'Sobre um pecebismo latente: uma resposta aos camaradas Gabriel Tavares e Yuri Miyamoto' (João Barros)

O nome de um P.C. precisa ser o que melhor dialoga com a classe trabalhadora, precisa ser um nome que os trabalhadores possam olhar e reconhecer quem ele representa e qual o seu projeto político. O nome Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros (PCTB) traduz isso como nenhum outro.

'Sobre um pecebismo latente: uma resposta aos camaradas Gabriel Tavares e Yuri Miyamoto' (João Barros)

Por João Barros para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, quando vi a tribuna “Já temos um nome e ele é Partido Comunista Brasileiro!! lançada pelos camaradas Gabriel Tavares e Yuri Miyamoto, fui lê-la de coração aberto, buscando ser convencido pelos camaradas, mesmo tendo uma visão contrária, visto que defendo que o nosso partido se chame Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros (PCTB). No entanto, quando terminei de ler a tribuna, fui atingido por uma necessidade de escrever uma resposta, não somente por discordar da proposta do nome, mas também por achar que alguns de seus argumentos foram bastante problemáticos, completamente atravessados por um forte “pecebismo”, e também por acreditar que ela traz alguns encaminhamentos que podem ser muito perigosos para o nosso partido.

Gostaria de iniciar esta tribuna desbancando alguns ”não-argumentos” que foram levantados pelos camaradas, ou seja, argumentos que são “jogos de cinturas discursos” empreendidos para buscar nos convencer, de alguma forma, que devemos manter o nome do velho PCB.

Gostaria de começar com o argumento de que se:

Pretendemos, em algum momento, nos tornarmos hegemônicos no movimento dos trabalhadores e derrotar e tomar o poder da burguesia [...] mas como faremos isso se não conseguimos nem ao menos vencer uma disputa pelo nome e símbolos partidários contra um pequeno grupo de academicistas e obreiristas?

Este é um falso argumento, não por ser mentira, mas por ser uma argumentação que pode ser utilizada em qualquer situação sem que se leve em consideração as condições concretas e uma leitura política mais ampla: por exemplo, eu poderia argumentar que deveríamos ainda esse ano empreender uma campanha de legalização partidária, pois, se queremos ser o partido que irá liderar a classe trabalhadora em direção a tomada do poder, como é que não podemos tocar uma simples campanha dentro das instituições burguesas? ou até mesmo, poderia propor que reunificássemos todos os PCs do Brasil neste congresso, pois se queremos ser o partido de vanguarda do proletariado brasileiro, como é que não conseguimos convencer nem mesmo os nossos pares de que a nossa linha política é a mais acertada?

Um outro falso argumento é que um dos elementos do porquê rachas como o do PCBR ou do PCdoB não “deram certo” foi o abandono do nome original do racha. Esse argumento não faz o menor sentido! Ele visa somente nos sensibilizar com relação a perda do “grande nome”. Até mesmo na hora de defendê-lo os camaradas se atropelam e evidenciam que o nome, obviamente, não foi a questão de fundo do porquê esses partidos se “degeneraram”:

Não só isso, a troca de nome nos tornará muito menores. Todos os rachas que tivemos até hoje em toda história do PCB e que não mantiveram o nome e símbolo originais, mesmo aqueles que racharam à esquerda da direção de seus Comitês Centrais (como foi o racha de 1961 [PCdoB], 1967 [Marighella] e o de 1981 [Prestes]) criaram organizações que não foram capazes, seja pela repressão, seja pela degeneração ideológica, de superar o PCB como representante do movimento comunista brasileiro.

Não podemos ser ingênuos e afirmar que o nome é apenas um detalhe de nosso Partido e não será crucial em nosso crescimento e na manutenção da Reconstrução Revolucionária do PCB.

Saindo desses supostos argumentos e chegando nas questões mais importantes da tribuna, temos uma série de desculpas do porquê, apesar de todos os prejuízos, deveríamos sustentar o nome do PCB. No entanto, o que a tribuna dos camaradas me convenceu é que, buscar sustentar o nome do PCB poderá ser um motivo de destruição e desagregação das nossas fileiras. Não consigo imaginar o nosso partido no momento que está, endividado até onde não se consegue mais ver, com militantes cansados, quebrados fisicamente, emocionalmente e politicamente, conseguindo sustentar todo o tensionamento que essa disputa trará, enquanto ao mesmo tempo toca o árduo e penoso trabalho de re-organizar o seu partido e a classe trabalhadora. Esse hercúleo e desgastante trabalho, que ao meu ver é sem sentido devido justamente a falta de uma argumentação política sólida, é explicitada pelos camaradas em diversos momentos do texto:

O PCB formal terá poucas opções para nos expulsar das ruas por estarmos “roubando” seu nome e símbolos: (1) através da força física; (2) através da força política; (3) através da força da justiça burguesa. 

Nos defenderemos da força física (1), fortalecendo nossa estrutura de segurança, não só garantindo que sejamos sempre a maioria nos atos de rua, mas também tornando a política de “aumentar nossa resistência física” como uma política real que todo militante deverá seguir em alguma medida.

Quanto à força política (2) é preciso seguir e aprofundar nosso trabalho junto à classe trabalhadora e à juventude de forma que não exista sequer a possibilidade disso ser cogitado pelo PCB formal. É através do reconhecimento político, da construção cotidiana das lutas e da seriedade nas ações unitárias, que tornaremos impossível (e ridículo) um partido nos isolar politicamente.

Além disso, teremos que garantir que nossa relação com outras forças políticas seja sólida, com uma construção consequente nos espaços comuns, garantindo o respeito à nossa organização, impedindo que o PCB formal reivindique a nossa exclusão e isolamento.

Não temos o que fazer caso o PCB formal opte por utilizar as forças burguesas contra nós (3), sofreremos graves perseguições, talvez tenhamos que pagar altas multas aos pecebistas. Esse caso deixaria evidente a degeneração do desse Partido, que utilizaria das instituições burguesas contra uma organização da classe trabalhadora. O discurso revolucionário deles cairia por terra.

Me parece existir uma clara e preocupante cegueira com relação a quais são as nossas prioridades. O que precisamos agora não é empreender uma disputa contra acadêmicos e obreiristas que estão destruindo um partido, mas sim seguirmos em frente, fundarmos um novo partido, admitirmos todas as falhas que temos enquanto organização, nos apropriarmos de todo o legado do movimento comunista brasileiro (não somente do PCB) e buscarmos construir uma nova ferramenta, a ferramenta que no futuro será capaz de dirigir nossa classe.

Sem falar que a argumentação de que não confundiremos a classe trabalhadora não condiz com a realidade, ao menos na região em que atuo. Objetivamente, o nome PCB-RR e a existência de dois PCB’s tem sido uma forte confusão, que muitas vezes tem nos atrapalhado em atos de rua, em falas públicas ou até mesmo em conversas individuais. Gostaria de rememorar um trecho da tribuna “Sobre nosso nome e nossos símbolos” do camarada Rodrigo M que traduz muito bem os problemas do nome PCB-RR mas que pode facilmente ser utilizada para ilustrar as confusões de dois PCB’s:

Agora, não só vamos ter que explicar o projeto político que defendemos, o socialismo, mas também o que é a Reconstrução Revolucionária. Imaginem o diálogo:

– Somos o PCB-RR.
– PCB-RR? O que isso quer dizer?
– Partido Comunista Brasileiro - Reconstrução Revolucionária.
– Reconstrução Revolucionária? Reconstrução do quê?
– Reconstrução do Partido Comunista Brasileiro.
– Mas já não tem o PCdoB e o PCB?
– Sim, mas é que em 1992 quando Roberto Freire tentou liquidar o partido…

Por fim, os camaradas afirmam que têm desacordo com o nome Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros (provavelmente o que estará chegando mais forte para esse Congresso) devido às suas supostas origens no racha do Partido Comunista dos Povos da Espanha (PCPE). Compreendo que tivemos militantes que defenderam essa origem e esse legado, no entanto, a minha defesa do nome PCTB parte de que ele é o nome politicamente e cientificamente mais correto para a nossa organização. O nome de um P.C. precisa ser, primeiramente, a síntese mais acertada do nosso projeto político e creio que o PCTB cumpra muito bem esta função, pois: não somos um partido que visa ter sua atuação centralizada nos camponeses e trabalhadores assalariados do campo; também não somos um partido que vê como único sujeito revolucionário os operários fabris; somos o partido comunista que visa dirigir até a tomada do poder todos os trabalhadores do nosso país, todos aqueles que são obrigados a vender a sua força de trabalho para poderem sobreviver, incluindo as mais variadas classes trabalhadoras como entregadores de aplicativos, professores, enfermeiros, camponeses, operários etc.

Em segundo lugar, o nome de um P.C. precisa ser o que melhor dialoga com a classe trabalhadora, precisa ser um nome curto que os trabalhadores possam olhar e imediatamente reconhecer quem ele representa e qual o seu projeto político. O nome Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros (PCTB) traduz isso como nenhum outro, pois deixa muito claro que visamos representar e defender os interesses de toda as classes trabalhadoras do nosso país e que, para essa classe defendemos um projeto muito claro, o projeto de uma revolução comunista, que visa colocar fim à dominação capitalista. 

Se ao passarmos por todos os argumentos trazidos pelos camaradas conseguimos perceber que eles não se sustentam, ao menos a partir de uma visão política que esteja alinhada aos verdadeiros objetivos do nosso Partido, o que sobra da tribuna dos camaradas? O que está por trás dessa tribuna, ao meu ver, é somente mais uma dimensão do pecebismo: o do fantasma da “gloriosa” história do Partidão enquanto uma muleta para todos os erros do nosso presente. Algo que atravessa todo o texto:

Não queremos manter o “selo” de autenticidade, mas continuar a trajetória centenária, que, entre erros e acertos, nos trouxe até aqui. Assumir um novo nome significa iniciar do zero uma construção e esquecer a influência dos comunistas na história brasileira, contra os regimes ditatoriais burgueses, pela criação da Petrobrás, em defesa da liberdade religiosa, e inúmeras greves e mobilizações populares que nos inserimos desde 1922. Essa herança não é algo menor, mas um acúmulo histórico consolidado que direciona a nossa atuação no presente.

Porém é em sua conclusão que conseguimos perceber de forma mais clara essa dimensão tão afetivamente violenta do pecebismo:

Camaradas, nós somos o Partido que foi fundado em 1922, o Partido que liderou o levante comunista de 1935, o Partido que mesmo perseguido ferozmente durante a ditadura do Estado Novo elegeu diversos parlamentares em diferentes níveis nas eleições que se seguiram na nova república, o Partido que contribuiu ativamente, através de seus quadros históricos, na produção cultural brasileira.

Mas também somos capazes de perceber que o Partido que também errou, e aderiu à direcionamentos equivocados que culminaram em cisões na década de 1960, que apesar de ter conseguido ser uma das lideranças políticas nas greves gerais que ocorreram no final da década de 1970, chegou à década de 1980 condenado, perdendo seu líder histórico e diversos militantes, cedeu ao eurocomunismo, tornando mais fácil o golpe de 1992. Mas nem esse golpe pôde destruir esse Partido, que logo renasceu das cinzas para se tornar o primeiro partido do Brasil a compreender que o caráter da revolução nesse país é etapista, mas socialista. 

O que parece que os camaradas querem é poderem afirmar “sim nós somos um partido pequeno, que está conduzindo trabalhos a um nível tristemente artesanal, que está extremamente distante da classe trabalhadora e que no momento não representa nenhum peso na correlação de forças da luta de classe brasileira, mas, somos o partido de Luiz Carlos Prestes, o partido mais antigo do Brasil, o partido que organizou guerrilhas no nordeste, que ‘grandiosamente’ sublevou 4 quartéis em 1935”. Em outras palavras, querem, em meio a todo esse desespero, apegar-se a algo para poderem falar: Sim, nós somos irrelevantes na política brasileira, mas somos o Partidão!!!. 

Esse pensamento é extremamente danoso para a nossa organização, pois é a mesma exaltação da história e dos supostos feitos do partido (completamente atravessados de contradições e de ausências de autocríticas sinceras e qualificadas como a Insurreição de 1935) que serviram de “muleta” para amparar nossa frustrações, atenuar nossos equívocos e nossa insignificância e, consequentemente, frear ou eufemizar os processos de autocrítica e de profissionalização dos nossos trabalhos. 

Os camaradas afirmam ter medo de perder o nome do PCB, pois, segundo eles, isso nos tornará pequenos. Porém, um partido só pode ter a força e o tamanho que os seus próprios militantes e seu trabalho político dão a ele. Precisamos ter a coragem de admitir que somos, sim, pequenos e o que nos tornará grandes não será a muleta da história gloriosa do Partidão ou uma sigla, mas sim o nosso trabalho político.

Por isso, defendo que Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros (PCTB) é não somente o nome mais “cientificamente correto”, como também o mais politicamente correto, aquele que dialoga melhor com o nosso programa político e com o momento que o movimento comunista e a nossa organização está passando.