Sobre os 80 anos da vitória da URSS contra o nazifascismo: lições para o presente
Neste dia 9 de maio, comemoramos 80 anos da vitória contra o nazifascismo, com a rendição incondicional do Terceiro Reich (a Alemanha Nazista) às Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial.

Artigo da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
9 de maio de 2025
A Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário apresenta o presente artigo em comemoração aos 80 anos da vitória da União Soviética contra o nazifascismo. Reivindicando o legado histórico da construção do movimento comunista no Brasil, é nosso papel analisar a história da Segunda Guerra Mundial e demonstrar para o conjunto dos trabalhadores quais são as lições que devemos tirar dessa experiência histórica para o presente e para o futuro do movimento proletário - especialmente no momento corrente, de ofensiva ideológica da burguesia em escala internacional e de intensificação de novas guerras imperialistas e do neofascismo.
“A história só surpreende...”
Neste dia 9 de maio, comemoramos 80 anos da vitória contra o nazifascismo, com a rendição incondicional do Terceiro Reich (a Alemanha Nazista) às Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial. Comemorar essa data deve significar, para o movimento dos trabalhadores, muito mais do que a lembrança de um evento histórico, mas principalmente uma forma de tirar lições para o atual momento histórico.
A atual conjuntura apresenta grandes desafios para o movimento dos trabalhadores, em escala internacional. É correto considerarmos, como fez Vladimir Lênin, que a etapa imperialista do capitalismo (que vivemos desde o desenvolvimento do capital para seu período monopolista) é a etapa final do desenvolvimento capitalista, o momento da história da humanidade de passagem do capitalismo ao socialismo-comunismo. No entanto, esse processo não ocorre na forma de um progresso linear. Desde a Revolução Socialista de Outubro, na Rússia em 1917, a classe trabalhadora internacional construiu essa alternativa histórica, na prática, em processos de avanços e recuos. Analisar o momento em que vivemos, caracterizado pela longa duração de um período contrarrevolucionário desde os anos 1990, exige que tomemos esse ponto de vista – o de que os períodos de recuo da revolução proletária internacional estão intimamente conectados com as derrotas sofridas pela classe trabalhadora.
Assim, é do ponto de vista desse desafio que podemos interpretar corretamente nosso período histórico. A correlação de forças entre as classes sociais antagônicas e fundamentais da sociedade capitalista, a burguesia e o proletariado, hoje se apresenta de forma absolutamente desfavorável aos trabalhadores. Os ataques da burguesia, em nível global, e a agudização dos conflitos interimperialistas (como respostas dos capitalistas e seus governos à queda da taxa de lucros acentuada pela crise internacional que se arrasta desde 2008) não têm encontrado no proletariado uma capacidade de resistência e contraofensiva generalizada e organizada.
Ao contrário, o que podemos observar é que esses ataques se consolidam contra os trabalhadores e as demais camadas exploradas e oprimidas, incluindo povos inteiros (como no caso da Palestina). Em escala internacional, as chamadas “medidas neoliberais” têm sido o vetor principal dessa ofensiva burguesa: privatização de serviços públicos e sistemas de previdência, desmonte da legislação trabalhista e social, legislações abertamente antissindicais e antipopulares e cortes orçamentários sociais são a receita aplicada em todos os países para enfraquecer a classe trabalhadora e minar sua possibilidade de defesa e contra-ataque. Combinado a isso, em cada vez mais países, a burguesia dobra a aposta em cima de suas forças militares e da possibilidade de um conflito bélico de caráter mais generalizado. Conflitos como a intensificação dos ataques à Palestina, a disputa interimperialista entre Rússia e OTAN na Guerra da Ucrânia, a tomada do poder na Síria pelo fundamentalismo religioso e a recente intensificação da disputa de fronteiras entre Índia e Paquistão são episódios claros dos tambores da guerra imperialista a rufar.
Essa agudização da crise capitalista também impulsiona, em todo o planeta, o fortalecimento da extrema-direita. Com sua retórica nacionalista e militarista, a extrema-direita prepara o caminho para o belicismo no plano internacional e, no plano interno, se apresenta como solução de força para levar a cabo os mais brutais ataques contra os direitos e liberdades da classe trabalhadora. A acomodação cada vez maior da social-democracia e todas as suas facetas aos próprios ditames burgueses (como vemos no caso brasileiro, de rendição completa do governo petista à agenda neoliberal) leva a classe trabalhadora não apenas a perder sua confiança nesses representantes de “esquerda”, mas principalmente perder a confiança nas suas próprias forças como classe. A deseducação política do proletariado, o abandono das lutas de massas por parte das principais direções políticas e sindicais dos trabalhadores e a apologia do conformismo com o “mal menor” produzem um terreno fértil para o fortalecimento do neofascismo.
A solução de extrema-direita, que se apresenta demagogicamente como “antissistema” de forma geral, é apenas a forma que a burguesia encontra de se aproveitar para organizar a indignação com os horrores e a miséria do capitalismo em seu próprio proveito. Mesmo quando não consegue impor-se de maneira duradoura no poder político central, a extrema-direita cumpre um papel extremamente funcional para a degradação das condições de vida do proletariado sob a democracia burguesa: quanto mais ela se fortalece, mais o reformismo social-liberal rende sua política econômica em favor da burguesia e mais se modera, retroalimentando esse fortalecimento da direita e assim sucessivamente. Isso não é um fato novo: também no século passado, foi justamente a partir das capitulações das forças “de esquerda” que o nazifascismo se fortaleceu.
A contrarrevolução dos anos 1990 também deixa uma marca que perdura até os dias de hoje: o anticomunismo como arma da burguesia e de seus representantes políticos, como uma das principais formulações ideológicas direcionadas à classe trabalhadora. Mesmo no seio da “esquerda”, o anticomunismo é uma das principais armas para combater o ressurgimento de uma perspectiva revolucionária e internacionalista entre as massas. E nisso, uma série de experiências, mesmo que representem polos “opostos” da ordem burguesa, estão de acordo: na Ucrânia pós-Euromaidan, o Partido Comunista da Ucrânia e a União dos Comunistas Ucranianos tiveram seus militantes perseguidos, sequestrados, assassinados e as organizações colocadas na ilegalidade; enquanto na Venezuela, o Partido Comunista da Venezuela sofre um golpe jurídico para tomar-lhe a direção e a independência de classe perante o governo. Enquanto na mesma Ucrânia estátuas de Lênin são removidas e destruídas, Vladimir Putin, na Rússia, “culpa” Lênin e os bolcheviques pela existência em si da Ucrânia, desprezando o internacionalismo que fez a própria República Socialista Soviética da Ucrânia ser uma das repúblicas fundadoras da União Soviética.
Essas mentiras e ataques hoje têm sido utilizadas, por todas as burguesias do mundo, para intensificar os ataques ao proletariado e às camadas populares. A fragilidade em que se encontra a classe trabalhadora, ideológica e organizativamente, é solo fértil para manter o mundo sob a bota das classes dominantes e impedir a organização dos trabalhadores sob um programa revolucionário e internacionalista, que é a única saída para a crise do capital que vivemos.
“... quem de história nada entende”
As mentiras e o revisionismo sobre toda a história do movimento dos trabalhadores é uma parte constitutiva dessa ofensiva burguesa . Mas é particularmente grave o enfoque dado, já há muitas décadas, à história do movimento comunista e da União Soviética, primeiro estado proletário longevo do mundo. Essa ofensiva ideológica procura apagar os feitos heróicos dos trabalhadores soviéticos em todos os campos, desde o desenvolvimento científico e tecnológico e os avanços sociais inigualáveis do socialismo, até a própria atuação dos comunistas na Segunda Guerra Mundial. Pretendemos, a seguir, apresentar algumas avaliações preliminares sobre essa disputa ideológica, recuperando a verdade histórica por trás desses construtos.
Em primeiro lugar, é preciso afastar qualquer dúvida sobre o destacado papel da União Soviética na vitória dos Aliados contra o nazifascismo. Mais de 25 milhões de soviéticos, entre civis e militares, perderam suas vidas no conflito, cujo objetivo central era exatamente a aniquilação da experiência revolucionária. Durante todo o período de avanço do nazifascismo sobre a Alemanha e a Europa Oriental, as potências imperialistas de toda a Europa mostraram-se coniventes e partícipes do processo de avanço contra a classe trabalhadora. A Conferência de Munique, de 1938, não deixou dúvidas sobre o caráter burguês, colonialista e imperialista de seus intentos: registra a posição favorável da diplomacia da Inglaterra, da França e da Itália para que Hitler anexasse parte da então Tchecoslováquia, sob protestos da União Soviética, que anunciou que estaria disposta a enviar tropas de combate para combater a anexação imperialista. Esses esforços internacionalistas foram impedidos pela não aceitação dos governos da Polônia e da Romênia, que teriam que permitir a passagem do Exército Vermelho em seus territórios.
Enquanto a narrativa oficial da burguesia coloca ênfase nos esforços dos EUA e da Inglaterra, principalmente, no combate ao nazifascismo, a realidade aponta para outro lado. O Exército Vermelho foi a principal força combatente contra o nazifascismo, dirigindo, junto com partisans locais em diversos países, os combates do Fronte Oriental. Desde a vitória na Batalha de Stalingrado, o maior combate urbano da história da humanidade, o Exército Vermelho foi conquistando posições no território de maneira imparável até chegar a Berlim e colocar a bandeira tremulante da foice e do martelo sobre o Reichstag – o mesmo que, anos antes, havia sido incendiado pelos próprios nazistas para criar pânico moral e fechar o regime na Alemanha. No curso dessa campanha, a União Soviética também ajudou a libertar os campos de concentração e extermínio nazistas, como o famoso campo de Auschwitz, libertado em janeiro de 1945.
A possibilidade da vitória contra a máquina de guerra nazista não foi um acaso ou resultado apenas de uma boa direção política e militar. A União Soviética desenvolveu, desde seu início e, ainda mais, desde o fim da Guerra Civil, as potencialidades humanas que eram impedidas pelo capitalismo em escala global. A vitória dos soviéticos é devida ao próprio sistema socialista, ao desenvolvimento e socialização das forças produtivas, à planificação central da economia socialista, ao papel dirigente do proletariado e das camadas populares na construção socialista e à direção do Partido Comunista da União Soviética - sem o que teria sido impossível transformar um dos países mais agrários e atrasados da Europa, em poucas décadas, em uma das maiores potências industriais, científicas e militares do planeta.
As narrativas anticomunistas de então e de agora tentam apagar todos esses feitos. Em seu nível mais baixo, mais absurdamente descolado da realidade, apontam que o comunismo soviético e o nazifascismo seriam “irmãos gêmeos autoritários”. Não há nada mais distante da realidade e mais afundado no liberalismo mais atroz. Enquanto o avanço do nazismo para o Leste foi colocando em situação de verdadeira escravidão uma série de povos e etnias, incluindo aí o genocídio contra o povo judeu, a ofensiva soviética no fim da Segunda Guerra foi libertando esses povos. Enquanto a construção do nazismo baseava-se exatamente na exacerbação do capitalismo monopolista e das disputas interimperialistas, a União Soviética tinha como fundamento de sua própria existência o internacionalismo proletário e a luta dos trabalhadores rumo ao comunismo. Enquanto o regime nazista sustentava o aprofundamento do racismo e da misoginia, a URSS campeava pela igualdade feminina e pelo combate às opressões raciais.
Também é importante, para combater esses mitos, abordar cientificamente um dos episódios mais utilizados pelos ideólogos da burguesia para afirmar o mito dos “gêmeos autoritários”, que foi o Pacto de Não-Agressão Germano-Soviético de 1939. A liderança do PCUS, com a direção de Stálin, buscava há anos a construção de uma aliança militar com a França e a Grã-Bretanha, que falharam em estabelecer um anel de contenção militar contra o avanço do nazismo. Mesmo com a oferta de posicionar cerca de um milhão de soldados do Exército Vermelho na fronteira alemã, para a qual os soviéticos propunham a contraparte de negociações com a Polônia e a Romênia, ambas potências preferiram, em 1939, manter o acordo com Hitler aprovado no ano anterior. A União Soviética então buscou ganhar tempo, construindo um Pacto de Não-Agressão para impedir o avanço imediato dos nazistas durante o tempo necessário para passarem parte significativa de sua produção militar e industrial das zonas europeias da Rússia para as regiões da Ásia Central. As manobras do PCUS para reforçar sua produção militar e industrial nesse período foram significativas para garantir o poder de fogo em uma futura e esperada ofensiva dos nazistas. Quando se inicia a Operação Barbarossa, em 1941, com os nazistas rompendo o Pacto de Não-Agressão para dar cabo a sua intenção inicial de invadir a União Soviética, escravizar seu povo e acabar com o socialismo, os impactos foram menores. Menos de dois anos depois da invasão nazista, a União Soviética vencia a Batalha de Stalingrado e começava a contraofensiva que resultaria na derrota do Terceiro Reich e no fim da Segunda Guerra Mundial. Qualquer ilação, portanto, que utilize esse documento diplomático para afirmar qualquer “parceria” entre ambos regimes sociais e políticos não revela senão ignorância ou má fé.
Mas nem tudo são vitórias
Não podemos, no entanto, considerar a vitória contra o nazifascismo de modo puramente militar, desconectada de toda a política dos comunistas no período anterior e durante a própria Segunda Guerra Mundial. Em nossa avaliação, a vitória da União Soviética ocorreu não apenas por causa de seus acertos táticos, mas também apesar de seus erros, que também são os erros do Movimento Comunista Internacional.
Desde o surgimento do fascismo italiano, a Internacional Comunista (IC) buscava compreender o caráter preciso dessa nova expressão política da burguesia, que utilizava um caráter de ampla mobilização de massas como tropa de choque contra o movimento dos trabalhadores, em geral, e os comunistas, em particular. Em seu VII Congresso (1935), no entanto, há um giro de análise e de linha política: passa-se a compreender o fascismo apenas como expressão do capital financeiro e, como consequência, a compreender que a linha política a ser adotada deveria ser a da constituição das Frentes Populares, ou seja, de uma colaboração maior entre os comunistas e a social-democracia, levando inclusive a apoiar forças burguesas ou a considerar a divisão do mundo entre países capitalistas “democráticos” e “fascistas”. Esse giro, que hoje podemos considerar não apenas como uma virada tática e sim como um recuo estratégico, deixou marcas que pontuaram também a luta durante a Segunda Guerra Mundial. Tratava-se de não mais buscar superar a guerra imperialista por meio de uma revolução socialista internacional, mas por meio do restabelecimento de democracias liberais e de alianças entre os trabalhadores e as supostas “alas democráticas” de suas burguesias. Na prática, essa política levou apenas ao desarme do movimento dos trabalhadores, sem oferecer qualquer obstáculo efetivo ao fortalecimento do nazifascismo. Experiências como a francesa e a espanhola demonstram que, pelo contrário, o compromisso dos comunistas com a “ala democrática” da política burguesa apenas contribuíram para desorientar a classe trabalhadora e abrir caminho para a extrema-direita.
Esse recuo estratégico produziu também diversas distorções na linha política conduzida pela IC e, posteriormente, pelo conjunto dos Partidos Comunistas quando da dissolução dela. A consideração da França e da Inglaterra como países capitalistas “democráticos” mascarava de maneira inaceitável suas próprias barbáries coloniais e as posições dos PCs desses países no Pós-Guerra deixou isso bastante claro, com a recusa do Partido Comunista Francês em empreender um verdadeiro combate ao lado dos povos que se libertavam da condição de colônia francesa (como no caso particular da Argélia). Da mesma forma, o Partido Comunista da Grécia (KKE) abandonou as armas após um tratado em 1945 para permitir um novo governo de coalizão, mas foram perseguidos após a entrega das armas, o que levou à própria Guerra Civil grega ser empreendida em condições muito menos favoráveis e a um golpe militar.
O desarme ideológico e a dissolução da IC – esse último, resultando em um recuo no desenvolvimento de uma estratégia comunista internacional a ser levada por todas as seções nacionais – são causas de um enfraquecimento expressivo do Movimento Comunista Internacional e, posteriormente, terão também como consequência outros giros oportunistas na política do PCUS e em outros Partidos, como no caso brasileiro. Em que pese a correta linha de envio de tropas brasileiras à Itália, já em 1981 o camarada Luís Carlos Prestes foi preciso ao avaliar que a linha da Conferência da Mantiqueira do PCB, em 1943, expressava o “caráter oportunista de direita da estratégia que adotávamos”. O camarada Prestes, em balanço retrospectivo, afirma que:
Nos documentos da direção do Partido, já por mim assinados, após a libertação em 1945 dos presos políticos, toda a concepção da unidade nacional que pregávamos estava inteiramente ligada à visão estratégica da luta pelo desenvolvimento do capitalismo na democracia que seria conquistada e assegurada com a vitória mundial sobre o nazifascismo. Insistimos, portanto, em negar o caráter capitalista da formação econômico-social dominante em nosso País, para nós ainda considerado como semicolonial e semifeudal. Apresentávamos, por isso, como contradição fundamental na sociedade brasileira, a existente entre a Nação e o imperialismo. Erro de caráter oportunista, repetido até os documentos do VI Congresso de 1967.
Considerarmos hoje, 80 anos depois da vitória, que essa perspectiva de unidade política nacional dos comunistas com forças imperialistas não teria deixado marcas ideológicas e estratégicas importantes no MCI seria ingenuidade. Entendemos que esse erro, que compreendemos como um erro nosso, não pode ser repetido.
Em escala internacional, ainda durante a Guerra, a colaboração dos PCs, sobretudo nos países Aliados, com forças social-democratas e burguesas, inclusive nos governos nacionais, demonstrou-se equivocada. Com a exceção dos países do Leste Europeu libertados diretamente pelo Exército Vermelho e pelos partisans locais, o saldo final da Guerra não nos permitiu elaborar uma estratégia internacional coordenada que possibilitasse transformar a guerra imperialista em guerra civil revolucionária, de luta pela tomada do poder pela classe trabalhadora. Certamente, nos casos das Repúblicas Populares do Leste Europeu, grandes avanços foram feitos, em grande medida pela força de um movimento organizado de trabalhadores que foi capaz de implementar um processo de construção socialista inspirado na União Soviética, dirigidos por PCs que tornaram-se forças de liderança do processo de libertação contra o nazismo. No entanto, não apenas essa possibilidade afirmou-se, muitas vezes, em contrariedade com as visões do PCUS (como no caso da Iugoslávia), como também entre esses PCs a perspectiva de colaboração com a social-democracia (e, em casos como o alemão oriental, fusão com ela) levou a fragilidades ideológicas desde o princípio, que foram fatais na crise do socialismo nos anos 1980 e levaram a derrotas contrarrevolucionárias.
Um exemplo especialmente dramático dessa política de “coexistência pacífica” entre o bloco socialista e o mundo capitalista se reflete ao caso da Palestina, que em 1947 foi desmembrada para a criação do Estado sionista da Israel pela ONU com o apoio do governo soviético! Enquanto os diplomatas soviéticos defendiam a criação de um “Estado judeu”, o jornal comunista frente-populista francês L'Humanité exaltava e comparava "os vietcongues no Vietnã e os combatantes da Haganá" sionistas na Palestina. Seja por quais motivos a URSS se deslocou em direção a essa política oportunista, os resultados reacionários e nefastos dessa decisão assombram até hoje o movimento comunista árabe e, especialmente, o proletariado palestino. Hoje, Israel é uma das pontas de lança do reacionarismo e do fascismo mundiais.
Esse desarme ideológico e prático deixou marcas brutais também nos comunistas brasileiros. A estratégia democrático-nacional, defendida pelo PCB, se baseava na interpretação de que, no Brasil, ainda haveria tarefas a serem desempenhadas pela burguesia nacional, sobretudo seu setor industrial, e que (de distintas formas durante as décadas) era possível e necessária a colaboração entre ela e o proletariado, de forma a constituir um poder político que não “será uma ditadura do proletariado. Mas não será também uma ditadura da burguesia”, como o mesmo Luís Carlos Prestes apresentou, em nome do CC do PCB, à abertura do IV Congresso, em 1954. Consideramos esse um erro estratégico importante, correlato (ainda que com suas diferenças), da mesma estratégia de Frentes Populares aprovada pela IC quase 20 anos antes. O IV Congresso do PCB e, posteriormente, a Declaração de Março de 1958 foram o aprofundamento de uma estratégia equivocada, que se consolidou como giro tático à direita (em relação ao Manifesto de Agosto de 1950). Não à toa, a situação internacional do Pós-Guerra é tomada como ponto de apoio para compreender que havia uma nova correlação de forças em nível internacional que permitiria essa transformação “não-capitalista” (mas ainda não socialista) da sociedade brasileira – que nunca ocorreu. No V Congresso, em 1960, ainda se reafirmou o caráter “pacífico” da transformação social no país, o que certamente foi a base para também desarmar o proletariado nacional para a luta e abrir assim caminho para o golpe de 1964.
Consideramos, portanto, que a heróica vitória sobre o nazifascismo se deu apesar da errônea teoria da Frente Popular, e não por causa dela. Contudo, é justamente por conta dessa teoria etapista que a vitória militar soviética, em vez de se desenvolver no sentido do aprofundamento do movimento revolucionário do proletariado europeu (aquele que esteve no palco principal, mas não exclusivo, da guerra), foi seguida por uma vitória ideológica da teoria da “coexistência pacífica” entre socialismo e capitalismo, bem como da teoria da “transição pacífica” por meio de reformas, lançando as bases para a degeneração eurocomunista dos Partido europeus. Não à toa, boa parte das transformações revolucionárias subsequentes no Leste Europeu, na Ásia e na África deram-se à revelia da dissolução da Internacional Comunista e, em muitos casos, em oposição às diretrizes soviéticas. Na América toda, por sua vez, cada vez mais PCs afundaram no reformismo sob influência das teorias “frente populistas” e etapistas. Nesse aspecto, é bastante emblemático o caso do PC Cubano que, anos mais tarde, em nome da “Frente Popular”, apoiava o regime ditatorial burguês de Fulgêncio Batista. O enorme prestígio com que o Movimento Comunista saiu da guerra, embora revertesse na massificação de muitos Partidos Comunistas, desdobrou-se em todo continente em fortalecimento das correntes reformistas no interior dos PCs e, não muito mais tarde, em derrotas profundas nas mãos dos golpes militares e intervenções estrangeiras.
O avanço do militarismo burguês e os dilemas atuais da revolução proletária
A conjuntura atual apresenta um cenário de avanço do fascismo, do militarismo e do nacionalismo em escala global, com disputas pelo posicionamento privilegiado no sistema imperialista sendo a tônica. Não há, como havia nos anos 1920 e 1930, um poder socialista, internacionalista e revolucionário bem estabelecido como era a União Soviética e nem uma organização capaz de articular uma estratégia comum para o movimento dos trabalhadores como era a Internacional Comunista. O avanço da burguesia não encontra praticamente resistência ou contenção em nenhum país e o movimento dos trabalhadores, como já mencionamos, encontra-se extremamente fragilizado. Esse cenário é um prato cheio para as disputas interimperialistas.
A guerra interimperialista em curso na Ucrânia é uma das provas mais significativas disso. Já anunciávamos, em 2022, que “os interesses das burguesias estadunidense e russa são evidentes nessa luta pela partilha do mundo capitalista e a guerra não interessa aos trabalhadores” – e a disputa pelo significado dessa guerra é travada por todos os lados. A burguesia e o Estado russos utilizam a memória do sucesso soviético na Segunda Guerra Mundial para justificar a invasão ao território ucraniano, usando inclusive a “desnazificação da Ucrânia” como pretexto. Nada poderia estar mais distante da realidade: enquanto a União Soviética foi alvo e algoz do nazifascismo justamente por seu caráter socialista, por ser a primeira bem-sucedida experiência de Estado proletário do mundo, os interesses capitalistas na guerra da Ucrânia são patentes. O controle da região, tanto por interesses geopolíticos estratégicos, de rotas de comércio e de controle militar da região, quanto por interesses econômicos diretos nas riquezas naturais (minerais, petrolíferas, agrárias) ucranianas são os fundamentos da presente guerra. Do lado contrário, do bloco imperialista EUA-OTAN-UE, os interesses são exatamente os mesmos e a história recente da Ucrânia demonstra que a política intervencionista no país, que levou aos distúrbios do Euromaidan, tampouco tem qualquer interesse na democracia e no desenvolvimento do país, como alegado.
A atual guerra não guarda qualquer semelhança com a Segunda Guerra Mundial no sentido dos projetos políticos em disputa e os esforços de traçar esses paralelos são construtos ideológicos forjados para capturar uma parte do movimento dos trabalhadores e fazer marchá-lo sob uma bandeira que não lhe pertence, a bandeira dos interesses econômicos e políticos das burguesias estadunidense, europeias e russa. Essa tentativa não é em vão: desde o princípio da Guerra, diversos Partidos Comunistas aderiram a essa narrativa falaciosa e passaram a oferecer sustentação à política de Estado russa. A existência da chamada Plataforma Mundial Anti-Imperialista (PMAI), que se organizou nos primeiros meses da Guerra para cooptar forças “de esquerda” para o apoio aos interesses russos na guerra, e a mais recente reunião do Fórum Internacional Antifascista, realizada em Moscou, não têm como resultado senão dirigir uma parte de forças de “esquerda”, corretamente desejosas de combater o fascismo, para os interesses capitalistas da burguesia russa. Acostumados a décadas de opressão sob o jugo do imperialismo estadunidense, muitos povos do mundo todo acalentam a ilusão de que, com o fortalecimento de outras potências capitalistas, uma maior margem de manobra internacional permita um desenvolvimento “multipolar” e menos desigual. Mas toda a experiência da crise da hegemonia inglesa sobre o capitalismo mundial, que desembocou em duas guerras mundiais no século passado, não autoriza tal otimismo: o cenário mais provável é que cada vez mais povos sejam utilizados como bucha de canhão pelas grandes potências capitalistas em sua disputa interimperialistas por recursos, força de trabalho e territórios.
O caso Sírio é, nesse aspecto, emblemático: a onda de protestos espontâneos iniciada em 2011 contra o governo burguês de Al-Assad foi rapidamente reprimida pelo governo, bloqueando a possibilidade da hegemonia de forças proletárias e populares; e permitindo que a revolta social fosse capturada pelos mercenários fundamentalistas financiados pelas potências capitalistas ocidentais sem qualquer outra terceira alternativa. Por sua vez, o governo de Al-Assad apenas logrou derrotar essa oposição armada graças ao apoio militar russo. É por isso que, em nossa visão, não se tratou simplesmente de uma guerra civil, mas de uma verdadeira guerra imperialista, na qual tanto as guerrilhas reacionárias como o governo burguês apenas sustentam suas posições à base do apoio de potências imperialistas estrangeiras, em nome das quais travam uma “guerra por procuração”. Isso se torna tão mais evidente a partir da celeridade com que o governo Al-Assad caiu frente aos combatentes oposicionistas em um momento no qual, preso ao front ucraniano, o estado burguês russo não pode vir em seu socorro, demonstrando o quão frágil é a tática de escorar-se no oposicionismo internacional da burguesia russa aos EUA para sustentar qualquer projeto “anti-imperialista”.
Nesse quadro complexo, compreendemos que o governo central de Al-Assad representava, apesar de seu caráter burguês, a única alternativa contra a mais completa colonização da Síria aos pedaços pelas potências imperialistas. Mas se, nos primeiros anos da guerra o governo central recebeu amplo apoio de diversos setores proletários populares, incluindo o Partido Comunista Sírio, que negociou e conseguiu tropas de combate armadas pelo Estado composta apenas por militantes comunistas para defender o país; nos últimos meses de seu governo, a popularidade de Al-Assad erodiu brutalmente por conta de sua própria política econômica. A posição do Partido Comunista da Síria foi, durante todo o período da guerra imperialista, de agitar e propagandear contra as reformas liberais e a política burguesa do baathismo sírio, mesmo negociando sua presença nos esforços organizados pelo governo de combate à interferência fundamentalista e imperialista. O governo de Al-Assad, como outros governos nacionalistas-burgueses, não representa os interesses do proletariado sírio e suas políticas liberais inclusive influenciaram negativamente no resultado da guerra. Não seria por meio do regime de Al-Assad que a classe trabalhadora e o povo sírios atingiriam o socialismo. Iludiam-se aqueles que apoiavam o governo de Al-Assad como um governo “anti-imperialista”.
Esperar que a Rússia capitalista monopolista moderna, cuja burguesia mobiliza seu Estado para lutar por sua posição no mercado internacional, possa ser um ponto de apoio sólido para as lutas de libertação nacional e pelo socialismo, em pleno século XXI, como a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ainda pôde ser ao longo do século passado, é nada mais do que uma terrível confusão. Conforme se desenrola a crise da hegemonia estadunidense, com todos seus ziguezagues, apenas podemos esperar a multiplicação das guerras por procuração rumo a conflitos cada vez mais amplos, centrais e diretos entre as grandes potências capitalistas.
A luta contra o fascismo e a extrema-direita hoje
A lição preliminar que o PCBR tira desse olhar histórico, tanto sobre os desenvolvimentos posteriores à vitória da União Soviética contra o nazifascismo na Segunda Guerra, quanto sobre a atual conjuntura global, reforça as conclusões a que chegamos em nosso XVII Congresso (Extraordinário).
Em primeiro lugar, que a luta da classe trabalhadora no rumo do socialismo-comunismo não é uma luta linear, em que se acumulam vitórias indefinidamente, mas um processo tortuoso e difícil, no qual a firmeza ideológica e estratégica da vanguarda é um elemento absolutamente indispensável. Por isso, ao defender a vitória inigualável da União Soviética contra o nazifascismo, é nosso dever observar quais erros foram cometidos pelo movimento dos trabalhadores, em geral, e pelo movimento comunista, em particular. Analisar autocriticamente a história do Movimento Comunista Internacional e tirar as conclusões científicas corretas dessa análise é condição indispensável para o desenvolvimento de uma estratégia revolucionária e de táticas correspondentes para a conexão do Partido Comunista com as massas trabalhadoras. A batalha ideológica mais importante, hoje, no seio da classe trabalhadora consiste na reconstrução da sua independência de classe, por meio do combate às crenças ilusórias em nas alianças nas burguesias nacional ou internacionais e do desenvolvimento do internacionalismo proletário como base central da luta dos trabalhadores em qualquer país.
Em segundo lugar, que a luta contra o fascismo e a extrema-direita é uma luta inseparável da luta contra o capitalismo como um todo. O capitalismo, em sua fase imperialista, desenvolve um caráter monopolista que, ao mesmo tempo em que concentra e centraliza o capital e os meios de produção, entra na sua fase de degradação histórica. Uma luta consequente contra o fascismo não pode ser uma luta em defesa da democracia burguesa na qual esse fascismo viceja, mas uma luta pela superação do capitalismo, ou seja, uma luta pela revolução e pela construção do socialismo-comunismo. Por isso mesmo, enquanto os defensores da “Frente Ampla democrática” com a burguesia vendem ilusões sobre a cedência institucional e a moderação como único meios para evitar o fascismo (buscando, na verdade, agradar e não assustar a burguesia), os comunistas devem defender a tática da luta de classes do proletariado por seus interesses como único meio efetivo de, organizando a maioria trabalhadora da sociedade com independência política, oferecer um obstáculo consistente às maquinações golpistas e fascistas financiadas pelos grandes capitalistas do campo e da cidade.
Em terceiro lugar, que a guerra não é mais do que a continuação da política por outros meios. Para se compreender corretamente os lados em disputa no mundo contemporâneo, em um período de intensificação do militarismo e conflitos bélicos, a primeira pergunta a se responder é acerca dos interesses objetivos das classes sociais envolvidas. Sempre que os interesses das classes sociais aparecem como secundários em relação aos interesses dos “Estados nacionais” podemos ter certeza de que uma construção ideológica está tomando o lugar de uma formulação científica, marxista-leninista. Mesmo nos momentos em que a classe trabalhadora for forçada a, no cenário de uma invasão estrangeira, agir em unidade com parcelas da classe burguesa, ela será tanto mais vitoriosa quanto mais, no curso de uma aliança, preservar sua independência política e seu objetivo estratégico revolucionário.
Em quarto lugar, que a disputa pela memória e pela verdade histórica é parte significativa desse campo de batalha. Passados 80 anos da vitória contra o nazifascismo, a imensa maioria dos ideólogos e dos veículos midiáticos burgueses e pequeno-burgueses desprezam o sacrifício dos milhões de soviéticos, além de outros milhões de trabalhadores do mundo todo, que lutaram contra o nazifascismo – e pintam a vitória da Segunda Guerra como uma vitória da “democracia”. Defender a verdade histórica, comprovada por todo aparato documental disponível, que entende as responsabilidades principais militares e políticas da União Soviética na vitória contra o nazifascimo, é também defender o socialismo-comunismo, em sua construção efetiva; é elucidar que a socialização dos meios de produção e planejamento central foram partes indispensáveis nos esforços de guerra, e também em seu futuro, como única solução para a classe trabalhadora libertar a si e às demais camadas exploradas e oprimidas do domínio do capital.
Celebrando os 80 anos da vitória soviética sobre o nazifascismo, nos confrontamos com um futuro que caminha para o fortalecimento da extrema-direita e para a eclosão de uma Terceira Guerra Mundial. Só o proletariado pode oferecer uma alternativa a esse caminho tortuoso que se abre diante do capitalismo mundial, se armando com a memória dos sucessos do passado e aprendendo com os erros daqueles que lutaram antes de nós pela causa da emancipação humana. Sem esse compromisso revolucionário socialista-comunista, a celebração do 9 de maio se perde em demagogia, seja ela em favor do expansionismo russo ou em favor do “democratismo” estadunidense.