'Sobre a UNE e o movimento de massas no ME universitário' (Gustavo Soares de Souza)
Acredito sim que devemos continuar disputando a UNE e outras entidades gerais que possam estar sob controle da social democracia hoje, mas devemos mudar radicalmente o que entendemos por disputa, sem medo de represálias. A única represália verdadeiramente prejudicial a nós é a des estudantes.
Por Gustavo Soares de Souza para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, esta tribuna visa responder e continuar o debate da tribuna “Por um balanço crítico da nossa atuação na UNE” mas também a essa discussão espalhada já no nosso meio de se devemos disputar a UNE ou não.
O primeiro ponto que gostaria de responder é uma concepção limitada de poder popular que o camarada Bruno apresenta em sua tribuna, segue a definição apresentada e seu questionamento a partir dela:
“Camaradas, nosso caminho para a revolução é a construção do poder popular: a construção de estruturas políticas controladas pela classe trabalhadora através das quais ela detenha o controle sobre cadeias produtivas em territórios sob sua jurisdição e possam efetivamente decidir sobre os rumos políticos desse território. Em que a disputa da UNE nos faz avançar nesse caminho?”
A concepção apresentada aqui é limitada porque compreende poder popular exclusivamente como órgãos de uma democracia administrativa, controle da classe trabalhadora sobre um território e sua produção. Esse é um estágio avançado do poder popular que com certeza deve estar no nosso programa e no nosso horizonte estratégico de construção do socialismo, mas eu pergunto camaradas: um sindicato que organiza uma greve que é capaz de retroceder um ataque da burguesia, trazer melhores salários ou até passar uma lei em interesse dos trabalhadores; não é também um órgão de poder popular? Assim como uma frente de massas, não ligadas tão diretamente à produção, mas que consegue organizar uma luta contra um aumento de passagem de ônibus ou pelo passe livre, não é também um órgão de poder popular? Pois é exatamente nesse sentido que a disputa pela UNE pode nos levar mais próximo desse objetivo. Isso porque o poder popular é construído a partir das lutas da classe trabalhadora, ensinando pela experiência da luta de classes modos de organização da vida social, não é uma simples proposta de organização alternativa ao capitalismo, mas uma construção no seu interior.
A UNE teve outrora um papel muito importante na luta de classes brasileira, a campanha do petróleo é nosso e a resistência à ditadura não são frutos apenas de uma organização mais consequente, mas também de uma condição política do movimento estudantil de ser um potencial movimento de massas que pode tomar a dianteira das lutas proletárias a depender de sua organização. Essa condição política é mais bem explorada por Ruy Mauro Marini em seu texto “Os movimentos estudantis na américa latina” do que eu tenho tempo de debater aqui, recomendo demais a leitura aes camaradas que não conhecem. Se hoje a UNE tem o papel pelego que tem, não é por conta de sua estrutura, embora essa seja sim um problema, mas é simplesmente um reflexo de que toda a esquerda brasileira é hegemonizada pelo campo democrático-popular petista. É nosso trabalho reverter esse processo sem se abster das lutas nas quais essas entidades dominadas pela social-democracia estão envolvidas ou de disputá-las.
Uma outra questão desse debate, camaradas, é que se vamos ser leninistas na nossa concepção de estratégia socialista para o Brasil, precisamos ter em mente que a prioridade da nossa organização deve ser construir a luta proletária a nível nacional. Não podemos achar que as diversas lutas locais, sejam quão bem sucedidas forem, vão se aglutinar espontaneamente e avançar ao socialismo; essa síntese deve ser guiada por uma organização bem estruturada e sob a hegemonia do proletariado. A nível de movimento estudantil nós precisamos de uma organização como a UNE, bem diferente da que existe hoje, concordo, mas ainda assim. Se vamos deixar de disputar a UNE, o que vamos fazer? Construir uma frente nacional estudantil sozinhos? Se não em aliança com quem? Tudo isso deve ser avaliado para além da negativa da UNE, e a verdade, camaradas, é que hoje não existem condições político-organizativas dessa estrutura paralela surgir. O movimento estudantil organizado por fora da UNE não tem condições de, hoje, ter uma estrutura nacional de luta que possa aglutinar em si uma parte significativa da classe.
O momento de ruptura não é agora, camaradas, a maioria des estudantes não está conosco e não vamos conseguir construir essa hegemonia nos abstendo da disputa da entidade nacional que hoje, apesar da falta de estima merecida, é reconhecida enquanto tal. É possível que em outro momento venhamos a romper definitivamente com espaços de organização geral da luta controlados pelos reformistas e essa seja a saída necessária, mas esse é um momento posterior da luta, um momento em que dadas as condições revolucionária está claro pela prática de luta à maioria da classe o papel bloqueador de avanços do reformismo e a necessidade da linha proletária. Mas até esse momento, a hegemonia proletária se constrói lutando e criando condições melhores de organização a partir do lugar que essa organização existe.
Antes de ir para a parte final deste texto quero comentar brevemente sobre o MUP e seus problemas, porque às vezes ele ou ideias parecidas são apresentadas como solução para a organização geral do movimento estudantil. Me parece que o MUP tem uma contradição central não resolvida: ele é uma frente de massas, não uma organização de vanguarda, mas ao mesmo tempo ele é “nosso”, ao ponto de que sus membres são quase que exclusivamente aproximades de nossa organização. Acredito ser por essa condição inclusive que já vi muitos camaradas defenderem sua existência com base em muitos recrutamentos terem vindo do MUP e isso ser uma evidência de seu sucesso político, sendo que esses recrutamentos poderiam ter tomado outra forma não fosse o MUP. De qualquer forma, a contradição está em se apresentar como uma frente de massas, mas estar sujeito ao nosso programa como predisposição, isto faz com que só organizemos a parcela de estudantes já convencidos da saída revolucionária. Não podemos ter ilusão de que vamos organizar a luta política sozinhos, as frentes de massas que eventualmente vamos construir ou disputar não são nossas, são da classe, em torno de uma pauta ou de um setor da luta, o nosso papel é disputá-las com a linha proletária, não nos fundir a elas ou tentar assumir sozinhos seu papel.
Para finalizar, quero dizer que concordo em parte e acho importantes as críticas do camarada. A estrutura da UNE é problemática, suas cadeiras tem pouco poder de ação que conseguimos aproveitar, ela é distante des estudantes e para mim esse deveria ser justamente um dos pontos centrais da nossa disputa sobre a UNE. Devemos disputar a UNE para mudar sua estrutura, torná-la uma organização que de fato organiza os trabalhos locais em trabalhos gerais, e não que os usa para se autopromover e validar. Devemos construir junto com es estudantes esse programa de democratização da entidade e usá-lo para disputá-la em suas eleições e momentos decisórios. Além disso concordo que privilegiar sem considerações a atuação na UNE em cima das atuações locais é um erro, porque essas atuações locais podem nos direcionar para outros caminhos de disputa da entidade que não sejam validá-la em seus eventos; acredito que concordo parcialmente com o camarada quando digo que é preciso urgentemente pararmos de sermos reboquistas com a UNE no seu debate nacional e isso por vezes vai exigir ações que “invalidem” a entidade, mas é neles que devemos mostrar que a culpa é de suas direções e que outro trabalho nacional poderia estar sendo feito.
Acredito sim que devemos continuar disputando a UNE e outras entidades gerais que possam estar sob controle da social democracia hoje, mas devemos mudar radicalmente o que entendemos por disputa, sem medo de represálias. A única represália verdadeiramente prejudicial a nós é a des estudantes.