'Sobre o manejo dos influenciadores digitais na Reconstrução Revolucionária' (Bruno dos Anjos)

O propagandista não deve seu transformar seu canal ou página em uma fonte de reconhecimento pessoal, não só porque está submetido ao partido, mas porque necessita de desconstruir a lógica individualista da internet.

'Sobre o manejo dos influenciadores digitais na Reconstrução Revolucionária' (Bruno dos Anjos)
"Partindo do pressuposto que a divulgação das ideias marxistas são nossa responsabilidade, o trabalho de divulgação online deve ser assumido pelo partido, acredito eu, através dos comitês regionais (ou comitê local, a depender de nossas pré-teses), pois a dinâmica da internet é rápida demais para se limitar a uma resolução congressual."

Por Bruno dos Anjos para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

No caldeirão de discussões recentes sobre as resoluções dos mais diversos problemas que nós enfrentamos enquanto político, percebo que ainda não foi tratado adequadamente a respeito de nossa Agitação e Propaganda nos meios digitais, ou pra ser mais sucinto, como lidar com os influenciadores, com o qual acredito que tenhamos uma relação dúbia. Depois de anos de ausência nos meios digitais, um pequeno grupo de comunistas (Sabrina Fernandes, Jones Manoel, Gaiofato, Laura Sabino, e mais recentemente o coletivo Soberana, para ficar em alguns nomes) tomou a dianteira e, se não conseguiu fazer frente firme ao bolsonarismo, pelo menos pôde se estabelecer como pontos de referências do marxismo na internet. Este sucesso, claro, não está livre de contradições e de limitações, mas me parece que a formulação destas continua extremamente pobre politicamente.

Antes de expor minhas colocações, gostaria de realizar uma breve recapitulação de como nós, comunistas, interagimos com a internet, pois isso é importante para defender o meu ponto de vista.

Desde o fim do bloco comunista no Leste Europeu, a esquerda brasileira (e mundial) entrou em refluxo não só no campo das ideias, mas também em como expor essas ideias – no caso, o AgitProp. De nossa parte, do campo revolucionário, se cometeu a péssima escolha de deixar a proposição de lado e, para possível recrutamento, nos resumirmos ao campo de aliados mais próximos, o que limitou a esquerda revolucionária a poucas parcelas da sociedade – uma das quais sendo a universidade, algo que abordei em uma tribuna já antiga minha. Por outro lado, o campo democrático-popular (PT, PCdoB, PSB, PDT) também deixou de realizar a disputa pelo AgitProp muito em parte por sua degeneração ideológica. Vejam, a partir do momento em que a prioridade de um partido político deixa de ser a revolução ou sequer reformas e passa a ser a mera gestão do Estado a partir da vitória nas eleições, não há necessidade de investimento a médio e longo prazo na disputa ideológica, pois tudo que é preciso é convencer o potencial aliado a votar no candidato do partido em questão. Como consequência, passamos as últimas décadas em processo de um apodrecimento comunicacional – a esquerda não era ouvida em massa e fazia questão de não ser ouvida. Não é que iniciativas de furar a bolha não tivessem existido, mas no geral, os blogs dos anos 2000 e editoras como a Boitempo não só eram iniciativas isoladas como estas acabavam mais por suprir uma demanda interna do que propriamente em aumentar essa demanda.

A partir dessa deficiência inicial, chegamos à era da internet completamente despreparados, com uma militância envelhecida ideologicamente (quando não literalmente) e sem um plano claro de como se utilizar da rede mundial de computadores. Quem não perdeu tempo com isso foi a direita, especialmente a extrema-direita. Em que pese o financiamento pesado da burguesia e a própria engenharia da internet, é inegável que os comunicadores de direita foram muito bem-sucedidos mundo afora em colonizar as redes e em pautar o debate, e o Brasil sem dúvida foi um dos grandes palcos desse processo. Como alguém que ainda era adolescente durante a vitória e o governo de Bolsonaro, sem dúvida me marcou os sucessivos diagnósticos de que o Whatsapp ou o Facebook elegeram o Bolsonaro, pois parecia (e era mesmo) a história sendo feita diante de meus olhos, ao mesmo tempo em que via que o campo contrário estava totalmente despreparado. Essa era a tônica geral nas esquerdas.

Nestes anos, porém, houve quem não apenas ficou lamentando. Houve quem quis (e pôde) entrar no jogo da internet para disputar mentes. Estas pessoas, estes influenciadores, são em sua maioria jovens e do sudeste, que já tinham familiaridade com a tecnologia e que optaram por entrar em mares nunca (OK, pouco) navegados pelas esquerdas. É assim que surgiram os influenciadores digitais, muito responsáveis pela entrada de uma geração de militantes nas organizações revolucionárias – eu incluso. No entanto, esta nova iniciativa, até pelo seu pioneirismo, é vista com desconfiança por setores da esquerda. Veja, críticas são possíveis e até desejáveis, mas preciso elencar uma lista de falsas polêmicas levantadas por não poucos militantes nas redes.

A primeira falsa polêmica é a chacota pura e simples. Muitos militantes desacostumados em pôr as mãos no ambiente digital chamam esses propagandistas (é o que eu acredito que sejam) de “webrevolucionários”, “pequeno-burgueses”, sugerem que não tem formação teórica e impacto real na batalha ideológica, ou simplesmente desqualificam completamente a própria ideia de um propagandista de esquerda nas redes. Esse tipo de “argumento” só demonstra o nível de atrofiamento ideológico em nossas fileiras que necessita ser superado com urgência.

A segunda falsa polêmica diz que estes influenciadores estariam por vulgarizar o marxismo, mutilando e desfigurando-o para obter sucesso pessoal rápido. Este argumento, apesar da preocupação inicialmente válida, é permeado por um elitismo que sabota toda a AgitProp. Para notar isso, é preciso responder uma pergunta: o que seria vulgarizar? É simplesmente errar ou seria o reducionismo deliberado? Se for o segundo caso, se for como o senso comum indica, nós estaremos de frente a um obstáculo intransponível, e isso se deve em parte à estrutura que possibilita aos influenciadores digitais terem seu lugar ao sol.

Para além da internet acumular uma quantidade de informação absurda sem qualquer tipo de curadoria, nosso país não só nunca teve uma política real de acesso à leitura como passa por um processo acelerado de sucateamento econômica, e uma das manifestações práticas disso é o sobrecarregamento da classe trabalhadora, e isso torna desejável (talvez até necessário) a figura de um atravessador mais simples. Em um mundo ideal, historiadores como eu iriam se regozijar ao recomendar a leitura de uma fonte primária sobre uma figura histórica em vez de algum filme ou influenciador que fale sob a mesma figura de forma mais sintética, mas infelizmente estamos em um país em que uma tiragem de 50.000 exemplares é significado de sucesso surreal no mercado editorial. Resta, portanto, entender como fazer esta síntese da melhor forma possível. Isto é uma preocupação até anterior à internet, como comprova o famoso apego de Lênin ao vanguardismo que o cinema representava em sua época ou os investimentos do Sindicato de Metalúrgicos do ABC para contratar chargistas de forma a facilitar a crítica social que o sindicato promovia em plena década de 70. Hoje em dia, esse resumo é ainda mais urgente de ser feito não só pela escassez de tempo das pessoas, mas pela arquitetura aceleradíssima das redes sociais, então portanto, ainda que seja impossível resumir plenamente um livro de Marx e Engels a um shorts, é preciso que o façamos com a menor quantidade de sacrifícios possível e, preferivelmente, apelando que o público leia a fonte primária. Se recusar a estar à altura de seu tempo e pensar que qualquer resumo é um matadouro teórico seria nos reservar à irrelevância pela via do academicismo. Novamente, é uma preocupação válida, mas que precisa ser argumentada, e não posta como um argumento que basta em si mesmo.

Por último, há aqueles que se preocupam que, ao entrar no jogo das redes, os propagandistas marxistas estariam perdendo tudo que tem de contestatório e se tornando mais uma mercadoria, como tantas por aí. Já vi esse argumento tanto em um famoso vídeo sobre a participação de comunistas na Comic Con-Experience como em colocações soltas sempre que o status quo parece se apropriar do trabalho de comunistas. e que isso estaria sendo atrapalhado pelo algoritmo  Acredito que esse argumento seja o mais elaborado de todos que eu já vi, mas ele também cai em um beco sem saída.

Marx e Engels, ao rebaterem A Sagrada Família de Bruno e Edgar Bauer, acabam entendendo, na prática, que a política deve ser feita pela via material, ou seja, que o mundo deve ser pensado a partir da interferência prática, e não através do pensamento – uma ideia que seria aprofundada e consolidada n’A Ideologia Alemã. Partindo dessa visão, quando pensamos nossa propaganda no verdadeiro campo minado que é a internet, precisamos entender como ela funciona, entender seus pontos cegos e como tirar partido deste meio de comunicação. Alertar para a perda de uma suposta pureza ao entrar em um terreno que não temos controle acaba por desmobilizar o campo anti-hegemônico e alimenta um vício cristão de infalibilidade, o que além de implicitamente vaidoso, acaba por reduzir ainda mais o nosso campo ao velho círculo de aliados de sempre. No fim, embora uma situação de corrupção, domesticação e autopromoção de propagandistas seja plenamente possível, este medo, da forma como é posto hoje, nada fez pelo campo senão reduzir nosso escopo de situação e, no limite, alimentar um espírito de seita, pura e que não se envolve com as sujeiras do mundo.

Dito tudo isso, é flagrantemente óbvio que o campo marxista na internet ainda tem debilidades grandes demais para serem ignoradas. Pessoalmente, o que mais me salta aos olhos é que o trabalho de propaganda digital ainda é totalmente individualizado, ou seja, a maioria das iniciativas são tocadas por e a partir dos próprios influenciadores, o que acaba por reproduzir as desigualdades de nosso país – não é à toa que a maioria dos que se expõe na internet hoje são homens brancos cis héteros de classe média e sudestinos. Além disso, há de se atentar em formas produtivas em discutir os conteúdos dos propagandistas, o que passa não só em entender quais as maiores necessidades do momento, mas também em dar plena autonomia ao propagandista, visto que esse está totalmente à mercê do algoritmo das redes e, quando muito, do apoio solidário (muitas vezes solitário também) de quem o acompanha.

Pesando tudo isso, é possível já elaborar algumas ideias para nossa AgitProp nas redes. Partindo do pressuposto que a divulgação das ideias marxistas são nossa responsabilidade, o trabalho de divulgação online deve ser assumido pelo partido, acredito eu, através dos comitês regionais (ou comitê local, a depender de nossas pré-teses), pois a dinâmica da internet é rápida demais para se limitar a uma resolução congressual. Assumido o organismo, este deve visar quem consegue lidar melhor com essa tarefa a partir de suas habilidades ou preferências, e se certificar que o trabalho que será proposto segue as diretrizes de nosso Congresso.

Outra coisa importante é pensar como lidar como os propagandistas digitais irão atuar na militância. Primeiro de tudo, seria importante priorizar grupos subrepresentados na internet brasileira, como forma de dar oportunidade e corrigir essa injustiça, até tendo em vista a importante provocação de Galo sobre a estética da esquerda. Mas pra além disso, o propagandista não deve seu transformar seu canal ou página em uma fonte de reconhecimento pessoal, não só porque está submetido ao partido, mas porque necessita de desconstruir a lógica individualista da internet. Por isso, e até pensando nas pessoas que não conseguem acessar a internet satisfatoriamente em nosso país (infelizmente uma realidade ainda muito presente), o propagandista precisa também se inserir em atividades coletivas, como formações, palestras, panfletagens, etc. Como toda tarefa, não receberá apenas direitos, mas também responsabilidades.

Enfim, estas são só algumas ideias sobre o tema, que ainda necessita de muita elaboração em nosso conjunto. Se a atividade digital não é essencial ao sucesso de nossa missão enquanto revolucionários, tampouco é dispensável como um adereço fora da realidade da luta política. Precisamos elaborar muito mais sobre o tema e sobre nossa AgitProp em geral, para além de podcasts ou páginas de Instagram, pois acredito que foi um dos tópicos mais rebaixados de nosso campo por todos os motivos que já expus. Acredito que todo o ciclo do Congresso será excelente para isso.

Camaradas, até a vitória!