Sobre a tentativa de homicídio ocorrida na Cidade Baixa: Pelo fim do policiamento ostensivo na CB e do racismo policial!

Vamos até o fim com esta denúncia, inclusive apresentando uma denúncia-crime contra a tentativa de homicídio cometida pelos brigadianos. Todo o dano que foi causado será cobrado. Convocamos uma manifestação pública na próxima terça-feira (04/03), às 17h, no Largo Zumbi dos Palmares.

Sobre a tentativa de homicídio ocorrida na Cidade Baixa: Pelo fim do policiamento ostensivo na CB e do racismo policial!

Nota política do PCBR em Porto Alegre (RS)

No dia 28 de fevereiro, à sombra do antipopular decreto do prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo, que proibiu a comemoração do carnaval no bairro Cidade Baixa, não havia qualquer clima de festa para além da boemia tradicional da região. Era nada mais que um dia comum, com a mesma aglomeração de sempre. A Polícia Militar, por outro lado, não deixou de estar presente no local com sua costumeira repressão, dispersando as mínimas aglomerações sob o argumento de “desobstruir as vias”, mesmo sem haver qualquer problema na circulação de veículos. Entretanto, os atos de violência que se sucederam excedem em muito o já inaceitável. Apesar da condição ordinária da ocupação da região, a Operação Carnaval da Brigada Militar definiu que o policiamento seria extraordinariamente ostensivo, resultando em uma noite de terror, tortura e deliberada tentativa de homicídio por parte dos policiais contra uma militante trans negra do PCBR. 

A ostensividade da Brigada Militar do governador Eduardo Leite, evidentemente, gerou indignação e inconformidade nas pessoas, que já sem direito ao carnaval, ainda precisavam lidar com a agressividade arbitrária dos policiais. Populares começaram a gravar a ação e questionar a prioridade do Estado: a maior ameaça à segurança do Estado é a presença de pessoas se divertindo na Cidade Baixa, a ponto de deslocar um batalhão inteiro para lá? Por que não há a mesma preocupação com a saúde e segurança dos trabalhadores da educação e os estudantes da rede pública, que têm sofrido com as intensas ondas de calor e a falta de estrutura nas escolas após a volta às aulas? Perguntas como essas foram feitas por nossos militantes à PM, ao mesmo tempo que filmavam a ação da polícia. Foi isso o que irritou os brigadianos, quando um sargento sádico, que desde o início estava sendo violento com a população, sob a acusação de “desacato”, deu voz de prisão e convocou sua tropa para espancar nossa militante. 

A partir daí, inicia uma verdadeira sessão de tortura, sadismo e racismo. Luan, uma pessoa transgênero e negra, foi rendida e espancada no chão. Ela, que tem cerca de 50kg e não apresentou resistência ou ameaça, foi imobilizada por três policiais. Mesmo já deitada no chão gritando "estou rendida, parem!", recebeu socos no rosto, pontapés, spray de pimenta direto nos olhos, enquanto um policial colocava o joelho sobre o pescoço dela, tentando sufocá-la da mesma forma que George Floyd foi morto nos Estados Unidos. Um camarada que gravava a ação da polícia e pedia para parar com o espancamento, foi puxado pelas costas por um PM e alvejado à queima roupa na perna, em curtíssima distância (menos de 3 metros), com um tiro de bala de borracha. Outras pessoas que estavam apenas nos arredores também foram atingidas pelo spray de pimenta, empurrões e tiros. 

Ao ser conduzida algemada para o camburão, mesmo após ser rendida e espancada por vários minutos, um dos policiais propositalmente bateu a cabeça de nossa camarada contra a carenagem de ferro da viatura, o que claramente constitui tentativa de homicídio, pois assumiu o risco de matá-la. A cena completa está disponível nas nossas redes sociais através de diversos registros e vários ângulos que apenas confirmam o nível de covardia dos brigadianos e a clara intenção assassina.

Então, três dos nossos camaradas foram conduzidos em viaturas para o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Lá, de forma abertamente discriminatória, é negado o atendimento médico para nossa militante negra. O mesmo sargento sádico que lhe deu voz de prisão a impede de prosseguir para exames médicos e a coloca algemada de volta num camburão, enquanto as outras vítimas, todas brancas, aguardam por atendimento no saguão do hospital. Por cerca de duas horas, numa noite quente da onda de calor que vive a cidade, nossa camarada ficou presa no camburão sem qualquer ventilação, sangrando, com dor, gás de pimenta no rosto e sem informações do seu destino. 

Quando nossos camaradas, familiares e pessoas solidárias foram fazendo número em frente ao hospital e foi ficando claro que as vítimas eram vinculados ao PCBR, os brigadianos começaram a passar histórias contraditórias sobre o ocorrido, se negando a dar maiores detalhes. Após o fim do atendimento médico das outras vítimas, durante o qual ocorreram outros casos de abuso de poder, como algemamento desnecessário, deboches da situação, cochichos entre os policiais de que deveriam ter “estrangulado e espancado mais”, além de muitos comentários misóginos, a Brigada levou todos para o Palácio da Polícia de Porto Alegre. 

Na delegacia, com a presença ainda maior de pessoas solidárias se manifestando no espaço, diversas presenças jurídicas, familiares, representantes de partidos políticos e o assunto já circulando nas redes sociais, o delegado responsável orientou os brigadianos a não darem seguimento com a narrativa que eles teriam sido “agredidos”. Foram orientados a resumir toda a situação como “desacato a autoridade”. Foi possível ouvir um dos brigadianos dizendo que era melhor agilizar o  processo antes que “os deputados chegassem”. Assim, após o corpo delito das vítimas, todas foram soltas rapidamente por volta das 4h30 da madrugada, assinando a acusação de suposto “desacato a autoridade”, sobre o que será aberto Inquérito Policial e se provará a inocência de nossos militantes.

Esse é o retrato do caráter racista e corrupto que é o proceder cotidiano da Brigada Militar, e também do nível de esgotamento moral a que chegaram os governos Melo e Leite. A bem da verdade, foi um acaso que as vítimas tenham sido nossas militantes e estão tendo essa visibilidade, pois situações como estas são comuns a inúmeros jovens negros, trans e quilombolas, principalmente os pobres moradores da periferia, que muitas vezes não têm o mesmo suporte e visibilidade que nossos militantes estão tendo.

Além disso, é o retrato do ponto em que chegou a política insana de policiamento ostensivo na Cidade Baixa, um bairro cujas raízes estão assentadas na história da população negra em Porto Alegre. Porém, cada vez mais, esse bairro sofre um processo de gentrificação, que atende somente ao apetite de lucro de grandes construtoras que mandam e desmandam na cidade, as quais pretendem que lá se torne um novo espaço “nobre” da cidade. Esta é a intenção, por exemplo, da Melnick e Cyrela Goldzstein, ambas financiadoras diretas da Brigada Militar, por meio do Instituto Cultural Floresta (ICF). Ao fim, essa é a essência da Brigada: reprimir violentamente a população e defender a todo custo o interesse das famílias dominantes do Estado.

Já somos as vítimas do maior crime climático da história do país, as enchentes de abril e maio de 2024, cujo dano psicológico e financeiro ainda é presente. Soma-se a isso a negação completa do lazer, da cultura e o risco de homicídio policial por somente estar na rua. É uma humilhação completa dos trabalhadores, em especial jovens, que já são submetidos aos mais baixos salários e escalas exaustivas como a 6x1, ou até à escravagista escala 10x1, como é o caso do Zaffari. Uma situação extrema e intolerável como esta exige uma resposta à altura.

Em síntese: do início ao fim, foi uma ação irracional e sem justificativa por parte da Brigada Militar. Absolutamente nada - menos ainda o suposto desacato - justifica o nível de brutalidade da PM. O tratamento diferenciado e incomparavelmente mais violento utilizado contra nossa camarada negra demonstra, mais uma vez, o racismo policial. Os deboches dos PMs, depois, revelam a vontade deliberada de espancar as pessoas. 

Vamos até o fim com esta denúncia, inclusive apresentando uma denúncia-crime contra a tentativa de homicídio cometida pelos brigadianos. Todo o dano que foi causado será cobrado. Convocamos uma manifestação pública na próxima terça-feira (04/03), às 17h, no Largo Zumbi dos Palmares. Exigimos do governador o fim imediato do policiamento ostensivo na Cidade Baixa e medidas concretas contra o racismo policial e sua tentativa de homicídio. Que a barbárie que testemunhamos no dia 28 de fevereiro seja o sinal para nós darmos um basta a esse projeto.