Sobre as críticas do camarada Ivan Pinheiro
Apenas por meio da polêmica pública um Partido Comunista pode forjar a vitalidade de sua unidade ideológica, retificando desvios e disseminando entendimentos.
“Só as polêmicas na imprensa podem estabelecer precisamente a linha divisória a que me refiro, porque algumas pessoas frequentemente se mantêm inclinadas a ir aos extremos. É claro que a luta na imprensa vai causar mais mal-estar e nos dar algumas boas porradas, mas não somos tão frágeis assim para ter medo de levar porrada! Desejar uma luta sem porradas, diferenças sem luta, seria o cúmulo da ingenuidade, e se a luta for travada abertamente, será cem vezes melhor que o ‘gubarevismo’ estrangeiro e russo, e levará, eu repito, cem vezes mais rápido a unidade duradoura.”
Lênin, “Sobre o papel da polêmica”, 1900
“Naturalmente, a aplicação deste princípio [do centralismo democrático] na prática, por vezes, dará origem a disputas e mal-entendidos; mas somente com base neste princípio todas as disputas e todos os mal-entendidos podem ser decididos de maneira honrada para o Partido.”
Lênin, “Liberdade para Criticar e Unidade de Ação”, 1906
Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
16/03/2025
A Carta de Afastamento Orgânico do camarada Ivan Pinheiro expôs uma série de questões envolvendo a política e a organização do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário desde sua consolidação como continuador do processo de Reconstrução Revolucionária do PCB, em nosso XVII Congresso (Extraordinário). O Comitê Central se reuniu e buscou elaborar diversas reflexões sobre os pontos apontados pelo camarada, não apenas por sua relevância no processo de consolidação de nosso Partido, mas porque são questões importantes para o debate do nosso próprio processo de Reconstrução Revolucionária e dos rumos da luta revolucionária do proletariado. Esse processo envolve o aprofundamento ideológico de nosso Partido e a carta do camarada nos permite aproveitar a oportunidade para fazer avançar em diversas debilidades de nossa construção.
Redigimos essa resposta, portanto, de um ponto de vista fraterno, como devem ser as polêmicas entre os comunistas revolucionários, a despeito das divergências que sustentem entre si. Embora não concordemos com a grande maioria das críticas levantadas pelo camarada Ivan, reconhecemos em sua Carta a mais honesta preocupação em contribuir para a retificação daquilo que considera graves desvios - o que, como desenvolveremos mais adiante, consideramos ser não apenas um direito, mas um dever de todo comunista.
Sobre o “partido movimento” e o partido marxista-leninista
A decisão do XVII Congresso (Extraordinário) do PCB-RR de mudar o nome de nossa organização não foi, em absoluto, da maneira como afirma o camarada Ivan, e isso podem testemunhar todos os militantes que participaram do debate. As questões congressuais várias foram extensamente debatidas na Tribuna de Debates preparatória ao Congresso e também no Plenário do Congresso, com uma discussão que durou mais de duas horas e sucessivas votações para a escolha do nome de nossa organização. A verdade é que, poucas horas depois da votação, o nome PCBR já era visto sem grandes ressalvas pela imensa maioria dos votantes nas demais propostas, pelo simples fato de que, ao longo de toda essa discussão, duas concepções se mostravam avassaladoramente majoritárias: em primeiro lugar, a necessidade de nos constituirmos como Partido Comunista em processo de Reconstrução Revolucionária, não mais como “Movimento em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB”; e, em segundo lugar, o fato de que nenhum dos nomes em voga expressava qualquer desvio político grave, e que a questão do nome era, com efeito, secundária em relação e todos os debates programáticos e organizativos anteriormente travados, não sendo para nenhum militante um divisor de águas em questão de princípios. Nosso Congresso - ao manter sua denominação como “XVII Congresso (Extraordinário) do PCB-RR” e em diversas outras resoluções - expressou com nitidez que nos compreendemos como continuidade do legado iniciado em 1922 com a fundação do PCB e levado adiante nos anos 90 com o início de sua Reconstrução Revolucionária. Em nossa cisão, o CC do PCB ficou com a sigla, mas nós ficamos com aquilo que havia de mais vivo e dinâmico no Partido. Nosso Congresso renunciou expressamente a enveredar por qualquer disputa judicial em torno dessa legenda. Portanto, a adoção do nome PCBR não foi a manifestação da fundação de um novo Partido, mas a alteração de nome do Partido no qual já estávamos militando, o qual fomos capazes de reorganizar através do Congresso, a fim de adentrar um novo estágio de sua Reconstrução Revolucionária (o que segue sendo nossa tarefa).
O camarada apresenta uma visão também equivocada da Resolução 11 de Organização aprovada por nosso Congresso. Se o camarada estivesse correto sobre isso, nenhum Partido Comunista fora do poder ou sem ampla hegemonia entre as massas poderia sequer se chamar “comunista” – haja visto que ser comunista implica exatamente as mesmas coisas que ser revolucionário, se ainda não renegamos nem a primeira nem a segunda concepção. O que o camarada Ivan mistura são, por um lado, uma nomenclatura que melhor distingue o Partido que reivindica o processo de Reconstrução Revolucionária daquele que a abandonou, o velho PCB, e, por outro, um senso de que o Congresso teria “proclamado” a si mesmo como revolucionário – uma terminologia que, se assim fosse tão peremptória quanto diz o camarada Ivan, seria impossível de ser assumida por qualquer organização política que não tenha feito uma revolução, ela mesma.
Afirmar nosso Partido como Comunista Revolucionário, em uma época em que abundam organizações reformistas que se autoproclamam comunistas, significa apenas tomar partido de um campo revolucionário existente no Movimento Comunista Internacional, o campo marxista-leninista. Não significa, como nossas Resoluções Congressuais frisam inúmeras vezes, considerar concluído o processo de Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil (tão pouco quanto o nome PCB, antes, não significava por si só considerar concluído esse processo). Segue plenamente verdadeiro o que dizíamos no Manifesto de 3 de Agosto:
“Nosso compromisso é com a Revolução Socialista em nosso país e no mundo, e com a construção do instrumento político capaz de levá-la a cabo. E hoje, afirmamos sem hesitação, nem a atual direção do PCB, nem nosso próprio movimento em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, estamos à altura dessa tarefa.”
Mas, nesse tocante, a visão do camarada de que era preciso de um “partido movimento” que “não se assumisse fundado” é bastante significativa. Essa visão representaria um passo atrás na constituição do Partido – tanto em suas linhas políticas, quanto em sua própria organicidade – e o próprio Congresso julgou-a incorreta. Qual seria a função de um passo atrás em direção a um “partido movimento” (que o camarada não caracteriza com a profundidade que a defesa mereceria) em detrimento da reorganização na forma de um partido marxista-leninista? A leitura diferenciada do camarada é de que isso faz do PCBR um partido que renega seu processo de reconstrução revolucionária – o que não se vê na realidade, em absoluto. Ao contrário, seguimos nesse processo, compreendendo as diversas debilidades do Partido e seu necessário aprofundamento, tanto ideológico, quanto orgânico, junto às massas proletárias. Nesse aspecto, não podemos concordar com o camarada Ivan. Se hoje, com nossos ainda iniciais acúmulos, já estamos enfrentando grandes dificuldades, superadas apenas na medida em que as forças do Partido se lançam a lutas como a luta pelo fim da escala 6x1, à construção de oposições sindicais ou às disputas no Movimento Estudantil, na medida em que diversos camaradas se envolvem na produção de materiais esclarecedores, como a brochura sobre a jornada de trabalho, dar o passo atrás de “ainda não ser um Partido”, mesmo com a praticamente cristalina transparência de nossos debates e claras posições majoritárias, seria um verdadeiro desperdício de nossas forças. Há organizações que decidem por um processo primeiro mais interno, mais voltado para o esclarecimento ideológico de seus quadros em detrimento do trabalho de inserção no proletariado e nas massas, para só depois irem ao trabalho de agitação, de organização, de propaganda, de formação junto à classe. Não foi essa a escolha que a maioria do Congresso fez – a escolha que fizemos foi de, assumindo a óbvia fragilidade do movimento comunista no Brasil (e no mundo), experimentar essas forças exatamente no contato com a luta de classes, sabendo que é apenas esse contato que pode fazer um partido tornar-se vanguarda do proletariado, desenvolver a hegemonia do proletariado sobre o conjunto das camadas exploradas e oprimidas e dirigir um processo revolucionário.
Essa opção da maioria do Congresso por consolidar nossa organização existente e atuante à escala nacional como um Partido ativo nas lutas de classes se contrapõe à visão do camarada Ivan do Partido como “estuário de um processo franco e respeitoso de debates e de unidade de ação”. O que é ser um “estuário”, nessa situação? O camarada não explica como a construção de um “partido movimento” estaria em consonância com ser um “estuário” – uma visão que, como coloca o próprio camarada, vem de um momento de defensiva total do marxismo-leninismo, que foi o começo da Reconstrução Revolucionária do PCB, em 1992. Compreender o papel dos PCs nos anos 1990, em plena contrarrevolução na União Soviética, e compreender o papel atual do Movimento Comunista, são tarefas bastante distintas.
Isso se estende, inclusive, à questão eleitoral: sabemos da imensurável tarefa que será construir o plano de legalização partidária – para o qual o CC designou, entre outros camaradas, o próprio Ivan – e da importância da participação eleitoral de um Partido Comunista, necessária em épocas de desenvolvimento não-revolucionário da luta de classes a fim de assegurar a independência política do proletariado (que, sem um partido próprio participando das eleições, estará sempre à mercê de apoios críticos ou do “mal menor” da vez). Quando nossos camaradas do PC do México começaram agora um processo de construção de uma plataforma para disputa eleitoral, comemoramos e parabenizamos os camaradas por esse grande salto; o mesmo quando vemos bons resultados eleitorais de partidos como o PC da Grécia (KKE) e o PC da Turquia (TKP). Em nenhum desses casos, julgamos que haja “provável giro reformista” por nós ou qualquer um desses partidos por dar a devida atenção à disputa eleitoral. O que está em jogo aqui não é um entusiasmo reformista com as eleições, mas uma concepção leninista sobre a importância da participação nas lutas eleitorais a fim de promover a independência política do proletariado e a elevação de sua consciência revolucionária. Se, no ano de 2024, fomos forçados a realizar essa participação sem dispôr ainda de uma legenda independente, e se isso nos forçou a uma tática de avaliação caso a caso dos apoios pertinentes ou inaceitáveis, isso apenas reforça a necessidade desse processo de constituição de uma legenda legal.
Se há militantes cujo interesse no PCBR arrefeceu por causa da disposição assumida pelo Congresso de ter o Partido também como alternativa política aos partidos da ordem no cenário eleitoral, não podemos senão lamentar e discutir com profundidade com os camaradas – o que nunca foi negado, em nenhum contato, com nenhuma organização política ou grupo de militantes que nos tenha procurado. Ao contrário: respeitamos as posições das diversas organizações com as quais dialogamos anteriormente ao Congresso e com as quais seguimos dialogando! Poderíamos citar os frutíferos debates e a unidade de ação que se está desenvolvendo no Pará em torno da luta sindical com os camaradas do coletivo Cem Flores; ou a articulação nacional que está sendo feita pelo fim da escala 6x1 e nosso contato cotidiano com a Organização Comunista Internacionalista. Não há qualquer “menosprezo e distanciamento”, mas, ao contrário, disposição em estabelecer pontes e contatos com as mais diversas organizações comunistas “de fato, não apenas em palavras”.
Entendemos que o momento político nacional e internacional, bem como o estágio em que se encontra a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista em nosso país, exigem uma postura ativamente conectada com as massas, uma postura de amplo trabalho junto ao proletariado, e, ainda, uma ação partidária que pense o Partido “de fora para dentro”, isso é, das tarefas apresentadas e demandadas pelo proletariado, de seu movimento espontâneo, partindo de suas formas de consciência atrasadas, para balizar a ação do Partido na elevação da consciência da classe e na retificação dos desvios do próprio Partido. Sem essa ação junto às massas, sem esse esforço de inserção e construção, que milhares de militantes estão fazendo dia após dia, não há que se falar em frente revolucionária ou, como colocou nosso Congresso, em Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista. Não definimos, no Congresso, a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista apenas como uma frente entre organizações e partidos com uma linha revolucionária, mas compreendemos como um processo de unificação de toda a luta operária e popular contra o capitalismo, enfatizando o papel hegemônico que deve cumprir o Partido Comunista no sucesso dessa Frente, ou seja, na Revolução Proletária. Longe de qualquer autoproclamação, isso significa uma compreensão científica de que, sem a direção de uma força de vanguarda completamente comprometida com os interesses objetivos últimos do proletariado, o processo revolucionário não será levado a cabo e seguiremos sob o regime capitalista. Ao mesmo tempo, essa Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista não é ainda um dado do real, mas uma necessidade no curso de um processo revolucionário, e querer antecipar sua organicidade ou sua existência não seria mais do que tentar impôr nossos desejos à realidade. Podemos até chegar a afirmar que não haverá uma verdadeira Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista se as organizações comunistas não saírem de sua defensiva e não se apresentarem diretamente aos embates da luta de classes.
Sobre a polêmica pública e a organização leninista
A visão do camarada Ivan sobre a polêmica pública é um verdadeiro passo atrás também na recuperação da formulação leninista do centralismo democrático que viemos aprofundando nos últimos anos. É um recuo também em relação ao próprio “Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB”, documento que o camarada reivindica.
Diz o Manifesto de 3 de agosto de 2023:
“É por isso que quando, através de um verdadeiro trabalho de recuperação histórica do centralismo democrático leninista, a ala esquerda do Partido passou a erguer a bandeira da organização da polêmica na imprensa partidária, os acadêmicos tentaram relativizar essa mesma liberdade. Tirada de sua expressão negativa e posto em termos positivos, a ausência do centralismo teórico passava a implicar a necessidade de forjar dialeticamente, por meio de uma “literatura” comum, a unidade ideológica partidária. Isso significava elevar a liberdade de crítica a seu patamar organizativo prático na vida partidária – mas isso, para os acadêmicos, significa a consolidação do processo de perda da influência ideológica para os mais jovens militantes do Partido, e, portanto, tratava-se de uma batalha de vida ou morte contra o centralismo democrático leninista. É também no campo das polêmicas de princípio sobre nossa forma organizativa que se expressa em nosso Partido a luta de classes contra a hegemonia pequeno-burguesa sobre o proletariado.
Mas como construir um centralismo efetivamente democrático sem organizar coletivamente as vozes críticas individuais? Sem recepcionar abertamente as polêmicas e, por meio de respostas e debates, convencer ou ser convencido pela militância? Sem manter o partido aberto à autocrítica profunda, como versava o espírito abandonado do XV Congresso? O fato é que enquanto alguns camaradas veem na crítica e na autocrítica um mero meio de desgastar a direção na luta interna, ou uma autoimolação que pode apenas agradar aos nossos inimigos; outros camaradas veem na crítica e na autocrítica um método científico de trabalho, pelo qual avançamos, educamos, convencemos e aprendemos. Enquanto alguns camaradas consideram as polêmicas públicas como desorganizadoras por princípio, outros camaradas consideram-nas pedagógicas e instrutivas, e que seriam tanto mais assim se soubéssemos organizá-las de modo a neutralizar sua explosão espontânea e anárquica, que resultam do cerceamento do debate partidário. Assim, a direção do Partido prefere deprimir o espírito de iniciativa das bases, especialmente no âmbito da produção da comunicação digital, do que organizar-se em um patamar superior para estar à altura das novas tarefas e das novas forças à nossa frente.”
Basta que leiamos os textos de Lênin para compreender como a polêmica organizada na imprensa não se tratava exclusivamente de um “debate interno” como diz o camarada. Lênin inclusive defende, já em 1914 falando do POSDR(b) livre do menchevismo, que “a minoria terá o direito de discutir diante de todo o partido, desacordos com o programa, táticas e organização em um material de discussão publicado especialmente para esse propósito […]”. Dirá, no mesmo ano, também que “Só as pessoas de visão acanhada ou temerosas de que as amplas massas participem da política, consideram improcedentes ou supérfluos os debates públicos e apaixonados sobre tática que se verificam constantemente.” Mais que a imprensa partidária, Lênin trata com serenidade sobre a possibilidade de divergência pública, por exemplo, em assembleias e espaços públicos de discussão e deliberação do movimento de massas:
“A crítica dentro dos limites dos princípios do Programa do Partido deve ser bastante livre (lembramos ao leitor aquilo que Plekhanov disse sobre esse assunto no Segundo Congresso do POSDR), não apenas nas reuniões do Partido, mas também nas reuniões públicas. Tal crítica, ou tal ‘agitação’ (porque a crítica é inseparável da agitação) não pode ser proibida. A ação política do partido deve ser unida. Nenhuma ‘convocação’ que viole a unidade de ações definidas pode ser tolerada tanto em reuniões públicas, como em reuniões do Partido ou na imprensa do Partido.” (Liberdade para Criticar e Unidade de Ação, 1906)
Ou seja: para o centralismo democrático leninista, o que limita a liberdade de polêmica não é a diferença entre o espaço interno e o espaço externo ao partido, ou o meio no qual seja realizada a polêmica: o que limite essa liberdade é tão somente a unidade de ação, de modo que, no curso de uma ação definida, são vedadas as críticas que possam atrapalhar a realização de tal ação não apenas externamente, mas também internamente, e vice-versa.
É preciso também saudar o camarada Ivan Pinheiro por abrir a polêmica publicamente sobre os dramas que enxerga no andamento do movimento comunista brasileiro. Em que pese qualquer divergência sobre o caminho que o Partido deve seguir, o camarada demonstrou com qualidade o papel educador da polêmica pública, com a circulação ampla que dedicou à sua carta. É uma pena que o camarada não tenha enviado essa carta para a Tribuna de Debates, que acaba de ser reaberta, depois do balanço que o Comitê Central do PCBR fez sobre as tribunas preparatórias ao Congresso, e que iniciariam sua publicação no EDC nessa exata semana. Certamente, isso teria contribuído muito mais em fazer dessa polêmica pública uma polêmica organizada, reduzindo o espaço para os desafetos do PCBR que buscam reduzir todo o episódio às troças e zombarias. Mas o próprio fato de que, apesar disso, a polêmica esteja sendo considerada de maneira sóbria e serena por nossa militância demonstra o quanto um partido proletário se fortalece com a educação de sua militância para a polêmica franca e aberta. Enquanto, em partidos sem liberdade de polêmica, a carta do camarada teria sido recebida como um grave ataque, e teria gerado uma postura defensiva das direções e desconfiada das bases; em nossa organização, a carta simplesmente está sendo compreendida como o pontapé em uma discussão de reafirmação de nossos princípios e reavaliação de nossas opções táticas e organizativas. É justamente por sustentarmos essa concepção do centralismo democrático que podemos receber fraternalmente as críticas da carta do camarada Ivan: não com inimizade ou rancor, como tão frequentemente episódio semelhantes são tratados pelas organizações revolucionárias, e sim com uma profunda gratidão não só pelas grandes contribuições que o camarada já deu à nossa organização, mas também por mais essa oportunidade que o camarada nos oferece para o esclarecimento de nossas visões. Como um comunista honesto e genuinamente preocupado com questões que lhe parecem graves riscos à nossa Reconstrução Revolucionária, a crítica pública do camarada Ivan não é apenas um direito seu, mas até mesmo, em certa medida, um dever:
“O dever dos comunistas reside em não esconder as debilidades de seu movimento, mas criticá-las abertamente para livrar-se delas o mais cedo possível e da maneira mais radical.” (Teses sobre as tarefas fundamentais do II Congresso da Internacional Comunista, 4 de junho de 1920)
Necessário dizer que, sim, com efeito, toda polêmica pública que não seja centralizada na imprensa partidária vai refletir as influências desiguais dos quadros que as iniciaram. Esse fato inescapável, sobre o qual discorre o camarada Ivan em sua carta, se prova pelo próprio fato de que, das diversas cartas públicas de afastamento de militantes do PCBR, é justamente a carta do camarada Ivan que mais debates tem ensejado, justamente como um reflexo da credibilidade e visibilidade que o camarada, enquanto quadro, tem. Se desejamos de fato minimizar essa desigualdade de visibilidade que cada quadro individual, inevitavelmente, tem, o único remédio é justamente a organização da polêmica pública pelos meios centralizados da imprensa partidária. Mas essa desigualdade, em si, não existe apenas na polêmica pública, mas também na vida interna de qualquer organização: em uma plenária, em uma reunião ou mesmo em um Congresso, embora todos tenham o mesmo tempo de fala, é evidente que camaradas mais conhecidos e com mais tempo de dedicação à luta revolucionária acabam muitas vezes tendo suas opiniões levadas em consideração com mais facilidade do que camaradas mais jovens, menos conhecidos etc. Os remédios organizativos com os quais buscamos nivelar as condições de qualquer discussão jamais eliminarão em absoluto as desigualdades relativas às trajetórias e ao prestígio desigual de cada quadro.
Em sua carta, o camarada Ivan também menciona as terríveis violações da linha política e da tática do velho PCB realizadas pela ala antileninista do seu CC em 2022 e 2023 e não poderíamos concordar mais! E, no entanto, o camarada deixa de notar que só foi possível combater essa violação porque ele próprio escreveu um artigo denunciando tais desvios publicamente (ainda que não na imprensa partidária, que vedava, como ele defende agora, exatamente essa forma de polêmica). E também no que há de disputa ideológica e de correção dos desvios ainda a serem corrigidos, também essa carta do camarada publicamente apresenta um rumo importante, rumo que já também começamos a produzir com a reabertura de nossas Tribunas. Se acreditamos que a carta do camarada Ivan pode produzir um processo positivo de debate em nossa organização, é precisamente porque nos baseamos em uma concepção leninista do centralismo democrático, que confere amplo espaço (embora não ilimitado) à polêmica pública que não viole nossa unidade de ação.
Não podemos deixar de reconhecer, também, o erro do Comitê Central, e particularmente da Comissão Política Nacional, ao deixar de responder à carta do camarada Ivan quando do seu afastamento do CC. Em nosso Estatuto, está consolidado, no Artigo 3º, parágrafo 1º, que “todo militante tem o direito de encaminhar correspondência aos organismos superiores e de receber respostas a essas correspondências”. Se isso é verdade para qualquer organismo partidário, é ainda mais verdadeiro para os militantes membros do próprio CC, como era o camarada até aquele momento. Nos últimos meses, temos buscado sanar esse problema e responder toda correspondência enviada ao CC por todos os militantes e organismos – mas ainda não estamos fazendo isso a contento. Com efeito, embora tenhamos destacado uma camarada da CPN para responder a referida carta e manter diálogo com o camarada Ivan, reconhecemos agora a insuficiência desta medida. Teria sido não só desejável, mas preferível, uma resposta coletiva e oficial – como forma não apenas de reconhecer coletivamente as críticas pertinentes do camarada como, também, como forma de sistematizar as divergências existentes. Vale destacar, no entanto, que ainda que não tenhamos respondido coletivamente à carta do camarada Ivan, absorvemos um conjunto de suas críticas e reconhecemos diversos dos erros apresentados pelo camarada. Um exemplo disso é a reformulação de nosso Manual de Recrutamentos de novos militantes para o Partido, corrigindo o desvio do contato virtual excessivo e de uma abordagem puramente quantitativa.
Portanto, estamos firmemente convencidos de que é justamente essa concepção do centralismo democrático que poderia servir não só ao camarada Ivan, mas a todo comunista organizado, como garantia de “estímulo e confiança para seguir lutando no PCBR em defesa dos seus princípios”. É justamente o princípio da unidade de ação combinado ao princípio da liberdade de crítica que pode permitir, simultaneamente, a construção de uma poderosa ferramenta que unifique nossas forças para a luta ao mesmo tempo em que permite que as visões minoritárias não sejam ocultadas ou esmagadas. É justamente essa forma organizativa leninista que nos permite (já como Partido, sem regredir à condição de um “movimento por um Partido”) assegurar “um processo franco e respeitoso de debates e de unidade de ação”, o que o camarada Ivan reconhece como uma necessidade candente do movimento comunista brasileiro.
Sobre as táticas do PCBR desde o XVII Congresso
Do mesmo modo, consideramos que as visões do camarada Ivan em matéria de tática eleitoral padecem de equívocos. Em primeiro lugar, é errôneo dizer que nosso Partido deu atenção excessiva às eleições de 2024. Em verdade, em nosso balanço nacional, acreditamos que os Comitês Locais do Partido deixaram de aproveitar plenamente, na grande maioria dos casos, esse momento para promover uma ampla agitação entre as massas em torno de nossa Plataforma. Mesmo assim, contudo, consideramos que nosso trabalho de propaganda e agitação em torno da referida Plataforma foi suficiente para posicionar nosso Partido, ao longo de todo segundo semestre de 2024, como uma das forças reconhecidas pela importância que conferimos à luta pela redução da jornada de trabalho, pelo fim da escala 6x1 e por uma série de outras bandeiras de luta da classe trabalhadora. Mas, em nenhum caso, nossa atuação se pautou por acordos oportunistas ou por qualquer rebaixamento programático.
O fato de que uma edição do jornal tenha se voltado a apresentar nosso ponto de vista e nossos prognósticos sobre as eleições de 2024 não pode levar à conclusão de um excesso de prioridade. Ao contrário: não abordar em nosso jornal o principal acontecimento político no Brasil do segundo semestre de 2024, as eleições, equivaleria a uma demonstração de incompreensão do significado desse momento político para a disputa da consciência das massas, e significaria, com isso, uma flagrante violação de nossas Resoluções Congressuais. Ao contrário do que o camarada Ivan parece dizer, é precisamente o dever do Partido Comunista, intervindo nas eleições em um quadro de predomínio ideológico do oportunismo, não se furtar a desenvolver a agitação e a propaganda de seu Programa ao mesmo tempo em que diz, em alto e bom som, o quão pouco espera que o processo eleitoral traga qualquer mudança significativa para a vida dos trabalhadores! É plenamente correta a crítica de que a primeira edição do jornal O Futuro deveria ter dado mais destaque ao Congresso do Partido. Mas a raiz desse equívoco certamente não está no destaque dado à nossa posição sobre as eleições.
Em nossa avaliação (e o jornal O Futuro tem sido pautado por isso desde sua fundação), um dos objetivos principais de um jornal partidário é constituir um dirigente ideológico que leve as posições do Partido para o conjunto da classe. O primeiro número, já buscando intervir diretamente na disputa eleitoral, cumpriu bem esse papel, assim como também denunciou os ataques do governo Lula-Alckmin, explicou as greves em curso no país, agitou a luta contra a criminalização do aborto, denunciou a crise ambiental promovida pelo agronegócio, a situação da luta da Palestina e expôs uma avaliação sobre a conjuntura da Venezuela, prestando a solidariedade ao Partido Comunista da Venezuela, que segue sofrendo com a perseguição do estado e do governo do PSUV.
É claro que isso tampouco é uma posição de princípio: pode haver conjunturas de ascenso revolucionário de luta de massas em que a luta eleitoral deva ser totalmente secundarizada em prol de movimentos e ações extraparlamentares e extra-eleitorais. Mas, como já mencionamos, o PCBR não tem qualquer posição de princípio de abstencionismo eleitoral ou de rechaço à participação nas eleições burguesas. Sem que haja tribunos do povo, absolutamente comprometidos com nosso Programa e com nossa linha política, também no Parlamento seguirá muda a voz do proletariado, dificultando às massas proletárias sua diferenciação política e sua constituição como força independente contra o próprio Parlamento.
Era preciso intervir anunciando o quanto o cenário eleitoral seria absolutamente desfavorável para a classe trabalhadora – o que se comprovou tanto em seu andamento, quanto em seus resultados. Deixamos muito claro isso desde o primeiro momento, quando apontamos que:
“As eleições de 2024 ocorrem após dois anos de aprofundamento de políticas neoliberais por parte do governo federal petista, que não apenas vêm dando base a uma postura crítica ao governo em meio às massas populares, como também (na ausência de uma alternativa política revolucionária com enraizamento em meio à classe trabalhadora) têm dado novo fôlego à extrema-direita. Mais uma vez, a única coisa que o campo democrático-popular terá a oferecer nas eleições será a agitação liberal contra os reacionários, embora a política econômica comum a ambos seja justamente aquilo que fortalece a reação em detrimento do campo democrático-popular.” [“Nota Política: A Plataforma Municipal do PCBR nas eleições de 2024”, 17 de julho de 2024]
Isso, combinado ao fato de que o PCBR não dispunha e não dispõe ainda de registro eleitoral para lançar candidatos às eleições, trouxe a tarefa ainda mais difícil de estabelecer, no curso das lutas, qual caminho julgávamos correto ou incorreto a ser seguido pelo conjunto da classe trabalhadora, particularmente por seus setores mais avançados. Por isso, estabelecemos, como em nossa Plataforma Municipal, os pontos programáticos balizadores de nossa intervenção e dos apoios eleitorais que faríamos. Mas sobre os apoios eleitorais, também o camarada Ivan se equivoca. Em primeiro lugar, porque o encaminhamento do Pleno do Comitê Central foi de delegar à CPN que sintetizasse pontos que ficaram pendentes do debate, dentre os quais os apoios a candidatos dos quatro partidos mencionados pelo camarada Ivan (PT, PCdoB, PSB e PDT) era política e programaticamente condicionado ao vínculo orgânico com as lutas de classes:
“Em pequenas cidades e regiões agrárias, onde muitas vezes organizações como PSTU, UP, PCB e PSOL sequer existem, avaliação cuidadosa deverá ser feita sobre a possibilidade de apoio crítico a candidaturas dos partidos da esquerda liberal (PT, PCdoB, PSB e PDT) que sejam expressão orgânica da luta de movimentos sociais e populares na realidade municipal específica. Em nenhum caso será permissível, no entanto, o apoio aos partidos da direita.”
Mesmo com essa definição precisa, os apoios eleitorais foram realizados todos sob análise da CPN, com critérios programáticos como balizas. Essas análises caso a caso conduziram a algo extremamente significativo, e que é bastante prejudicial que o camarada Ivan não coloque nitidamente: em nenhuma cidade essa resolução foi levada a cabo em sua plenitude. Em nenhuma cidade foram apoiadas candidaturas do PSB, do PDT e do PCdoB[1] para as prefeituras ou Câmaras Municipais. Em nenhuma cidade as candidaturas petistas para as prefeituras foram apoiadas em primeiro turno, e apenas seis candidatura petista à vereança, ligadas aos movimentos populares locais, foram apoiadas em todo o país - em Palhoça (SC), Mossoró (RN), Rio Branco (AC), Assis (SP), Arcoverde (PE) e Campinas (SP).
Apenas em seis ocasiões, nos segundos turnos, apresentamos nosso apoio unilateral ao reformismo (PT e PSOL) contra a extrema-direita. Em praticamente todas as localidades, nossos apoios se concentraram nas candidaturas do PSTU, da UP, do PSOL e do PCB. Portanto, há um patente exagero nas posições do camarada Ivan, nesse tocante, quando fala de um “um provável giro reformista na linha política”. No entanto, é necessário estabelecer uma autocrítica do Comitê Central por não ter divulgado tempestiva e amplamente a lista consolidada dos apoios eleitorais.
Vale ressaltar, além disso, o equívoco do camarada Ivan ao dizer que a Plataforma “incluía propostas que só poderão ser conquistadas através de revolução”. Na verdade, não apenas todos nossos debates programáticos congressuais (que distinguiram claramente quais são as bandeiras que podem ser ser conquistadas pelo proletariado, mesmo que a duras penas e sob grande esforço de luta, ainda no capitalismo, e quais bandeiras só poderão ser alcançadas com a tomada revolucionária do poder de Estado e com a reorganização socialista da sociedade) como, em especial, os debates do CC na preparação da Plataforma Eleitoral, sempre se distanciaram da concepção que se assenta especialmente em “pautas que só poderão ser conquistadas através da revolução”. Se é verdade que sim, nosso Programa, em sua parte final, aborda diretamente aquelas pautas que apenas poderão ser obtidas por meio de uma revolução proletária; também é verdade que todo nosso programa apresenta demandas que, em maior ou menor grau, podem ser realizadas pela luta da classe trabalhadora ainda sob o capitalismo. Versa nosso programa:
“A maior parte dessas medidas é realizável mesmo dentro dos limites da sociedade capitalista. Em seu conjunto, contudo, apontam necessariamente para a transição rumo a uma nova sociedade sob controle dos trabalhadores, uma sociedade socialista. Por isso mesmo, são exigências capazes de conectar as lutas imediatas e cotidianas à luta revolucionária pela reorganização socialista da sociedade. Não esperamos que qualquer poder burguês aprove mesmo a mais tímida dessas medidas, a menos que esteja sob a pressão ameaçadora do movimento de massas. É por isso que, mesmo nas lutas imediatas, o proletariado não pode baixar suas bandeiras revolucionárias, ou deixar de apontar que apenas uma revolução social pode resolver os profundos dramas da humanidade de maneira abrangente.”[2]
No caso da Plataforma, então, não havia uma medida sequer entre os seus 14 pontos que “apenas pode ser conquistada por meio da revolução” – justamente porque seria uma incoerência absoluta por parte de um partido revolucionário pretender, em uma Plataforma Eleitoral, tratar daquilo que apenas uma revolução pode obter! Por isso mesmo, nossa Plataforma nunca se furtou a afirmar o quão limitado, e ainda assim importante, é aquilo que se pode esperar das lutas eleitorais ou parlamentares, e de que modo essas lutas devem apresentar uma perspectiva ofensiva proletária que se conecte às lutas de massas no sentido de elevar o grau de organização e consciência revolucionária dos trabalhadores.
Mas se precisamos discorrer, nesta nota, tanto sobre a nossa tática eleitoral, isso ocorre não por predileção nossa, mas pelo fato de que é a própria carta do camarada Ivan que deixa de comentar sobre toda a atuação do Partido fora do período eleitoral - notadamente, desde o fim das eleições, em torno da luta pelo fim da Escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho. Tendo, ao longo de todo o período eleitoral, agitado em torno deste tema, o Partido lançou-se, logo após o fim dos segundos turnos, à tarefa de fazer reverberar entre os trabalhadores essa bandeira.
Desde o mês de novembro, em cuja primeira quinzena surgiu novamente no debate público o rechaço popular à escala 6x1, o Partido tem lançado todas as suas forças a esse combate tão importante e tão inquestionavelmente conectado com o proletariado, em particular com as camadas com condições de vida e trabalho mais precárias. Fomos, sem dúvida, um relevante impulsionador, junto a outras organizações, das manifestações que correram o país no 15 de novembro e, tão logo quanto possível, demos início a uma articulação entre organizações políticas socialistas e proletárias para reforçar a regularidade e a organicidade desse movimento, o que desembocou no 2º Dia Nacional de Mobilização pelo Fim da Escala 6x1 e pela Redução da Jornada de Trabalho, em 20 de dezembro. Essa articulação, diga-se de passagem, é a mais viva prova da nossa disposição à construção, por meio da unidade de ação, da Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista, uma vez que é composta quase que exclusivamente pelas organizações marxistas que se dispuseram a, apesar da apatia reformista, levar adiante a luta pela redução da jornada de trabalho.
O Partido empenhou ainda mais esforços em construir a 1ª Plenária Nacional pelo fim da escala 6x1, em 25 de janeiro, que aprovou e construiu o 3º Dia Nacional de Mobilização ainda em fevereiro, com o mês de março dedicado à construção e consolidação de comitês, uniões, associações e outros órgãos de unidade de ação em todo o país nessa luta. Enquanto Partido organizado à escala nacional, promovemos (ao lado de outras organizações) ações em quase 60 cidades de todo o país, demonstrando não só o enraizamento crescente de nossa organização, mas nosso compromisso com a luta de classes do proletariado. E, no entanto, a transposição correta do foco nas eleições para o foco nas lutas do proletariado por suas condições de vida e trabalho, em que não apenas buscamos conquistar essa pauta, mas elevar a consciência e a organização da classe trabalhadora, é um elemento ausente nas considerações críticas do camarada.
Sobre a agitação e a propaganda partidária
No que diz respeito à agitação e à propaganda digital, que é um dos braços de nosso trabalho de comunicação e de conexão com o proletariado (considerando que já temos há mais de um semestre um regular e bem-sucedido trabalho com o Jornal O Futuro, além do início das publicações de brochuras propagandísticas, como a sobre a redução da jornada de trabalho), o camarada Ivan levanta pontos importantes. Contudo, como já demonstramos, a visão do camarada sobre o centralismo democrático difere completamente dos acúmulos a que chegamos no XVII Congresso (Extraordinário). Não há qualquer “licença tácita” ao camarada Jones – há um direito consagrado em nossas Resoluções, que afirmam:
“§13 O centralismo democrático é o princípio basilar de organização de um partido comunista, marxista-leninista, para construir a revolução socialista. A mais ampla liberdade de crítica (inclusive por meio de polêmica pública, principalmente organizada através de nossa imprensa oficial) e a unidade de ação não são antagônicos, mas são pilares fundamentais do centralismo democrático.”
No Congresso, uma divergência significativa emergiu acerca desta questão. Mas as vozes absolutamente contrárias à existência de uma polêmica pública foram bastante minoritárias. A controvérsia concentrou-se, na realidade, em um trecho do parágrafo acima: deveria a polêmica pública ser “principalmente organizada através de nossa imprensa oficial” ou “exclusivamente organizada através de nossa imprensa oficial”? Tendo prevalecido a primeira visão, é evidente que as margens dessa polêmica pública foram sensivelmente dilatadas. Podemos considerar que isso tenha sido um equívoco, e que dificulte nosso processo de centralização dos esforços na construção de um veículo de imprensa partidário unificado (como também ditam nossas Resoluções). Mas fato é que a concepção que prevaleceu majoritariamente no Congresso consagra uma licença expressa, não tácita, para que não apenas os influenciadores, como denomina o camarada Ivan, tenham “total liberdade para expressar publicamente suas opiniões contrárias às posições coletivas” mesmo fora da imprensa partidária. Não há que se falar, portanto, em “centralismo seletivo, portanto antidemocrático”, ou em militantes “intocáveis”: nosso Congresso estabeleceu com nitidez a baliza limítrofe dessa liberdade de polêmica como sendo a unidade de ação (em oposição à unidade de opinião concebida monoliticamente), de modo que a liberdade de divergência pública encontra sua barreira na medida em que se configure como um boicote por meio da agitação a uma ou outra ação definida que esteja em curso — prática essa em que o camarada Jones nunca incorreu interna ou externamente ao Partido.
É direito, portanto, de todo e qualquer militante expressar individualmente suas posições, mesmo que divergentes das do Partido, principalmente se isso for feito na imprensa partidária. Toda a acusação de omissão, pusilanimidade e oportunismo do camarada à CPN se baseia no não reconhecimento do caráter estatutário dessa liberdade que, como é cristalino em nossas Resoluções, decorre dessa divergência que o camarada tem com o centralismo democrático tal e qual viemos acumulando desde o Manifesto de 2023 e como foi consolidado em nosso Congresso. Não se trata, então, de conferir uma “licença a alguns de seus membros, sobretudo ao mais famoso e influente”, para a divergência pública: trata-se de um direito geral de nossa militância, cuja regulação prática, na medida em que possa ou não violar nossa unidade de ação, só pode ser aferida concretamente, caso a caso. Como dizia Lênin:
“Naturalmente, a aplicação deste princípio [do centralismo democrático] na prática, por vezes, dará origem a disputas e mal-entendidos; mas somente com base neste princípio todas as disputas e todos os mal-entendidos podem ser decididos de maneira honrada para o Partido.”
Disso decorre, portanto, que é bastante injusta a declaração do camarada Ivan que atribui uma postura leniente à direção coletiva e, correlatamente, atribuiu ao camarada Jones sentir-se, diante dessa suposta leniência, “cada vez mais à vontade para escancarar e escalar publicamente suas divergências com o partido”, bem como as insinuações que daqui decorrem, buscando explicar essa postura do camarada Jones com base em “projetos eleitorais” ou com insinuações de carreirismo. Tomando como exemplo o tema escolhido em destaque pelo camarada Ivan, a posição do PCBR sobre a formação social chinesa, é necessário compreender que nossas resoluções não impedem qualquer militante de sustentar, pública e individualmente, uma visão distinta, seja ela menos ou mais crítica à China do que a consagrada em nossas Resoluções. O que as Resoluções balizam, nesse tocante, é qual a postura política que deve pautar nossos documentos partidários; qual compreensão deve balizar nossas aproximações ou distanciamentos em relação a outros partidos proletários nacional e internacionalmente; qual visão deve se expressar em nossa imprensa partidária etc. Não se trata, aqui, de proibir militantes individualmente de sustentar visões que coletivamente julgamos equivocadas, sejam elas visões que, ao contrário de nossas Resoluções, idealizem o socialismo chinês; sejam elas visões que, também diferindo das nossas Resoluções, consideram já plenamente restaurado o capitalismo na China.
Assim, é por motivo diametralmente oposto ao que coloca o camarada Ivan que reafirmamos o que dizem nossas Resoluções:
“§32 Aos militantes que já têm destaque político individual dentro das redes sociais, esses devem ter seus conteúdos submetidos ao Partido, de modo a intensificar e centralizar nossas ações. Além disso, deve-se centralizar e sistematizar os acúmulos já existentes de ocupação do espaço virtual para o fomento de novos comunicadores e propagandistas virtuais orgânicos do Partido.
§33 Por outro lado, é preciso confrontar as tendências espontâneas à displicência, à arrogância e ao individualismo que surgem nesses meios: a militância comunista precisa combater a inconsequência e o liberalismo recorrentes no uso de tais formas de comunicação de massas.”
Não se trata, aqui, de uma vedação à polêmica pública: trata-se de cada vez mais coordenar de maneira centralizada e unificada os esforços comunicacionais de nossos militantes, mesmo na medida em que possam abrir margem à divergência de opiniões. É exatamente por isso que, em reunião extraordinária do Conselho Editorial, em dezembro de 2024, o Conselho ouviu e avaliou a proposta do camarada Jones de transformar seu canal em um portal de notícias. Naquela ocasião, o próprio camarada reconheceu o erro de lançar publicamente sua iniciativa antes de levá-la ao Conselho e pudemos, coletivamente, deliberar os andamentos editoriais da mesma. A decisão do Conselho Editorial foi, portanto, de que o portal de notícias a ser publicado no canal do camarada Jones teria sua linha editorial como um desdobramento da linha do próprio Conselho Editorial e, por consequência, da linha do Partido. Sem significar uma vedação a priori à divergência, ou mesmo à colaboração com publicistas e comunicadores com linhas política distintas da nossa própria, o Conselho ainda assim se preocupou em assegurar que, em todo caso, fosse garantido pelo menos espaço à posição do Partido, permitindo que cada desvio político dos entrevistados fosse subsequentemente criticado no mesmo espaço do canal por quadros de nossa própria organização.
Na reunião do Conselho Editorial de 2 de fevereiro, realizamos o balanço do 1º mês do Manhã Brasil. Nessa reunião, já durante o balanço, o Conselho Editorial debateu e criticou amplamente a presença de posições oportunistas e reformistas como voz única no programa, particularmente o caso de Elias Jabbour (PCdoB) e sua análise sobre a China e os BRICS; o caso de Breno Altman (PT) e sua análise sobre a Venezuela; e Hugo Albuquerque e sua análise sobre o México e o governo reformista de Claudia Sheinbaum. Isso não significa bloquear os debates públicos com figuras reformistas, que podem ser frutíferos para elucidar as diferentes posições dentro do amplo campo da “esquerda”; mas, para o CC do PCBR, mesmo um trabalho jornalístico baseado em entrevistas pode dar a si o próprio o papel de também trazer aos entrevistados o contraditório — ainda mais quando este “contraditório” são acúmulos do Partido que mostram como as posições destas figuras jogam contra a classe trabalhadora. Nos três casos, as posições apresentadas (sem contraponto) são posições das quais o Partido discorda e que busca combater cotidianamente no conjunto do movimento dos trabalhadores. Essas três posições reforçam uma leitura de um “anti-imperialismo” completamente marcada pelo etapismo e pela escolha por modelos de gestão do capitalismo ou da restauração capitalista que desarmam o proletariado, brasileiro e internacional, para o desenvolvimento de uma consciência de classe independente e para a luta revolucionária pela tomada do poder em seus próprios países. Concordamos com o camarada Ivan sobre os problemas ensejados pela presença de tais figuras e, principalmente, de posições desse tipo no programa Manhã Brasil sem qualquer contraponto, o que contraria a deliberação do Conselho Editorial do Partido. Aqui reside, sem dúvida, a mais pertinente e adequada preocupação externada pelo camarada Ivan em sua carta. A segunda aparição de Elias Jabbour, por exemplo, não foi comunicada ao Conselho Editorial, de modo que fosse possível propor uma voz de contraponto à posição oportunista de Jabbour (posição essa que se expressa não só à escala das questões internacionais, mas também nacionalmente, por meio de suas relações orgânicas com o governo direitista de Eduardo Paes) ou sua vedação. Erros desse tipo devem ser corrigidos sem demora a partir do estreitamento das ligações entre o Conselho Editorial e o programa Manhã Brasil. A menos que encontremos formas mais orgânicas e coletivas de estabelecer tais ligações, tal responsabilidade permanecerá exclusivamente concentrada sobre o próprio camarada Jones, que será, portanto, exclusivamente responsabilizado por erros deste tipo - cabendo, portanto, a crítica ao camarada nesse tocante.
Esse erro do camarada Jones certamente não diminui os erros do próprio Conselho Editorial, que veio debatendo inúmeras formas de apresentar com mais consistência, pelos meios da imprensa partidária, sua própria visão e acompanhamento da conjuntura. Voltados ao longo de todo último período à consolidação de nosso jornal impresso, dedicamos pouca atenção à preparação para a intervenção partidária pelos meios audiovisuais. Nesse âmbito, as condições organizativas e econômicas são, ainda, um grande empecilho para um trabalho permanente, diário, de formulação editorial e intervenção política na conjuntura pelos meio virtuais. A fim de começar a sanar tais debilidades, deliberamos pela construção de um programa semanal a ser veiculado conjuntamente no canal do YouTube do Partido e no canal do camarada Jones, a “Hora do Futuro”, mas essa iniciativa ainda não saiu do papel. Além de uma série de desafios de organização e estrutura, sobretudo financeira, também a preparação e formação dos quadros partidários para debater os mais diversos temas pertinentes à luta do proletariado ainda estão muito aquém do necessário. Se desejamos que nosso Partido não seja dependente apenas daqueles quadros que se lançam ao trabalho de comunicação por iniciativa própria, precisamos cada vez mais dedicar esforços à capacitação e alocação de quadros para tais tarefas. Vale destacar também que o reconhecimento do erro supracitado não não exclui o reconhecimento de que o camarada Jones tem contribuído para garantia dos espaços do Partido em seu canal, como a apresentação das edições do jornal O Futuro no programa Manhã Brasil, a participação de nossos quadros em entrevistas e debates avaliados como prioritários e nossa presença em cursos de formação oferecidos pelo canal.
É apenas a clareza de que o trabalho de imprensa levado a cabo por todos os militantes deve apresentar as análises e as posições majoritárias do Partido que permite, alternativamente, que se possa apresentar também as posições minoritárias e manter vivo o centralismo democrático – não apenas como método de unificação na ação, para o qual qualquer centralismo serve, mas para expor, denunciar e extirpar todos os desvios de direita ou de esquerda que possam temporariamente encontrar morada em nosso Partido. Vale destacar: essa mesma liberdade de crítica para os camaradas que sustentem visões minoritárias encontra seu correlato e seu remédio na própria liberdade polêmica, que também permite ao conjunto do Partido a permanente crítica de tais visões. Vale aqui, em certa medida, aquilo que Lênin apregoava a respeito da fiscalização da atuação da fração parlamentar por parte do conjunto do Partido:
“Mas há outros erros: os desvios de linha política do partido. Uma vez que estes desvios tiveram lugar e incorreu neles uma organização que atuava abertamente em nome de todo o partido, o partido estava obrigado a dizer com clareza e exatidão que tinha havido desvios. Na história dos partidos socialistas da Europa ocidental têm existido em mais de um caso relações anormais entre as frações parlamentares e o partido; até agora, nos países latinos, estas relações são com frequência anormais, as frações parlamentares não estão suficientemente colocadas sob o controle do partido. Devemos colocar desde o primeiro momento de um modo diferente a tarefa de criar na Rússia um parlamentarismo social-democrata e empreender imediatamente um trabalho coordenado neste sentido, para que todo deputado social-democrata sinta realmente que tem por trás o partido, que o partido se inquieta por suas faltas e se preocupa por dirigi-lo pelo bom caminho; para que todo militante participe do trabalho geral do partido relacionado com o Parlamento, aprenda com a crítica marxista de cada uma das atitudes da fração, compreenda que seu dever é ajudá-la e se esforce por conseguir que a fração subordine sua atividade específica a todo o trabalho e propaganda e agitação do partido.” (A caminho, 28 de janeiro de 1909)
“Que na imprensa e nas assembleias do partido se analisem com a maior atenção os discursos dos parlamentares do ponto de vista de sua firmeza comunista”. (Teses sobre as tarefas fundamentais do II Congresso da Internacional Comunista, 4 de junho de 1920)
É nesse terreno, e em especial por meio de nossa Tribuna de Debates pública, que a militância comunista pode e deve criticar, de modo permanente, as posições e ações de nossas “figuras públicas”, bem como de qualquer organismo e militante partidário. É nesse espírito também, além das eventuais medidas administrativas e organizativas, que entendemos o desafio da centralização, cada vez maior, de nossos propagandistas e agitadores, do conjunto dos quadros e militantes do Partido: não como algo dado a priori, burocraticamente, por meio do cerceamento das opiniões dos militantes, mas como o produto de um processo de contínuo esclarecimento e definição de posições, que só pode se dar pela avaliação científica, sobre as bases do marxismo-leninismo, de cada passo que dermos na luta de classes.
Nesse sentido, reforçamos nossas saudações fraternas ao camarada Ivan, deflagrador dessa importante controvérsia, bem como nosso convite a toda a militância partidária para que opine em nossas Tribunas de Debate sobre os temas levantados e critique, constantemente, tudo aquilo que julgue como desvios e limitações em nossa comunicação pública e de nossos militantes. É apenas assim, por meio do debate permanente, que um Partido Comunista poderá forjar a vitalidade de sua unidade ideológica, retificando desvios e disseminando entendimentos. Temos plena convicção de que é precisamente por meio desse método centralista democrático da permanente crítica e autocrítica (educativamente exposta às vistas dos setores mais avançados do proletariado) que poderemos estimular a confiança de cada vez mais marxistas-leninistas a aderir ao caminho que o PCBR propõe para a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista em nosso país. Seguiremos abertos aos debates e construções com o camarada Ivan, bem como com todos marxistas-leninistas desejosos de construir um Partido Comunista brasileiro capaz de unificar todas as forças revolucionárias do proletariado na colossal tarefa de levar a cabo a revolução socialista brasileira. Essa é a tarefa colocada a todos nós e, com efeito, a prática será sempre o critério da verdade. Estejamos à altura dos nossos desafios e sigamos na luta.
[1] Vale destacar que, no único lugar onde o apoio ao PCdoB foi aventado (Jaboatão dos Guararapes), ele não se concretizou.
[2] Vide: Aula 5: O Programa do PCBR | Curso Básico de Formação | Módulo 1