'Sobre os “debates centrais” - Espantalhos e limitações do congresso nacional: Pela manutenção da polêmica pública!' (Felix Bouard)

Se pautava a unidade de ação, mas esquecia que ela surge a partir de um árduo debate entre tendências opostas, que a maior sanção que ume militante pode dar ao partido é seu desligamento pois a militância se dá de forma voluntária.

'Sobre os “debates centrais” - Espantalhos e limitações do congresso nacional: Pela manutenção da polêmica pública!' (Felix Bouard)

Por Felix Bouard para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo essa carta após chegar à uma triste conclusão: Nosso congresso não será suficiente para fazer avançar todos os problemas que já avançamos. No caso: nossa militância não tem uma compreensão única a respeito de temas centrais: 

O que é socialismo, o que é estado, o que é imperialismo assim como outras questões relativas ao papel do partido na conjuntura atual brasileira. O que quero dizer com isso? O fato de termos que redebater questões >>básicas<<, como as que coloquei anteriormente, por vezes nos dificulta avançar para outras questões. Enquanto isso, aquelus que defendem uma modernização,**

**”Finalmente, colocamos na terceira categoria os modernizadores, aqueles grupos que, apesar de considerarem o stalinismo uma nova forma do oportunismo clássico já derrotado por Lênin, atribuem este terrível desenvolvimento do movimento operário revolucionário a defeitos e inadequações dentro da doutrina original de Marx e que afirmam poder retificá-la com base em evidências que a evolução histórica proporcionou após a formação da teoria; uma evolução, segundo eles, que a contradiz.”

Incapazes de vencer o debate teórico utilizam do maldito espantalho: que na verdade, quem busca definir o que é socialismo, imperialismo e conceituar a economia chinesa por exemplo na verdade querem discutir APENAS isso >> Como se não implicasse em nada em outros trechos de nossas resoluções <<. 

Não apenas isso, mas colocam como se os debates sobre a China estivessem ocupando espaço demais em nossas tribunas e impedindo com que “os debates centrais” sejam discutidos, sobre isso:

1 - Isso não é verdade, e pode ser percebido com a quantidade de tribunas falando sobre esses temas em relação aos outros.

2 - A ideia de que a militância está muito mais focada em debater China do que outros temas faria sentido, SE NÃO FOSSE LITERALMENTE TODO MUNDO FALANDO SOBRE COMO É IMPORTANTE DEBATER OUTROS TEMAS.

3 - A noção de o que é o dito socialismo que buscamos atingir, quais são nossas possíveis alianças táticas, qual o papel da burguesia nacional e da burguesia SÃO FATORES ESSENCIAIS PARA TRATARMOS DAS QUESTÕES TÁTICAS DE NOSSO PARTIDO

4 - Se o esforço de combater os modernizadores não exigisse tanto de nossos comunistas, se afirmar o óbvio não fosse NECESSÁRIO afirmar o óbvio, se tivéssemos uma mesma noção de socialismo, avançávamos em torno dela, mas não é o caso.

LIMITAÇÕES DO CONGRESSO - Temos tempo para discutir tudo?

Algo que foi ficando cada vez mais claro camaradas, é que apesar de vários pressupostos estarem sendo colocados por exemplo no manifesto da reconstrução  revolucionária - estamos longe de ter uma linha política uníssona, que diverge em torno de uma mesma leitura de Marx e Lênin. A verdade é, para crescer e ter condições organizativas de tocar um trabalho político, a RR aderiu em suas fileiras grupos com uma linha política muito mais próxima à do velho PCB do que a que propomos com uma reconstrução revolucionária. 

Isso é fruto de um debate político ainda incipiente que precisa afirmar o básico mas também da estrutura federalista ainda não superada em nossa organização. Essas limitações no caso, não serão superadas em nossa etapa nacional: não teremos todo o tempo necessário para discutir imperialismo, china, economia brasileira dependente e etc etc. Esses debates no máximo serão tratados como polêmicas centrais, mas peço que me tragam exemplos advindos de suas etapas regionais onde tais polêmicas, mesmo as centrais não foram discutidas de forma rápida, considerando o tempo que tais etapas tiveram para ser realizadas. Em algum estado se fez um debate exaustivo sobre essas pautas? Ou apesar das discordâncias e debates ainda em aberto a etapa teve de seguir a uma deliberação por votação sem encerrar o debate?

FEDERALISMO, POLÊMICA PÚBLICA E OS DOIS CAMINHOS DA RR

Alguns debates não serão concluídos com a etapa nacional, isso para mim é claro. Se precisamos nesse momento estabelecer uma linha política nacional e uma compreensão uníssona a respeito do que é capitalismo, socialismo, imperialismo e etc. Algumas decorrências lógicas disso não terão tempo de serem discutidas.

Além disso, avalio também que grupos com coerência interna e contradições entre um e outros se perpetuam, obviamente isso é esperado, defendo que esse congresso delibere por permitir a organização de alas dentro do partido para fazer a disputa política - no entanto, como vemos por exemplo com o caso do Distrito Federal, tais alas não são resultado de um debate público e aberto onde militantes de todo o Brasil vão gradualmente se alinhando mais a um grupo ou outro: na verdade creio que as delegações irão representar uma clara diferença de compreensão política entre uns e outros estados. 

Com isso sendo uma realidade (e caso não seja, peço que argumentem o porquê), surge uma problemática muito grande com a possibilidade de suprimir o debate público após a realização da etapa nacional, com um agravante que é a existência dos boletins internos estaduais. Creio que essa manobra vai apenas forçar o debate a ser realizado internamente dentro de cada estado, retirando a possibilidade de se fazer valer uma linha política ou outra com base no convencimento e na verdade que carrega cada argumento. 

Para mim é óbvio, que uma das causas do racha foi a supressão de um debate aberto a toda militância, apelando a uma “unidade de ação” para evitar as discussões que abalavam internamente o convencimento de nossa militância, enquanto dois grupos se faziam cada vez mais evidentes: Aquele que detinha controle da máquina partidária e fazia valer sua linha política através de circulares e textos de dirigentes nacionais enviados à toda militância e o outro que não detendo do mesmo instrumento usou da relevância de algumas figuras e posteriormente de um site dedicado a isso para travar essa disputa.

“Os partidos da Internacional Comunista procuraram preservar a unidade interna através do modelo organizativo a que chamaram “centralismo democrático”, copiado do PC da URSS. Nos anteriores partidos social-democratas houvera uma desastrosa tolerância para com o oportunismo e o reformismo. Agora, os novos partidos comunistas queriam-se, segundo uma definição de Stálin que fez escola, “monolíticos”, “fundidos numa só peça”, a fim de garantir que não recairiam nos mesmos erros. Começava a era do partido de aço, onde não haveria sombra de dissidências, não um “clube de discussões”, mas o estado-maior da revolução em cujo interior reinaria a ordem perfeita.

Trata-se na realidade, como bem sabem todos os que lhe fizeram a experiência, de um centralismo não democrático, mas antidemocrático. As células e comitês funcionam sob rigorosa vigilância dos emissários da direção, a comunicação entre os membros do partido é severamente restringida, o medo à iniciativa é geral, a manifestação de opiniões próprias é desencorajada, as divergências são punidas, as eleições abolidas ou falseadas, os congressos e assembleias programados, a crítica e autocrítica transformadas numa espécie de confissão religiosa dos pecados. Neste tipo de organização, todas as pretensas garantias democráticas consignadas nos Estatutos – eleição de baixo para cima, direito de crítica, prestação de contas de cima para baixo, congresso soberano de delegados livremente eleitos pela base, direitos iguais para todos – acabam por se esvaziar por completo, como em qualquer partido burguês. A instância suprema de direção exerce não apenas o poder no partido, como seria legítimo, mas um poder absoluto, que não é temperado por qualquer possibilidade de fiscalização ou contestação (...)”

“(...) Ocultou-se que Lênin, só nos últimos anos, arrastado pela agonia da revolução, começou a deslocar-se para os conceitos da disciplina de tipo militar no partido, mas que essa nunca fora a sua prática durante vinte anos de luta revolucionária. As excepcionais qualidades de polemista de Lênin formaram-se num clima de ardente confronto de opiniões no interior do partido, polêmicas na imprensa operária, consultas e votação de moções concorrentes nas organizações do partido, congressos que duravam semanas e em que batalhavam tendências opostas…”

FMR. Que partido, 1998, publicado em Política Operária

Se pautava a unidade de ação, mas esquecia que ela surge a partir de um árduo debate entre tendências opostas, que a maior sanção que ume militante pode dar ao partido é seu desligamento pois a militância se dá de forma voluntária.

Essa linha não pode voltar a ganhar força em nossa organização, isso é pedir para que o debate se dê de forma externa ao partido (pois o debate em verdade nunca pôde ser realmente interrompido) e que o mesmo se torne cada vez menor por se recusar a convencer quem dele diverge..

CONCLUINDO

Creio camaradas, que a principal ideia desse texto é tratada com qualidade no texto apresentado ao III Congresso do Partido Comunista da Itália, as teses de Lyon da Ala Esquerda. Especialmente no ponto 5, sobre disciplina e frações.

“A repressão ao fraccionismo não é um aspecto fundamental para a evolução do partido, mas a sua prevenção sim.”

Os exemplos históricos colhidos pelo Movimento Comunista deixam claro: A repressão ao fraccionismo foi na verdade utilizada para barrar debates e fazer valer uma posição que não poderia ser defendida frente à militância. Além disso, não se pôde também reprimir o debate: ele era feito, de um jeito ou de outro. E o nosso próprio racha é exemplo disso. 

Óbvio, a ideia de uma fração permanente e de um partido que abrange toda forma de oposição enquanto uma frente não deve ser aderida por um partido comunista. No entanto, se o partido tem ciência e permite que o debate regule a consciência de nossa militância, as frações se tornam um problema que se resolve por si só. Se pautamos a necessidade do XVII Congresso Extraordinário é porque sabemos da capacidade do debate e do desenvolvimento de resolver divergências.