'Sobre a tarefa pedagógica dos comunistas - Parte 3' (Marcelo Hayashi)
Nesta tribuna, busco trazer uma síntese das minhas pesquisas durante a graduação e o mestrado, onde busquei analisar as políticas públicas de Educação Integral no Brasil.
Por Marcelo Hayashi para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, busco através desse escrito enviar uma contribuição para as nossas tribunas antes do fechamento delas. Entendo que tal escrito não visa propor diretamente nada em quesito de teses, mas tem como intuito limpar o terreno a frente nas discussões sobre educação.
Dado que escrevo nas últimas horas de envio, mediante a tarefas de greve e questões mais cotidianas, entendo que em algum momento eu possa me equivocar no uso de algum termo ou outro, de maneira mais conceitual.
Na outra tribuna que enviei, busquei dialogar sobre quais seriam a importância das questões educacionais e pedagógicas para nossa linha política, e também debater questões sobre a Pedagogia Histórico-Crítica, em resposta à tribuna de outro camarada.
Nesta aqui, busco trazer uma síntese das minhas pesquisas durante a graduação e o mestrado, onde busquei analisar as políticas públicas de Educação Integral no Brasil. Fica o convite para quem quiser ler ela na íntegra nesse hyperlink. Tento fazer essa síntese apressada dado que um trabalho acadêmico não cabe enquanto uma tribuna e entendo que seria impossível que toda militância lesse o trabalho todo num curto período de tempo, dado a rotina massacrante do capitalismo e a extensão da dissertação.
Importante ressaltar que o que me moveu a fazer essa pesquisa parte do conceito de ‘omnilateralidade’ apresentada nos “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” de Karl Marx. Através dele, Marx busca situar a omnilateralidade como um desenvolvimento integral do ser humano, em comparação ao desenvolvimento unilateral que é imposto dentro do capitalismo. A partir dai, busquei estudar as convencionalmente chamadas de ‘pedagogias alternativas’, até me aprofundar na leitura de documentos, políticas e propostas que permassem a temática do desenvolvimento integral e da Educação Integral. Fiz essa análise no final do governo Dilma, onde até então a política petista tentava aprofundar a política da Educação Integral em todo território.
De onde surge a discussão sobre o desenvolvimento integral do ser humano no Brasil?
Antes de falar exatamente sobre a política da Educação Integral, é importante nos situarmos no sentido de entender que, ao menos desde o início do século XX, já vemos indicações de conceitos e princípios permeando ideias e propostas sobre educação sendo discutidas por aqui, pelo menos em nível teórico.
O Bloco Operário Camponês (BOC), enquanto uma frente de massas lançada pelo então Partido Comunista Brasileiro (PCB), já falava de forma tímida em alguns princípios em seu manifesto, como a necessidade de provisão de materiais e transportes gratuitos, multiplicação das escolas profissionais e melhoria nas condições de vida do professorado. Mas a discussão sobre os princípios aparece de maneira mais demarcada com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.
A construção do Manifesto foi feito por muitas mãos, e entre elas haviam pessoas de linhas políticas convergentes e divergentes em vários pontos. Houve uma preocupação por parte de Anísio Teixeira no uso do termo “integral” com intenção de evitar confusões com os integralistas à época. Mas já se falavam em “homem integral”, “Estado integral”, “Educação Integral” e “escolas de vida completa”. Se inspiraram em escolas inglesas, alemãs, italianas (mais especificamente montessorianas), e outras experiências de Genebra e Bruxelas. Houve muita influência da teoria de John Dewey e William Heard Kilpatrick no Manifesto.
Existem passagens do Manifesto que citam diretamente o termo “educação integral”, dizendo que os indivíduos teriam esse direito, e que deveria ser provido de maneira essencialmente pública. Claro, há que se ressaltar aqui que pouco do Manifesto foi adotado na época ou mesmo até hoje. E aqui não se trata de um saudosismo ou de uma defesa de que isso deveria ter ocorrido ou não, mas sim de um fato: o Manifesto foi muito mais uma ideia do que uma política pública.
A partir dos anos 1950, vemos o desenvolvimento de uma primeira proposta pública, idealizada por Anísio Teixeira, com o princípio do “tempo integral” (uso aspas aqui para destacar o termo). Essa experiência foi o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), constituído no bairro da liberdade, em Salvador (BA). O CECR era composto por “Escolas-Classe” e “Escola-Parque”, e buscavam levar atividades intelectuais e práticas em todos os períodos do dia. Houve a tentativa de implementar 28 dessas “Escolas-Parque” no plano piloto de Brasília, onde apenas 5 delas foram de fato construídas e inauguradas.
Aqui é o que caracterizo de Escola de Tempo Integral (ETI), dado que, para além da questão temporal, pouco se teve de uma educação verdadeiramente integral para além disso.
(Aproveito para fazer o parênteses aqui: essa caracterização parece irrelevante, mas é importante para diferenciar na prática o que tivemos de Educação Integral (EI) nas políticas públicas e o que ficou apenas no tempo, ou seja, na Escola de Tempo Integral (ETI); já indico que quase sempre, a expansão do tempo escolar pouco ou quase nada diz sobre um avanço do desenvolvimento integral do ser humano)
Um pouco mais a frente, em meados de 1980 no Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro idealiza junto ao governo de Leonel Brizola, os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP’s). Eles buscavam integrar em um único local: escola, espaços hospitalares, bibliotecas, quadras esportivas, etc. Foram colocados em funcionamento cerca de 506 CIEP’s, atendendo 20% dos alunos do estado do RJ. Esse projeto esbarrou em muitas questões práticas, tal qual a falta de investimento para a realização de uma educação integral em sua completude, como a contratação de mais profissionais, condições de trabalho adequadas, etc.
Com a eleição de Fernando Collor de Melo como presidente e o início do projeto neoliberal no Brasil, temos a experiência dos Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIAC’s), novamente experienciados em Brasília. Buscavam também integrar a educação à saúde, cultura, esporte, etc. Houve aqui já uma inserção do setor privado na educação, onde a União buscava passar sua responsabilidade de mãos, típico das propostas de Estado Mínimo.
Mais ou menos na mesma época, vemos a criação dos Centros Educacionais Unificados (CEU’s), como parte da política de Luiza Erundina na Prefeitura Municipal de São Paulo, durante a década de 1990, e que depois foram efetivamente implantadas durante a gestão de Marta Suplicy nos anos 2000. Para quem vive, já viveu ou conhece um pouco do estado de SP, sabe que os CEU’s se espraiaram enquanto política por todo estado ao longo dos anos. Também são espaços que buscam concatenar escola, cultura, esporte, etc.
Aqui abre-se a exceção para citar o CEU Heliópolis que existe até hoje, e é articulado em conjunto a União de Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (UNAS). Ou seja, escola e movimento sociais conjuntos, trazem uma outra perspectiva para uma mesma política pública que se esvaziou em outros lugares.
Aqui as coisas começam a ficar um pouco mais complexas porque se adotam algumas justificativas para sua implementação, que perpassam conceitos como o da “intersetorialidade”, ao qual me debrucei com mais afinco durante a pesquisa. Mas também aparecem termos como “cidade educadora”, aos quais pretendo abordar no próximo item.
Fiz um breve apanhado de questões que cito e discorro com mais informações na dissertação para situar de onde parte a discussão. Para além das experiências práticas, termos, conceitos e princípios da Educação Integral aparecem em documentos como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Darcy Ribeiro), o Plano Nacional de Educação I e II, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), no Programa Mais Educação, o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), entre outros.
De onde surge a discussão sobre a Educação Integral?
O termo citado anteriormente (Cidade Educadora) surge em 1990 durante o I Congresso de Cidades Educadoras, realizado em Barcelona, na Espanha. Esse movimento buscava formar o perfil educativo da cidade, “dado que o desenvolvimento dos seus habitantes não pode ser deixado ao acaso”. Em 1994, já no III Congresso Internacional de Cidades Educadores, realizado em Bolonha, na Itália, foi elaborada uma declaração de princípios que tinham como premissa a construção de cidades mais inclusivas, justas e participativas, objetivando a plena vivência cidadã de crianças e adolescentes.
Termos que muitas vezes foram usados na Carta Manifesto desse movimento aparecem de maneira mecânica nos documentos das leis e projetos citados no item anterior, principalmente os mais recentes, do período da redemocratização para cá.
Muitas das chamadas “pedagogias alternativas” como as escolas Waldorf, Escola da Ponte, Projeto Âncora, Summerhill na Inglaterra, ou mesmo a Cidade Escola Aprendiz Politeia (dirigida pela filha do falecido Paul Singer, Helena Singer), perpassam as temáticas envolvendo o desenvolvimento integral do ser humano e/ou a questão do tempo integral na escola. Muito do que ouvi na época e que me motivou à pesquisa era que diziam que duas coisas eram necessárias para implementação de tais iniciativas (tanto as políticas públicas como algumas dessas propostas alternativas ao ensino público): governabilidade e intersetorialidade. Bem, se eu fosse me deter a explicar isso a fundo, teria que replicar novamente minha dissertação aqui, o que não irá caber em tamanho de texto e em tempo para a escrita.
Coloco então, no lugar disso, algumas reflexões para pensarmos:
- Na “inspiração” do movimento que surge em Barcelona, o Brasil não adotou de maneira um pouco mecânica tais princípios? Devemos levar em conta que a construção histórica dos países europeus, seus desenvolvimentos urbanos e suas culturas são totalmente diferentes das daqui.
- O que nos serve dessas experiências e o que não devemos considerar?
- O que há dentro dessas políticas do projeto liberal e o que foi abarcado enquanto princípio de outras propostas?
E agora, para onde vamos?
O que pretendia com essa tribuna foi trazer mais à tona a discussão sobre isso. Já vi vídeos em que o camarada Jones Manoel cita sobre as experiências do governo Brizola, e acaba incorrendo no erro de confundir a Escola de Tempo Integral com a Educação Integral. E vejam, isso não é uma crítica ao camarada individualmente, pois recorrentemente vejo a nossa militância errando na definição ou entendendo que a EI é a mesma coisa que a ETI, ou em outras discussões sobre educação que mais partem de achismos do que de análises pertinentes.
Para além de limpar o caminho a frente, é importante refletir de maneira mais concreta sobre essas propostas, suas possibilidades e suas limitações. Utilizo os exemplos das Escolas de Tempo Integral em São Paulo (denominadas como PEI’s). Elas trazem algo de perspectiva boa para, por exemplo, mães que trabalham? Sim, dado que concretamente seus filhos podem ficar nas escolas, sendo cuidados enquanto elas trabalham e recebem o sustento das famílias proletarizadas. Inclusive, essa deveria ser uma pauta mais presente em nosso programa, ou pelo menos mais bem delineada. Agora, qual a qualidade do ensino que essas crianças estão recebendo? Na prática, não se configura como um contraturno escolar sem mudança ou ampliação da qualidade do ensino?
Por parte do professorado paulista, há uma visão muito clara do quanto isso afeta fisicamente e mentalmente toda a categoria. São horas intermináveis de trabalho, seduzidos por um salário e plano de carreira melhores em comparação a precarização dos categorias O, V, substitutos e todos outras… Mas o dinheiro a mais vale o que é pago? Se mal há condições básicas nas escolas, como garantir uma Educação Integral de fato apenas com a extensão do tempo?
A experiência que aponto em SP não é a mesma dentro do próprio estado, dado as grandes diferenças de regiões e cidades, mas também é diferente dentro do território nacional. O projeto de Educação Integral petista não foi o mesmo para todas as regiões. E aqui há uma questão básica que aparece em nossa frente: a tal da governabilidade e a retirada de investimento, desmonte e abertura para o setor privado na educação em todos os níveis, mas principalmente a básica.
O Programa Mais Educação do Governo Lula e o Novo Mais Educação do Governo Dilma já dialogavam com o setor privado instituindo Parcerias Público-Privadas (PPP’s), como a com o Instituto Ayrton Senna. Já no atual governo Lula, vemos novamente a tentativa de implementação de um resgate dessa política, e também vemos um setor privado ainda mais predatório dentro da área da educação, com acordos já firmados entre o governo e o conglomerado de Jorge Paulo Lemann, um dos maiores do Brasil e do mundo no âmbito da educação.
E aqui coloco novamente reflexões:
- De todas essas políticas e ideias pedagógicas, quais princípios para chegarmos num desenvolvimento integral do ser humano nos servem?
- O que está imbricado ou atravancado pela política neoliberal? Até onde o desenvolvimento dessas políticas foi travado propositalmente ou não?
De forma breve, sintetizo que devemos sim lutar por uma educação que permita o desenvolvimento integral do ser humano, e que podemos nos aproximar de algumas dessas políticas. Porém, situá-las fora do seu contexto histórico e geográfico não nos servirá muito.
Será importantíssimo nos debruçarmos sobre isso com maior qualidade, tempo e estudo. Afinal, até hoje não sabemos qual projeto pedagógico e educacional defendemos para impulsionar o processo revolucionário e nem qual defenderemos enquanto um ideal socialista no Brasil.
Espero que a tribuna sirva ao menos para provocar reflexões e diálogos no movimento comunista. Pretendo continuar escrevendo essa série de textos que comecei há alguns anos em minhas próprias redes, independente do fechamento das tribunas ou não (decisões que ficam para a etapa nacional). Que tenhamos uma etapa nacional de avanços e reestruturação do nosso movimento!