'Sobre o oportunismo do “não assustar”. Resposta para cmrd Facó' (Yuri)
É profundamente precipitado, para dizer o mínimo, supor que nossa resposta deve ser a inserção no meio religioso em si, dando tamanho papel para a fraseologia cristã.
Por Yuri para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Saudações, camaradas! Venho tentar elaborar uma resposta a tribuna “ Como podemos realizar um movimento revolucionário em meio a uma massa majoritariamente cristã?”. Gostaria de começar parafraseando Francisco Martins Rodrigues em “Anti-Dimitrov”: O oportunismo na tática impõe o abandono da estratégia. Demarcar isso me parece muito importante, camaradas, porque estamos falando de uma frente de inserção específica, de uma linha de propaganda. Defender isso não é o mesmo que defender que é necessário disputarmos a consciência da classe trabalhadora cristã. Precisamos primeiramente formular sobre o que instituições cristãs tem êxito em fazer na sua inserção na classe trabalhadora, para além do respaldo financeiro que muitas possuem e que não temos, e em que falhamos, fazer a crítica e a autocrítica de como superar isso. Sem isso é profundamente precipitado, para dizer o mínimo, supor que a resposta é a inserção no meio religioso em si, dando tamanho papel para a fraseologia cristã. É impossível analisar o papel de instituições cristãs e em que nos superam sem falar das nossas deficiências no trabalho de bairro, por exemplo. Falando desse lugar como militante de um núcleo de bairro, certa gestão das demandas em bairros sobretudo periféricos e os vínculos políticos decorrentes disso é que me parecem mais caros de serem pensados como tarefas para planejarmos e tocarmos do que um diálogo estabelecido nos termos religiosos em si. Qual o nosso nível de inserção em associações de moradores, atividades culturais locais ou outros espaços comunitários? Temos dirigido esforços para isso? De qual forma e qual o balanço? Se o que se inveja nas igrejas é justamente tocarem muito disso sobretudo nas periferias, é nesse tipo de trabalho que devemos focar a análise, não numa necessidade abstrata de diálogo em termos religiosos. No texto que o próprio camarada cita, que é o “Sobre a Atitude do Partido Operário em Relação à Religião”, camarada Lênin dá como exemplo uma comunidade com social democratas ateus e operários cristãos, onde a luta econômica se desdobra numa greve. O camarada diz acertadamente como a propaganda ateísta, sabotando muito provavelmente a união da classe trabalhadora local nessa luta, seria contraproducente. Mas em momento algum o camarada Lênin defende que para dialogar com os operários nessa luta deveria haver uma inserção no meio religioso em si, disputar a linha religiosa nesses termos de reinvenção de símbolos cristãos numa perspectiva revolucionária. Isso é muito importante, camaradas, porque é constantemente falado da questão do identitarismo, que, sem entrar no mérito do uso profundamente reacionário do termo feito com dada frequência, deve ser combatido com a organização enquanto classe primariamente, mas somente um “apego” às identidades ligadas à segmentos oprimidos aparece reconhecidamente como empecilho, enquanto a identidade cristã precisa ser não só disputada, se confundindo com o próprio proletariado na análise da tribuna em questão, mas acolhida em seus próprios termos às custas de um rebaixamento. Um rebaixamento não por um purismo teórico, mas pelo que tende a implicar quando se opor um cristianismo pretensamente popular com um programa que fale abertamente da crítica da família ou do gênero, por exemplo, onde então contradições decorrentes da multiplicidade (e suas relações com as opressões) no interior da classe trabalhadora que poderiam ser geridas e enfrentadas no processo de construção da hegemonia proletária, passam a primeiro plano dificilmente para terem propostas sólidas para sua superação diante de uma tática recuada pautada nesse cálculo político via “trégua” como é dito na tribuna. Rebaixamento não porque seja mais preponderante um conflito de ideias claro, como quando é falado na tribuna sobre uma contradição entre o idealismo cristão e o materialismo, mas pelos desafios práticos de se conciliar à nível organizativo um programa revolucionário com uma tática como essa com ênfase em uma religião que, em que pese as disputas em seu interior, historicamente tem um papel hegemônico na formação brasileira. Mais uma vez sobre o próprio texto que o camarada cita;
“Um marxista deve saber ter em conta toda a situação concreta, encontrar sempre a fronteira entre o anarquismo e o oportunismo (esta fronteira é relativa, móvel, mutável, mas existe), não cair no «revolucionarismo» abstrato, verbal, de facto vazio, do anarquista nem no filistinismo e no oportunismo do pequeno burguês ou do intelectual liberal, que teme a luta contra a religião, esquece esta sua tarefa, se reconcilia com a crença em Deus, se guia não pelos interesses da luta de classes mas por cálculos pequenos e mesquinhos: não ofender, não afastar, não assustar, pela sapientíssima regra: «vive e deixa viver os outros», etc., etc.” [1] Se nesse texto o camarada Lênin analisa também as razões materiais para os social democratas ocidentais terem deixado o ateísmo militante de lado, a partir do histórico da burguesia em sua época revolucionária ter seu ateísmo militante ao qual os social democratas precisaram se opor, cabe analisar de onde vem o rebaixamento que tanto perdura em formulações que desembocam numa necessidade de disputar os meios religiosos em si e não a classe trabalhadora religiosa a partir da sua condição de classe primariamente, seja nos seus lugares de moradia ou de trabalho.
Bibliografia: