'Sobre vida interna e desligamentos' (Vinicius Nogueira)

Camaradas, para eu e diversos outros militantes de classe média que não sofremos com o que há de pior nesse país, de fato podemos ter calma. Mas e militantes periféricos? E militantes que, seja por transfobia ou racismo, saem de casa sempre com medo de serem brutalmente assassinados?

'Sobre vida interna e desligamentos' (Vinicius Nogueira)
"Não devemos esperar nosso congresso para aprofundar mudanças estruturais que visem sanar os problemas de nossa jovem organização, ou queremos fazer igual os academicistas que queriam discutir e realizar mudanças efetivas na organização somente em época congressual, travando o desenvolvimento e proletarização de nosso partido?"

Por Vinicius Nogueira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, após ler a tribuna 'Carta de Desligamento do PCB-RR-RS', além de outra carta de desligamento publicada em nosso site também do RS, vejo necessidade de escrever aqui sobre questões da vida interna. Faço isso não como forma de atacar nossos camaradas do Rio Grande do Sul, mas sim como forma de mostrar  como problemas estaduais em suas fileiras refletem em parte nossa política nacional.

E porque falo isso? O desligamento exposto nessa carta acima se deu pois não conseguimos agregar em nossas fileiras uma militante negra, travesti e periférica. Uma militante que sofre muito mais com as mazelas do capitalismo do que grande parte de nossas dirigências. Não discutir e aprofundar o debate sobre esse desligamento, principalmente quando houveram pessoas no comentário do post do instagram relatando passar por situações similares, é ignorar um problema estrutural nosso e esperar que ele se resolva sozinho, algo que não irá acontecer.

Não irei me aprofundar nas questões estaduais trazidas no texto, pois apesar de me causarem preocupação enquanto militante de base em nosso partido, não conheço o contexto estadual para opinar com profundidade, e inclusive encorajo camaradas do estado em questão a escreverem tribunas acerca do que foi dito na carta de desligamento, até como forma de dar para nós militantes uma resposta sobre os problemas apontados na carta de desligamento e o que está sendo feito para tentar os corrigir. Aqui, quero trazer um fato infeliz: Esse desligamento que ocorreu no Rio Grande do Sul poderia muito bem ter ocorrido em diversos outros estados em que nossa organização atua. Não estamos preparados suficientemente para receber militantes periféricos, negres, trans ou que sofram no cotidiano as principais mazelas do capitalismo. Não estamos profissionalmente preparados a dar suporte a uma militante que é expulsa de casa por transfobia, quando essa deveria ser a principal prioridade de nossa organização: como planejamos revolucionar a sociedade se não conseguimos ser camaradas e ajudar uma militante nossa que passa por isso? Nenhum militante teria um espaço em sua casa que pudesse dar um alojamento temporário a sua camarada? Já vi uma situação extremamente parecida ocorrer no PCBCC, não irei trazer ela aqui pois não quero expor a situação ainda mais, mas me dói ver algo tão similar ocorrer no movimento que deveria justamente criticar e melhorar esses aspectos tão debilitados do antigo PCB.

Infelizmente, estamos em uma cultura de olhar para diversos problemas e falar: “ainda estamos nos reorganizando, precisamos ser táticos e não atropelar o processo de reconstrução revolucionária indo rápido demais”. Camaradas, para eu e diversos outros militantes de classe média que não sofremos com o que há de pior nesse país, de fato podemos ter calma. Mas e militantes periféricos? E militantes que, seja por transfobia ou racismo, saem de casa sempre com medo de serem brutalmente assassinados? Postergar a solução de problemas estruturais nossos inventando a desculpa de que temos que nos reconstruir com calma é o que há de mais pequeno burguês em nossas fileiras no presente momento. Se a reconstrução é revolucionária, ela deve ter toda a urgência que um processo revolucionário merece ter. Se a reconstrução é revolucionária, devemos ter pressa em reorganizar esse partido enquanto ferramenta de luta da classe trabalhadora capaz de organizar nacionalmente uma tomada do estado pelo proletariado, o mais rápido possível, e com a qualidade que um processo revolucionário tocado por um partido comunista necessita ter.

Mas então, o que fazer?

Assim como apontado no texto '2023 acabou! PCB-RR terá urgência para 2024?' Infelizmente não estamos em uma conjuntura que nos dê tempo para ter calma, ou paz para não termos sentimento de urgência. A crise capitalista brasileira se aprofunda cada vez mais, e com ela a crise climática. Não devemos continuar disputando o passado de um partido que está lentamente morrendo como o PCB, e continuar com palavras de ordem pedindo o décimo sétimo congresso, pois grande parte dos bons quadros já aderiram a Reconstrução Revolucionária e poderíamos com trabalho de base e esforço militante garantir uma legenda eleitoral para nós. Precisamos começar a pensar em construir algo novo, com urgência, e esse sentimento de urgência não pode esperar até um congresso daqui há seis meses para começar a se movimentar. Não devemos esperar nosso congresso para aprofundar mudanças estruturais que visem sanar os problemas de nossa jovem organização, ou queremos fazer igual os academicistas que queriam discutir e realizar mudanças efetivas na organização somente em época congressual, travando o desenvolvimento e proletarização de nosso partido?

Já existem algumas tarefas que podemos começar a tocar(e já deveríamos ter iniciado) para sanar alguns dos problemas que se encontram em nossa organização. Aqui irei reiterar alguns pontos que trouxe em outra tribuna, 'A questão da saúde mental na organização marxista' . Devemos começar a pensar formações para questões de vida interna, isso inclui como acolher pessoas que sofram racismo, machismo ou transfobia dentrou ou fora da organização, fornecendo o suporte material e de camaradagem necessário.  Além disso, precisamos continuar combatendo os problemas organizativos que fazem militantes marginalizados não serem ouvidos em instâncias de nossa organização, dando suporte necessário para que essas pessoas se tornem quadros aptos a atuar com qualidade em sua realidade.  Por fim, quero abordar as duas medidas mais fundamentais a serem tomadas: mapear casos de afastamentos nacionalmente em  todas as instâncias, visando identificar os principais problemas de nossa organização e compartilhar esse mapeamento com a base. Além disso, a criação de uma instância nacional para discutir saúde mental, com camaradas que atuem ou estudem na área, e que aborde a questão das pessoas marginalizadas em nossas fileiras, além de estudar o SAMECA para pensarmos em como estruturar algo parecido para nosso partido é algo extremamente fundamental.

Se pareceu que escrevi essas sugestões de forma corrida, detalho elas de forma melhor no texto citado anteriormente. Gostaria de ressaltar que a questão de pessoas marginalizadas e que sofrem algum tipo de violência é algo que deve ser discutido por todos militantes, e não somente por camaradas que estão em brigadas temáticas voltadas para discutir uma forma específica de opressão. Dessa forma, poderemos superar nossos problemas herdados do antigo PCB e virar, de fato,  uma organização capaz de organizar uma revolução nesse país.

Vinicius Nogueira, militante do PCBRR-CE