'Sobre fofocas e camaradagem… Uma carta a quem optou ficar' (Thandryus Augusto)
É difícil destruir laços de camaradagem, uma vez que ela é fortalecida pelo reconhecimento do Outro em sua completude, e este reconhecimento é também reconhecer a si mesmo enquanto ser humano completa ou completo.
Por Thandryus Augusto para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Fui expulso do LGBT Comunista RJ (sem direito à defesa), no qual fui secretário por quase 1 ano, e com isto eu recebi um retorno importantíssimo que confirma que eu fui um bom camarada: mesmo as pessoas que discordavam de mim vieram falar que sentiam muito, e que a divergência política não significa divergência pessoal. Divergências são… divergências. Em um momento de crise, em um momento de racha, podem ser uma merda (para não economizar palavras), mas vida que segue. As reflexões que a seguir, talvez de maneira um tanto confusa pelo calor do momento, versam um pouco justamente sobre estes momentos, mas também sobre vícios (de organização) e sobre o que é camaradagem.
Quero deixar claro dois pontos, desde já.
Primeiramente, vou me policiar para não falar mal pelas costas de nenhum camarada que esteve comigo por este tempo todo, incluindo as assistências com as quais discordei tanto neste tempo de crise. Se não posso fazer a crítica franca, cara a cara, diretamente endereçada, então a crítica não vai ter de fato efeito algum. Afinal, em uma organização revolucionária, para que serve falar mal de uma camarada ou de um camarada a não ser para discordar e fazer o debate ou para fazer um toque para algum suposto erro ser corrigido? Todas as minhas críticas, na medida do possível, devem chegar nos seus destinatários.
Em segundo lugar, eu desejo do fundo do meu coração sucesso para quem opta por continuar tentando disputar internamente, nas chamadas "devidas instâncias". Me perdoem, camaradas, mas por diversas razões eu não pude acompanhar vocês.
Vou explicar isso um pouco melhor. Para mim, os dois grandes pontos de desconfiança na atual crise partidária são a tal “independência” do governo de Lula, e as expulsões sem direito de defesa. Eu duvidei e muito quando Jones falou que cogitar deixar de ser oposição ao PT (conforme está nas Resoluções) era um ponto de conflito, mas não pude negar a realidade ao ver a nota política do CR-RJ e três membros confirmando que, de fato, o PCB não necessariamente era oposição, e que a “posição do Partido” a tal respeito era “a posição do CC” (e não a do Congresso), até porque (segundo outro dirigente) teria sido impossível a militância ter discutido uma possível vitória de Lula em 2022 se o Congresso ocorreu em… 2021. Parece que o Partido está disposto a seguir uma estratégia dimitrovista.
Minha sensação é que o atual CC pede um salto de fé. Continue nas instâncias corretas, que agora vamos ouvir. Todas as dúvidas são ilusórias, no futuro tudo será melhor. Persista. E eu não fui capaz de dar este salto de fé com vocês.
Mas, apesar disso, acho excelente que ainda podemos trocar mensagens, ter a divergência fraterna e franca, mesmo comigo agora fora do complexo partidário. Eu acho excelente que ainda nos preocupamos com o bem-estar um do outro, que possamos continuar conversando. Construímos o Coletivo juntos a partir de nossa diversidade, reconhecendo nossos pontos fortes. Tenho orgulho que nosso Coletivo sempre pautou a rotatividade do secretariado justamente para tentarmos não gerar nenhuma espécie de “apego ao cargo”, mandonismo, e podendo sempre buscar fazer as pessoas trazerem o seu melhor ao assumirem cargos de direção, descobrindo habilidades que elas próprias poderiam não saber.
Eu descobri muito com vocês. É notório, por exemplo, que quem me conhece antes de ser secretário, por exemplo, diz que eu melhorei na minha capacidade de articular explicações e apresentar ideias mais claras e melhores sínteses no tempo que estive no secretariado. Vocês me cobraram estudar sobre temas que eu tinha pouco conhecimento, pensar em novas formas de fazer as formações, inclusive colocando como objetivo sempre as formações em conjunto para fortalecer os laços entre os diversos coletivos do complexo partidário.
E agora vem o ponto que talvez seja o principal deste texto: vocês ouvirão fofocas. Como eu disse repetidas vezes, eu confio na capacidade de crítica de vocês (inclusive por este motivo defendi lerem os textos do PCB-RR), mas neste texto eu quero aproveitar o gancho para falar de um problema organizativo.
Cada vez fica mais claro para mim que existe um problema no PCB que muitas vezes é avaliado de maneira errada. As “conversas de corredor”, onde militantes se quebram, não são erros individuais. Se uma fofoca maldosa prejudica a saúde mental de outra militante, se um desdenho atrapalha a aliança com outras organizações do campo revolucionário, estes são problemas da organização, especialmente se associado a isto também existir clubismo e uma confusão entre camaradagem e amizade.
Vejam bem: fofoca é um vício organizativo. Fofoca não serve para absolutamente nenhum propósito revolucionário, é falar mal para gerar intrigas. Elas podem sim servir para ajudar em uma disputa política, por exemplo, mas de que serve essa “vitória” para a revolução brasileira? Nossas disputas políticas devem ser feitas com ampla liberdade de crítica, com discordâncias, onde a síntese pode chegar a ser maior que a soma dos dois lados, uma sinergia; quando isto não for possível, ao menos o lado com os melhores argumentos vai estar melhor estabelecido em suas convicções e poder de convencimento porque saímos mais fortes na divergência.
Uma fofoca também pode servir para assegurar um cargo. Oras, quanto a isto não se precisa dizer muito: os cargos são instrumentos e não identidade. De fato, eu diria que apego ao cargo é outro vício pequeno-burguês, baseado na ideologia neoliberal que nos induz a pensarmos que somos o que a gente produz, que somos o cargo que ocupamos, que somos a posição que ocupamos em uma organização.
Fofoca e apego ao cargo são vícios de organização porque agem diretamente contrários ao próprio conceito de centralismo democrático. A existência destes vícios aponta um erro sistêmico que deve ser corrigido na forma Partido, e não apenas individual. Afinal, mesmo as pessoas comunistas estão inseridas na sociedade capitalista e dentro da ideologia dominante, então deve ser esperado que elas também carreguem consigo construções psicológicas vindas de tal ideologia. Agora, a forma Partido deve ser pautada também por uma idealização do futuro, ou seja, deve ativamente servir para a correção destes vícios e para a construção da ideologia da sociedade do futuro também na militância.
Aí entra outro vício também grave: o grupismo. Em linhas gerais, o que estou chamando de grupismo nada mais é que a aproximação por semelhanças e não pela diferença. Esta aproximação pode se dar por interesses acadêmicos, convergências políticas, ou um identitarismo causado por militar em uma mesma organização. Assim, se estamos no mesmo grupo, nós devemos ser semelhantes; se surge uma diferença, as trincas e rachas vão se espalhando pelo grupo até pessoas serem excluídas. E aí elas são as piores pessoas do mundo, sempre tiveram as piores intenções, sempre foram falsas, fracionistas, liquidacionistas… Não é mesmo?
É este o comportamento que infelizmente vemos nas redes sociais com muitas pessoas que são ou foram da militância do PCB. E aí cabe a pergunta: o PCB gera relações saudáveis? Ou as relações são geradas por semelhanças que acabam moldando as e os integrantes dos grupos?
Percebam que o grupismo é o exato oposto da camaradagem. Enquanto o grupismo se aglutina pela semelhança para um mesmo objetivo, a camaradagem se aglutina pela diferença. Camaradas estão lado a lado, baseados em uma relação de confiança na unidade de ação, lutando juntos para atingir um determinado fim. Camaradas não precisam concordar, nem precisam ser amigas ou amigos. É possível que a amizade surja da camaradagem, sim, mas ambas devem ser independentes: o fim da camaradagem não deve implicar o fim da amizade nem vice-versa, nesses casos.
Com grupismo não existe possibilidade nenhuma de centralismo democrático porque a discordância é vista com maus olhares por quem recebe e a pessoa que discorda muitas vezes tem receio ou medo de apresentar a divergência de forma franca. Sem camaradagem não existe centralismo democrático porque não vai existir confiança quando a situação pegar fogo.
É fácil destruir um grupo, uma vez que as relações são, em última instância, frágeis, identitárias e efêmeras. É difícil destruir laços de camaradagem, uma vez que ela é fortalecida pelo reconhecimento do Outro em sua completude, e este reconhecimento é também reconhecer a si mesmo enquanto ser humano completa ou completo.
Infelizmente, diante de toda a movimentação nas redes, talvez tenhamos que refletir se o complexo partidário, na forma como se organiza, favorece mais a construção de camaradagem ou de grupismo. Então peço encarecidamente algo que só é possível em momentos de crise: provemos que fomos (e que talvez ainda sejamos) camaradas!