz respeito saber gerir o básico que precisamos para viver no capitalismo, no caso, o dinheiro. Não há mal nenhum, e muito pelo contrário, apenas o bem, em saber conceitos financeiros, ter a capacidade de planejamento e gastar de maneira planejada. Não se trata de nenhuma “heresia comunista”.

Deixo aqui um adendo, com uma lista da qual acredito ser fundamental que os militantes procurem saber do que se trata:

- Diferença entre renda fixa e renda variável;

- Básico sobre todos os tipos de investimentos no Brasil;

- Básico sobre as taxas de juros no Brasil;

- Básico sobre de tipos de empréstimos e “shadow banking”;

- Básico de MS Office (principalmente Excel);

- Básico sobre o atual Teto de Gastos (“Arcabouço Fiscal”);

- Básico sobre déficit e superávit no Estado brasileiro;

- Prós e contras de MEI, PJ, Autônomo e CLT;

- Regras para CNPJ;

- Contas e carteiras digitais, seus prós e contras e diferenças dos bancos digitalizados.

Não quero romantizar o dinheiro e sua função no capitalismo, mas admitamos que precisamos deste para tocar nossos trabalhos militantes e levantar a Revolução. É inevitável e impossível viabilizar nossas tarefas sem termos Finanças robustas e adequadas à nossa realidade, às nossas demandas e problemas que por ventura encontremos no caminho. Um militante comunista deve se apropriar da pauta financeira como qualquer outra pauta. É sintomático que ainda tenhamos que tirar do nosso próprio bolso sempre para tocar tarefas ou então, como acontece, um autofinanciamento massivo. Espero ter contribuído com algumas provocações e que estimule os camaradas a debater mais ainda sobre as Finanças do Partido. Venceremos! Rumo à Revolução Brasileira!