'Sobre os fundamentos de um partido revolucionário' (Ivan Pinheiro)

Não podemos desperdiçar a vitória de termos superado muitos obstáculos nesta caminhada e de estarmos às vésperas de um Congresso que elegerá um CC, aprovará Resoluções que tem tudo para contribuir para a Revolução e forjar um partido em que todos tenhamos direitos iguais e alguns mais deveres.

'Sobre os fundamentos de um partido revolucionário' (Ivan Pinheiro)

Por Ivan Pinheiro para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Depois da tribuna de debates que apresentei em 21 de janeiro deste ano, em que me restringi a opinar sobre adotarmos ou não a chamada filiação democrática nas circunstâncias de então, vários fatores me impediram de voltar a registrar neste espaço minhas opiniões sobre as principais polêmicas que identifico, inclusive a dificuldade que deve ser comum a camaradas da minha geração, de acompanhar o imenso volume de postagens digitais, tanto nas células, nas instâncias de nossas direções provisórias, como nas tribunas e demais publicações no Em Defesa do Comunismo. Mas a participação presencial na Conferência Regional do RJ me permitiu identificar as principais polêmicas e divergências, algumas das quais me parecem antagônicas. 

Devido às características atípicas deste Congresso, cuja convocação foi produto da cisão do partido em meados do ano passado, há uma grande diversidade de opiniões e de temas, alguns a meu ver secundários neste momento, mas que são importantes e expressam uma demanda reprimida por debates. Talvez seja o caso de este Congresso decidir pela convocação de um outro, proponho no primeiro trimestre de 2026.

É compreensível que nossa Tribuna sugira uma catarse política. Militávamos em um partido burocrático, em que os militantes não delegados ao XVI Congresso (2021), além de não poderem escrever suas próprias tribunas, não podiam sequer conhecê-las, fato inédito na história do PCB, mesmo em períodos da mais dura ilegalidade e clandestinidade. Para evitar o risco de derrota no XVII Congresso (Extraordinário), que vinha sendo agitado com entusiasmo pela militância, os burocratas e os academicistas decidiram expurgar centenas de militantes, sem direito de defesa, e rachar o partido para o chamarem de seu.

Tenho a impressão de que alguns militantes se engajaram nos esforços da Reconstrução Revolucionária do partido mais por conta da ausência do verdadeiro centralismo democrático e das discriminações e perseguições que sofriam do que pelas opiniões e propostas expostas no Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR), divulgado em 3 de agosto de 2023. Mas isso não desmerece em nada as suas opiniões e razões, em que certamente teve mais peso a valorização do centralismo democrático, sinal evidente de que a ele se submeterão.

Permitam-me, antes de iniciar meus comentários, levantar uma questão de ordem, a propósito da cronologia da apresentação dos diversos blocos e capítulos e, em consequência, dos debates e conclusões.

Em autocrítica pessoal, dado que não me pronunciei tempestivamente a respeito quando o anteprojeto das Teses foi debatido em uma Plenária Nacional, proponho a inversão da ordem dos dois primeiros blocos. Sugiro que, logo após a Introdução, comecemos pelo bloco RESOLUÇÕES SOBRE ESTRATÉGIA E TÁTICA e, logo em seguida, o que trata do PROGRAMA DO PARTIDO.

Justifico esta proposta pela lógica de que é a partir de nossas conclusões no campo da estratégia e da tática que estaremos aptos a debater e deliberar sobre os três outros blocos, o PROGRAMA DO PARTIDO, as RESOLUÇÕES DE ORGANIZAÇÃO e o ESTATUTO DO PARTIDO, nesta ordem.

RESOLUÇÕES DE ESTRATÉGIA E TÁTICA:

O IMPERALISMO NOS DIAS DE HOJE E A CONJUNTURA MUNDIAL:

Discutir e deliberar sobre o que é o imperialismo hoje é inadiável e incontornável para os comunistas, sob pena de não chegarmos a conclusões coletivas sobre temas atuais com potencial de provocar mudanças radicais na conjuntura nacional, regional e mundial, como o acirramento das contradições interimperialistas, as ilusões a respeito da “multipolaridade”, a definição do caráter da economia chinesa e da Guerra na Ucrânia, além dos desdobramentos do conflito na Faixa de Gaza, da tensão crescente no continente africano e das consequências de todos esses fatores na América Latina e no Brasil.

Após décadas de unidade artificial marcada pelo marasmo e pela conciliação nos debates internos aos Partidos Comunistas e no MCI [1], agravados desde que se consumou a contrarrevolução na União Soviética, o advento da Guerra na Ucrânia obrigou grande parte dos partidos comunistas a tirar esta pauta debaixo do tapete.

Aliás, este foi o estopim principal da cisão do PCB. Para fugir do debate que perderiam, os burocratas e academicistas, antes mesmo de cindirem o partido, promoveram um giro à direita nas relações internacionais, por onde começaram a desconstrução revolucionária do partido. 

Assino embaixo, sem qualquer reparo, os parágrafos das Teses que iluminam nossa compreensão sobre o imperialismo contemporâneo, a partir da posição marxista-leninista, concordando com suas corretas conclusões, entre as quais destaco:

- A crítica à compreensão do imperialismo apenas como política agressiva de alguns Estados e à ilusão de um mundo de paz a partir da multipolaridade;

- A constatação do acirramento das contradições interimperialistas e dos riscos de novas guerras de proporções mundiais;

- A caracterização da guerra na Ucrânia como interimperialista e a correta posição de não apoiarmos um dos blocos em confronto. O papel dos comunistas é lutar para que o proletariado não se transforme em carne de canhão das burguesias e procurar conscientizá-lo, organizá-lo e levantá-lo contra elas. 

- A definição dos BRICs como uma coalisão de burguesias para obtenção de melhores condições nas disputas no mercado mundial;

- O declínio da hegemonia imperialista estadunidense frente ao avanço do capitalismo na China e ao importante papel econômico e militar que a burguesia russa cumpre regional e mundialmente;

- A tendência à destruição de direitos sociais e trabalhistas, da privatização do patrimônio e serviços públicos, da militarização e fascistização da política burguesa.

A única omissão involuntária nesse capitulo é em relação ao atual e mais cruel genocídio sionista contra o povo palestino, que se iniciou a partir do 7 de outubro, com a chamada Tempestade Al-Aqsa, depois portanto da divulgação do Caderno de Teses. 

Este é um tema decisivo nos desdobramentos das disputas imperialistas, em função do impacto negativo que certamente afetará a falsa imagem de invencível não só de Israel, mas principalmente dos Estados Unidos, que se desmoralizam cada vez mais como a principal potência militar, econômica e política do planeta e como exemplo de “democracia”. É significativa a sua decadência como país hegemônico, em todos os aspectos, chegando ao ponto de ter que pagar um preço alto para vetar sozinhos resoluções do Conselho de Segurança da ONU, ainda que moderadas e insuficientes para pôr fim ao genocídio promovido pelo sionismo e o reconhecimento de um Estado Palestino, além de reprimir violentamente manifestações pacíficas contra o genocídio sionista.

O sofrimento e a impressionante resiliência do povo palestino vêm conquistando o apoio e a simpatia da maior parte da opinião pública mundial e criando condições para um massivo movimento global de solidariedade que os comunistas temos que tratar como prioridade política nesta quadra, inclusive pelos riscos de que o conflito se transforme em uma guerra de proporções internacionais no Oriente Médio, com repercussões mundiais.

Além da priorização da nossa solidariedade ao povo palestino durante um período que pode ser longo, é fundamental que nosso Congresso se pronuncie oficialmente em oposição à falsa solução “dois Estados, lado a lado”, como se fosse possível acreditar que o estado sionista e genocida de Israel respeitaria as fronteiras e a soberania de um vizinho Estado Palestino. Nossa bandeira estratégica para esta questão deve ser por um único Estado laico para os dois povos, do rio ao mar, com a capital em Jerusalém e o retorno da diáspora palestina.

Quero aqui saudar outro acerto destas Teses, quando identificam na Guerra na Ucrânia uma disputa entre o bloco EUA-UE e o bloco China-Rússia, caracterização sobre a qual pretendo me estender um pouco, porque é natural entre os comunistas o ódio ao imperialismo estadunidense e uma certa nostalgia da Revolução Russa e da construção do socialismo na URSS. Influi também a ilusão de que é preferível a hegemonia de um imperialismo menos agressivo, como se as potências capitalistas ascendentes não estivessem se armando para garantir militarmente a sua provável hegemonia em um futuro que parece próximo. 

Entendo, no contexto da disputa entre os interesses do capital, que a Rússia não ficaria de braços cruzados, diante do aparelhamento da Ucrânia para travar uma guerra por procuração da OTAN contra ela, a pretexto de recuperar as Repúblicas Populares separatistas na região do Donbass, que contavam com o apoio discreto mas efetivo da Rússia. O que pretendo aqui discutir é a estratégia que a burguesia russa adotou e seguiu à risca no conflito e que, ao que tudo indica, lhe garantirá uma vitória não apenas no campo militar, mas no econômico e geopolítico. 

Em primeiro lugar, não podemos subestimar o respaldo decisivo da China à Rússia nesta guerra, de forma discreta, como é da tradição da milenar sabedoria chinesa, mas evidente entre dois países aliados e vizinhos, com uma das maiores fronteiras do mundo. Basta analisar os termos do inédito acordo firmado entre os dois países, que Putin assinou em Pequim, vinte dias apenas antes da entrada das tropas russas em território ucraniano, e que proclamava, com todas as letras, uma “aliança sem limites” entre eles e que efetivamente vem se confirmando em outras partes do mundo. 

Aliás, esta aliança foi reiterada e fortalecida ontem, em Pequim, em importante declaração conjunta assinada por Putin e Xi Jinping, na qual as duas potências dirigem críticas severas e diretas contra os Estados Unidos e escalam sua parceria estratégica em todos os aspectos, deixando evidente a sua unidade irrestrita nos objetivos geopolíticos.

É esta aliança que, entre outros fatores, justifica a caracterização dessa guerra como uma disputa entre o bloco EUA-UE e o bloco China-Rússia, como afirmam as Teses. Os estrategistas do imperialismo euro-atlântico imaginaram dobrar a Rússia e enfraquece-la com suas sanções econômicas, limitar sua ação militar à região fronteiriça com a Ucrânia e ainda sonhavam com a retomada do controle da Criméia e do Donbass. 

Quero chamar atenção para a estratégia que a Rússia provavelmente planejou na sua chamada “Operação Militar Especial” na Ucrânia, a começar pelo cerco de 180 graus a Kiev, promovido por centenas de tanques russos logo nos primeiros dias da sua ofensiva militar. Quem de nós não foi dormir naqueles dias imaginando ver a bandeira russa tremulando na Praça Maidan na manhã seguinte? No entanto, ao invés disso, os tanques se retiraram dos arredores de Kiev e, ao que parece, se espalharam para o leste da Ucrânia.

Há quem entenda essa movimentação como uma derrota militar da Rússia, produto de um erro estratégico. Mas a minha hipótese, influenciada pelo respeito à tradição e à potência militar russa, é de que se tratou de uma tática para atrair os EUA e os países europeus a participarem da guerra com armas e ajuda financeira para a Ucrânia (o que já fariam independente do cerco a Kiev), mas sem que pudessem enviar tropas para lutar a seu lado, já que o país não é formalmente membro da OTAN. Hoje em dia, vemos esses países em uma “saia justa” para se livrar de Zelensky e encontrar uma saída menos humilhante possível para encerrar a guerra, que ficará na história como vitória militar russa.

A meu ver, a Rússia valeu-se das dificuldades de os ucranianos invadirem seu território, do arsenal nuclear de que dispõem e da “aliança sem limites” com a China para prolongar a duração da guerra, desmoralizar a OTAN e se fortalecer geopoliticamente. 

A estratégia incluiu vários objetivos táticos, alguns militares, como destruir alvos importantes e mapear o arsenal da OTAN e o território no caminho de volta gradual da região de Kiev para instalar-se no Donbass e adjacências, objetivos políticos, como calar as oposições internas (inclusive de comunistas) e conquistar o peso mundial que o país terá com sua provável vitória militar, que será lida como tendo sido contra a OTAN, além de objetivos econômicos. Para decepção de todos os analistas que apostaram nas sanções dos Estados Unidos e da União Europeia e nos efeitos da destruição do gasoduto Nord Stream, que supria a Alemanha, os dados recentes sobre a economia russa indicam aumento do PIB, dos salários e dos empregos e sobretudo dos lucros com a venda de petróleo para países asiáticos e do Oriente Médio e até de armas, apesar de estar em meio a uma guerra longa e de grandes proporções!

Como se vê na fotografia abaixo, em plena guerra (29 de julho de 2023), em São Petersburgo, Putin assinou com mais de 40 Chefes de Estado africanos acordos para venda de armas e fornecimento de grãos, no contexto das disputas imperialistas no continente africano, que ainda pretendo analisar nesta Tribuna quando tratar da expansão da economia chinesa na atualidade e sua “aliança sem limites” com a Rússia também no continente africano.

Se a questão a ser enfrentada pela Rússia na Ucrânia fosse tratada como meramente militar, teria bastado às suas tropas se instalarem em todo o Donbass e seu entorno e se estenderem para o sul, de forma a integrá-lo à Crimeia, que desde 2014 se tornara território russo, por decisão de seus habitantes, como também ocorreu depois em Donetsk e Lugansk, onde os soldados russos são recebidos de braços abertos e se somariam a uma resistência armada popular que já vinha enfrentando os ataques das forças ucranianas que tentavam retomar o território.

Esta solução não suscitaria com êxito a acusação de invasão de um país para anexá-lo, nem o vultoso envolvimento na guerra do bloco imperialista euro-atlântico. Basta lembrar que os habitantes do Donbass são em sua imensa maioria russófonos e já se haviam manifestado majoritariamente em dois plebiscitos, o primeiro para se tornarem Repúblicas Populares independentes da Ucrânia e o segundo para se considerarem território russo. 

A guerra poderia ter durado alguns meses, mas durará três anos ou mais, com mais mortes de soldados proletários dos dois lados e mais destruição. E a única maneira de encerrar esta guerra é exatamente o que poderia ter sido resolvido em poucos meses: a independência do território que vai do Donbass à Criméia, seguida de um processo de sua integração à Rússia, resultado que se confirmará nos próximos meses, haja vista a evidente hegemonia militar russa no terreno. A menos que o bloco EUA-EU resolva fazer deste risco iminente de derrota uma guerra direta da OTAN contra a Rússia, que se transforme em um conflito de proporções mundiais, como alternativa à crise sistêmica do capitalismo e tentativa de não perder a hegemonia mundial ameaçada. Particularmente, não descarto esta hipótese.

Sobre a nossa posição no Movimento Comunista Internacional:

Apesar de contemplado com as Teses deste capítulo, julgo-me no dever de expor algumas opiniões a respeito deste tema, que considero fundamental.

O balanço que faço da dedicação do PCB e dos PCs da América Latina ao internacionalismo proletário é negativo, sobretudo após a desarticulação que resultou da absurda dissolução da Internacional Comunista, no pós Segunda Guerra, a partir de quando as relações de cada partido passaram a se dar praticamente apenas com o PCUS e de forma subalterna. 

Talvez a única época em que os PCs do Cone Sul se aproximaram foi nos anos 1960 e na primeira metade dos 1970, quando as burguesias locais implantaram a Operação Condor, orientada pelos EUA, instalando ditaduras militarmente violentas, por receio do exemplo inspirador da Revolução Cubana e de sua então tentativa de construção de um polo revolucionário latino-americano. A razão principal daquela aproximação foi a necessidade de os PCs se articularem para sobreviver e preservar seus militantes, não o objetivo de criar um polo comunista no continente, que deve ser um dos nossos principais esforços, no âmbito das Relações Internacionais, após este Congresso.

Essa subestimação dos PCs ao internacionalismo proletário e a degeneração do PCUS e do campo socialista que levou à queda do Muro de Berlin e à contrarrevolução na URSS, abriu espaço para o surgimento do Fórum de São Paulo, em julho de 1990, que contou com a influência do então prestígio internacional do PT e principalmente do Lula no chamado campo progressista mundial, logo após este ter ido para o segundo turno nas eleições presidenciais de 1989. 

Em um momento em que o PT ainda parecia estar “no prazo de validade” como o partido de esquerda mais relevante da América Latina, mas já transitando gradualmente para o progressismo e a conciliação de classes, o Fórum de São Paulo foi criado para se contrapor ao neoliberalismo, e não ao capitalismo em si, literalmente “para promover a integração latino-americana no âmbito econômico, político e cultural a partir da estratégia democrática”. 

A iniciativa de criação do Fórum de SP foi tão exitosa e eficiente para amortecer a luta de classes e conduzir as lutas reformistas nos marcos pacíficos e “democráticos”, que foi sem dúvida a principal inspiração para o surgimento do Fórum Social Mundial, em torno da anódina palavra de ordem “Outro mundo é possível!”. O peso do PT foi tão significativo para esse “altermundismo” que seus dois primeiros encontros mundiais também se deram no Brasil, desta vez exatamente em Porto Alegre (2001 e 2002) quando tanto o governador do Rio Grande do Sul como o prefeito de Porto Alegre eram do PT.

A maioria dos PCs da América Latina, inclusive o PCB, tratou sua integração ao Fórum de SP e ao Fórum Social Mundial (antes e depois do racha de 1992!) como prioritária na política de relações internacionais, até por conta do desmantelamento do MCI logo após a contrarrevolução na URSS.

Entretanto, a partir do XIII Congresso do PCB (março de 2005), a meu ver o marco dos esforços pela sua Reconstrução Revolucionária, o partido passa a adotar iniciativas no sentido da construção de um campo comunista na América Latina, de que são exemplos sua presença efetiva e solidária em lutas, seminários, congressos e outros eventos em Cuba, na Bolívia, Paraguai, Uruguai, Equador, Peru, Venezuela, República Dominicana, Honduras, México e Colômbia, neste caso na capital e nas montanhas. 

No nosso XIV Congresso (2009), contamos com a expressiva presença de 19 Partidos Comunistas, a maioria da América Latina. Na sequência, aproximamo-nos mais dos partidos da Grécia, da Espanha, do México, do Paraguai e da Venezuela e passamos a traduzir e publicar a Revista Comunista Internacional. Na mesma época, aderimos à construção do Movimento Continental Bolivariano, em eventos em Quito e Caracas, e participamos ativamente na solidariedade às FARC, inclusive durante o processo dos diálogos de Havana, e à Marcha Patriótica, em diversos manifestações e atividades em Bogotá.

Em 2012, no nonagésimo aniversário da fundação do PCB, promovemos no Rio de Janeiro um Seminário com a expressiva participação de quadros dos partidos desse campo marxista-leninista e, em 2013, rompemos publicamente com o Fórum de SP, através de uma nota oficial do partido distribuída presencialmente, no próprio ambiente em que se realizava o encontro dessa organização, na capital de São Paulo, sob os auspícios do PT e do PCdoB. 

A ousadia da solidariedade pública às FARC e o rompimento com o Fórum de SP, no auge de seu prestígio e de sua transformação em instrumento de promoção da conciliação de classe na América Latina, foi a gota d’água que escalou a oposição interna reformista no CC do PCB, até então discreta e de corredores, a partir dos mesmos academicistas que recentemente rasgaram as decisões do XVI Congresso e envolveram-se com uma organização internacional que escolheu um polo imperialista na guerra na Ucrânia e agora se aproxima do PC Português, que lidera no MCI o campo reformista, e que até recentemente só se relacionava com o PCdoB. Nos últimos anos, o PCB deixou de publicar a Revista Comunista Internacional em português e voltou a participar dos encontros do Fórum de SP, apresentando-se como observador.

Esse relato resumido é importante para que nossos camaradas mais novos conheçam as raízes históricas da recente cisão do PCB e que percebam como nossas posições internacionais influenciam as de natureza nacional, como veremos em breve no inevitável giro à direita na política de alianças do PCB formal no Brasil.

Minha intenção principal neste capítulo, camaradas, é chamar a atenção para a importância, nas condições atuais da conjuntura internacional, de sairmos deste Congresso com uma política de relações internacionais que privilegie os esforços no sentido do fortalecimento do campo revolucionário, nos termos em que propõem as Teses em debate.

Percebo que a nossa correta decisão de retomar a luta pela Reconstrução Revolucionária do partido suscitou em muitos comunistas de Nuestra America a percepção de que é preciso combater e derrotar o reformismo e o oportunismo em seus partidos e no seio do MCI. 

A repercussão de nossa determinação de reconstruir/construir o Partido Comunista em nosso país teria sido modesta se não ocorresse exatamente pelas razões e pelo momento histórico em que, a partir da guerra na Ucrânia e do acirramento da crise do capitalismo, tornaram-se evidentes o aumento das contradições interimperialistas, os riscos de guerras de proporções mundiais e a tendência de fascistização das “democracias” burguesas e de surgimento de insurreições de massas por conta de mais desemprego, fome e retiradas de direitos.

Assim sendo, camaradas, associo-me a todas as propostas das Teses neste capítulo, identificando a nossa ação política mais urgente e importante em seu parágrafo 16:

O Partido buscará a organização de um fórum permanente de organizações e partidos revolucionários da América Latina. Esse fórum deverá organizar não apenas discussões, mas a articulação da luta revolucionária do proletariado em nosso continente”.

Sobre a China:

Ainda que de acordo no geral com as Teses deste capítulo, penso que não basta declararmos que a restauração capitalista na China é incompleta, porque isso é verdade já há algumas décadas e não reflete este momento em que essa restauração é avassaladora e incontornável. Basta analisar o investimento de capital chinês no Brasil, na América Latina e na África, que já supera o de qualquer potência capitalista. A China não exporta internacionalismo proletário, mas apenas capital! Sugiro que o parágrafo 20 destas Teses deixe claro que já podemos afirmar que a China é um país fundamentalmente capitalista e imperialista.

Na África, em especial, a China venceu a concorrência, ou seja, exporta capital endividando os países através de empréstimos com custos abaixo dos praticados pelas potências europeias que colonizaram o continente, enquanto o transforma em fornecedor de produtos primários, sobretudo para ela própria, e na principal rota de distribuição de suas mercadorias, não apenas para os países africanos, mas como o caminho mais curto de transporte para as Américas. A África se transforma rapidamente em um emaranhado de redes rodoviárias, ferroviárias, portuárias e aeroportuárias, a serviço da disputa pela hegemonia chinesa na cadeia imperialista global. 

No continente africano, a “aliança sem limites” firmada com a Rússia funciona com uma eficiente divisão de tarefas. Enquanto a China entra com o capital, a Rússia participa com a venda de armas a preços mais baixos e com uma milícia paramilitar e agora paraestatal - depois da queda providencial do avião que conduzia seu então proprietário - para que alguns países africanos troquem seus antigos colonizadores europeus, que sempre impediram sua soberania pelo endividamento e por meios militares, pelos novos colonizadores que estão vencendo esta concorrência sem necessidade de recorrer a intervenções militares, propiciando algum desenvolvimento econômico e gerando endividamento com juros mais suaves! 

Para aqueles que definem o imperialismo principalmente pela política militar agressiva de potências e não pelos fundamentos leninistas, a ofensiva econômica da China na África não se caracteriza como imperialista e nem sequer neocolonialista, como lamentavelmente alguns camaradas nossos defendem ostensiva e publicamente em redes sociais e canais de vídeos, a meu ver em oposição às opiniões expostas em todos os nossos posicionamentos enquanto coletivo. Há entre nós quem chegue ao ponto de defender que a burguesia brasileira deveria se espelhar no exemplo da China e adotar uma política externa semelhante, na prática idealizando a ascensão do capitalismo brasileiro na cadeia imperialista como uma etapa nacional-desenvolvimentista para a chamada Revolução Brasileira.

Sobre a estratégia socialista:

Apesar de esperar que o debate em nosso Congresso enriqueça as análises e conclusões deste capítulo, não tenho objeções às suas conclusões, que favorecem a possibilidade de retomarmos a chamada Reconstrução Revolucionária do PCB, interrompida pelos burocratas e academicistas.

Mas é preciso sepultar de uma vez por todas o etapismo que marcou a maior parte da história do PCB e que às vezes parece renascer entre nós, desta vez, ao que me parece, provavelmente com base em ilusões de que o contraditoriamente chamado “socialismo de mercado” é uma etapa sine qua non para a construção da sociedade sem classes, supostamente sem ser precedida da ditadura do proletariado. 

Essas ilusões têm consequências na tática e na estratégia dos partidos comunistas. Por resultarem no abandono da luta pela Revolução Socialista, certamente resultariam na prioridade da nossa ação no campo institucional, na consideração de que há espaço para disputas nos governos burgueses, em uma política de relações internacionais com partidos reformistas e, na política nacional, a alianças no campo da esquerda reformista, inclusive  com forças socialdemocratas que reivindicam o trabalhismo, cujo objetivo principal é a harmonização dos interesses entre o capital e o trabalho. 

Sobre a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista e a tática de alianças do Partido Comunista:

Eis outro capítulo com o qual estou de acordo com a maioria de suas análises e conclusões. Mas não poderia deixar de aproveitar esta ocasião para problematizar uma definição que se tornou consensual no partido a partir do nosso Congresso de 2005, mas que de uns tempos para cá me tem suscitado algumas dúvidas e reflexões, sobretudo porque as definições “anticapitalista” e “anti-imperialista” são cada vez mais dúbias e contraditórias.

Era natural que o nosso XIV Congresso (2009), ao seu tempo, definisse a construção desta frente como estratégica, entendendo-a como “um polo político socialista de massas no campo da esquerda orientada ao socialismo, com a ruptura do capitalismo e não com reformas”. E corretamente deixava claro que essa frente “não poderia ser confundida como uma frente eleitoral”. Ainda vivíamos um período de ressaca da contrarrevolução na URSS e de um marasmo nos debates no seio do MCI, quando os EIPCOs [2] eram encontros para os diversos partidos se conhecerem em bilaterais e aprovarem uma declaração política costurada para ser aprovada pela unanimidade dos delegados.

Há, entre os que se afirmam comunistas ou socialistas, militantes e organizações que se declaram anticapitalistas, mas defendem o socialismo utópico do “bem viver”, “democrático”, como um fim em si mesmo e não como passagem ao comunismo.

Por outro lado, há os que batem no peito contra o imperialismo, mas o classificam como a política agressiva de algumas potências, que sonham com um mundo multipolar que erradique as guerras, como se fosse possível reviver a “convivência pacífica” entre a União Soviética e os Estados Unidos, aliás um dos fatores principais para a conciliação de classes que se instalou e avançou no MCI na segunda metade do século passado e contribuiu para o desmoronamento do socialismo que resultou na contrarrevolução na URSS. O advento da Guerra na Ucrânia escancarou essas ilusões de classe, como temos visto, aqui e pelo mundo afora, comunistas se transformarem em “torcedores” da Rússia – de certa forma compreensível, pelo ódio comum que devotamos aos EUA e à OTAN e uma nostalgia saudosista da URSS – e até mesmo os que estão do lado da Ucrânia, neste caso por razões que me sinto no direito de estranhar e desconfiar!

As Teses deste capítulo, em seu parágrafo 27, reconhecem corretamente a necessidade de redefinição do que consideramos como Frente Anticapitalista e Anti-imperialista que, não sem motivos, há dez anos existe apenas em nossos discursos:

“§27 No entanto, as resoluções do PCB nunca definiram precisamente a postura do partido frente às diversas organizações autoproclamadas socialistas existentes em nosso país, consideradas à luz de suas concepções e práticas e em seu desenvolvimento histórico. Ao mesmo tempo, temendo incorrer na autoproclamação sectária, as resoluções se omitem a definir com exatidão o papel hegemônico do Partido Comunista na conformação desta Frente. O resultado disso foi uma interpretação casuística e reboquista da Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista”.

Não vejo problema, pelo contrário, que estimulemos a formação de um espaço de unidade na luta com essas forças que não têm a mesma compreensão nossa sobre o imperialismo e a superação do capitalismo, mas que deveríamos definir com outra denominação como, apenas como exemplo, Frente Única Socialista ou algo parecido, que identifique aquelas forças que ainda possamos chamar “de esquerda”, com as quais tenhamos afinidade, pelo menos, na oposição ao governo burguês de Lula, na forma de luta contra o fascismo e na solidariedade irrestrita ao povo palestino. É importante que essa frente não se restrinja a organizações partidárias, mas incorpore “todos os movimentos operários e populares que se chocam contra o Estado capitalista e a dominação burguesa, no campo e na cidade”, conforme o parágrafo 33 deste capítulo. 

Mas esta não será a Frente Revolucionária capaz de conscientizar, radicalizar, organizar e contribuir para que as massas se insurjam contra o capital na luta pelo socialismo, entendido como caminho ao comunismo, através da ditadura do proletariado. 

Diferente de uma frente única socialista tática, com as forças “de esquerda”, que parece factível a curto prazo, a necessária criação da frente revolucionária é mais complexa, porque exigirá um processo de conhecimento e construção de confiança mútua, de aprofundamento de debates respeitosos, com o objetivo de buscar identidades nos princípios e fundamentos revolucionários e que só vicejará se for respeitada a autonomia de cada organização, independente do seu tamanho e peso político na atualidade. 

Pela minha experiência pessoal, tendo participado dos esforços frustrados de construção de frentes com este caráter, os maiores inimigos da aproximação de organizações comunistas são a arrogância, o baluartismo e o patriotismo partidário, a pré-disposição de cooptações e, por incrível que pareça, o oportunismo, a vaidade e os interesses pessoais dos que temem ver diminuído seu status pessoal na direção do “seu” partido.

Defendo fortemente a necessidade de distinguirmos esses dois importantes espaços de unidade na luta, um com possibilidades de forjar-se no curto prazo, mais amplo, público e tático; outro, sem prazo para viabilizar-se, mais seletivo, discreto e estratégico. 

Camaradas, este é um outro conceito que me tem suscitado dúvidas. Por ocasião do debate na nossa direção provisória para a preparação deste Caderno de Teses, critiquei o anteprojeto que analisávamos, por considerar que tratava o Poder Popular como uma espécie de primeira etapa do advento da Ditadura do Proletariado, além de utilizar o conceito não classista “popular” que adjetiva este suposto poder.

Explicando melhor, o anteprojeto soou-me como uma tendência de continuarmos a chamar de Poder Popular o que caracteriza a Ditadura do Proletariado. Estou certo de que não é o objetivo dos redatores do anteprojeto, mas desde que o academicismo passou a ter peso significativo no CC do PCB, tenho a intuição de que se tratou de um expediente desses reformistas para varrer da nossa literatura o conceito Ditadura do Proletariado, que provoca arrepios e insônias no ambiente acadêmico. Não é à toa que os dois cavalos de batalha agitados por eles no XV Congresso (2014) foram as lutas contra o conceito ditadura do proletariado e pela retirada do hífen do marxismo-leninismo, ambas obviamente ligadas entre si.

Apesar desta segunda versão das Teses ter superado alguns equívocos da primeira, elas continuam de certa forma atribuindo ao chamado Poder Popular as tarefas que são próprias da Ditadura do Proletariado, como percebo no parágrafo 39, que transcrevo:

1. a fonte do poder está na iniciativa direta das massas populares partindo de baixo, e não em leis previamente discutidas e aprovadas por um parlamento; 2. a substituição da polícia e das forças armadas, como instituições separadas do povo e opostas ao povo, pelo armamento direto de todo o povo, de modo que a ordem pública seja mantida pelos próprios trabalhadores, pelo próprio povo armado; 3. o funcionalismo e a burocracia estatal são substituídos pelo poder imediato do próprio povo, e transformam-se em pessoas elegíveis e exoneráveis à primeira exigência do povo, reduzindo-se à situação de simples representantes; transformam-se, de camada privilegiada, com remuneração elevada, burguesa, em operários cuja remuneração não exceda o salário médio de um operário qualificado.

Em resumo, tenho acordo com a necessidade de caracterizarmos o período pré-revolucionário, em que as massas proletárias adquirem consciência, força e organização capazes de avançar e disputar o poder, mas considero que temos que submeter ao crivo de nosso rigoroso debate o conceito Poder Popular, que a meu não expressa o caráter de classe do momento que queremos definir e nem leva em conta sua necessária evolução à Ditadura do Proletariado. 

Sobre a atitude frente aos governos petistas:

Soa-me contraditória, no parágrafo 40, a expressão “governos burgueses de conciliação de classes”, que pode ser criativa para definir os governos Lula 1 e 2, mas não o atual, em que não há mais sequer o chamado “ganha-ganha”, em que a burguesia ganhava fortunas e o proletariado migalhas. 

Não tenho divergências em relação aos parágrafos 41 e 42, mas me parece um erro não incluirmos alguns parágrafos antes deles, para que os seus leitores, atuais e futuros, conheçam os argumentos que nos levam a tratar este governo como burguês, até porque essa tese é central para definirmos nossa política de alianças e nossa tática de atuação na conjuntura atual, que deve ser coerente com a nossa estratégia de ruptura e superação do capitalismo e não de sua gestão ou desenvolvimento.

É preciso dizer que esse governo foi apoiado na campanha eleitoral pelos setores hegemônicos do capital exatamente para consolidar os avanços do programa da burguesia conseguidos nos últimos anos (as “reformas” previdenciária, trabalhista, privatizações, concessões, etc.) e avançar essa ofensiva com medidas como o novo teto de gastos, a “reforma” tributária, o novo PAC e muito mais concessões, através de PPPs, PPIs e outras formas de privatização, inclusive de presídios e parques naturais, e dar continuidade à política do chamado “tripé econômico” (juros altos, câmbio flutuante e superávit primário), estabelecido desde os governos FHC.

A tarefa principal da política econômica do governo Lula-Alckmin é buscar manter a trajetória de recuperação das taxas de lucro após a crise de 2014-16 e a pandemia. Todas as ações no campo da economia adotadas até agora pelo governo objetivam garantir estabilidade e rentabilidade ao capital.

Esta alternância de governos burgueses vem se tornando uma rotina, sobretudo na América Latina, quando, até por nenhum deles poder cumprir suas promessas de campanha, um governo que parece democrático e desenvolvimentista substitui um governo antidemocrático e neoliberal, ambos encarregados de consolidar, com estilos e intensidades diferentes, reformas que destruam direitos sociais e trabalhistas e o patrimônio público. E vice-versa!

Nessa tática de “morder e assoprar”, nada melhor do que depois de Bolsonaro cumprir seu papel de mau para os trabalhadores, substituí-lo pelo bom ex-sindicalista Lula, não só para manter todo o “pacote de maldades” do governo anterior, mas ampliá-lo de forma demagógica, responsabilizando a correlação de forças no parlamento, e principalmente para subordinar as massas trabalhadoras às classes dominantes, pela cooptação e apassivamento dos movimentos sindicais e populares (inclusive com cargos e verbas públicas) e pelo espantalho da “volta do fascismo”, como se este pudesse ser derrotado apenas no terreno institucional.

A partir de nossa posição, devemos criticar camaradas que se pronunciam publicamente semeando ilusões de que é preciso e possível “disputar” esse governo, “dar conselhos” ao presidente, apoiar alguns ministros que pareçam progressistas em relação a outros e defender políticas consideradas “menos piores”. Trata-se de um governo a serviço dos nossos inimigos de classe.

O único caminho para que possamos conquistar algumas vitórias para os trabalhadores e o proletariado passa pela organização das massas para pressionar por seus interesses concretos e não por rebaixar-se a apoiar um ou outro agente do governo burguês, na ilusão de que mendigando reformas avançaremos em nossas lutas. Essa forma de ação política não contribui para o avanço da consciência de classe. Além disso, nos desorganiza, nos desarma e nos coloca dependentes do inimigo, de suas instituições e de seus instrumentos de controle e ação. 

O mesmo se pode dizer do combate à extrema-direita, que só será derrotada com o reforço da luta proletária, e não das instituições burguesas que geraram e continuam a gerar continuamente essa força política. O fascismo é criação do capitalismo. É uma arma do seu arsenal, de que se utiliza quando a democracia burguesa, seu instrumento ideal e principal para o exercício da hegemonia, porque a legitimina, não consegue assegurar seus objetivos de expansão do seus lucros às custas da exploração do proletariado. 

Devemos agir para sermos verdadeiramente independentes e mais fortes em nossa ação política e garantir nossa autonomia de classe, o fortalecimento de nossa organização, de nossa capacidade de luta e nossa compreensão de quem são nossos aliados e quem são nossos inimigos de classe. 

Sobre a extrema direita e golpismo militar:

Sugiro a inclusão de um novo parágrafo, entre o 47 e o 48 deste capítulo, para deixar claro que não foi só o governo Bolsonaro que escalou os instrumentos repressivos para manter e fortalecer a ditadura de classe da burguesia, disfarçada de “democracia”.

Por iniciativa de governos petistas anteriores, o Brasil assumiu a tarefa de intervir militarmente no Haiti (iniciativa cujo objetivo principal era o treinamento das forças armadas para a repressão em territórios proletários), foi criada a Força Nacional, para a Garantia da Lei e da Ordem, aprovou-se a Lei Antiterrorismo e restabeleceu-se o acordo militar Brasil-Estados Unidos que respaldou diversos exercícios em parceria na estratégica região amazônica. Neste atual governo, a vassalagem aos comandos militares é de tal ordem que Lula proibiu a descomemoração dos 60 anos do golpe de 1964 e a reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta no apagar das luzes do governo Bolsonaro.

Sobre a política eleitoral:

Assino embaixo, na íntegra, o único e enxuto parágrafo 102, que define com precisão que os comunistas devem atuar nos processos eleitorais com total independência política, fundamentalmente na luta política e ideológica para elevar o grau de organização e consciência do proletariado, concluindo com uma frase simples, mas emblemática:

“O Partido buscará formas de utilizar o momento e os processos eleitorais burgueses para agitar seu Programa”

Vou me furtar aqui de levantar um debate precoce sobre como deve ser nossa linha política nas eleições municipais do presente ano, que lamentavelmente têm tudo para reproduzir uma polarização que não interessa aos comunistas, por se dar na forma de assegurar e fortalecer o estado burguês e não sobre a luta de classes. Pelo que se vê das pesquisas e dos noticiários a respeito das eleições para as capitais, a disputa será entre os apoiados por Lula e os apoiados por Bolsonaro. Na verdade, assistiremos a primeira batalha das eleições presidenciais de 2026!

A nossa posição nas eleições municipais deste ano necessariamente levará em conta as análises de conjuntura e as decisões estratégicas e táticas que aprovarmos neste Congresso e será ajustada oportunamente pelo Comitê Central que elegermos, com base em um amplo debate interno na militância e de informações das diversas instâncias. A decisão levará em conta também um conjunto de fatores que ainda não dominamos, entre os quais as relações que viermos a construir com outras forças do campo socialista, a política de alianças destas forças e sobretudo o grau de organização interna e de inserção nas massas que teremos atingido. 

Mas essas minhas considerações sobre o tempo e a forma desses debates não impedem que eu expresse nesta tribuna a impressão de que devemos fazer dessas eleições uma excelente oportunidade “para a inserção organizada dos comunistas em setores e categorias estratégicas para o processo de produção e circulação de mercadorias do capitalismo brasileiro”, como dizem corretamente nossas Teses no capítulo sobre o giro operário-popular.

Tenho a impressão de que esse será um momento privilegiado para nos apresentarmos em portas de empresas e nos bairros operários que selecionarmos, com nosso indispensável jornal impresso, em edição especial cujos temas principais sejam, por exemplo, nossa crítica aos limites das eleições na democracia burguesa, a necessidade da luta proletária organizada e os pontos mais relevantes de nosso programa.

Mas este capítulo do Caderno de Teses tem ligação direta com temas que não foram previstos nele e tampouco no Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR), publicado em 3 de agosto de 2023. Refiro-me a questões que mais recentemente adquiriram uma grande importância nos nossos debates, razão pela qual não posso me omitir de comentá-las, entre elas as polêmicas sobre o nome e a sigla do Partido, seu registro no TSE e a própria numeração do Congresso que realizaremos em breve.

Antes de opinar sobre esses temas que se tornaram importantes, quero “limpar a área” sobre um debate recente nosso que foi temporal. Refiro-me à chamada filiação democrática, que na história do PCB muitas vezes foi utilizada, em função da falta de registro por alguma razão, em geral por perseguição política e clandestinidade, e na grande maioria das vezes teve resultados positivos, sempre que o critério principal para a escolha do candidato foi o seu comprovado compromisso com o partido e, portanto, com o centralismo democrático. 

Indispus-me contra a hipótese de utilizarmos este recurso no início deste ano porque, além de um desrespeito ao Congresso que já estava agendado para o final deste mês de maio, seria objeto de debates exaltados com potencial de divisões internas que nos desviariam de temas muito mais relevantes, além de que já marcaria como eleitoreiro o partido que ainda não tinha e não tem nome nem sigla!

Entrando nesses temas que assumiram relevante importância, começo pelo que identifico como o mais decisivo para o futuro do partido.

Sobre o registro do partido no TSE:

Penso que esta questão deve ser debatida e decidida antes da discussão sobre as duas outras polêmicas que têm animado a militância nas Tribunas: o nome e a sigla do partido que anunciaremos e, em consequência, o número que atribuiremos ao nosso Congresso.

Preliminarmente, começo chamando a atenção de que, na realidade, essa polêmica se desdobra em duas questões distintas sobre o mesmo assunto. Uma coisa é discutirmos se devemos começar uma campanha pelo registro do partido no TSE imediatamente após a conclusão do nosso Congresso, com vistas a candidaturas próprias já em 2026. A outra é o debate se, como e quando essa decisão deve ou não ser adotada. Começo a me expressar nesta ordem, recorrendo à transcrição de alguns argumentos que utilizei na minha primeira tribuna [3] problematizando o início da campanha imediatamente após o Congresso o que, frente ao tamanho do desafio, acabaria se transformando na principal tarefa de um partido recém formalizado, em razão das muitas exigências e do exíguo prazo para nos habilitarmos ao registro. 

Para disputarmos com legenda própria o pleito de 2026, teríamos que conseguir o registro definitivo do partido até 6 de abril daquele ano, quando os candidatos já deverão estar filiados aos partidos pelos quais concorrerão. 

Reitero e transcrevo algumas passagens de minha tribuna anterior:

“Não digo que seja impossível cumprir os prazos e condições legais para esse registro, mas é preciso fazer as contas com muita calma e responsabilidade. 

Para um partido obter o registro definitivo, primeiro tem que registrá-lo em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas (com estatuto e programa publicados no Diário Oficial e assinaturas de 101 fundadores e, em seguida, requerer ao TSE o registro provisório, sem o qual não pode começar a campanha de coleta de mais de meio milhão de assinaturas comprovadas de apoio, em pelo menos 9 Estados, exigidas para requerer o registro definitivo. 

Quando pedimos o registro provisório do PCB, em 1992, o PPS impugnou, atrasando em quase um ano o início da coleta de assinaturas para requerer o registro definitivo, que só conseguimos no início de 1996. A importância do registro naquela época, que envolveu nossa militância nessa tarefa como prioritária, era evitar a vitória jurídica do PPS para herdar a sigla e o nome do PCB.

No caso de o nosso Congresso decidir por uma campanha para o registro do partido no TSE, com vistas às eleições de 2026, o processo do registro definitivo teria que estar homologado pelo TSE até 6 de abril de 2026, seis meses antes das eleições, que será em 6 de outubro. É preciso levar em conta também que esse esforço coletivo nos obrigaria a ter como prioridade política colher essa grande quantidade de assinaturas (superior a 500.000 eleitores), segundo a legislação atual no prazo máximo de dois anos após a obtenção do registro provisório, sob pena de ter que recomeçar tudo do zero”.

Cada vez a legislação sobre o registro de novos partidos se torna mais excludente e antidemocrática, no contexto dos esforços da exitosa campanha das forças burguesas para diminuir o número dos partidos no Brasil, o que torna mais eficientes sua cooptação e seus lobbies. Já tiveram êxito criando a cláusula de barreira, proibindo as coligações nas eleições proporcionais e permitindo a formação de Federações de partidos, além de outras medidas destinadas a dificultar e desestimular o surgimento de novos partidos, com exigências que só poderão ser superadas em iniciativas como a de trabalhistas históricos que atualmente tentam a recuperação do registro do PTB, sigla que carrega o legado de figuras históricas populares como Brizola, Jango e Getúlio Vargas. 

A tíitulo de comparação com as dificuldades atuais, faço aqui um breve resumo da exitosa campanha de registro do PCB no TSE, entre 1992 e 1996, da qual fui o coordenador nacional. Apesar de os requisitos à época serem muito menos exigentes, o partido ficou praticamente paralisado em função da campanha, já que a tarefa envolvia toda a militância. 

Só para dar uma ideia da grande diferença em relação às atuais exigências, precisamos à época colher menos de 30.000 assinaturas de apoiamento ao registro do PCB. Como a principal exigência era a criação de diretórios em 20% dos Municípios de ao menos 9 Estados brasileiros, com uma filiação percentual mínima em cada um deles, a estratégia da campanha foi escolher Estados à época com poucos Municípios (AP, DF, ES, MS, PA, RO, RR, RJ e SE) e, nestes Estados, aqueles Municípios menos populosos e mais próximos entre si. Os camaradas de Estados com muitos Municípios, não incluídos no planejamento, se deslocavam em férias e em fins de semana para os menores. Os de SP ficaram responsáveis por MS, os de MG pelo ES, os de PE pelo SE. Fico à disposição dos camaradas que se interessarem por conhecer o planejamento daquela campanha exitosa para lhes enviar cópia digital do roteiro para a campanha pelo registro definitivo, que só teve início no final de 1993, após a decisão do TSE de rejeitar a impugnação que havia sido apresentada pelos liquidacionistas do então PPS e de aprovar nosso registro provisório. 

O êxito custou-nos muito caro políticamente porque, na prática, a campanha era a tarefa quase única de muitos camaradas e a coleta de assinaturas tinha que ser rápida e burocrática, na imensa maioria dos casos não resultando em aproximações e muito menos recrutamentos nem em construção do partido naqueles municípios, até porque o diálogo era superficial e as assinaturas não representam um compromisso com o partido, apenas o apoio para ele ser criado. Aquele momento, é verdade, não nos era favorável, pois os escombros da União Soviética caiam apenas sobre nossas cabeças. Mas as dificuldades de colher assinaturas para a criação de um partido com a palavra comunista continuam grandes!

Aos que defendem a prioridade do registro no TSE, idealizando a eleição de um deputado federal próprio da legenda em 2026, lamento lhes lembrar que a atual legislação eleitoral não admite mais as coligações que facilitavam a eleição de candidatos de partidos pequenos em aliança com maiores, o que torna praticamente impossível a eleição de um candidato próprio em eleições proporcionais, mesmo o mais público de nossos influenciadores, pois teria que obter mais votos que o coeficiente eleitoral, que é a divisão do número de votantes pelo número de vagas em disputa. 

Além de cético em relação ao êxito da empreitada e da preocupação do impacto negativo caso não a alcancemos, minhas restrições a começarmos uma campanha de tal monta logo após o encerramento de nosso Congresso não são apenas em razão dessas evidentes dificuldades objetivas. 

O partido que emergirá deste Congresso certamente terá uma vocação revolucionária, mas ainda será inexpressivo quantitativa e qualitativamente nos seus primeiros passos, que devem ser compatíveis com os objetivos a que nos propusermos. Entre esses passos, defendo como prioridades, além da organização das instâncias conforme as decisões do Congresso, o recrutamento, qualificado e seletivo, de militantes que se destacam nas lutas de massas e de comunistas que nos observam com interesse exatamente pela leitura que fizeram da cisão do PCB, na qual nos identificam com a luta contra o reformismo e o oportunismo e por valorizarmos mais as lutas proletárias e de massas em detrimento daquelas de natureza institucional.

Temo que se decidirmos no Congresso iniciar a campanha pelo registro (que se não for prioritária não vai a lugar nenhum!) essa será a principal fotografia política do evento, a meu ver contraditória com as expectativas que criamos com a cisão, com as publicações do Manifesto pela Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR), do Caderno de Teses ao Congresso, além de notas e iniciativas políticas que geraram expectativas entre comunistas brasileiros, inclusive em algumas de suas organizações e em alguns partidos do campo marxista-leninista do MCI, ou seja, no nosso “público alvo” principal, que espera o surgimento de uma organização que contribua para a formação de um combativo Partido Comunista revolucionário em nosso país e nos marcos do internacionalismo proletário. Um sinal dessa expectativa será a presença de organizações revolucionárias brasileiras e de outros países em nosso Congresso.

O fato de ser contra, neste momento, privilegiarmos uma campanha arriscada de coleta de mais de meio milhão de assinaturas não significa que sou contra o registro eleitoral por princípio. Penso que há outras prioridades maiores, como, além das que já mencionei, o início do giro operário e popular com o trabalho político da divulgação do jornal impresso em portas de fábricas e territórios proletários. Nesse quesito, é inspirador o exemplo dos camaradas que há cerca de um ano criaram o PC Argentino, cujo jornal impresso já se encontra na sua oitava edição mensal consecutiva.

Essa questão do registro deve ser precedida por um debate mais profundo, levando em conta que forma de partido e com qual nomenclatura tentaríamos registrar e se o faríamos sozinhos ou em unidade de ação com outras forças com as quais tenhamos identidades estratégicas e de princípios. 

Um dos fatores que temos que levar em conta é a evidência, que constatamos nas Teses, de que, por conta da crise sistêmica do capitalismo e de este não ter mais “gorduras para queimar”, a tendência mundial é de mais fascistização, repressão e perseguição às organizações revolucionárias, o que nos recomenda ponderar se vamos prestar ao estado burguês as informações sobre todos os membros dos nossos diversos comitês (nacional e regionais) e os nossos “filiados”, além dos endereços de nossas sedes, nossas contas bancárias e outros dados exigidos pela legislação. 

Outra questão decisiva neste debate é refletirmos se estamos querendo fundar “O” ou “UM” partido revolucionário!  

Quero deixar claro o que penso a respeito. Se, de forma messiânica e baluartista, nos acharmos os únicos revolucionários brasileiros, proclamando o surgimento do partido que finalmente conduzirá o caminho vitorioso da Revolução Socialista em nosso país, estaremos vivendo de ilusões, sobretudo porque atuamos no Brasil, onde o movimento comunista está pulverizado há várias décadas e degenerado pelo reformismo em grande parte das organizações que ainda o reivindicam. 

Há poucos países, em que o partido revolucionário vem se consolidando, a ponto de ser o único a merecer a denominação comunista, a partir de um processo rigoroso de crítica e autocrítica de sua história e a do próprio MCI, que superou os desvios oportunistas e reformistas e se insere cada vez mais na clase operária e nos movimentos de massas! Esse é o caso do Partido Comunista da Grécia (KKE), cuja história também foi marcada por reformismo e cisões e hoje é o melhor exemplo de uma verdadeira Reconstrução Revolucionária. Conquistou seu registro pelo peso que adquiriu nos diversos movimentos de massa e hoje em dia dispõe de 20 deputados nacionais, em um parlamento unicameral com metade dos parlamentares do nosso sistema bicameral, e que foram eleitos não porque se tornaram famosos e usaram técnicas de marketing, mas pelo voto em listas, em que o eleitor vota no partido e não em candidatos, que são registrados em ordem de prioridade decidida pelo partido. 

Penso que neste Congresso podemos começar a contribuir para o surgimento no Brasil de um partido com algumas dessas características, procurando retomar a Reconstrução Revolucionária do PCB, não com o objetivo principal de disputar seu registro eleitoral, a propriedade de seu legado político e sua “data de nascimento”, seja como filho único ou irmão mais novo, mas para forjarmos em nosso país “O” partido revolucionário, empreitada que exigirá de nós muitos esforços para aproximar e ajudar a aglutinar, para debates francos e unidade de ação, as diversas organizações e os muitos comunistas independentes com os quais nos identificarmos em princípios e fundamentos estratégicos, independente da quantidade de seus quadros, de seu peso político atual e de legendas eleitorais.

Creio que, da mesma forma que em alguns PCs, sobretudo do nosso continente, a cisão no PCB e a publicação de nosso Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR) suscitaram a esperança de que possamos contribuir para a aproximação entre eles, percebo esse sentimento também entre comunistas brasileiros que de fato não abandonaram a luta pela Revolução Socialista. Mas para que haja possibilidade de êxito neste sentido, é preciso não nos deixarmos contaminar pelo corporativismo, pela soberba, pelo pecebismo, pelo espírito de seita e sobretudo pelas vaidades e projetos pessoais, fatores que contribuiram para o fracasso da última tentativa de Reconstrução Revolucionária do PCB.

Trago essas ponderações neste capítulo tanto porque considero que a luta por uma frente revolucionária no Brasil é urgente e necessária, como pela hipótese de eventualmente poder vir a ser também uma alternativa de registro eleitoral de uma legenda unitária, a depender dos desdobramentos da conjuntura e do peso político que contribuirmos para agregar. 

Sobre o nome, a sigla do partido e a numeração do Congresso:

Tendo em vista que certamente a direção do PCB formal agirá para impugnar o pedido do registro do nosso partido no TSE, caso assim decidirmos, há uma resistência entre os que defendem a campanha imediata pelo registro a que na sigla do nome completo que escolhermos essas 3 letras se conjuguem nesta mesma ordem. A meu juízo, trata-se de um critério secundário e conjuntural.

Mas há também aqueles que, concordando ou não com a campanha pelo registro, defendem que não devemos reivindicar a herança do que já foi chamado de “partidão” e, desta forma, pensam nomes que sugiram o nascimento de um novo partido. Há inclusive propostas de nomes que não fazem menção à palavra COMUNISTA, nossa identidade principal, a meu ver a única palavra que não podemos descartar.

No meu caso, defendo a denominação sugerida em nosso Manifesto de 3 de agosto de 2023, ou seja, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (Reconstrução Revolucionária), com a sigla PCB-RR e a numeração XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, pelas razões que exponho a seguir.

Começo por descartar o condicionamento do nome e da sigla do partido em função da tentativa açodada e imprudente de seu registro eleitoral, contra a qual já me insurgi nestas linhas, ou seja, sermos obrigados a improvisar um nome que sugira que acabou de nascer mais um partido comunista no Brasil! E o que não faltou nesta Tribuna foi criatividade neste quesito!

As minhas razões hoje não são as mesmas que me levaram a me dedicar à campanha pelo registro do PCB, entre 1992 e 1996. Naquela ocasião, tratava-se de impedir que essa sigla fosse enterrada, como aconteceu na Itália com o PCI. Neste momento, se trata de lutar para recuperá-la politicamente de fato (não necessariamente nominal e cartorialmente) das mãos de oportunistas e reformistas que cindiram o partido para chamá-lo de seu. Mesmo se mais tarde recuperarmos esta nomenclatura histórica poderemos alterá-la, se circunstâncias políticas assim recomendarem. 

Não se trata de “pecebismo” ou do fetichismo da sigla, mas de não a entregar politicamente de “mão beijada” aos que de fato racharam o PCB, para colocá-lo a serviço dos seus interesses pessoais e da conciliação de classes, apresentando-se como proprietários de uma herança política que pertence a dezenas de milhares de comunistas, mortos ou vivos, inclusive dos que seguiram outros caminhos partidários. Fugiram da convocação do XVII Congresso (Extraordinário) que estamos realizando para não serem derrotados e estarão nos mesmos dias do nosso Congresso promovendo uma Conferência Política praticamente secreta e na qual não se pode alterar decisões congressuais e nem eleger dirigentes, em que certamente iniciarão a adaptação da sua linha política nacional ao giro à direita que já promoveram nas relações internacionais.

O confronto das resoluções do nosso Congresso com as que serão adotadas nesta Conferência, se forem tornadas públicas como as nossas, certamente repercutirá não só entre parte dos camaradas combativos que permaneceram constrangidos no PCB formal, mas daqueles que acompanham de fora o desenvolvimento de uma disputa que a meu ver não podemos considerar encerrada em nosso Congresso. 

Quero deixar claro, camaradas, que entendo a expressão Reconstrução Revolucionária não como uma simples disputa pelo nome, pela sigla e pelo registro no TSE, mas como a possibilidade de contribuirmos para a construção de um Partido que mereça se chamar comunista e que estude e analise profundamente o legado da história do PCB e do MCI, sem patriotismo partidário nem nostalgia, procurando identificar seus acertos e principalmente seus erros, para evitar sua reincidência, e sem esquecer que, desde seu nascimento e sobretudo a partir de 1962 até os dias de hoje, o centenário que marcou o ano de 2022 não é aniversário apenas de uma sigla, mas do diverso Movimento Comunista no Brasil, que, na nossa análise, deve ser levado em conta em todas as suas expressões.

PROGRAMA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO – 

RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA:

Quando participei dos debates na direção nacional provisória e na Plenária Nacional a respeito deste bloco temático, fiz uma análise mais sobre a forma como as diversas bandeiras de luta foram listadas, sem definição de hierarquias, sem distinção entre as que são táticas ou estratégicas e com mais ênfase na quantidade do que na importância de cada uma, ponderei que era preciso enxugar o número de propostas, de forma a que esse importante programa fosse compatível com nossas prioridades e que levasse em conta as possibilidades de vitórias do proletariado, tendo em conta a conjuntura mundial de crise do capitalismo marcada pela perda de direitos sociais, políticos e trabalhistas e as dificuldades até de recuperá-los e sem esquecer que no Brasil a correlação de forças na luta de classes é muito desfavorável, em função da hegemonia acachapante do reformismo e da cooptação de sindicatos e movimentos populares.

Se apresentarmos aos trabalhadores brasileiros um programa tão idealista e voluntarista como este dificilmente teremos crédito para sermos levados em conta e nem nossa militância saberá o que priorizar. Um indício desta minha desconfiança é que, pelo pouco que consegui ler do enorme número de Tribunas, infiro que estas Teses sobre o programa não suscitaram muitos debates, talvez porque pelo seu ecletismo tenha contemplado a maioria. Espero que eu esteja enganado, até porque cada um de nós privilegiou a leitura das Tribunas a partir de critérios subjetivos.

Na minha opinião, deveríamos fazer um esforço para enxugarmos essa numerosa e eclética lista de bandeiras de luta, selecionando as de maior importância e capacidade de mobilização e definindo-as como táticas ou estratégicas. No balaio das propostas, misturam-se algumas que são factíveis mesmo nesta correlação de forças desfavorável, a depender da capacidade de mobilização, outras que o ascenso do movimento de massas pode vir a conquistar, mas algumas absolutamente infactíveis (ou só possíveis na ditadura do proletariado ou mesmo no socialismo!) como a expropriação e nacionalização de todas as terras urbanas e rurais, a anistia das dívidas bancárias de todos os trabalhadores, a eleição dos juízes “pelo povo”, o controle operário sobre os meios de comunicação e informação, entre outras.

No entanto, no parágrafo 24-E, declara-se que a maior parte das medidas propostas “é realizável, mesmo dentro dos limites da sociedade capitalista”!

RESOLUÇÕES DE ORGANIZAÇÃO:

Sobre o Centralismo Democrático, a crítica pública e a disciplina revolucionária:

Eu aprecio o fato de que a maioria das citações de textos com as quais alguns camaradas chancelam suas opiniões seja de Lenin, que, ao lado de Marx e de Engels, é uma de nossas principais referências, a meu ver a mais importante quando o debate é sobre o partido, a revolução e o imperialismo.

Mas há camaradas que se esquecem de um pequeno detalhe: tudo que Lenin escreveu já conta mais de um século e, apesar de seus fundamentos permanecerem atuais, em muitas questões temos que levar em conta a imensa diferença do mundo em que vivemos hoje e os tempos de Lenin. O caso da divergência pública é talvez o mais emblemático da necessidade de ponderarmos essas enormes diferenças, sobretudo no campo da comunicação.

Nos tempos de Lenin, a imprensa partidária era basicamente o jornal impresso, até hoje ferramenta indispensável para o partido que se dispõe corretamente a privilegiar a conscientização e organização do proletariado. A liberdade de crítica e as polêmicas entre camaradas eram conhecidas apenas por quem recebia em mãos o jornal impresso, um público alvo basicamente de militantes, recrutandos do partido e proletários que o recebiam como abordagem para futura aproximação. Não havia sequer a possibilidade de reprodução de textos através de cópias. Era o tempo da tipografia; hoje, o da inteligência artificial. 

Portanto, não se tratava de uma polêmica pública no sentido amplo, mas de uma polêmica interna ao público da própria organização revolucionária. E havia uma característica democrática, porque os textos da polêmica eram transcritos lado a lado, no mesmo jornal. O fato de um dos camaradas envolvidos na polêmica ser mais consagrado e conhecido do que o outro lhe dava alguma vantagem, mas suas opiniões só eram do conhecimento daquele restrito público alvo. 

Transcrevo a seguir uma citação de Lenin incluída em uma nota política assinada pelo nosso Comitê Nacional Provisório (“Sobre a liberdade de crítica e a violação da unidade de ação”), publicada em nosso portal em 2 de janeiro deste ano, em que fica evidente que a liberdade de crítica naquela época era exercida unicamente “nas colunas da imprensa partidária”, ou seja, apenas para o público interno do partido e não para toda a sociedade russa:

“[...] Ocorrem casos, claro, em nosso Partido, como sempre ocorrerão em qualquer partido grande, em que alguns membros estão insatisfeitos com alguma nuance nas atividades de um ou outro organismo central, com algumas características de sua linha, ou com sua composição pessoal etc. Tais membros podem, e devem, colocar as causas e a natureza de sua insatisfação em uma troca camarada de opiniões, ou pela controvérsia nas colunas da imprensa partidária [...]”  

Nos tempos atuais, a permanente polêmica interna, que deve ser estimulada e garantida pelo partido, não pode ser pública, no sentido de escancarada a tudo e a todos, inclusive aos nossos inimigos de classe, aos órgãos de repressão e informação e aos nossos adversários, inclusive alguns que se declaram de esquerda ou mesmo revolucionários. 

Há camaradas que justificam a possibilidade de adotarmos essa prática liberal na atualidade porque a internet e as “liberdades democráticas” nos permitem, como se elas fossem durar para sempre e como se nossos inimigos e os órgãos de repressão e informação da burguesia subestimassem as nossas possibilidades de crescermos e nos tornarmos mais combativos, ainda mais numa etapa histórica em que a crise sistêmica do capitalismo leva as burguesias a recorrerem à restrição de liberdades, a governos de ultradireita e à fascistização, até por conta do risco que percebem do surgimento de grandes manifestações de massa e de insurgências. Para promover mais contrarreformas e privatizações, tirar mais direitos sociais e trabalhistas, eles precisam estar atentos a tudo que os revolucionários pensamos e planejamos. 

Basta lembrar quantas vezes na história o PCB foi desmantelado e teve que ser reconstruído dos próprios escombros, sempre que acreditou que a “democracia” era “um valor universal”, sólido e irreversível. Temos que estar preparados para qualquer cenário.

Tenho a impressão de que o fato de termos sido expurgados do PCB por cobrarmos o exercício do centralismo democrático, tribuna de debates permanente e a convocação de um Congresso Extraordinário nos levou a cometer um erro reverso, ou seja, o de extrapolar o necessário debate interno para além de nossas fronteiras, sem qualquer limite nem preocupação com segurança, infiltração, provocações, criando uma catarse em que tudo cabe na tribuna de debates.

Minha proposta ao nosso Congresso é que, após sua conclusão, mantenhamos uma Tribuna de Debates interna permanente, mas com direito de escrita e leitura restrito aos militantes e a eventuais convidados da direção nacional do partido. Uma tribuna sem censura nem privilégios, porém interna!

Além de transgressão ao centralismo democrático, a prática contumaz de discutir publicamente nossas divergências internas é desleal e antidemocrática, até porque o alcance público de cada um de nós é muito diferenciado. Há os que não aceitam debater divergências internas publicamente por questão de princípio e desta forma são prejudicados por suas convicções e, mesmo entre os que se dispõem ao debate público de nossas divergências, há diferenças abissais da repercussão que cada qual alcança. Aquele que conquistar, pelos seus méritos, uma audiência expressiva e valer-se disso para fortalecer publicamente suas opiniões em polêmicas internas ao partido, acaba por intimidar e calar os camaradas que gostariam de expor suas divergências a respeito. O que tem de democrático essa forma de disputar publicamente nossas divergências? Isso é democracia interna ou meritocracia?

No caso dos que somos de gerações mais antigas e não nos adaptamos às redes sociais abertas, só descobrimos que alguém nos criticou publicamente ou divergiu de alguma posição interna nossa quando uma pessoa amiga toma conhecimento daquela postagem e nos informa. Mas não temos possibilidade de responder no mesmo espaço público e para a mesma audiência!

Espero que o liberalismo que cometemos tornando totalmente aberta, a tudo e a todos, a nossa Tribuna de Debates, que deveria ser interna, e a prática de tornar pública nossas divergências sejam superados após a conclusão de nosso Congresso. Creio que essas duas questões que considero problemáticas são produto do período atípico e provisório que estamos atravessando após a consumação da cisão, há cerca de dez meses atrás, ou seja, da falta de referência a Resoluções Políticas de um congresso anterior e do fato de termos uma direção nacional que se assume corretamente como provisória. Além disso, as Teses a este Congresso estão ainda abertas ao debate.

Apesar de não justificar, esse momento atípico explica esses desvios circunstanciais na nossa democracia interna, que certamente serão corrigidos com a realização, nos próximos dias, do Congresso Nacional proposto no Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB (PCB-RR), de 3 de agosto de 2023, que já tem um lugar marcado na história do movimento comunista brasileiro.

Não podemos desperdiçar a extraordinária vitória de termos superado muitos obstáculos nesta caminhada e de estarmos às vésperas de um Congresso Nacional que elegerá um Comitê Central, aprovará Resoluções Políticas que vigorarão até o próximo congresso e que tem tudo para contribuir para a Revolução Socialista em nosso país e forjar um partido em que todos tenhamos direitos iguais e alguns mais deveres. 


[1] - MCI (Movimento Comunista Internacional);

[2] – EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Operários e Comunistas);

[3] – https://emdefesadocomunismo.com.br/que-tipo-de-partido-queremos-construir/