'Sobre os problemas do Comitê Regional do RS: uma resposta' (Theo Dalla)

Não pode passar despercebido que em toda a carta de Dani, não houve sequer uma autocrítica, mas o contrário, apenas um autoelogio constante, colocando-se na posição de baluarte revolucionário, um mártir que enfrenta uma conspiração pelega e dirigista.

'Sobre os problemas do Comitê Regional do RS: uma resposta' (Theo Dalla)
"Eu nunca, jamais, fui a pessoa que tenta pintar um cenário positivo, idealizado, fantasioso. Pelo contrário, é preciso manter por princípio o compromisso de sempre observar e analisar nossos erros e falhas, nossa insuficiência política e organizativa mesmo nas vitórias, num espírito insaciável de alcançar o melhor possível coletiva e individualmente."

Por Theo Dalla para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Recentemente, foi publicada uma Tribuna de Daniele Mereb com diversas “críticas” ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul e o anúncio de seu desligamento da instância. Dada a decisão de publicação, se faz necessária uma resposta igualmente pública, para que toda a militância – agora alvoroçada com o erro do Órgão Central em excluir o texto num primeiro momento – possa visualizar a totalidade da situação e, a partir disso, fazer seu próprio juízo. Lamentavelmente, antes mesmo de ter todos os elementos do debate, já há camaradas tomando todas as críticas como justas, postura no mínimo questionável para comunistas.

Farei o esforço para, ao longo do texto, também apresentar um breve balanço da atuação recente do PCB-RR no Rio Grande do Sul e seu Comitê Regional. Para que não restem pontas soltas, elencarei os argumentos um a um. Vamos lá.

***

Mesmo eu estando perdide no volume intenso de mensagens tanto por Próton como por Telegram, somado à “ótima tradição” de reuniões exageradamente longas resumidas em planejamento e linha política imposta pelo secretariado

Já no início do texto, cria-se o primeiro espantalho. Trata-se como se houvesse algum tipo de “imposição” de “planejamento e linha política” do secretariado, o que é simplesmente falso. É notório que a acusação é feita, mas nem uma linha é dedicada a provar o que se diz. O que é chamado de imposição, na verdade, é nada mais que o papel básico do secretariado: propor um anteprojeto de planejamento e táticas para que o pleno tenha um ponto de partida no debate. A reunião referida era, justamente, a qual o pleno deveria debater, criticar e propor alterações ao documento, que só foi aprovado mediante decisão da maioria do Comitê. Todes camaradas tiveram o mesmo direito à voz e voto, bem como todas as polêmicas foram debatidas até o pleno decidir pelo consenso ou pela votação. Se necessário for, qualquer militante pode solicitar a relatoria da reunião, que foi gravada para garantir a coerência entre o que foi dito e o que foi registrado.

Não há qualquer prova ou mesmo indício de uma tentativa de imposição do secretariado, como se este agisse em uníssono, articulado para contornar e reprimir críticas e alterações – o que é um absurdo sem tamanho. Pelo contrário, de modo geral, o anteprojeto como um todo foi lido, debatido e foram aprovadas alterações importantes, inclusive algumas contrárias à proposta inicial do secretariado. E nunca houve qualquer problema sobre isso.

A próxima etapa, agora, é a apresentação do planejamento para toda militância do estado (uma semana após o pleno do CR aprovar o plano), que terá a oportunidade de elaborar novas contribuições e, principalmente, se apropriar da totalidade do planejamento e das tarefas que dizem respeito a seu local/área de atuação.

desde que fui recrutade, acumulei calade receios em apontar diretamente os nomes e sua série de práticas nocivas ao debate e à decisão coletiva que tanto a cúpula, ops, o secretariado da instância de base como o do comitê, utilizaram ou foram coniventes.”

Não posso falar sobre como foi a relação de Dani em seu organismo de base, pois, somos de cidades e células diferentes. Conheci le camarada este ano, na ida ao Conune, e percebi uma pessoa inteligente, crítica e – aparentemente – sem rodeios para emitir sua opinião. Evidentemente, foi um contato pontual, numa viagem de tarefa, do que não posso tirar conclusões para além do superficial. No entanto, aqui, Dani se refere ao que chama de “cúpula” do Comitê Regional, como se seu secretariado agisse contra o pleno da instância, se utilizando de “práticas nocivas ao debate e à decisão coletiva” as quais... não são citadas! Ora, se há práticas deste tipo, que se faça a denúncia completa. Caso contrário, resta apenas um relato subjetivo enfeitado com palavras de impacto tão em voga neste momento de cisão e reorganização.

Note-se: não se trata de negar que existam erros no Comitê Regional, porém: 1) jamais houve repreensão das críticas aos métodos de organização do Comitê, mas seu contrário, como incentivo constante à formulação das críticas, responsabilização de cada um de seus membros para pensar e propor novas formas de organização e, principalmente, formulação autocrítica constante do próprio secretariado. Por isso, solicito novamente que Dani apresente as provas do que diz, os momentos em que o debate foi podado etc., mesmo que com prints das conversas e relatorias, já que tal é a disposição para polemizar publicamente; 2) ao contrário do que se acusa, desenvolvemos (na UJC, desde antes da cisão) o hábito de perguntar ao pleno de quaisquer reuniões se estão satisfeitos com o debate, se julgam necessárias mais rodadas de debate sobre temas polêmicos, se se sentem aptos a votar etc., além de haver um esforço grande para elaborar previamente documentos que direcionem as reuniões, para que sejam mais objetivas, menos longas e o debate mais proveitoso. Seriam essas práticas nocivas ao debate e à decisão coletiva? Se não, quais são e quando aconteceram?

Cansei de contar as vezes que: Minhas propostas e apelos foram falsamente ouvidas, falsamente pois eram sumariamente ignoradas para imporem a linha política decidida pelo secretariado; Minhas ideias foram mal-recebidas por todes até que le membre do secretariado repetia a mesma coisa e aí sim ela era aceita (de nada, pode ficar com o mérito da contribuição, esse tipo de moeda não paga meu almoço); Meu direito de resposta às réplicas infundadas foi bloqueado pelo secretariado dando a palavra final usando do controle das inscrições; Fui constantemente acusade e taxade de “espontaneísta”, “comportamento anarquista” e “descentralizade”;”

Novamente, há o mesmo recurso retórico. Diversas acusações de uma suposta perseguição contra le camarada, cujas acusações, se verdadeiras, configurariam grave desvio de direção. No entanto, não há qualquer compromisso com a demonstração do que denuncia. Talvez, aqui, Dani confunda ter uma posição minoritária com não ter suas propostas ouvidas. Para citar um exemplo concreto, na 3ª Reunião de Pleno do CR (última da qual Dani participou), Dani disse que “não conseguia ver isso ser viabilizado [metas de arrecadação financeira por meio da cotização e circulismo] sem a Comissão de Finanças fazer um mapeamento inicial [da condição financeira da militância]”. Imediatamente depois, o secretário de Organização respondeu: “camarada Dani trouxe a questão do mapeamento e que este mapeamento precede todo debate financeiro. Isso já é uma preocupação da CPR, inclusive, eu e camarada Zoppo encabeçamos esta tarefa de fazer este formulário de mapeamento [...] onde já está incluído o mapeamento financeiro de acordo com a tabela nacional, que prevê, de acordo com a renda, a contribuição de cada militante. Isso já está para ser enviado”. Logo após, eu (Theo) fiz uma intervenção em que argumento, dentre outras coisas, que a proposta de mapeamento já estava contemplada no anteprojeto: “Falaram que precisamos fazer um mapeamento. Sim, camaradas. Isso está aqui posto: ‘regularizar a cotização da militância estabelecendo com cada militante o valor exato que ordinariamente deve contribuir’, isso pressupõe que a gente converse com cada militante e estabeleça a partir da sua renda a sua contribuição. Então, já estamos prevendo isso, são tarefas imediatas que devem ser realizadas”.

A decisão, nesse caso, foi de não condicionar o início dos trabalhos de arrecadação a um tempo indefinido (que é o de resposta da militância a um formulário grande), mas de já iniciar a tarefa de arrecadação imediatamente, conversando com cada camarada para definir sua cotização (mesmo antes de responderem o formulário completo, que não dizia respeito somente à renda), já que isso foi definido como prioridade interna máxima do estado. Este debate que tomei como exemplo, bem como outros das reuniões do Comitê Regional que contaram com a participação de Dani Mereb estão à disposição da militância que preferir ouvi-los direto da fonte.

Além desse debate, como Dani refere em seu texto, também apresentou discordâncias sobre a proposta de que cada militante deveria contribuir, emergencialmente no mês de novembro, R$50 (somando a alíquota de sua cotização + o montante necessário para fechar este valor). Dani foi a inscrição seguinte e, portanto, a primeira pessoa a discordar da proposta (que não era do secretariado), sob o argumento de que boa parte de nossa militância não dispõe de tal valor. Em contraposição, propôs iniciar a “cotização progressiva e fazer a campanha de circulismo, para captar renda de quem apoia”. Em seguida, diferentes camaradas concordaram que a contribuição de R$ 50 não deveria vir do bolso de cada militante, dada a baixa renda de parte de nossa militância. Então, propus uma mediação: que cada organismo de base tenha como meta arrecadar R$ 50 por militante orgânico, a partir de circulismo e não do bolso de cada um. Além disso, já que cada militante tem círculos sociais de diferentes naturezas econômicas, esta proposta coloca uma média de arrecadação por organismo, de modo a equilibrar o desnível de arrecadação de cada militante. Um detalhe importante é que a proposta de elaborar uma política de circulismo já estava no anteprojeto. Esta proposta foi à votação e venceu minha sugestão.

Como se pode ver em dois exemplos concretos, não só as contribuições de Dani foram ouvidas, como debatidas e encaminhadas resoluções ao seu respeito, que contemplou – aparentemente – só de forma parcial le camarada. Porém, ao final deste debate sobre nossas Prioridades Internas, em que foi definida a tarefa financeira como eixo basilar de nossa reorganização, le camarada Dani foi nome deliberado com consenso para coordenar provisoriamente a Comissão de Finanças (na ausência da secretaria) dado seu empenho e contribuição no debate. Ainda, diferente do que argumenta mais adiante em seu texto, Dani não foi designada para quatro comissões simultaneamente: a condição sine qua non de assumir a coordenação desta que foi definida como a pasta política mais importante do estado é que Dani renunciasse todas as outras tarefas que possui, para se dedicar exclusivamente às finanças. Não houve objeção da parte de le camarada, que aceitou a tarefa. Oportunamente, este fato é esquecido para dar mais força à sua retórica incendiária, como se sua pessoa fosse alvo de uma conspiração para quebrar o quadro, quando, na verdade, todo o Comitê Regional estava apostando em seu potencial.

Porém, é da seguinte forma que tal decisão é retratada:

Por conta do desligamento de camarada que o secretariado colocou para coordenar a Comissão de Finanças, camarada que dirigiu a reunião decidiu que eu assumiria a coordenação provisória da pasta e eu aceitei contando que uma nominata seria informada ao pleno até quarta-feira (01/11/23), eu propus e defendi que a Comissão de Finanças pudesse fazer isso, enquanto o secretariado defendeu que apenas ele poderia fazê-lo “para desafogar a comissão”, e assim ficou.

Nos encaminhamentos finais, le camarada que dirigiu a reunião, numa postura explicitamente impositiva, me cobrou a sinalização de que entendi que devo cumprir exatamente o que foi decidido ali, independente das discordâncias apresentadas, como se eu tivesse 5 anos.”

Para que fique nítido, era eu quem estava coordenando a reunião. Quaisquer dúvidas sobre meu método de condução podem ser tiradas ouvindo a gravação da reunião. Porém, sobre essas infundadas acusações, cabem alguns pontos:

  1. Beira o ridículo dizer que o “camarada que dirigiu a reunião decidiu [grifo meu] que eu assumiria a coordenação provisória da pasta”. Mais uma vez, apela-se para uma distorção flagrante dos acontecimentos para dar mais corpo à “denúncia” de “dirigismo”. Qualquer pessoa sensata deve se questionar: como que uma pessoa, no meio de uma reunião, pode simplesmente decidir por conta própria quem vai ou não fazer alguma coisa? Evidentemente, isso é mentira. Dani foi indicada por mim, mas nem de longe houve imposição. O que houve foi consenso – inclusive com acordo de Dani.
  2. Novamente, le camarada se refere a outro debate em que fez uma proposta que foi largamente debatida, mas foi vencida por decisão da maioria do pleno. Não por imposição do secretariado. Se le camarada se sentiu atropelade nesta ocasião, foi pela decisão da maioria, não por decisão de quem conduzia a reunião ou do secretariado. Por isso, não surpreende que, ao final do primeiro parágrafo citado, apele para deslegitimar a reunião como um todo.
  3. Dani julga como “postura explicitamente impositiva” o fato de eu, após o coletivo definir a tarefa de finanças como prioridade máxima, questionar se está nítido o tamanho da responsabilidade que se está assumindo. Trata como se fosse algo pessoal, direcionado a le camarada e, novamente de forma oportuna, ignora que por várias vezes não me referi diretamente a Dani, mas sim, a todes militantes que assumiriam a tarefa: “Não ter dissenso significa que vamos priorizar e lutar para conseguir R$5000 no próximo mês. Está todo mundo assumindo este compromisso aqui”; “Camaradas sugeridos para integrar a Comissão de Finanças, vocês terão uma responsabilidade gigantesca, que exige disciplina, celeridade e rigorosidade. Então saibam na ‘treta’ que estão se metendo e assumam a responsabilidade caso aceitem”. Fiz isso dado o histórico de displicência geral com a tarefa nos anos anteriores, de compromissos assumidos sem ciência de sua dimensão, uma postura que longe de impositiva, é assertiva e responsável com a militância. No entanto, nesta trama em que Dani é – aparentemente – o centro da atenção do secretariado, isso dizia respeito a le camarada, e não à preocupação com o bom cumprimento de nossa prioridade máxima no estado.

Sobre a luta de solidariedade à Palestina

De princípio, o secretariado decidiu se concentrar exclusivamente em organizar às pressas e de qualquer jeito um ato em defesa da Palestina em Porto Alegre/RS “porque o momento é agora e não pode ser perdido”, o que ao meu ver é problemático já que militância que depende de ondas alheias para surfar é o mais puro movimentismo. Seguiram falhando várias vezes na articulação porque não se tem nada, nenhuma inserção que se traduza em força-motriz para qualquer movimento que se queira puxar, e por isso, não pensaram 2 vezes em apelar novamente para estar à reboque de organização pelega e social-democrata.”

Aqui, o nível de malabarismo argumentativo, de saltos lógicos e de falseamento dos fatos é assustador. É lamentável e indignante a postura adotada por Dani no afã de se “provar” a pessoa mais crítica e revolucionária do Comitê Regional do RS, como se fosse uma grande ameaça a um secretariado supostamente reboquista e pelego. Nada mais longe da realidade. Vamos aos fatos.

Primeiro, o secretariado não “decidiu se concentrar exclusivamente em organizar às pressas e de qualquer jeito um ato em defesa da Palestina em Porto Alegre”. Desde a intensificação da ofensiva colonial israelense, luta internacionalista de máxima e inquestionável prioridade, iniciou-se um debate aberto por mim (e não pelo secretariado como um todo) no pleno do CR para discutir ações e articulações políticas. É importante notar que antes deste momento, o pleno do CR, a partir de uma crítica elaborada pelo secretariado, apresentada em reunião e consensuada entre o pleno, decidiu que nossa prioridade política era a elaboração de um planejamento emergencial, a ser apresentado em formato de anteprojeto pelo secretariado (o mesmo referido várias vezes acima). Então, com a convocação mundial a intensificação de ações de solidariedade, instigamos o pleno a elaborar sugestões para atuação em todo o estado (o que também inclui a capital), que se consolidou na Circular nº 013/2023 – Tarefas de agitação em defesa do povo palestino, elaborada pela Comissão Estadual de Agitação e Propaganda, a qual coordeno.

Evidentemente, diversas ações mais específicas foram propostas para Porto Alegre, onde se concentram associações sionistas e, inclusive, empresas ligadas à Israel (como é o caso da AEL System). Em parte, a necessidade de debater no Comitê Regional questões referentes à capital se dá por ainda não existir um Comitê da Região Metropolitana, que ainda está em fase de criação (e todo pleno do CR sabe disso). Mas, diferente do que Dani denuncia, não se tentou organizar “de qualquer jeito um ato em defesa da Palestina”, mas se orientou a Comissão Internacionalista do CR a cumprir seu papel, articular-se com organizações de solidariedade à Palestina e partidos solidários à causa, para organizar o quanto antes um ato não só em Porto Alegre, mas em todo estado.

Sim, foi orientado a se fazer o quanto antes (ou, “às pressas”), porque esta é uma emergência histórica, porque, sim (!), “o momento é agora e não pode ser perdido”! Se Dani considera que exigir celeridade de um órgão de direção para organizar atos de solidariedade ao povo palestino é “depender de ondas alheias para surfar” e “o mais puro movimentismo”, demonstra uma compreensão completamente equivocada sobre este conceito e até mesmo do papel de um Partido de vanguarda na luta de massas.

Por um lado, é verdade que herdamos uma das piores características do pecebismo, que é o movimentismo, o reboquismo etc., os quais também foram motivos de nossa cisão. Porém, tratar este caso como expressão disso não faz qualquer sentido, pois não se trata de uma luta na qual não temos qualquer inserção, relação prévia, objetivos concretos e princípios sólidos. É uma luta histórica, com a qual nos solidarizamos e denunciamos há décadas, cuja situação atual é um imperativo de convocação à luta inadiável. Movimentismo seria lançar nossas tropas em lutas com um fim em si mesmo, sem qualquer orientação, direcionamento, objetivos, apenas para marcar presença e não para disputar os rumos da luta de massas no sentido revolucionário. Nada mais distante do que foi proposto e discutido desde o início em nosso Comitê.

Depois, le camarada tenta justificar nossa “falha na articulação” porque “não se tem nada, nenhuma inserção”, quando, na verdade, nossa falha se deu principalmente por falta de iniciativa e letargia dos camaradas que constituem a Comissão Internacionalista do CR, que sequer tentou realizar as articulações na intensidade e qualidade propostas. É evidente que o PCB-RR não tem uma capilaridade de massas e isso não é surpresa pra ninguém, mas não foi este o motivo de não termos tomado a frente da articulação de ações.

Porém, ao fim do parágrafo, tentando se projetar como arauto revolucionário, le camarada mente descaradamente sobre a tática adotada pelo Comitê Regional. Peço que le camarada publique registros do que está dizendo: quem “não pensou 2 vezes em apelar novamente para estar a reboque de organização pelega e social-democrata”? Onde isso foi debatido? Onde isso foi deliberado? Não houve debate sobre ações independentes? Sobre articulação com organizações de esquerda para disputar os rumos do movimento?

Se Dani quer se referir ao fato de nossa Comissão Internacionalista ter falhado miseravelmente, eu estarei ao seu lado e bancarei todas as críticas, até porque, tenho criticado a letargia desta Comissão desde o início da ofensiva sionista. No entanto, pular disso para uma suposta subordinação proposital e consciente ao peleguismo e à social-democracia, como se fosse uma escolha do secretariado, não só é absolutamente falso, como levanta questionamentos sobre a verdadeira intenção de Dani ao escrever esta carta.

A situação piora no parágrafo seguinte:

Tal decisão não foi por falta de proposta alternativa, eu sugeri e defendi que se fizesse uma ofensiva colando lambes específicos nas portas de uma empresa que é fachada local das Forças Armadas de Israel, apontando que Israel não só extermina o povo palestino como também sustenta o genocídio brasileiro, com presença de picho e tinta vermelha pelo chão também, em momento anterior ao ato para reforçar o caráter burguês, mostrar onde e como esses inimigos estão presentes na nossa realidade, procurando irritar este setor burguês e agitar uma propaganda direta para que o ato seja bem-sucedido. O que um grupo anarquista qualquer faz com menos de 5 pessoas sem nem fazer esforço, nossa organização não só não foi capaz, como priorizou novamente ficar à reboque de social-democracia por medo de polícia e justiça burguesa, e adiou essa intervenção para depois do ato “pois a ordem não altera o resultado”.

Com isso, fica difícil de acreditar que a intenção de Dani não tem a ver com pretensões carreiristas. Primeiro, pinta um cenário como se o Comitê Regional do RS, em especial seu secretariado, é anti-democrático e cala as divergências; depois, acusa que esta direção “prioriza ficar a reboque da social-democracia”; ao fim, descreve-se como a voz divergente que a direção pelega tenta calar, pois propõe táticas mais avançadas e revolucionárias. Só para ilustrar o quão distante da realidade está esse relato, vou reproduzir algumas mensagens que mandei ao longo do último mês no grupo do Telegram:

Dia 9/10/2023, primeira mensagem sobre a Palestina no grupo do CR:

Theo Dalla [13h58]: “Camaradas, acho que seria importante tentarmos articular algum movimento de solidariedade à Palestina no RS, nas cidades em que for possível. O que acham?”

A partir daí, inicia o debate. Lucas Zafalon, Filipe Zoppo e Marcela Almerindo fazem algumas propostas de agitação (lambes, panfletos, vídeos etc.).

Theo Dalla [14h21]: “Acho que uma coisa não exclui a outra. Um ato, pelo menos em Porto Alegre, é fundamental”

Theo Dalla [14h23]: “Eu não sei se alguém de nós tem contato com a FEPAL ou organizações de solidariedade à Palestina. Mas, acho que devemos iniciar já. Pessoal da célula internacionalista tem algum contato?”

Theo Dalla [14h25]: “Se não tiver nada em andamento, nós devemos tomar a frente e começar a articular.”

Comissão Internacionalista diz estar marcando reunião para discutir o assunto. À noite, lanço a primeira proposta mais organizada (ninguém falou mais nada durante o dia):

Theo Dalla [22h04]: “Camaradas, já deixo minha sugestão:

1) Devemos articular IMEDIATAMENTE um ato. Mais tardar para quinta ou sexta feira. Esse tipo de evento tem um "timing" específico. Não dá pra esperar muito. Por mais que seja em cima da hora, pela dimensão do fato político, a tendência é de uma adesão expressiva.

2) Precisamos articular com todas as organizações que se colocam em defesa da Palestina. Quanto mais ampla a articulação, melhor. Mas, a PRIORIDADE deve ser as organizações palestinas, como Fepal, Sanaud, etc.

3) Esse ato precisa ir além do simbólico. Seria um ato fúnebre ir pra Redenção ficar falando pra si mesmo. Ou mesmo pro centro. Os atos tem que ser uma pedra no sapato dos sionistas, perturbar a paz deles. Temos que ir onde eles estão. Duas sugestões: 1) convocar o ato em frente ao colégio Israelita, ao 12h; 2) convocar o ato em frente a RBS; 3) convocar o ato em frente a associação hebraica (aqui, não tenho certeza, pois não sei exatamente a relação da associação com o sionismo)”

A partir dessa proposta, iniciou-se um debate sobre as melhores formas de agitação e onde concentrar nossas forças. Como podem ver, foi uma proposta inicial, já perspectivando ações independentes de alto impacto para a opinião pública, bem como a articulação com organizações de esquerda e árabes (até o momento, sabia pouco da inclinação política da Fepal, cuja prioridade de articulação corrigi em seguida). No dia seguinte (10/10), já elaborei um primeiro esboço de circular de orientação. Alguns minutos depois, Dani envia uma mensagem justificando sua ausência naquele período, dado seu envolvimento em tarefas acadêmicas e também aponta para um problema organizativo sobre a distribuição de militantes em cada comissão, crítica corretíssima e retificada no planejamento, como já dito.

Nesta circular, já propus a ação na empresa AEL System, conforme consta:

“Para isso, temos algumas sugestões:

Ato em frente a RBS, denunciando a parcialidade e cumplicidade da família Sirotsky e Marinho com a guerra colonial.

“Para isso, temos algumas sugestões:

Ato em frente a RBS, denunciando a parcialidade e cumplicidade da família Sirotsky e Marinho com a guerra colonial.

Ato em frente à empresa subsidiária do complexo industrial bélico de Israel (AEL Sistemas, na Av. Sertório, nº 4400)

Ato em frente à Associação Hebraica”

A partir daí, seguindo o debate, sugiro uma nuance tática em diálogo com outra camarada:

Theo Dalla [14h14]: “Sobre a questão da fábrica de armas, que ainda não tive confirmação de qual é, acho que o nosso papel seria diferente daí. Não é sobre constranger os trabalhadores - longe disso. O melhor é o que a camarada Maíra disse mesmo. Até porque, se for uma indústria metalúrgica, é um setor estratégico e que nos interessa muito. Ali seria um elo muito importante da corrente do conflito.”

Algumas horas depois, debatendo qual seria a melhor tática, no que tange à articulação das ações, faço a seguinte pontuação:

Theo Dalla [17h12]: “Só que, assim, precisamos agilizar isso, camaradas. Se a Comissão não falou com nenhuma organização ainda, é um erro. E se não tem condições de fazê-lo no curto prazo, então vamos trocar a responsabilidade da tarefa.

Tem organizações vindo dialogar conosco já pra discutir o assunto. Temos que articular o quanto antes uma reunião com todas essas organizações, pra encaminhar logo o ato. A Fepal, salve engano, estava se reunindo hoje à tarde também, dali deve vir algum indicativo.”

Uma hora depois do mesmo dia 10/10/2023, Dani se pronuncia:

Dani Mereb [18h08]: “Pontos que gostaria de contribuir nos limites do que posso:

- Sugiro que a escola seja imediatamente descartada como alvo, afinal, é uma escola e dará a entender como se fosse um conflito étnico, o que não é nossa intenção.

- É mais interessante fazer um protesto ofensivo na frente da empresa de fachada das forças armadas de Israel, isso irá apontar diretamente o caráter burguês da guerra.

- Caso não seja possível, o segundo melhor lugar é na frente da RBS, vai chamar atenção.

- É necessário averiguar o espaço ao redor, a RBS tem o Palácio da Polícia, qual o tipo de risco? Qual limitação na ofensiva ali?

- Eu sugiro que não seja utilizado fogos de artifício/rojão em hipótese alguma! Pode-se pensar numa ofensiva direta como tapar as portas de entrada com lambes denunciando Israel, derramar a tinta vermelha no chão todo representando o sangue que eles estão derramando e talvez uma boa ideia seja fazer uma fogueira com pneu e queimar bandeiras de Israel.”

Não houve qualquer discordância com a proposta de Dani. Pelo contrário, le camarada, de modo geral, reforçou o que eu já tinha proposto, inclusive, em formato de circular. Eu não quero aqui disputar quem deu a ideia primeiro, porque, sinceramente, isso é irrelevante. Não se trata disso, mas sim, de despir os fatos desta fantasia meticulosamente costurada por Dani, cujas intenções ainda pairam no ar.

Ainda sobre a suposta defesa do reboquismo, mensagens minhas no dia 31/10/2023, discutindo com os membros da Comissão Internacionalista:

Theo Dalla [11h04]: “Sim, camarada. A proposta, desde o início, conforme mandei nas mensagens acima, é que se articule este ato junto a Frente Gaúcha de Solidariedade à Palestina.

Não vamos fazer nada sozinhos. Mas vamos tomar a frente para propor e organizar as coisas, junto a nossos camaradas palestinos. A questão é que não precisamos esperar que eles venham com ideias prontas e apenas nos convidem para ações. Nós podemos apresentar ideias e nos colocar a disposição para organizar, também.

Tem dois pontos importantes para se bater em Poa: 1) Federação Israelita, pelo racismo declarado em rádio nacional; 2) Elbit System, indústria militar israelense.”

Só para finalizar e demonstrar de uma vez por todas que não houve qualquer “priorização” de ficar a reboque da social-democracia, recito aqui minhas últimas mensagens, estas sim, sumariamente ignoradas até hoje:

Theo Dalla [06/11/2023 – 20h06]: “Esses detalhes a Comissão Internacionalista não consegue debater, camarada? Creio que ja deveria ter sido feito isso. Eu nao sou da comissao, mas tenho proposto ideias e insistido constantemente pra que a CI tome uma postura mais proativa nessa articulação. Depois de semanas da proposta de realizarmos atos no Consulado dos EUA e outras ações, o camarada comunicar que precisamos "cravar uma data" é complicado, pois, esta e outras são tarefas justamente da comissao da qual fazes parte.

Não me entenda mal. Não estou pessoalizando em ti [referindo-me a um camarada da CI]. Minha crítica é à letargia da Comissão, num momento que ela tem uma responsabilidade muito grande. É o momento de afirmar com toda força nosso internacionalismo proletário, de forma ativa e contundente, diferente do reboquismo do PCB-CC, que se limitava a espectar a luta de classes e a apenas "marcar presença" nas ações chamadas por terceiros”

Theo Dalla [08/11/2023 – 09h46]: “E ai, camaradas?”

Theo Dalla [10/11/2023 – 08h43]: “E ai, camaradas, alguma atualização da nossa articulação?”

Theo Dalla [10/11/2023 – 09h10]: “Sinceramente, camaradas, essa letargia de um mês é injustificável. Estamos assistindo ao vivo um genocídio sangrento e sádico, enquanto sequer conseguimos propor de fazer um mísero ato de rua.”

Creio que não preciso dizer mais nada para demonstrar o quão absurdas são as acusações feitas por Dani em relação a isso.

Sobre a Kasa Jiboia

Primeiro, é notável e revoltante a forma como Dani ridiculariza o esforço para organizar uma ação independente e direta, com linha política bem definida e não subordinada à social-democracia e ao pacifismo pequeno-burguês, em relação à Palestina. Qualifica como uma “discussão infinita quanto ao tão sonhado ato em defesa da Palestina que não se realiza nunca”, em contraposição à não priorização dada à Okupa Jiboia. Sobre isso, é importante fazer algumas pontuações:

a) não tínhamos qualquer relação prévia com esta ocupação organizada por anarquistas (com os quais nunca construímos nada), como centro de acolhimento de pessoas LGBTs;

b) assim, não tínhamos nenhuma análise ou domínio sobre o processo, menos ainda planos e objetivos concretos, senão apenas e exclusivamente demonstrar alguma solidariedade;

c) já havíamos definido como prioridade voltar-nos temporariamente para nossa reorganização interna, a fim de fazer um planejamento que guiasse nossa ação e definisse nossas prioridades;

d) nossas condições organizativas e financeiras, bem como o ânimo de nossas tropas estava e ainda está abalado desde a cisão, sendo ainda difícil de direcionar esforços efetivos para qualquer luta prática de fôlego (sequer para os atos da Palestina conseguimos uma presença de peso);

e) a luta da Palestina já era uma exceção de nossa priorização da reorganização interna dada sua urgência histórica, sem a qual [reorganização] nossas ações continuariam a desgastar nossa militância à toa, pois desde muito tempo é lançada às lutas sem qualquer entendimento e objetivos;

f) há outros territórios com que já tínhamos relação orgânica de inserção, como a Retomada Gãh Ré e o Quilombo dos Machado, e sequer a estes temos conseguido nos dedicar (desde antes da cisão, inclusive);

No entanto, espontânea e voluntariamente, uma camarada elegeu esta como sua tarefa prioritária e defendeu que nossa organização, em Porto Alegre, voltasse a atenção e os esforços para fortalecer a Okupa, enviando militantes para fazer vigílias noturnas e matutinas, financiar comida e materiais de construção, bem como resistir à violência policial, sem qualquer tática prevista de resistência (pelo menos que a gente saiba), deixando nossos militantes sem nenhum amparo físico e jurídico pro enfrentamento.

Mesmo assim, não houve completa ignorância do secretariado, nem do pleno do CR. Ao contrário do que Dani diz, eu pedi informações e mantive contato constante com a camarada que se colocou a frente da tarefa, apesar de já ter outra tarefa prioritária deliberada coletivamente. Além disso, foram feitas convocatórias, pedidos de contribuição financeira, informes e algumes militantes frequentaram a Okupa durante este período mais tenso, inclusive, no momento da repressão policial. É verdade que nossa atuação ali muito se deve à camarada que definiu esta como sua prioridade, pois foi quem mais se sacrificou por esta tarefa.

A partir desta situação, que aconteceu um mês após a cisão (sic!!!), a conclusão de Dani é que o Comitê é incapaz “de compreender as demandas imediatas da classe” e tem “o hábito de ser omisso, repetindo tudo o que o PCB-CNPJ vergonhosamente sempre fez”. Ou seja, após esperar um mês, numa situação em que o Partido está se reorganizando das cinzas, Dani se questiona: “até quando ficaremos sem pensar em desenvolver capacidade de resposta, resistência, defesa, solidariedade e também de construir as próprias ocupações/assentamentos[?]”. Talvez, le camarada creia que aguardar um mês após uma cisão, cuja herança é um Partido em frangalhos, sem o mínimo de planejamento, estrutura organizativa e financeira, e uma militância totalmente abalada, seria suficiente para estarmos presentes em absolutamente todas as lutas espontâneas que surgem.

Ainda sobre isso, pra que fique nítida minha posição e não seja oportunamente tomada como contrária por princípio a lançar nossa atenção às ocupações, recito o que disse em nosso e-mail sobre o assunto, dialogando com a camarada que estava a frente da tarefa:

“O que a camarada fala sobre a atuação, em parte, é verdade. Não é porque estamos nos reestruturando que não devemos atuar na prática, que não devemos fazer trabalhos mínimos que sejam. A camarada está absolutamente correta quando diz isso. Por diversos fatores, tivemos dificuldade de manter um nível razoável de trabalho prático. Porém, a camarada cria um enorme espantalho quando fala que "esperam uma condição ideal para se inserir nas lutas e que NUNCA vai acontecer". Tal afirmação só demonstra a incompreensão que a camarada tem pela tarefa de planejamento.

[...]

Até este racha, nós participamos de inúmeras lutas, sempre na mesma lógica que a camarada propôs, inclusive, no episódio da Okupa Jiboia. Qualquer coisa que aparecesse em nossa frente, tentávamos jogar nossas tropas completamente dispersas, despreparadas, desorientadas e sem objetivos para as lutas, o que só resultava em desânimo, desgaste e não nos possibilitava o menor avanço possível. Não por outro motivo, estamos há anos repetindo os mesmos erros! Nesta forma de atuação, andamos em círculos. E a camarada vivenciou muito disso, porque é uma militante experimentada na organização. A camarada viu quantas vezes participamos de lutas sem preparo algum e o quão frustrante isso foi e é para a militância. Quantas vezes nossa militância lutou por algo que sequer sabia bem do que se tratava e aonde isso nos levou.

Porém, além dessas experiências espontaneístas, também participamos de outras lutas populares importantes, como as três ocupações que estivemos na linha de frente em 2022 e 2023 (Retomada CEI, Ocupação Litoral e Retomada Gah Ré), todas total ou parcialmente vitoriosas, nas quais parte dos mesmos quadros que a camarada acusa de serem pequenos-burgueses acomodados, estavam direta e cotidianamente envolvidos, se colocando em risco e impulsionando o envolvimento de nossa militância nelas. A camarada, por acaso, esqueceu de tudo isso? Ou, a camarada crê que os camaradas que participaram e dirigiram o PCB nestas lutas recuaram, que abandonaram aquela radicalidade, porque estão muito confortáveis organizando um racha e uma reestruturação quase do zero de nosso Partido?

Agora, quando estamos tentando fazer o melhor planejamento que está ao nosso alcance, no menor tempo possível, a camarada trata como se fôssemos alheios à luta de classes, como se não ligássemos pro trabalho prático, como se só quiséssemos ficar numa eterna masturbação teórica, o que é uma acusação completamente descabida. Faz pouco mais de dois meses que iniciamos nossa reorganização no estado. Nesse tempo, iniciamos mal a organização do CR, fazendo um debate organizativo muito infrutífero em nossas duas primeiras reuniões. No entanto, rapidamente reconhecemos isso e estamos organizando um planejamento que contempla muito dos anseios da camarada, em que estabelecemos prioridades do que é o básico para estruturar nosso Partido organizativamente, bem como metas razoáveis, mas ousadas, de inserção no movimento de massas, seja em categorias de trabalhadores estratégicos, seja nas massas populares por meio do trabalho em bairros e territórios. Estamos, em pequeníssimos dois meses, apresentando um planejamento que vai poder guiar nossa atuação. Teremos um norte para nos inserir na Restinga (quarto maior bairro de Porto Alegre, majoritariamente negro e de baixa renda), cuja organização da célula Restinga já está em avançado andamento; um planejamento de atuação no Quilombo dos Machados, no Bairro Sarandi, de características sócio-econômicas similares; bem como para os bairros nos quais já temos trabalho em Caxias do Sul. Isso, para citar apenas a parte dos bairros, do que pretendemos e já estamos a fazer em curtos 6 meses atravessados pelo verão e pelas férias de boa parte de nossa militância.

Chamar isso de "ideal", quando se trata do mínimo necessário para um avanço efetivo, para abandonarmos a lógica espontaneísta que nos assola há tantos anos, é, no mínimo, defender contra os princípios organizativos leninistas. A camarada, com estas palavras aparentemente dialéticas de iniciar uma "inserção lenta, de maneira embrionária", na verdade, está defendendo a "tática-processo" menchevique, que menospreza a "tática-plano" leninista. É como quem diz: "para que um mapa? nós descobriremos nosso caminho caminhando!". Isso nada tem de revolucionário, apesar das boas intenções. Em vez da camarada dedicar-se a pensar e melhorar nosso plano para inserção nos bairros (porque a camarada tem plena e inquestionável capacidade pra isso), para atingir a tão necessária popularização de nossas fileiras, ela prefere desprezar todo o (já limitado) esforço que estamos fazendo nesse sentido.

Veja bem, camarada: o fato de não termos girado todos nossos esforços para a Okupa Jiboia não significa um desprezo pela luta por moradia e acolhimento para pessoas LGBTs. Se a camarada observar, no último sábado, no dia mundial de luta em defesa da Palestina, diante do genocídio em curso pelo paralelo do nazismo de nossos tempos, boa parte de nossa militância de Porto Alegre preferiu ir ao aniversário de uma camarada. Ficamos apenas cerca de 10 pessoas no ato. Um escárnio completo. Isso, sim, diz respeito aos ânimos de nossas tropas, sua convicção ideológica, a importância e centralidade que dão ou não para a luta em suas vidas, mas não podemos deduzir disso que toda essa militância é um bando de pequeno-burguês acomodado, que não faz nada e odeia os palestinos. Pelo contrário, boa parte dessas pessoas compuseram atos atrás de atos, lutas atrás de lutas no passado recente, mas estão muito desanimados, desgastados, alguns desacreditados, sem vigor para continuar, além de boa parte estar embebida de uma cultura política nociva, que precisamos superar. Isso somente em parte é responsabilidade deste Comitê, pois também é expressão da herança que carregamos. São centenas de militantes que simplesmente foram atirados a quaisquer lutas, sem grande explicação e convencimento, sem um caminho definido, e nunca viram resultado de suas ações. A frustração é inevitável.

Isso significa que temos um desafio enorme não só para recuperar o ânimo de nossos camaradas, como também recrutar novas pessoas que estão com outro gás e não foram embebidos da prática e cultura política nocivas que cultivamos até aqui. E, além disso, é preciso frisar que não escolhemos deixar de tocar a Okupa Jiboia especificamente, mas sim, na prática, despriorizamos - momentaneamente - todas as lutas práticas (exceto uma internacional e urgente, que é a da Palestina) para podermos focar - no menor tempo possível - em nossa reestruturação interna e planejamento. É preciso ressaltar: a luta de classes não vai acabar nestes dois meses que estamos relativamente "parados" nas lutas práticas externas (na verdade, não estamos totalmente parados, apenas priorizando o interno para poder voltar às ruas com mais decisão e efetividade o quanto antes).”

Agora, é interessante como se revelam algumas contradições aqui:

Ao mesmo tempo que Dani denuncia um suposto movimentismo em nossa atuação em relação à Palestina, defende com unhas e dentes uma atuação sem qualquer preparo, análise, planejamento e objetivos, num espaço que não tínhamos qualquer relação prévia; ao mesmo tempo que denuncia uma suposta subordinação à social-democracia na articulação do ato da Palestina, defende que nos subordinemos ao arbítrio de um pequeno grupo anarquista? Isso tudo, num momento de enorme fragilidade organizativa interna, como não poderia ser diferente após uma cisão!

De novo, se tivéssemos em uma condição favorável ou minimamente estável, o cenário seria completamente diferente. Dani, em seguida no seu texto, faz uma ponderação muito correta sobre espontaneísmo e espontaneidade. Não dá para confundir ambos. Situações políticas, revoltas, levantes etc., muitas vezes eclodem espontaneamente e é função de um Partido Comunista estar presente, apoiar as lutas e, mais do que isso, trabalhar ideológica e politicamente no direcionamento do movimento, cumprindo seu papel de vanguarda. No entanto, pra isso, como Dani diz na própria carta, “Lênin não trata a espontaneidade da classe como algo essencialmente negativo ou sem propósito, pelo contrário, entende como uma causa e efeito que deve ser observada, estudada e aprendida para ser usada de forma planejada no futuro ou compreendida para ser melhor direcionada no momento”. Ora, pois!

Para finalizar este tópico, Dani coloca mais dois pontos:

Há um problema de princípios quando se prioriza o ato em defesa da Palestina que é tão sólido nacionalmente que se apela à pelegues para tentar concretizá-la, em detrimento de ajudar a defender uma comunidade que estava prestes a perder seu teto na base da escavadeira, bomba de gás e bala de borracha. Argumentou-se que a luta internacional vai além da luta local, porém, por que na prática a luta local foi tratada como oposição à luta internacional? Por que ambas não se conectaram? A burguesia israelense não tem nada a ver com a burguesia brasileira?

Assume-se que militar sem ter definições táticas cai em ativismo. No entanto, pergunto-me duas coisas: Para ficar à reboque de pelegues temos definição tática, mas se um grupo bem proletarizado correr risco de ficar sem teto e nos chamar, não temos? Devemos deixá-lo sem teto porque nos inserir ali não nos levará à construção de um novo regime político?

Eu sinceramente não sei se a essa altura da discussão ainda se faz necessário responder a essa retórica incendiária tosca. Creio que tudo que foi dito já é suficiente pra demonstrar o quão distante da realidade está isso. E, antes que se faça um grande caso: qualifico como tosco porque em nada agrega à discussão, é desprovido de qualquer compromisso com o avanço teórico-prático do Partido, restando apenas a vontade de criar uma suposta contradição, um suposto desvio de princípio que evidentemente não há. Eu lamento ser duro com le camarada, mas foi neste patamar que Dani preferiu fazer a discussão.

***

Eu realmente não gostaria de estar fazendo este debate. Porém, Dani por conta própria e contrariando as decisões coletivas das quais participou, definiu que esta polêmica era a prioridade estadual, que toda a direção e a militância nacionalmente deveriam se voltar para isso. Destaco o que já disse acima: em nossa primeira reunião de planejamento, foi definido que a estruturação financeira seria nossa tarefa de prioridade máxima, absoluta e inadiável, e foi creditado a Dani a responsabilidade de coordenar exclusivamente esta tarefa (liberando-se das demais). Como vocês devem lembrar, na mesma reunião que definimos isso, preocupado com o histórico de displicência com a tarefa, reforcei:

Camaradas sugeridos para integrar a Comissão de Finanças, vocês terão uma responsabilidade gigantesca, que exige disciplina, celeridade e rigorosidade. Então saibam na ‘treta’ que estão se metendo e assumam a responsabilidade caso aceitem

Dani me critica por isso, dizendo que fui “impositivo” ao cobrar a sinalização de que le camarada estava ciente de sua responsabilidade e compromisso com o que foi deliberado coletivamente, a despeito de Dani ter tido algumas posições vencidas. Porém, vejam só, por conta própria e sem diálogo anterior algum (já que le camarada havia concordado com a tarefa que assumiu e as que deixaria de assumir para se dedicar exclusivamente à prioritária), Dani anuncia em sua carta:

“Com isso, decidi me ausentar de todas as tarefas, independente do que o secretariado impôs, para escrever esta carta.”

Obviamente, como defensor do debate e da polêmica pública, do irrestrito direito de crítica, de falar e ser ouvido, além do compromisso com a verdade e o avanço coletivo, não pude deixar que vicejasse este debate sem qualquer contraponto consistente. Por isso, mesmo também dividindo meu tempo entre trabalho, faculdade e problemas pessoais, além de ter prioridades definidas coletivamente, me coloquei a escrever esta resposta.

Apesar de minha confiança em Dani ter sido muito abalada por conta desta postura, continuo com a mesma percepção que tive quando nos conhecemos no Congresso da UNE. Dani é uma pessoa muito estudiosa, crítica, sem melindres e determinada, características importantes para um quadro comunista. Acho injusto amarrar os erros aos quadros, mas estes também precisam demonstrar disposição a reconhecer seus erros e abandonar qualquer postura arrogante, presunçosa e descompromissada com o avanço coletivo.

Não pode passar despercebido que em toda a carta de Dani, não houve sequer uma autocrítica, mas o contrário, apenas um autoelogio constante, colocando-se na posição de baluarte revolucionário, um mártir que enfrenta uma conspiração pelega e dirigista. Sempre digo a todes camaradas: desconfie de tudo e todos que apontam mil e uma críticas e nenhuma autocrítica. A atitude de se retirar do Comitê Regional, justo quando assume a tarefa de maior responsabilidade política, por confiança coletiva que lhe foi atribuída, demonstra apenas um profundo desvio individualista e beira o boicote.

Para finalizar: é evidente e inevitável que o Comitê Regional do RS tenha ainda diversos problemas e que cometa diversos erros (e em breve, assim que aprovado estadualmente nosso planejamento emergencial, publicaremos nosso balanço interno e perspectivas políticas!). Seria ridículo tratar como se o nosso CR fosse um mar de rosas, um éden comunista acima de quaisquer contradições. Eu nunca, jamais, fui a pessoa que tenta pintar um cenário positivo, idealizado, fantasioso. Pelo contrário, é preciso manter por princípio o compromisso de sempre observar e analisar nossos erros e falhas, nossa insuficiência política e organizativa mesmo nas vitórias, num espírito insaciável de alcançar o melhor possível coletiva e individualmente. Porém, do outro lado da moeda, está o compromisso em pensar caminhos para a superação desses erros e sugeri-los para apreciação e decisão coletiva. Recomendo que o mesmo seja feito.